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segunda-feira, 18 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25285: Os 50 anos do 25 de Abril (3): "Geração D - Da Ditadura À Democracia", por Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2024 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Março de 2024:

Queridos amigos,
É uma agradável surpresa, Carlos de Matos Gomes é ele próprio, com infância, vida familiar, a decisão tomada de ser oficial do quadro permanente, a sua passagem por Angola, como combateu em Moçambique, faz um compasso de espera em Lisboa e oferece-se para a Guiné, aí contribuirá para o desempenho do MFA. E irá contar como se processou a sua participação no processo revolucionário. O leitor será subjugado do princípio ao fim, eviscera-se a instituição militar com os seus valores, a sua burocracia, contam-se histórias hilariantes, perdas humanas, e aquele jovem capitão pergunta-se seriamente o que estava a fazer ali. Perguntado sobre o que o movia, responderá: "Não tinha um pensamento crítico organizado, e isso não dizia nada. A tropa é a tropa, é a malta. É o que a gente tem de fazer, vamos a eles e tal, aquela conversa. A seguir à primeira comissão, quando não estava na guerra, estava na Escola Prática de Cavalaria a dar instrução. O que dizia aos jovens que andavam a tirar o curso de oficiais milicianos: 'Vamo-vos preparar para vocês não morrerem. Vão para lá, são obrigados a ir, é preciso é que não morram e voltem." Um livro primoroso, um abençoado complemento para tornar mais cristalino o romance Nó Cego, a indiscutível obra-prima absoluta da literatura da guerra colonial.

Um abraço do
Mário


Porventura o testemunho mais eloquente sobre a guerra colonial e o depois,
Palma de ouro para a literatura nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (1)


Mário Beja Santos

Carlos de Matos Gomes é o romancista Carlos Vale Ferraz, autor do romance mais influente de toda a literatura de guerra colonial. Agora muda de rosto, volta a ter perto de 20 anos, faz comissões em Angola, Moçambique e na Guiné, prepara muita gente para a guerra, pertenceu ao grupo mais ativo do MFA na Guiné. Posteriormente, envolveu-se no processo revolucionário, chegou a hora de fazer um balanço do que viveu e do que se lembra.

Acaba de sair o seu livro de memórias "Geração D, Da Ditadura à Democracia", agora é, sem margem para equívocos, Carlos de Matos Gomes, Porto Editora, 2024, um assombroso ecrã sobre as primícias da guerra, os seus bastidores, o funcionamento da hierarquia castrense, a burocracia, sobretudo o exame de consciência do que é que um oficial do quadro permanente ia assimilando nas matas e nos quartéis quanto ao tremendo equívoco que era procurar até ao desespero urdir uma ficção sobre a propaganda doutrinal do Estado Novo sobre uma “guerra justa” para aquele império com pés de barro. É esta a parte das memórias construídas com uma assombrosa arquitetura literária que aqui se procura, aos poucos, desvelar.

Logo no arranque da obra, aquele jovem oficial é levado a pôr uma interrogação quem tem a espessura de um cataclismo moral, está no Tete:
“Num dia de maio de 1971, perguntei-me o que estava a fazer numa paisagem lunar, cinzenta e alaranjada, de rochas escaldantes, árvores de ramos secos, enquanto comia uma lata de conserva da ração de combate, sob uma temperatura superior a 40ºC, nas imediações dos morros de Cabora Bassa. Suava e afastava mosquitos. Não me queixava das condições da natureza. Prepara-me para a enfrentar e aos inimigos, mas chegara o momento das interrogações. Era um intruso. Que causas me haviam trazido até ali? Estar ali resultava da minha vontade e da minha liberdade, ou fora fruto de um conjunto de acasos, pelo que tanto podia estar naquele como noutro lugar ou situação, segundo o meu livre-arbítrio?”

E este jovem oficial que abriu o veio à consciência, apresenta-se:
“Tinha 24 anos, o posto de capitão comandante de uma companhia das tropas especiais, os Comandos, com o nome totémico de ‘Escorpiões’. Estava a terminar os dois anos de comissão. Chegara a Moçambique em 1969, como tenente, vindo do Centro de Instrução de Comandos de Angola, a casa-mãe daquelas tropas. Formara esta companhia em Montepuez com voluntários, havíamos combatido nas grandes operações do Norte em Cabo Delgado, no planalto dos Macondes. Os dirigentes da FRELIMO haviam decidido abrir a frente de guerra em Tete, e para ali viera eu enfrentá-los com os meus experientes, silenciosos e atentos comandos.”

