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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19404: Notas de leitura (1141): Um grande arquivo do nacionalismo emergente na África Portuguesa por Ronald H. Chilcote (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
É obra, pôr no grande ecrã todos os figurantes envolvidos na chamada guerra de África ou guerra de libertação ou guerra colonial. As tomadas de posição, os programas, os documentos que passaram para a História, estão nesta obra os vencedores e os vencidos, os movimentos de libertação que se extinguiram e os que vingaram, uma recolha surpreendente, a moeda corrente do tempo eram os documentos a favor ou contra, de modo algum era usual expor todas as posições, todos os atores, sem interjeições nem quaisquer subtilezas de simpatia ou camaradagem. Talvez por isso mesmo este acervo documental gigantesco de Ronald H. Chilcote jaz hoje na penumbra, mesmo na historiografia portuguesa contemporânea.

Um abraço do
Mário


Um grande arquivo do nacionalismo emergente na África Portuguesa

Beja Santos

Ronald H. Chilcote é hoje um octogenário que levou uma carreira de prestígio na ciência política, ao nível da Universidade da Califórnia, no que toca aos estudos da África Portuguesa, do Brasil e da América do Sul. Para saber mais sobre o seu currículo profissional, as suas investigações e os livros publicados recomenda-se o site:

https://en.wikipedia.org/wiki/Ronald_H._Chilcote

O terceiro importante trabalho deste investigador foi edição documental referente ao nacionalismo emergente na África Portuguesa, edição da Hoover Institution Press, Stanford University, 1972. Projeto ambicioso e muitíssimo bem-sucedido, reconheça-se que estão aqui as peças documentais essenciais para analisar as posições do Estado Novo, da oposição interna ao regime, a evolução dos movimentos de libertação nas colónias portuguesas, uma análise da liderança dentro desses movimentos, tendo no seu termo uma impressionante lista de abreviaturas de todas estas organizações, mais um glossário de termos portugueses.

Em sequência, de modo a que os leitores interessados conheçam elementarmente os grandes tópicos, Ronald Chilcote começa por contextualizar a posição oficial do Estado Novo, dando uma sequência de discursos de Salazar e Castro Fernandes, procede à leitura de Gilberto Freire, mostra a Lei Orgânica do Ultramar, a posição de Cunha Leal e Manuel Homem de Mello, Henrique Galvão e Humberto Delgado; temos depois o itinerário dos movimentos revolucionários de Angola, com destaque para discursos e tomadas de posição da UPA/FNLA de Holden Roberto, do GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio), as resoluções da FLEC, os documentos ideológicos de Mário de Andrade e Viriato da Cruz, Agostinho Neto, a documentação básica referente ao MPLA, as resoluções das suas conferências, o acervo de documentos que o Movimento enviou a instituições internacionais; temos, logo a seguir, o nacionalismo da Guiné Portuguesa e no arquipélago de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, Ronald Chilcote agendou um texto sobre os massacres em São Tomé, em 1953, as intervenções de Amílcar Cabral, de Henri Labéry, François Mendy, Miguel Trovoada, são inseridos os estatutos do PAIGC, da União Geral dos Trabalhadores da Guiné, isto a par da documentação da FLING, o memorando do PAIGC para o Governo Português (1/12/1960), bem como o memorando que Cabral remeteu para a Assembleia das Nações Unidas, em 1961, excertos de diferentes intervenções, por vezes com exageros colossais propagandísticos, como dizer que as tropas portuguesas tinham tido elevadas centenas de mortos na batalha do Como; segue-se o nacionalismo em Moçambique, é um acervo igualmente rico, com dados históricos de Moçambique, o desenvolvimento do seu nacionalismo apresentado por Eduardo Mondlane, a momentosa situação dos refugiados exposta pela sua mulher, Janet Rae Mondlane, as diferentes forças envolvidas na criação da Frelimo e de outros movimentos posteriormente desaparecidos também têm aqui lugar, como certas regras de liderança, houve quem tentasse afastar Eduardo Mondlane acusando-o de que estava ao serviço dos americanos, os programas da Frelimo, da UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique, do Comité Secreto da Restauração da UDENAMO, da FUNIPAMO (Frente União Anti-Imperialista Popular Africana de Moçambique), do COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique), e não faltam artigos como o de Marcelino dos Santos no contexto da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em Casablanca, em abril de 1961, onde também tomaram a palavra Viriato da Cruz, Adelino Gwambe, Miguel Trovoada, são feitas referências à declaração geral produzida na II Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas que se realizou em Dar es Salaam, em outubro de 1965. No termo da obra, o cientista norte-americano apensa um conjunto de documentos que se prendem com tomadas de posição da ONU sobre o modo de resoluções, discussão até sobre a possibilidade de expulsar Portugal de várias agências. Em apêndice, o autor inclui notas da oposição, pré nacionalista e nacionalista com interesses na África Portuguesa, de diferente índole.

