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sexta-feira, 26 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24343: Notas de leitura (1585): "Os Manuscritos de R.", por Jaime Froufe Andrade, segunda edição de Novembro de 2019, um monumento literário aos antigos combatentes que Portugal esqueceu (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio de 2023:

Queridos amigos,
Havia algo de tão íntimo nesta narrativa que Jaime Froufe Andrade me enviou em outubro de 2020 que me impediu, após sucessivas leituras que dela fiz, de publicitar a importância deste documento literário. Não há para aqui lamúria nenhuma, põem-se os dados na mesa, exibem-se os factos, fala-se de velhos que parece que têm que contar às escondidas que se fizeram homens para uma guerra para onde foram enviados ou que se juntam uma vez por ano para trocar impressões se foi ou não foi assim mesmo que aquilo se passou, isto depois de já se terem contado as baixas trazidas por mais um ano, daquele encontro para este. Não hesito em chamar-lhe monumento literário e dizer que Jaime Froufe Andrade, alferes-miliciano ranger, em Moçambique (1968-1970) lega à literatura da guerra colonial um texto de arromba, para mim está no pódio do que há de melhor, o Moçambique que ele vai soletrando sílaba a sílaba pode facilmente transmutar-se em picadas guineenses ou angolanas, é assim que se define a universalidade da escrita.

Um abraço do
Mário


Um monumento literário aos antigos combatentes que Portugal esqueceu

Mário Beja Santos

Os Manuscritos de R., por Jaime Froufe Andrade, com segunda edição em novembro de 2019, é um tremendo grito de desespero. No uso de uma arquitetura literária que tem escola, há um editor livreiro a quem foram parar às mãos os manuscritos, uma prosa inquieta, um carrossel de clamores, e tratada como obra póstuma cabe ao escritor burilar as tais folhas convulsas, encontrou a satisfação em dar inteligibilidade a frases descontínuas, e entramos de escantilhão num lugar de guerra, há misturas de falas, farrapos de recordações, alguém vem de mochila às costas, bornal encostado à anca, a descer a estrada da Circunvalação, com o Porto à esquerda, Matosinhos à direita. Tem um objetivo a milhares de quilómetros. Engane-se quem pense que ele vai sozinho, “Acompanha-me um infindável rol de lembranças, acontecimentos bons, maus, poéticos ou prosaicos, dramáticos, fúteis ou de mero entretenimento.”

Tudo em rodopio, em alvoroço, umas vezes estamos no presente outras vezes no futuro, ou num algures pretérito. Parece que vamos a caminho de Tete. E vamos habituarmo-nos a expressões inusuais na literatura da guerra, por exemplo, viventes-a-prazo-indefinido ou vivente-a-muito-curto-prazo. Há gente que aparece aqui com diferentes idades, tanto podem ter 25 como 90 anos, as marchas são frenéticas, quem parece delirante lembra-se que é um ranger, está a esgatanhar-se para que a memória lhe traga à escrita aquilo que se viveu e a dor como se viveu, deste modo:
“A estação quente estava no pino. Caminhávamos há várias horas pela savana. O sol, caustico, mostrava-se pior do que aguarrás. Fazia rechinar as pedras. Extenuados, trôpegos, seguíamos em fila indiana, a vários metros uns dos outros. Os corpos, sujeitos a uma temperatura de 50 graus, lembravam – se os houvesse – fósforos ambulantes, prontos a arder. O inferno mudara-se. Montara arraial nestes ermos desolados, onde parecia não haver vida.”

Quem delira e quem rememora prossegue esta viagem, é de presumir que se trate de uma fuga, haverá talvez um ponto de encontro, pois fique-se sabendo que tudo aquilo que aqui se escreve em desassossego e com raiva, estes velhos desaustinados, desmemoriados, guardavam, como dever final, imagens retiradas da net, tais como evacuação de feridos, viaturas militares esfrangalhadas, pessoal de G3 na mão a atravessar linhas de água a embrenharem-se na selva. Ponto curioso, tal como Jaime Froufe Andrade, este delirante autor dos manuscritos ainda lembra o nome de pessoas, bichos, rios e lugares que conheceu em Moçambique: Xeringa, Jaissone, Tsimbe; Cahora-Bassa; checa, maningue, saguá, tembé, chibante… é Moçambique e a guerra que lhes coube viver.

Este homem que tem objetivo, de nome Rodrigues, parece que chegou ao destino, dá entrada no hospital psiquiátrico. Agora sim, a guerra parece que está mais próxima, o Rodrigues anda dececionado com os filhos, estes inquietos, o pai não anda bem da cuca, tem muitas desconfianças, teme ser envenenado. Vai trocando informações e descobre que tem à volta antigos combatentes, há para ali alguém que grita:
“Portugal, lembras-te de nós? Não te faças de desentendido. Lembras-te? Somos aqueles que a teu mando reconquistámos a Pedra Verde, passámos dias de terror em Gadamael, pagámos muitas vezes com a vida em Mueda. Lembras-te? Fica-te mal esse teu esquecimento.”