Está para ali acompanhado de duas equipas de pisteiros rodesianos, é costume fazerem operações conjuntas. Acompanha-o um desses seres humanos sujeito a duas causas:
“Perto de mim, um negro esfarrapado, descalço, magro, sem idade identificável, quase uma múmia de pele seca e escamada. O guia que a PIDE me tinha envergado para me levar ao acampamento dos guerrilheiros, vindos do Norte, que haviam atravessado o rio Zambeze. O negro, sentado sob os calcanhares, amarrado pela cintura a um soldado, comia em silêncio o que lhe tínhamos dado – mastigava lentamente, com a boca de lábios rebentados pela pancada no interrogatório de há dois dias, numa tenda, na povoação de Estima, na base dos morros do Songo, no quartel-general do Comando Operacional das Forças de Intervenção.
Perguntei-me de novo o que fazia naquele fim do mundo, no interior de África, com um negro atado pela cintura a um soldado, transformando-o num moderno caçador de escravos e a mim num negreiro.
Aquela não era a terra a que eu pertencia. Nada me ligava àquele negro, nem àquelas rochas, nem àquele sol abrasador, nem aos mosquitos que entravam pela boca, nem aos rodesianos brancos que mandavam os seus militares combater ao nosso lado, no lado de cá da nossa fronteira, para evitar que os guerrilheiros anti-apartheid realizassem ações do seu lado.
Que causa me ligava àquele negro e aos homens que estavam sob o meu comando?”


A PIDE insistia na existência de uma base naquela região, a missão era aniquilá-la. Depois de muito caminhar encontraram-se na orla de uma mata no fundo de um pequeno vale, não havia base nenhuma, escreve o autor, manda o soldado soltar o preso, houve quem perguntasse ao capitão se o guia devia ser abatido, o capitão disse que não. E disserta sobre o Exercício Alcora, um protocolo estabelecido entre a África do Sul, a Rodésia e Portugal, os brancos da África Austral sonhavam com a criação de um bloco branco. Depois do 25 de Abril, o autor teve a oportunidade de ler os relatórios secretos dos aliados rodesianos, pouco generosos para nós: que tínhamos pouca vontade de combater, que não perseguíamos rapidamente as forças da guerrilha.

A graduação de memórias oscila entre o teatro de operações moçambicano e o curso que ele fez na Academia Militar, assim caminhamos para uma história brejeira, a da tropa de Lione, destacamento que distava poucos quilómetros em linha reta da fronteira com Maláui, vale a pena contar a história:
“A interpretação tática do comandante da companhia do Lione de não sair da quadrícula do seu aquartelamento, definida por uma ferrugenta rede de arame farpado pendurada em troncos apodrecidos, foi aceite como um facto pelo comando militar de Vila Cabral. Como tratar uma birra? O capitão miliciano comportava-se com a maior civilidade, revelava um espírito alegre, indiferença pela situação política, mandava vir revistas e jornais de Inglaterra e resumia o seu comportamento declarando que estava bem, na medida em que não podia estar pior. Se o punissem iria para outro local que seria, com elevada probabilidade, melhor do que o Lione.”

Carlos de Matos Gomes sai de Lione e vai em direção ao Malawi, cerca uma aldeia, quem lá vive não mostra temor, alguém se aproxima e se apresenta como polícia rural do Malawi. O capitão toma a decisão de pôr toda aquela gente numa coluna até Vila Cabral. Os comandos ficam petrificados quando dão conta do tremendo engano, aquela gente do Malawi após uma refeição oferecida foi reconduzida à sua terra-mãe.

Procede com ironia quando nos fala no Dia da Raça, muda de agulha quando a narrativa se prende com o primeiro morto em combate:
“Embarcámos numa lancha de desembarque pequena da base de Metangula, que oficialmente albergava o Comando da Defesa Marítima dos portos do lago Niassa. Desembarcámos numa pequena praia com o percalço de a lancha ter ficado presa num tronco, o que nos obrigou a sair com água pelo peito e a lancha a fazer muito mais barulho com o esforço dos motores para se libertar. O assalto correu como correm os assaltos: um grupo cercou a base e outro entrou a disparar. Os guerrilheiros deviam esperar-nos e responderam. O Armando, um negro robusto, sereno e de poucas falas, era sipaio da administração e servia de intérprete entre nós e o Zé Palangué (guerreiro capturado). Foi atingido no peito e caiu à minha frente. Julgo que os guerrilheiros o quiseram visar. Pertencia à tribo dos ajaua, um dos grupos étnicos da região. O Zé Palangué podia ter fugido, mas manteve-se connosco, não sei por que razão. Integrou-se na comunidade de Meponda e no espírito português de cumprir regras segundo as conveniências, apesar de islamizado preferia as latas de conserva de chouriço em óleo de mendubi às de atum ou sardinhas. Iniciámos o difícil regresso pelos montes e vales das margens do lago, com o corpo do Armando para o entregarmos à família, com toda a dignidade. Eu tinha 20 anos e também cumpri a minha escala de trazer o Armando às costas, na maca improvisada com dois troncos e panos de tenda".