Um acervo documental único, mais de 600 páginas, estávamos em 1972, tanto quanto se sabe era a primeira vez que um estudioso congregava nas águas do mesmo rio a posição portuguesa, a oposição ao Estado Novo, de vários matizes, e a ascensão e consolidação dos movimentos de libertação da África Portuguesa. Documento incontornável para a história comparada de todos estes nacionalismos emergentes. Estranhamente, esta preciosa documentação é escassamente citada na bibliografia da especialidade.

Holden Roberto
Eduardo Mondlane
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19395: Notas de leitura (1140): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (68) (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18065: Bibliografia (43): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo às dez entrevistas que Mário Pinto de Andrade concedeu a Michel Laban, um especialista em literatura africana de língua portuguesa.
Documento importantíssimo não só para a génese do MPLA como para a compreensão do trabalho conjunto desenvolvido, de forma embrionária, pelos líderes nacionalistas no exílio, no Norte de África, em conferências em Londres, na obtenção de apoios financeiros e de formação militar, em que os chineses tiveram um papel primordial.
Pinto de Andrade relata as tensões no interior do MPLA que levaram à sua rutura bem como a de Viriato da Cruz. Pena é que o seu testemunho pare em 1971, por razões de saúde de Pinto de Andrade não houve mais entrevistas, o primeiro presidente do MPLA morreu pouco depois, em Londres.

Um abraço do
Mário


Uma importante entrevista de Mário Pinto de Andrade (3)

Beja Santos

Não se pode estudar em toda a sua amplitude o movimento anticolonial em Portugal sem conhecer o pensamento e ação de Mário Pinto de Andrade, um angolano que veio estudar Filologia Clássica em Lisboa e constituiu amizades com futuros líderes, caso de Marcelino dos Santos, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997, encerra dez sessões de trabalho que vão de Março de 1984 a Junho de 1987.

Em textos anteriores[*], falou-se das sua vida em Luanda, a sua passagem pelo seminário, as suas amizades angolanas, com destaque para Viriato da Cruz, a sua vinda para Lisboa, estudar Filologia Clássica que foi um desapontamento, a formação embrionária de grupos inspirados pela independências das colónias que se canalizou no Centro de Estudos Africanos, a dispersão do grupo, a partida de Mário Pinto de Andrade de Paris e a formação do efémero MAC – Movimento Anticolonial, bem como a importância de um evento, o Congresso dos Escritores Negros, em Paris, em 1956. Pinto de Andrade continua como redator da revista Présence Africaine, corresponde-se muito com Amílcar Cabral, com Joaquim Pinto de Andrade e Viriato da Cruz, está já a viver-se uma época de explosão organizacional. Nisto, em 1957, Viriato da Cruz chega a Paris. Em Novembro de 1957, fazem uma reunião a cinco, em casa de Marcelino dos Santos. “Foi talvez a primeira pequena assembleia a ponto da situação do movimento geral das organizações nos cinco países africanos. Nas nossas análises, parcelares para cada um dos países procurávamos sempre determinar e medir a classe operária. Era uma visão muito estreita das forças sociais”. Foi assim que se constituiu o MAC.

