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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16537: (In)citações (102): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte V): O Umaru Baldé que eu conheci... O "show" de morteiro 60 que o "puto" deu, no CIM de Contuboel, em exercício de fogo real, na presença do próprio gen Spínola em maio de 1969... (Valdemar Queiroz, fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Intrução Militar (CIM) > CART 2479 / CART 11 >  c. março/maio de 1969 > O instrutor (Valdemar Queiroz) e o recruta Umaru Baldé, "menino de sua mãe"...

Foto: © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados


Resende > Convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71) > 1999 > O Umarú Baldé, à esquerda, 30 anos depois da foto de cima, com o Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71) e outro camarada guineense que não foi possível identificar. Na altura, foi o Virgílio Encarnação quem levou o Umaru Baldé e o colega até Resende. O Encarnação também foi um dos que, a par do João Gonçalves Ramos, arranjou trabalho ao Umaru Baldé na Expo 98 / Parque das Nações.

Foto: © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; instrutor do CMI Contuboel] [, foto atual à esquerda]

Data: 27 de setembro de 2016 às 23:49
Assunto: As outras cartas da guerra... > Umaru Baldé

Ora viva, Luís Graça.

Como já escrevi no nosso blogue, encontrei-me em novembro de 1999, com o Umaru Baldé, a primeira vez na Damaia, Amadora [,onde ele tinha um quarto alugado, depois que entrou em Portugal, pela primeira vez, em 15/4/1999]. Encontrámo-nos ainda mais duas ou três vezes e também fui vê-lo a Torres Vedras [, ao Hospital do Barro, em 2000].

O nosso primeiro encontro foi surpreendente, pois estava à espera de ver o 'puto', mais crescido por certo, mas eis que aparece o Umaru com mais de 1,80. Embora passados trinta anos, conhecemo-nos logo e fizemos uma grande festa, mas já não me lembro do que falámos.

Nos encontros seguintes, o tema das nossas conversas era sempre o mesmo: ele arranjar documentos que comprovassem ter sido militar do exército português. Sei que fez vários requerimentos / exposições da sua situação sem conseguir o que pretendia.

Inclusive, tanto o Cap Analido Pinto como o Alf Pina Cabral e o 1º Sarg Ferreira Júnior [, da CART 2479 / CART 11] fizeram um documento, devidamente assinado, expondo a autenticidade de ele ter sido soldado recruta, com o seu número e tudo, da nossa CArt 2479. Mas de nada serviu.

Também falámos dos acontecimentos da Guiné-Bissau naquela altura em que ele era apoiante politico do 'Grupo de Bafatá'. [Partido da Resistência da Guiné Bissau - Movimento Bafatá, RGB - MB, fundado em 1986].

Julgo, não me lembro, nunca termos falado do tempo da guerra [, ou seja, da CART 11 e da  CCAÇ 12], a não ser que veio para transmissões em Bissau [, em 1972, já como posto de 1º cabo].

Não sei explicar como foi o processo do seu recrutamento na Guiné, por já não me lembrar a não ser o que ele conta numa das suas cartas [, já aqui publicadas: vd. poste P16525] .

Recordo-mo de ele ser muito 'djubi', ele e outros, e não teria mais de 16 anos. Basta dizer que ele era mais baixo que eu (1,68 m) e quando nos encontrámos na Damaia media mais de 1,85 m.

Mesmo com pouco físico, [o 'puto' Umaru]  era o homem do morteiro 60 e exímio apontador. Houve, na bolanha de Contuboel, um exercício de fogo real de morteiro, com a assistência do Gen Spínola, Cap Almeida Bruno e Maj Carlos Azeredo, em que os tiros do morteiro do Umaru foram de grande precisão, de tal modo que criaram grande espanto a todos os presentes.

De resto não me lembro de ter havido outro acontecimento relevante em que ele interviesse.
O resto já todos sabemos o que lamentavelmente aconteceu.