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25279: Os 50 anos do 25 de Abril (2): O meu primo Luís Sacadura, furriel miliciano, natural de Alcobaça, hoje a viver nos EUA, estava lá, no RI 5, Caldas da Rainha, no 16 de marco de 1974, e mandou-me fotos dos acontecimentos (Juvenal Amado)

sexta-feira, 15 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Prossegue a narrativa alusiva ao esforço dos altos-comandos na Guiné para assegurar que o teatro de operações estivesse efetivamente protegido por eficazes sistemas de defesa antiaérea; sob o comando de Spínola e com o Coronel Diogo Neto no comando da Zona Aérea procuraram-se aeronaves mais potentes e até adequar os Fiat com melhores mísseis, como é sabido as negociações para adquirir aviões Mirage ainda decorriam em abril de 1974; a par de todas estas diligências, aqui se revelam as operações, mormente na Península do Quitafine, para aniquilar os sistemas antiaéreos do PAIGC, este recebe um novo canhão em 1970 e, entretanto, em sucessivas operações, vão sendo demolidos os sistemas defensivos, com a particularidade de renascerem como cogumelos.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.



Capítulo 4: “A pedra angular”

Procedeu-se no texto anterior a um histórico das intrusões no espaço aéreo guineense e as preocupações e medidas tomadas nomeadamente por Schulz e Spínola para proteger o aeroporto de Bissalanca e outros lugares críticos. Em 1970, Spínola apelou de um modo um tanto dramático para que houvesse aumento dos dispositivos antiaéreos, reconhecia-se a necessidade de um total de seis pelotões, que deviam ser distribuídos pelo Teatro de Operações. Nenhum reforço esteve disponível até, pelo menos, 1971, e o Comandante-chefe não escondeu a frustração de só dispor de um pelotão mal equipado. Para reforçar o sistema de defesa aéreo da Guiné, a FAP recomendou a aquisição de equipamentos portáteis, mísseis terra-ar guiados por infravermelho, os FIM-43 “Redeye”, de origem norte-americana. Este míssil estava ao serviço das forças norte-americanas desde 1967, tinham sido projetados para proteger as tropas da linha da frente de aeronaves táticas hostis, embora se tenham revelado apenas marginalmente eficazes contra jatos rápidos. Mas não se ignoravam as restrições de armas por parte dos Estados Unidos. O embargo norte-americano deu-se logo em 1964 com os F-86, demorou anos até chegar ao Fiat, em 1968, esta era uma aeronave de apoio tático, havia, portanto, que preencher a lacuna para dissuadir jatos de ataque.

Portugal tinha recebido 440 “Sidewinder” no início da década de 1960, especificamente para equipar os F-86. Em maio de 1969, Spínola concordou na necessidade de aumentar o armamento dos Fiat com Sidewinders, com a intenção de melhorar o seu potencial de combate. No entanto, os testes efetuados revelaram que o Fiat estava em clara desvantagem comparativamente ao desempenho de prováveis inimigos, nomeadamente o MiG-17. Durante os mesmos testes os mísseis Sidewinder revelaram-se ineficazes contra alvos a baixa e média altitude, o que fora provado nos combates ar-ar no Vietname. Em consequência, em abril de 1970, o chefe das operações da Força Aérea, Coronel António da Silva Cardoso, revelou-se contra novas tentativas para armar os Fiat com mísseis, o que gerou grande discussão na Força Aérea e no Ministério da Defesa. Em janeiro de 1970, a solução para colmatar as deficiências quanto ao combate aéreo na Guiné residia na aquisição de um novo caça. Na sua avaliação anual da situação, Spínola solicitou um mínimo de 16 aviões Mirage, projeto que exigia anos de negociações internacionais, formação de pilotos e melhorias de infraestruturas.