Pinto de Andrade [foto à esquerda] sentia dentro de si mudanças: “Foi-se aprofundando uma contradição entre a necessidade de ação, a disponibilidade para essa ação e o meu trabalho normal, o meu trabalho de assalariado na revista”. Demite-se da Présence Africaine, envolve-se em reuniões internacionais, comparece no Congresso dos Escritores Asiáticos, viaja até à China. África muda de rosto: independência do Gana em 1957, da Guiné Conacri em 1958, esta com a particularidade de ser o primeiro país africano fronteiriço de uma colónia portuguesa. No fim de 58 realiza-se a Conferência dos Povos Africanos em Acra, aí comparece Holden Roberto. Em 1959 realiza-se o segundo Congresso dos Escritores e Artistas Negros, em Roma. Aí reúnem com Franz Fanon que informa que os argelinos estavam prontos a ajudar na formação político-militar de jovens quadros de Angola. “Este encontro com Fanon reforçou em cada um de nós uma decisão importante: era preciso voltar a África. Não podíamos estar dispersos pela Europa, a Europa era um lugar de passagem, era uma transição para África”.

Em Maio de 1960, estes jovens dirigentes nacionalistas estão reunidos em Conacri: Pinto de Andrade, Amílcar Cabral, Viriato da Cruz e o de Meneses. Eles constituíram o núcleo dirigente de uma nova organização, a FRAIN – Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das colónias portuguesas, que veio substituir o MAC. Todos se metem ao trabalho de agitação numa atmosfera onde já se desenhava a fisionomia repressiva do regime ditatorial de Sékou Touré. Constituiu-se o primeiro comité diretor do MPLA, Pinto de Andrade assegura a responsabilidade de presidência, o secretário-geral passou a ser Viriato da Cruz. O MPLA e o PAIGC coordenavam a sua ação no quadro da FRAIN, que também não terá uma vida muito longa. Observa que a personalidade de Amílcar Cabral fazia medo aos governantes de Conacri, não havia grandes ilusões que em Conacri havia a tentação de se apoderarem da colónia portuguesa da Guiné para criarem a “Grande Guiné”. Serão os chineses os primeiros a apoiarem os movimentos de libertação. “Altos responsáveis, ligados à Grande Marcha e à luta armada, à revolução chinesa, deram verdadeiros cursos de formação sobre a guerra de guerrilha a Amílcar Cabral, Eduardo dos Santos, Viriato da Cruz. Os outros, aqueles que acompanhavam Cabral, ficaram lá, para uma formação diferente – uma formação político-militar de base”. Os chineses deram uma ajuda financeira substancial, tudo em notas de dólar. Mais tarde, esta ajuda será ocultada por causa do conflito sino-soviético e pelo facto da União Soviética ter tomado o primeiro lugar no quadro da ajuda direta. E Pinto de Andrade recorda que a China teve um papel muito importante na formação da FRELIMO.

Pinto de Andrade esclarece que os acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961 foi uma ação interna que ultrapassou a visão da direção do MPLA. Abrem-se expetativas para os movimentos de libertação. “É por isso que organizámos, alguns meses depois do quatro de Fevereiro de 1961, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, em Casablanca”. Logo a seguir, houve uma conferência de solidariedade em Nova Deli, a questão de Goa não era inocente. Criou-se a FRELIMO. A situação ganhava complexidade: o MPLA concorria com a UPA, o PAIGC, era antagonizado por outros movimentos de libertação, tanto em Conacri como em Dakar, o principal ponto de discórdia era a unidade Guiné-Cabo Verde, mas o facto de o PAIGC começar a ter sucessos militares fez desaparecer a concorrência. Tudo mexia em África: dissensões entre os argelinos, o Congo em chamas, e é neste contexto que se dá a libertação de Agostinho Neto, surgirão tensões insanáveis entre ele e Viriato da Cruz, falava-se que havia um sério desentendimento nas escolhas de alianças, o MPLA tomou a decisão de se fundir com outros movimentos, Pinto de Andrade considerava que eram movimentos reacionários, e então demite-se da direção e como militante do MPLA. Em rutura, Viriato da Cruz aliou-se a Holden Roberto, patrocinado pela CIA. Pinto de Andrade vai para Marrocos, no final de 1963, dirigir os trabalhos da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, depois muda as suas atividades para Argel. “Sentia-me mais à vontade a escrever textos e a manejar os conceitos e a informação de que estar propriamente no aparelho organizacional. Fiquei em Argel, onde publicámos pequenas monografias sobre a Guiné, Angola, Moçambique”. Retomou os seus estudos. A luta armada alastrava em Angola e então que lhe propõem para ele ir ver e participar, parte para a frente Leste, em 1971, irá tornar-se etnólogo no seu país. Aqui terminam as entrevistas de Michel Laban a Mário Pinto de Andrade, infelizmente o seu precioso testemunho ficou truncado, o seu estado de saúde já estava seriamente abalado, morreu em 1990, em Londres.
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Notas do editor