Um abraço
Valdemar Queiroz

Guiné > Setor L1 > Bambadinca >
CCAÇ 12 (1969/71) >  O fur mil Henriques,
o José Carlos Suleimane Baldé  e o Umaru Baldé,
em Finete, 2º trimestre de 1969.
Foto de LG
2. Comentário do editor:

Obrigado, Valdemar, pelos teus esclarecimentos adicionais. Ainda temos uma quarta (e última) carta para publicar, das que enviaste, escritas ou ditadas pelo Umaru Baldé e dirigidas a ti e, eventualmente,  a outros camaradas da Guiné, da CART 11 e da CCAÇ 12 [como foi o caso do António Fernando Marques, seu comandante de seção, da secção nº 2, do 4º Gr Comb / CCAÇ 12; o João Gonçalves Ramos (ex-sold radiotelegrafista), o ex-1º cabo, do 4º G Comb. Virgílio S. A. Encarnação; ou o até o próprio cap inf, hoje cor ref, Carlos Alberto Machado Brito].

Quando o Umaru Baldé precisou da ajuda do nosso blogue, ele ainda não existia, tendo nós começado timidamente em 2004 (ano em que se publicaram os primeiros... quatro postes). Mas sinto que o Umaru Baldé (c. 1953-2004) deve ficar, entre nós, na Tabanca Grande, a título póstumo, por muitas razões, e até pelos seus contributos (póstumos), as cartas, o relato do seu infortúnio, a expressão do seu amor à "Pátria Portuguesa", a solidariedade que gerou..., contributos esses que são relevantes para a história da "africanização" da guerra e do processo de retirada das NT, bem como para a reconstituição do "puzzle" da nossa memória... 

Dos originais militares guineenses da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1960/71), só temos, na Tabanca Grande, o nome do José Carlos Suleimane Baldé, vizinho do Umaru Baldé: o Zé Carlos era de Amedalai e o Umaru era de Demba Taco. Era, de resto, o único 1º cabo, do recrutamento local, que integrava a companhia: havia soldados arvorados que seriam promovidos a 1ºs cabos, logo que fizessem o exame da 3ª ou 4ª classe... 

Na altura o Cherno Baldé saudou a nossa decisão de integrar, em 2012, o  Zé Carlos na nossa Tabanca Grande nestes termos:

"A tua decisão de integrar o Suleimane na nossa Tabanca Grande terá, certamente, pouco efeito prático, mas reveste-se de um grande significado simbólico e de homenagem a todos os ex-milícias e soldados africanos que serviram na guerra da Guiné que, como costumo referir, foram voluntários da sua própria desgraça." (**)

Integrar o Umaru Baldé na nossa Tabanca Grande tem o mesmo significado. É um gesto de homenagem, de reparação moral, de solidariedade e de camaradagem. O Umaru Baldé é outro exemplo paradigmático da desgraça que aconteceu a todos aqueles guineenses, fulas e não só, que acreditaram no sonho de uma Pátria Portuguesa onde todos podiam caber, e que combateram nas nossas fileiras... Spínola foi o arauto desse sonho mas também o seu coveiro... A História nos julgará a todos!
___________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

 28 de setembro  de 2016 > Guiné 63/74 - P16532: (In)citações (102): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte IV): "Viva Médicas e Médicos Portugueses. Viva Portugal com os Negros Unidos" (sic) (carta de 15 de novembro de 2000)

27 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16530: (In)citações (101): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte III): E a propósito...o Umaru Baldé e o Luís Cabral que eu conheci... Eventualmente por uma diferença de alguns anos não se encontraram, no "terminal da morte" que era então o Hospital do Barro, em Torres Vedras, a vítima (Umaru Baldé, c. 1963-2004) e o carrasco (Luís Cabral, 1931-2009) (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)

27 de setembro 2016 > Guiné 63/74 - P16527: (In)citações (100): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte II): "Portugal, os portugueses e os políticos que querem esquecer os passados" (sic)... Ou a Pátria portuguesa que lhe foi madrasta...

26 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16525: (In)citações (99): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte I): "Filho único e menino, minha mãe chorou quando, em 12 de março de 1969, alferes me foi buscar a Dembataco para defender a pátria portuguesa"

(**) Vd. poste de  18 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9922: (In)citações (39): Integrar o Suleimane na Tabanca Grande foi de um grande significado simbólico e de homenagem a todos os guineenes que serviram na guerra da Guiné (Cherno Baldé)