Mesmo um caça como o Mirage, reconhecia-se, seria inútil como intercetador sem aviso adequado de que havia um ataque. Embora dois radares de vigilância aérea AN/TPS-1D tivessem sido fornecidos a Bissalanca a partir de 1964, eles operavam com limitações e até paralisação. Eram reconhecidamente obsoletos e com problemas de manutenção, tudo agravado pelas dificuldades na obtenção de peças sobressalentes. Como resultado, um dos radares foi canibalizado para manter o outro em atividade. Dois conjuntos AN/TPS-1D foram posteriormente enviados para a Guiné, mas ambos acabaram inoperantes ou canibalizados. Além disso, mesmo em condições de bom funcionamento, o radar AN/TPS-1D dava apenas aviso entre quatro a sete minutos de um intruso a voar a 3 mil pés e 450 nós, a interceção chegaria tarde e a más horas. Esta era a situação em 1970, altura em que a Zona Aérea solicitou quatro conjuntos adicionais para implantar noutros lugares da província. A Zona Aérea procurava melhorar a proteção física das suas instalações. Em 18 de fevereiro de 1968, um grupo de guerrilha procurou ameaçar com um ataque aéreo Bissalanca; o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea ordenou que se fizesse um estudo urgente para proteger as aeronaves contra possíveis intrusões aéreas. Dispersar os meios de defesa antiaérea era virtualmente impossível devido ao número de superfícies de estacionamento disponíveis; reconhecida essa impossibilidade, foi recomendada a construção de abrigos e plataformas em Bissalanca, que seriam complementados pelos radares de vigilância que tinham sido solicitados, bem assim como os aviões de combate que o Governo de Lisboa estava a procurar negociar. Em abril de 1970, uma missão conjunta do Exército e da Força Aérea renovou essas exigências de um Centro de Alerta Aéreo e Centro de Operações Antiaéreas na Base Aérea N.º 12. Estas melhorias recomendadas implicavam despesas muito além do orçamento da Força Aérea. Apesar de todas estas recomendações e repetidos apelos, não se deu satisfação ao provimento de adequados sistemas de defesa aérea.

Com Spínola continuaram as operações para procurar destruir as defesas aéreas do PAIGC. Em setembro de 1969, um reconhecimento aéreo revelou uma nova ZPU-4 em Cassebeche, o que mostrava que a guerrilha procurava reconstituir as suas defesas aéreas na Península do Quitafine. Três formações de Fiat visitaram aquele lugar em três dias consecutivos, de 24 a 26 de setembro, daí resultou a destruição do sistema antiaéreo da quádrupla. Mas o PAIGC continuou a comprometer os seus meios de defesa aérea em Cassebeche, e em 20 de janeiro de 1970, uma formação de Fiat relatou ter tornado ineficaz uma ZPU-4 e incendiado uma DShK. Seguiu-se a Operação Cravo Azul, lançada imediatamente, quatro Fiat partiram de Bissalanca com carga máxima e destruíram a ZPU-4 e duas DShK. O reconhecimento pós-ataque revelou que não havia sinais de atividade da guerrilha em Cassebeche. A tripulação portuguesa anunciou a Operação Cravo Azul como uma conclusão bem-sucedida dos 27 meses da “Batalha do Quitafine”.

Apesar de todo este otimismo, os pilotos dos Fiat relataram nove incidentes subsequentes com disparos de sistemas antiaéreos até ao final de 1970, incluindo sete na região do Quitafine ou ao longo da fronteira próxima com a República da Guiné. Além disso, houve o fogo das armas contra aeronaves leves e helicópteros, pelo menos em quatro ocasiões. Neste ano surgiu um novo tormento para os aviadores portugueses, o PAIGC começava a utilizar uma outra arma antiaérea, o canhão M1939 de 37 mm, também de fabrico soviético, duplamente mais potente que as armas anteriores. A sua presença foi revelada pela primeira vez em 12 de maio por pilotos de Fiat que patrulhavam a fronteira sudeste, observaram detonações antiaéreas enquanto voavam a uma altitude supostamente segura. Uma subsequente operação de reconhecimento confirmou a presença de quatro canhões antiaéreos de 37 mm, duas ZPU-4 e quatro antiaéreas DShK, nas proximidades de Guileje, armamento que presumivelmente utilizava a base transfronteiriça do PAIGC em Kandiafara.

Procedeu-se ao planeamento operacional, a Diamante Azul, que ocorreu em 13 de maio; duas vagas de quatro Fiat atingiram as armas montadas com 600 quilos de bombas específicas, na primeira vaga, e cargas de profundidade de 750 libras convertidas em bombas de demolição, na segunda vaga. Num reconhecimento posterior, revelou-se que as armas do PAIGC, ou o que delas restava, tinham regressado a Kandiafara. Em finais de junho de 1970, um Fiat identificou canhões antiaéreos de 37 mm em Sare Morso, junto da fronteira com a República da Guiné, a 14 km a nordeste de Guileje, o que levou à Operação Pérola Azul. 24 missões de Fiat atingiram o local na primeira semana de julho, com aparente sucesso, já que não houve mais avistamentos de armas antiaéreas de 37 mm ou da atividade do PAIGC até maio de 1972.