[*] - Vd. postes de:

18 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17984: Bibliografia (41): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (1) (Mário Beja Santos)
e
25 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18013: Bibliografia (42): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2201: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (2): Eu estava lá em 1961 e lá fiquei até 1975 (António Rosinha)

Angola > 1961 > Desfile de tropas > O António Rosinha, furriel miliciano, aparece aqui em primeiro plano, assinalado com um X (1)... O alferes, que vem à frente, e os três furriéis, imediatamente a seguir, empunham pistolas-metralhadoras FBP (Fábrica Braço de Prata) (1)... AS praças, brancas e negras, usam a velha Mauser...

Foto: © António Rosinha (2006). Direitos reservados

1. Texto do António Rosinha (2):

Assunto - RTP: Chover no molhado ou... caça à audìência ? A Guerra (3)

por Antonio Rosinha


Depois de ver pela enésima vez, durante mais de 30 anos, as imagens do primeiro episódio da "NOSSA GUERRA", (mais um nome para a confusão), prometi para mim, que não emitiria opinião sobre o assunto, nem com familiares, muito menos para os tertulianos.

Embora tivesse assistido a uma das cenas em Luanda, pelo menos à manifestação em frente à embaixada da América, perto da minha residência. Estava achegar a casa, vindo do quartel, pois já havia sido re-convocado, a seguir ao célebre 15 de Março de 1961.

Para completar o relato dessa imagem, onde a população deitou o carro da embaixada à baía de Luanda, essa mesma população marchou para uma Igreja da missão adventista, perto do mercado dos Lusíadas, pois já se sabia que fora nessas missões financiadas pelos EUA, (para dilatar a fé e o império, provavelmente), que o caldinho das matanças fora organizado. Essa igreja, mais tarde foi destruída. Claro que o Joaquim Furtado, mesmo em nove epísódios, [não pdoe contar todos estes pormenores,] nem em 90...!

Mas como disse, prometi não falar, mas cá estou a faltar à promessa, tudo porque... eu vi, apalpei, cheirei, respirei, vi o princípio, o meio, e só não vi o fim, porque para mim ainda não terminou a nossa guerra, porra!!! E já saí de Bissau em 1994. No entanto escrevo, porque, outros se anteciparam a mim. O caso do nosso maior, o Homem garandi, o Luís.

E penso que os tertulianos que me lerem, como não me acompanharam no pelotão daquela vida, 1957-1975, me vão desculpar se eu contar algo que nenhum tertuliano testemunhou.

Peço ainda ao Luís ou co-editores que exibam a mesma foto em que o Luís fala da minha FBP.

Primeiro é para dizer que essas FBP estavam inoperacionais em geral, porque as poucas que existiam em Angola eram da instrução, e com tanto "monta e desmonta" as molas de recuperação já não actuavam. Mas a mim não me fez diferença, pois que, tirando a carreira de tiro, nunca fiz fogo a não ser à caça. Nem fiz nem ouvi. Vivi 200 dias por ano em toda a Angola, durante os 13 anos de guerra, menos a tropa, em barracas de campanha.