E há os males menores, os maiores foram os que regressaram sem olhos, pernas e braços, ou ficaram estiraçados no capim, “porque tu nem com a viagem de regresso dos nossos corpos te importaste. Isso não se faz, Portugal.” Quanto aos males menores: “Batemos o queixo com o paludismo, urinámos sangue com bilharziose, fomos picados por mosquitos, mordidos por cobras; sofremos insónias com o som da quizumba, coçámo-nos, desesperados, até sangrar, com a penugem de vidro da vagem do feijão-macaco. Por ti, ingrato, até roídos fomos pela matacanha.”

Assume proporção gigantesca a litania por o país que esqueceu aqueles que mandou para a guerra, marcando-os no corpo, na alma, na consciência. Bem se grita, Portugal às vezes tem consciência do que eles passaram, dá-lhes isenção de taxas moderadoras, gratuidade nos transportes públicos, visitas aos museus nacionais, um discreto pecúlio uma vez por ano. E Jaime Froufe Andrade fala-nos no recém-morto-definitivo, alguém que tinha vivido assombrado pela guerra e fizera do mau-vinho o seu tratamento diário, a costumada vida familiar infernal, a mulher, os filhos e os netos aprenderam que existe uma síndrome pós-traumático.

Lá no hospital ou coisa parecida parece que há propósitos de partir para uma operação especial. Então, estoira na memória aquela recordação de que os Chiticula estava a ser atacado, um cabo de transmissões gritava desesperadamente de que aquela secção que montava guarda a máquinas de Arma de Engenharia, estava a embrulhar, à frente de um grupo de voluntários o nosso ranger pôs-se ao caminho. “Portugal, lembras-te de nós? Não te faças desentendido. Lembras-te?” Tudo isto se contava lá à malta do hospital ou da pensão onde se encontravam aqueles velhos que tinham andado pela guerra. Mas que fique bem claro que era mesmo um hospital e todos aqueles voluntários, em estado de grande tensão, lá vão progredindo a corta-mato, entram em Chiticula, não há camaradagem maior do que percorrer todos aqueles perigos e abraçar gente amiga. Tudo isto se vai contando entre viventes-a-prazo-indefinido.

A operação não descola, a falta de memória é evidente, alguém consola o alferes, quando ali chegarem e cheirarem o capim, a festa vai continuar. Sabemos agora que está tomada a decisão, vão partir em boa companhia. “Um último aceno e os primeiros passos rumo ao objetivo, situado a milhares de quilómetros. Indiferentes a uma lua pequena e desconsolada que entristece a noite, vamos já a descer a estrada da Circunvalação, com o Porto à esquerda, Matosinhos à direita.”

Estou finalmente a ressarcir-me do silêncio em que guardei esta joia que me foi enviada pelo Jaime Froufe Andrade, com data de 19 de outubro de 2020, é uma narrativa prodigiosa, uma escrita incandescente que não pode deixar indiferente quem andou de armas na mão por aquela ou por outras picadas, cada um de nós teve o seu Tete. O que posso dizer a quem me lê e ao Jaime Froufe Andrade, que conheci no Jornal de Notícias, onde escrevi 28 anos a fio, é que o ponho no pódio dos grandes livros que se escreveram da guerra de Moçambique, logo a seguir a Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz, e Olhos do Caçador, de António Brito, é narrativa de arromba, mais tocante monumento ao antigo combatente esquecido não há.

O Alferes Jaime Froufe Andrade e um guerrilheiro da FRELIMO.
Imagens extraídas do site Dos Veteranos da Guerra do Ultramar
Jaime Froufe Andrade, em 2015, durante uma entrevista
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24334: Notas de leitura (1584): "Onésimo Silveira, Uma Vida, Um mar de Histórias", por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 17 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20358: Recortes de imprensa (105): A vivência traumátca da guerra no último livro de Jaime Froufe de Andrade, "Os manuscritos de R." (Sílvia Torres, "Diário de Coimbra", 15/11/2019)







"Diário de Coimbra", 15 de novembro de 2019 > Opinião > Sílvia Torres >  A guerra não é um 'morto-definitivo



1. Texto enviado pela nossa amiga e grã-tabanqueira Sílvia Torres que tem uma coluna de opinião no  "Diário de Coimbra", "órgão regionalista das Beiras"  (, fundado em 24 de maio de 1930 por Adriano Viegas da Cunha Lucas (1883-1950),  afirma-se  como um jornal republicano, independente, de orientação liberal, defensor da democracia pluralista).

2. Do blogue Tarrenego! (com a devida vénia...)

sexta-feira, 4 de outubro de 2019 > Os Manuscritos de R., de Jaime Froufe Andrade

Jaime Froufe Andrade volta à guerra em "Os Manuscritos de R.", livro da colecção Palavras Transitivas da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. São noventa e duas páginas que se leem num suspiro, "pedacito de prosa desarticulada e fantasmática," no dizer do autor. Froufe Andrade é jornalista, foi alferes ranger em Moçambique e publicou "Não Sabes Como Vais Morrer".