As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico testaram os mísseis Sidewiner em Fiat, mas a combinação provou-se ineficaz (imagem das OGMA)
Soldado norte-americano manipulando um Redeye durante um exercício em 1963. O Governo português procurou desesperadamente obter este sistema, a despeito do embargo norte-americano (Arquivos Nacionais dos EUA)
Operações contra os sistemas de defesa antiaérea do PAIGC entre setembro de 1968 e julho de 1970 (Matthew M. Hurley)
Um canhão M1939 de 37 mm usado pelo PAIGC no Sul da Guiné (Casa Comum/Fundação Mário Soares)
Relatório da atividade da defesa aérea entre 1965 e 1972 (Matthey M. Hurley baseado em documentação militar do tempo)

(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25263: Notas de leitura (1675): Capitães/MFA – A conspiração na Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25275: Os 50 anos do 25 de Abril (1): Nos 50 Anos de Abril... O Meu Herói de Abril: Cap Salgueiro Maia (António Inácio Correia Nogueira)


Salgueiro Maia - A partir de foto do Afredo Cunha (1974). 
Wikipédia (com a devida vénia...) 


1. Mensagem do nosso camarada António Inácio Correia Nogueira, Doutor em Ciências Sociais, especialidade em Sociologia, ex-Alf Mil da CCAÇ 16 (CTIG, 1971) e ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 3487 / BCAV 3871 (RMA, 1972/74), com data de 14 de Março de 2024:

Caros camaradas
Grato vos fico pelo gesto que tiveram p´ra comigo.[1]
Como agradecimento ofereço-vos esta despretensiosa poesia que acabo de produzir.

Abraço amigo
António Inácio Correia Nogueira





TESTEMUNHOS

Nos 50 Anos de Abril… O Meu Herói de Abril

P´la noite dentro, serena e de vagaroso espaço,
Trouxeste as G3, as Chaimites e os velhos tanques d´aço,
E muitos jovens estremunhados, mas de rosto novo; e Santarém deixaste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

E ao som do rom-rom da coluna militar,
Numa mão agarraste a G3 e na outra a liberdade, e puseste-te a andar;
Nas sacudidelas da estrada sonhaste com a guerra em Guidage, na mártir picada,
P´ la tormenta do combate esburacada,
Da sua terra vermelha, salpicada de sangue, que trilhaste,
Nos senhores da Guerra, perversos, que encontraste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

Chegou a hora, olhas o despontar da imaginada madrugada,
O casario lisboeta, as colinas e o mar dos Descobrimentos de espuma prateada;
Tudo já te parecia novo, libertado,
Enquanto os ditadores dormiam, o sono na tirania, sossegados.
Paraste, sem medo; puseste firme a bota na calçada e, logo a vitória vislumbraste.
Ó Maia tu nunca quebraste!

A Capital do Império, a Praça,
De repente ela é tua; o concebível revés, de repente é graça!
Sobes ao Carmo, o sangue da picada que lembraste, está de cravos vermelhos festejada,
O povo clama, arrebatado, liberdade, liberdade, liberdade!...
Embriagado, lança o mito o “povo unido jamais será vencido”.

As armas, lá longe no calor do capim, calaram,
Os soldados de além-mar regressaram.
O povo é todo teu,
Ai, quem diria, o ditador pereceu.
Porque tu, Maia, nunca quebraste!...
Fizeste tudo para além do que baste.

Tu és o herói, a essência, o corpo maior,
O âmago das coisas boas de Abril,
Da liberdade celebrada,
Há 50 anos.
Tu és um Salgueiro que não desfalece, não desalenta.
Eterno serás,
Porque não voltaste atrás.


Ó Maia, sabes, o meu herói de Abril és tu!... Sempre.
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Nota do editor:

[1] - Vd. Post de 7 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25247: O nosso livro de visitas (221): O nosso camarada António Inácio Correia Nogueira pôs à disposição da tertúlia a Tese que apresentou à Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Ciências Sociais, especialidade em Sociologia

quarta-feira, 13 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25269: Historiografia da presença portuguesa em África (414): A Guiné na Exposição do Mundo Português, 1940, Lisboa (Mário Beja Santos)

Capa do livro sobre a secção colonial da Exposição do Mundo Português, mostra uma cena de Macau, pintura de Fausto Sampaio


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
Dei comigo a pensar que nos faltavam imagens e texto sobre a presença guineense na Exposição do Mundo Português. A dedicada bibliotecária da Sociedade de Geografia de Lisboa trouxe-me algumas preciosidades dignas dos mais exigentes bibliófilos, dou-vos conta do que até agora apareceu. Alguém um dia terá que se dedicar a este trabalho de arrumar as peças dos eventos imperiais e delas subtrair o que tange à Guiné. Os desenhos de Eduardo Malta são exímios, são estes que aqui se publicam e no álbum não há mais; quanto à secção colonial, é uma obra essencialmente divulgativa, a generalidade das informações prestadas são do amplo conhecimento dos leitores, seria redundante dar mais do mesmo. Mas o trabalho de procura vai continuar.