O 25 de Abril apanhou-me nas terras que Lobo Antunes chamou "Os cus de Judas", numa barraca de campanha, acompanhado por 10 serventes, aparelhos de topografia e um Land Rover em estudo de estradas. Apenas soube do 25 de Abril no Domingo a seguir.

Segundo, é para dizer que a minha vivência em Angola está bem demonstrada nessa foto, pois desde os 3 furriéis até aos soldados recrutas que me acompanham não estão por ordem de altura nem côr, e que profissionalmente e socialmente foi essa a minha vivência e de milhares. Dentro do fabuloso "espírito desorganizativo" peculiar.

O que é que me fez continuar em Angola (conscientemente) depois de ver o efeito daqueles massacres? E depois de o primeiro capitão do quadro vindo da metrópole, que eu conheci de camuflado (Sousa e Silva, ou Silva e Sousa), me ter massacrado durante uma viagem, que estava ali a sofrer, porque nós os que estavamos em Angola, eramos uns ladrões, roubávamos os pretos e maltratávamo-los etc.? (Essa viagem foi numa picada de uma manhã inteira entre Golungo Alto e Cerca em 1961, num Jeep Wyllis). Escrevo isto porque tenho antigos colegas, e hoje já muita gente lê o nosso Blogue.

A principal explicação, ouvimo-la todos na RTP, da boca de Holden Roberto a Joaquim Furtado:
-Vou reivindicar o massacre antes que o MPLA o reclame.

Em Angola todos assimilaram isso e a maioria sabia que o MPLA era URSS e a UPA era EUA. A guerra fria. E um pouco de demagogia enganava aquele povo. Até hoje Angola sofre os efeitos daquele dia. Pois inicialmente, era um movimento só no Congo, e os angolanos não esqueceram durante os últimos trinta e tal anos de guerra, e jamais esquecerão.



Foto do aldo: Embema daUPA (União dos Povos de Angola, vriada em 1954, pot Holden Roberto). Fonte: Wikipédia (Imagem do domínio público)Holden Roberto [1923-2007], cunhado de Mobutu [1930-1997] (e ajudado por ele e pelos EUA), desapareceu durante uns anos, e só apareceu no 25 de Abril, e todos Angolanos ficaram admirados, ao ponto de se dizer que deveria ser outra pessoa, por ele, (propaganda do MPLA?)... Mal falava português, apareceu em Angola com soldados que só falavam francês, e espero que Joaquim Furtado recupere uma das primeiras entrevistas dele após esse reaparecimento, em que perguntado porque o povo não aderiu, ele respondeu, como um bom adventista:
-São coisas diabólicas, sem explicação.

Outras explicações para a minha permanência em Angola, conscientemente, foi que desde a escravatura das Áfricas, até à construção daquelas cidades e fronteiras, aquela vivência sem ordem de alturas nem cores, aquela desorganização, aquele desenvolvimento/atraso, (também conheci o Congo Belga e a Namíbia e a Zâmbia nas fronteiras), nada tinha a ver com políticas Leste/Ocidente, Salazar, etc.... Tinha sim e muito a ver com Portugal e todos os africanos que conheci. E eram independentistas. Treze anos na Guiné vieram-me confirmar a lógica do meu raciocínio e de milhares em permanecer em Angola.

Prometo aos tertulianos que não volto a referir nada que não se refira só à Guiné.

Um abraço
António Rosinha
__________

Notas dos editores:

(1) Sobre a pistola-metralhadora FBP, a Wikipédia diz o seguinte:

(...) A FBP é uma pistola-metralhadora desenhada [, em 1948,] pelo Major Gonçalves Cardoso do Exército Português, que combina as funcionalidades da MP40 alemã e da M3 americana. O resultado foi uma arma de confiança e com baixos custos de produção.

A arma acabou por ser produzida pela Fábrica de Braço de Prata (FBP) em Lisboa, sendo utilizada pelas Forças Armadas Portuguesas durante a Guerra Colonial.