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20026: Recortes de imprensa (104): O 10 de Junho de 1970 na Revista Guerrilha, edição do Movimento Nacional Feminino, dirigida por Cecília Supico Pinto (2) (Mário Migueis da Silva)

domingo, 13 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12147: Agenda cultural (286): Tertúlias Fim do Império, a levar a efeito na Messe dos Oficiais - Porto; Palácio da Independência - Lisboa e Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa - Oeiras

Publicação de Convites/Programas das tertúlias Fim do Império, enviados ao nosso Blogue pelo Coronel Ref Manuel Júlio Matias Barão da Cunha que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66.

Os programas referem-se à apresentação de livros com a presença dos seus autores, nos seguintes locais e datas:

- Messe dos Oficiais, sita na Praça da Batalha - Porto, nos dias 10 de Outubro, 14 de Novembro, 12 de Dezembro e 9 de Janeiro de 2014, às 15 horas.

- Palácio da Independência, no Largo de S. Domingos, 11 em Lisboa, nos dias 23 de Outubro, 27 de Novembro, 4 de Dezembro e 29 de Janeiro de 2014, às 15 horas.

- Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, Oeiras, nos dias 15 de Outubro, 19 de Novembro, 17 de Dezembro e 21 de Janeiro de 2014, às 15 horas.






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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12110: Agenda cultural (285): GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74 (José Saúde)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10733: Agenda cultural (238): Histórias da guerra colonial, com Jaime Froufe Andrade e Onofre Varela, no Centro Republicano e Democrático de Fânzeres, Gondomar, 30 de novembro, 6ª feira, 21h30 (Juvenal Amado / Sousa de Castro)




Pela mão do Juvenal Amado, chegou-nos a notícia deste evento, que terá lugar no Centro Republicano e Democrático de Fânzeres, sito na Rua da Igreja, 470, 4510-582 Fânzeres, Gondomar,
no próximo dia 30 do corrente, 6ª feira, às 21h30.

Fica aqui o link para a página no Facebook desta instituição de utilidade pública, e já secular, fundada em 1908.

A sessão é animada pelo nosso  camarada,  Jaime Froufe Andadre, ex-alf mil op esp,  CCAÇ 2358/BCAÇ 2842  (Moçambique, 1968/70), autor do livro "Não sabes que vais morrer" (Porto, 2008)  (que já vai em 4ª edição), bem como pelo Onofre Varela, escritor, pintor, cartunista e ator (Rio Tinto).(*)

2. Ainda há dias recebemos do Sousa de Castro [, nosso grã-tabanqueiro nº 2, autor do blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné,] um mail em que reencaminhava uma mensagem que lhe foi dirigida pelo Jaime Froufe de Andrade (, bancário reformado, Porto)... O nosso camarada José Martins também já aqui publicou um poste sobre este livro e o seu autor (**)


De: Jaime Froufe Andrade [mailto:froufe.andrade@yahoo.com]
Enviada: domingo, 4 de Novembro de 2012 23:07
Para: cart3494@gmail.com

Assunto: Guerra Colonial - Livro "Não sabes como vais morrer"

Caro camarada Combatente da Cart  3494!


Começo por te pedir desculpa por este meu atrevimento, que espero releves sem grande dificuldade.

Acaba de sair a quarta edição de um pequeno livro que escrevi sobre a minha experiência de guerra durante a minha comissão em Moçambique como alferes miliciano.

Infelizmente não posso oferecer um exemplar, como tanto gostaria, a cada camarada. Resta-me propor que me "comprem" esta obra-prima com o sombrio nome "Não sabes como vais morrer"...

Outra boa novidade para mim é eu poder disponibilizar livros a preço de custo ou seja a 2.80 Euros, quantia que decidi arredondar para os 3 (três) Euros por causa dos portes do correio.

Gosto grande seria ter-te como leitor. Se o quiseres só terás de me facultar um endereço (não esqueças o código postal) para eu te poder enviar o livro pelo correio.

Depois do livro chegar às tuas mãos, a quitação seria efectauda através da transferência dos 3 Euros para o NIB 0035 0651 0031 2990 2003 4.

Que me dizes? Confio na qualidade da tua resposta.

Abraço solidário.

Jaime Froufe Andrade

froufe.andrade@yahoo.com
telem. 93 93 20 807 / fixo 22 55 00 546  / 22 01 69 643

3. O livro está catalogado assim, no sítio Memória de África:

[277146]
ANDRADE, Jaime Froufe
Não sabes como vais morrer : 7 mais 1 histórias de guerra de Jaime Froufe Andrade e regresso atribulado no Vera Cruz. - Porto : Associacão dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2008. - 84 p. ; 21 cm. - Memória percível)
Descritores: Literatura lusófona--séc.20 | Crónica | Guerra colonial | Moçambique | África Meridional

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 27 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10732: Agenda cultural (237): Visitas guiadas em 2 e 9 de dezembro à exposição Álbum de Memórias - Índia Portuguesa, 1954-1962, Padrão dos Descobrimentos, Lisboa

(**) vd poste de 5 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10121: Agenda Cultural (210): “Não sabes com vais morrer” um livro do nosso Camarada Jaime de Jesus Froufe Andrade – Moçambique -, 1968-70 (José Martins)