Um abraço do
Mário



A Guiné na Exposição do Mundo Português, 1940

Mário Beja Santos

Um dia destes dei comigo a pensar se o assunto da presença guineense nas grandes exposições do Estado Novo era um assunto esgotado. Creio que sobre a I Exposição Colonial Portuguesa, que decorreu no Porto em 1934, se esgotara o assunto quanto às referências bibliográficas mais significativas e ao uso das principais imagens; o mesmo ocorre dizer da Exposição Colonial Industrial que se realizou na área do Parque Eduardo VIII, em 1937. E dei comigo a pensar que era escassa e difusa a informação sobre a presença guineense em 1940; e há imagens de bustos de guineenses no Jardim Botânico Tropical, onde decorreram eventos da Exposição do Mundo Português. Mas havia que preencher lacunas. Graças à preciosa colaboração da Dr.ª Helena Grego, prestimosa eficientíssima bibliotecária na Sociedade de Geografia, pus-lhe o assunto e logo foi buscar o material alusivo à secção colonial.

Temos primeiro o livro que o visitante podia adquirir, alusivo às parcelas do império. Encontrei alguns dados curiosos, se bem que a generalidade das fontes seja do conhecimento do leitor, são obras já aqui referidas. Dá-se informação geográfica, ou seja, fala-se da situação e superfície, da orografia e considero bem observado o que se diz sobre a geologia: “O solo da parte plana da Guiné é formado exclusivamente por aluviões argilosos, misturados de sedimentos arenáceos derivados de fortes arrastamentos das terras altas do Futa Djalon, pela fusão das geleiras glaciares formando caudalosas correntes, como se depreende ainda hoje dos estuários dos principais rios e da localização do arquipélago dos Bijagós. Os aluviões argilosos constituem nos lugares baixos as bolanhas e lalas conforme são temporariamente ou permanentemente alagados. O óxido de ferro é abundante, dando às terras da Guiné uma característica cor avermelhada.” Depois na referência hidrográfica (território retalhado por uma rede de braços de mar), faz-se uma observação sobre o clima: “É equatorial oceânico. As condições meteorológicas e as terras baixas não dando fácil escoante às águas das chuvas, dão à Guiné as características de um clima insalubre, porém, os braços de mar e os ventos oceânicos modificam estas condições, beneficiando o clima.”

Dão-se informações que o leitor já conhece: capital em Bolama, a colónia dividida em dois concelhos e sete circunscrições, os concelhos de Bolama e Bissau e as circunscrições de Cacheu, Farim, Mansoa, Bafatá, Gabu, Buba e Bijagós. No tocante à informação económica, escreve-se que a Guiné está incluída no domínio vegetal do Sudão e os seus terrenos baixos e húmidos e de aluvião favorecem uma vegetação luxuriante e de grande porte. Eram assim as vias fluviais da época: as portas principais abertas à navegação de longo curso eram Bissau, Bolama, Bubaque e Cacheu; os portes de navegação de cabotagem ficavam em Bafatá e Farim. Quanto à indústria da época, havia a Sociedade Industrial Ultramarina que explorava uma fábrica de cerâmica, uma fábrica de gelo e de energia elétrica que abastecia Bissau. Mista, de comércio e indústria, era a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, concessionário em Bijagós com sede em Bubaque e explorando palmeiras. Depois os autores espraiam-se sobre a informação etnológica e etnográfica, guardei a seguinte informação: “Por quatro veias correu o sangue a alimentar o corpo das famílias a que pertencem os povos da Guiné Portuguesa. Pela Etiópia, do Iémen, pelo Alto Nilo (Egito), pelo deserto do litoral, líbico, e pelo Atlântico.” E depois espraia-se ao detalhe sobre a etnologia e a etnografia, considero matéria já aqui largamente tratada.