A versão original FBP m/948 apenas permitia o tiro totalmente automático, inconveniente que podia levar ao grande desperdício de munições. Em 1961 começou a ser produzida uma versão aperfeiçoada (FBP m/961) que permitia, além do tiro automático, o tiro semi-automático.(...)


(2) Vd.post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(3) Vd. post de 18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2193: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (1): 18 episódios, às terças feiras (João Tunes / Luís Graça)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2193: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (1): 18 episódios, às terças feiras (João Tunes / Luís Graça)

Angola > Luanda > 1961 > Desfile de tropas pára-quedistas na marginal... Cerca de 10 pessoas vieram fugidas do norte, fugindo do terror da UPA.

Fonte: Espaço Etéreo: O Despertar dos Combatentes do Ultramar > Página de © Joaquim Coelho (2004) (com a devida vénia...)


1. Reprodução, com a devida vénia, do texto do nosso camarada e corredor de maratona... bloguística (já vai no 5º ano!) João Tunes > "A não perder", publicado em 15 de Outubro último no seu blogue Água Lisa (6):


Série documental «A Guerra» estreou na RTP1 terça-feira, dia 16 de Outubro (1)


A série documental «A Guerra», realizada por Joaquim Furtado sobre o período da guerra colonial - que [estreou] terça-feira na RTP1 - vai revelar «muita informação nova sobre factos dados hoje como estabelecidos», segundo o jornalista.

O documentário, que percorre de forma cronológica 13 anos de conflitos nas antigas colónias portuguesas, resulta de uma «pesquisa bastante aprofundada com recurso a muitas fontes para dar uma visão global dos acontecimentos», explicou Joaquim Furtado à Agência Lusa.

«Traz novas informações, novas visões sobre algumas verdades oficiais», disse, apontando como exemplos os acontecimentos logo no início da guerra em Angola, e o episódio que ficou conhecido como o «Massacre de Mueda», em Moçambique, onde morreram centenas de pessoas.

Ao longo de oito anos, viu mais de seis mil filmes, oriundos, nomeadamente, dos arquivos da RTP, dos serviços de audiovisuais do Exército, muitos arquivos particulares e realizou cerca de 200 entrevistas a protagoniastas dos vários lados do conflito.

Sublinhou que, apesar de existir um enquadramento histórico do trabalho, a perspectiva da obra é a de um jornalista: «O meu objectivo é poder dar um contributo para os historiadores tratarem este período», assinalou.

«É essencialmente um visão global com as perspectivas de quem viveu este período chamando-lhe guerra colonial, guerra no Ultramar ou guerra da libertação», destrinçou, sobre os vários protagonistas envolvidos.

2. Comentário de L.G.:

Joaquim Furtado baliza a guerra [do ultramar, colonial ou de libertação, conforme as idiossincracias de cada espectador e a a sua posição político-ideológica] entre o 15 de Março de 1963 (início da rebelião da UPA do aristocrático Holden Roberto no norte de Angola) e a última emboscada na Guiné, dois dias depois do 25 de Abril, na região de Canquelifá, que terá feito vítimas de ambos os lados. Enfim, é discutível, mas é uma tentativa de arrumação de um longo período de guerra de guerrilha e contra-guerrilha em três frentes, a milhares de quilómetros da sede do Último Império Colonial...

O que me impressionou - para além do horror da violência primária, primordial e gratuita (só de um lado, ainda não vimos a resposta do terror branco...) - foi sobretudo o cinismo, o autismo, a hipocrisia, a arrogância, para além da incompetência, das autoridades portuguesas, nacionais e locais, para lidar com a trágica situação, e sobretudo para a prevenir...

A 17 de Março há um comunicado governamental referindo "alguns incidentes junto à fronteira" (sic), quando a essa hora já havia centenas e centenas de pessoas chacinadas, civis, homens, mulheres e crianças... Imagens de horror (o Holden Riberto veio dizer, antes de morrer, que a UPA foi completamente ultrapassada pelos acontecimentos...), imagens que correram mundo, captadas pela máquina fotográfica dos primeiros fotojornalistas improvisados (Horácio Caio, Manuel Graça, etc....) e que o salazarismo tão bem soube aproveitar para pôr a marcha a sua máquina da repressão: Para Angola, rapidamente e em força!...

Mas a tropa, metropolitana, só chega um mês e meio depois. Angola fica a milhares de quilómetros de São Bento. O Salazar nunca pôs os pés em África, mas vai fazer dos acontecimentos de 1961 em Angola a sua "muralha de aço", bloqueando todas as soluções políticas para o "problema ultramarino"...

E serão os pára-quedistas os primeiros a morrer mas também a salvar a situação... O que aconteceu nesse mês e meio em que os colonos se auto-armaram e deram uma resposta à sua maneira ? O terror branco não está documentado neste 1º episódio...

Do lado militar português, ouve-se sobretudo o depoimento do Hélio Felgas (que, no meu tempo, é comandante do Agrupamento de Bafatá, antes de cair em desgraça aos olhos do Spínola) e do antigo comandante da base aérea do Negage, Soares Moura... Mais uma vez a força áerea foi a preciosa ajuda que veio do céu, no apoio às aterrorizadas e indefesas populações.

Estranho, por outro lado, que o jornalista não tenha feito logo a pergunta: Why ? Porquê esta rebelião das massas, dos oprimidos e explorados negros da rica região do café ? Como eram as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores negros ? Como se pode explorar e manipular tanto de ódio de classe (mais que racial...) ? Quem eram os brancos (e os seus criados bailundos) que viviam nesta região ? Qual o verdadeiro papel de teóricos da violência anticolonista e revolucionária como Frantz Fanon (2) ? Qual a sua influência em Holden Roberto, que o cita e admira ?

Espero que os próximos episódios tragam mais pistas... e mais dicas. O narrador deveria explicar, pro exemplo, quem era o Frantz Fanon, citado várias vezes pelo Holden Roverto, na sua entrevista, e hioje completamente esquecido... Ora o Frantz Fanon era um intelectual engagé, como estava na moda dizer-e (e menor grau praticar-se), amigo de Jean-Paul Sarte que publicamente defendeu e justificou a violência revolucionária da UPA... Também se poderia dizer algo mais sobre o apoio dos americanos, do Kenedy e dos pastores protestantes à UPA, um movimento, de base originalmente tribal, aparentemente sem ideologia nem estratégia política...

Por outro lado, há o ponto de vista dos colonos brancos e seus aliados, bem como dos rebeldes da UPA/FNLA. Na Net podem encontrar-se alguns testemunhos que completam estes depoimentos dos entrevistados pela equipa de Joaquim Furtado:

Memórias Angola, 1951-1975 > Página de Telémaco A. Pissarro

Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA) > A histórica União das Populações de Angola (UPA)

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Notas dos editores:

(1) Vd. também Diário Digital / Lusa > 15 de Outubro de 2007 > Série documental «A Guerra» estreia terça-feira na RTP1




(2) Frantz Fanon (1925-1961):

nascido na Martinica, escritor, médico psiquiatra, formado em França, e provavelmente o mais influente teórico do anticolonialismo do Séc. XX. Foi militante da FNLA (Frente Nacional de Libertação Argelina). Morreu de leucemia, aos 36 anos.

O seu livro-testamento é Les Damnés de la Terre [Os Condenados da Terra]. Paris: Maspero. 1961. Prefácio de Jean-Paul Sartre. Reedição em 2002: Paris, La Découverte.

Citação de Frantz Fanon: « La violence qui a présidé à l'arrangement du monde colonial, qui a rythmé inlassablement la destruction des formes sociales indigènes, démoli sans restrictions les systèmes de références de l'économie, les modes d'apparence, d'habillement, sera revendiquée et assumée par le colonisé au moment où, décidant d'être l'histoire en actes, la masse colonisée s'engouffrera dans les villes interdites. Faire sauter le monde colonial est désormais une image d'action très claire, très compréhensible et pouvant être reprise par chacun des individus constituant le peuple colonisé. »