Capitão Henrique Galvão pintado por Fausto Sampaio, ele foi o grande arquiteto da secção colonial
Uma das muitas imagens referentes à Guiné nesta obra, aqui vemos um Felupe, os responsáveis pela publicação socorreram-se dos arquivos da Agência Geral das Colónias

Este álbum comemorativo é hoje uma preciosidade, andam os bibliófilos à caça e pagam bom dinheiro por o ter. Os desenhos são de Eduardo Malta, de facto um artista plástico que tinha um lápis invulgar, não tanto se dirá do que pintava. Reservou à Guiné estes desenhos, estou em crer que não tínhamos qualquer um deles e vêm enriquecer o nosso acervo de imagens, porventura o mais rico que existe em Portugal sobre a história da Guiné e a guerra colonial. Não dou por concluída a pesquisa sobre estes tempos de 1940, mas a paciência e a insistência são as armas do negócio, é provável que haja mais elementos. Deliciem-se com os desenhos do Eduardo Malta.
Maritime – Bijagós, desenho de Eduardo Malta
Mansata Bande (Fula) e Jenabá Mantânhadjalo (Mandinga) – Guiné, desenho de Eduardo Malta
Braima Sanhá (chefe Fula), alferes de 2ª linha – Guiné, desenho de Eduardo Malta
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Nota do editor

Último post da série de 9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25252: Historiografia da presença portuguesa em África (413): O luso-colonialismo nunca existiu: para África, só desterrado ou com "carta de chamada" (António Rosinha / Valdemar Queiroz)

terça-feira, 12 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25266: Agenda cultural (850): Síntese da apresentação do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que esteve a cargo do Coronel António Rosado da Luz (Paulo Salgado)


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor do livro, "Margens - Vivências De Uma Guerra, com data de 10 de Março de 2024:

Caro Luís Graça e Coeditores
Seria interessante que o comentário a este livro MARGENS – VIVÊNCIAS DE UMA GUERRA, cuja apresentação foi feita pelo capitão de Abril, Coronel António Rosado da Luz, fosse elaborado por um dos nossos editores que saberiam escolher os trechos para o Blogue.
Sei, ainda, que o Mário Beja Santos, sempre presente nestas andanças, e carregado dos seus valores, fará uma abordagem à sua maneira.

Transcrevo parte desta apresentação, que me pareceu relevante para o nosso Blogue. De um grande capitão de Abril, cidadão interventivo e activo. Já agora: Este livro é dedicado aos capitães de Abril. No cinquentenário do 25 de Abril.

Paulo Salgado



"Margens – Vivências de Guerra"
Autor - Paulo Cordeiro Salgado

Apresentação pelo capitão de Abril
Coronel António Rosado da Luz

"Foi a primeira vez que me convidaram para APRESENTAR UM LIVRO.
Seguindo a “palavra de ordem” fundamental de “um tropa”,… lá tive que me “desenrascar” …

Nos tempos presentes, por opção, por força das circunstâncias e também por prazer e autorrealização pessoal, a atividade que ocupa 90% do meu tempo é ler.
Ler, estudar, investigar e escrever. E, ler este livro, deu-me imenso prazer por três razões, que me fazem ficar imensamente grato, quer ao Mário Tomé que sugeriu, quer ao Paulo Cordeiro Salgado que aceitou, terem-me proporcionado o imenso prazer de ler, em primeira mão, este livro.

A primeira dessas razões foi a de me terem dado oportunidade para me “desviar” dos temas quase obsessivos que ocupam a minha mente, permitindo-me regressar, por algum tempo, àquilo que posso denominar de “leitura lúdica”.


A segunda, pelo facto dos vários “planos”, logo anunciados no “preâmbulo” do livro, em que o autor decidiu “dar forma” ao tema central desta sua obra, me terem ajudado a refrescar a minha própria abordagem dos tais temas obsessivos que me ocupam a mente.

A terceira e mais importante razão para lhes estar grato é o imenso prazer… e até alguma emoção, …que são proporcionados pela leitura deste livro. O autor escreve, não só com arte, aquela arte de domínio da palavra que nos encanta ler, como escreve com alma, pois consegue pôr – e transmitir - emoção naquilo que escreve.


Mas este não é APENAS, ou, SOBRETUDO, não é um livro de memórias.
É um livro onde as emoções e as reflexões em torno dos dramas e das violências da GUERRA, da VIDA e da MORTE, se espraiam pelo AMOR, pela AMIZADE e pela SOLIDARIEDADE, mas também pela HISTÓRIA, pela POLÍTICA e por essa entidade mítica que nos condiciona, que nos abriga e que “somos”, que é PORTUGAL.

Embora não seja essa a forma como o livro está estruturado, podemos dividir o OBJETIVO do AUTOR em três “tempos”.


O primeiro “tempo” decorre nos dois primeiros anos da década de setenta. O autor deste livro, Paulo Cordeiro Salgado, que era na altura o Alferes miliciano mais antigo de uma companhia sediada no Olossato, a 27 quilómetros da fronteira com o Senegal e situada numa das zonas de guerra mais acesa, do Teatro de Operações da Guiné-Bissau, vê-se de repente, investido nas funções Comandante dessa Companhia, por morte, em combate, do Capitão que a comandava. Até à chegada de um novo Capitão que irá comandar a Companhia (que aqui está hoje presente entre nós) é ele, jovem de vinte e poucos anos, sem qualquer formação ou experiência para tal, que vai passar a ser O SENHOR, quase absoluto, de vida e de morte, sobre uma enorme área geográfica e sobre centenas ou milhares de seres humanos que nela vivem, ou são obrigados a isso.

A missão que lhe impõem é fazer a guerra. Fora mobilizado para ir para aquela guerra pela força de uma Lei, feita por um regime ditatorial, com o qual ele não concordava, para ir combater numa guerra, com a qual ele discordava totalmente. E ali estava agora ele, para matar ou morrer, pessoas que ele naturalmente respeitava como seus irmãos e contra as quais ele não tinha quaisquer motivos para tal. E, a grande maioria das cerca de duas centenas de militares que ele agora comandava, estavam na mesmíssima situação.

Mas há neste livro um segundo “tempo”.

Vinte anos após o fim da sua comissão, a intensidade dos dramas nela vividos pelo Paulo Cordeiro Salgado colaram-se-lhe de tal maneira à pele que ele não conseguiu mais reprimir a necessidade de “ajustar contas com o passado” e regressou à Guiné. Mas desta vez regressou para fazer o oposto da guerra. Regressou como cooperante.
Regressou, não só pela necessidade de se reconciliar consigo próprio, fazendo a sua catarse, como por ter ficado a amar, para sempre, aqueles povos, aquelas paisagens, aquela África.

Como eu compreendo o autor.


Finalmente, o terceiro “tempo” passa-se, 54 anos depois da sua primeira chegada às matas, às bolanhas e aos enormes rios da Guiné que alargam e encolhem duas vezes por dia. Passa-se nos nossos dias. E é nesse terceiro “tempo” deste livro, que se entende com toda a clareza o OBJETIVO do autor, pois é nele que Paulo Salgado, com os pés assentes no presente, resolve olhar para o passado, para o presente e para o futuro, escrevendo este livro.

É agora, 54 anos depois, que ele volta a olhar para os dramas dos “tempos da guerra”, daquela guerra onde ele combateu e, duas décadas depois, para os “tempos da reconciliação”, da reconciliação consigo próprio, com África e com os povos, que ele combateu, mas amou desde o primeiro momento.

E é aí que as reflexões que o autor vai fazendo ao longo do livro ganham um “outro patamar” de interesse. É aí que este livro deixa de ser um “livro de memórias” virado para o passado, para ter uma atualidade dramática.
É que, nesta segunda década do século XXI a que alguns homens desse tempo conseguimos chegar, não só a guerra volta a ser, infelizmente, o tema central do futuro das nossas vidas, como as esperanças de Liberdade e de Democracia, de Fraternidade, de Solidariedade e de Igualdade, quer dos nossos povos irmãos, quer do mundo em geral, começam todos a ser postos em causa.


E é aí, que as reflexões que o autor vai hoje fazendo, ao olhar para as suas vivências de há 54 e 34 anos, ganham um terceiro e mais importante patamar de interesse.

É que este livro é publicado no ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril».

António Rosado da Luz
10.03.2024

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Nota do editor

Vd. post de 21 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25195: Agenda cultural (849): Lançamento do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721 (Guiné, 1970/72), dia 8 de Março de 2024, pelas 17h30, na sede da Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95, Lisboa. Apresentação a cargo do Coronel António Rosado da Luz (Paulo Salgado)

sábado, 9 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Março de 2024:

Queridos amigos,
A narrativa dos autores dirige-se agora para a problemática de possíveis intrusões aéreas a partir de países hostis; dá-se uma relação de situações de intrusão de aeronaves, durante a governação Schulz, e relevam-se as preocupações de Spínola quanto às hipóteses, que já eram patentes em informações, de que o PAIGC estava a preparar pilotos na União Soviética; faz-se uma descrição dos meios existentes em termos de artilharia antiaérea e recorda-se a insatisfação deixada na Força Aérea pela Operação Vulcano, se bem que Amílcar Cabral tenha considerado um verdadeiro desastre o que se passou em Cassebeche.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 4: “A pedra angular”

Como se viu no texto anterior, a Operação Vulcano não resultou como se esperava. Envolveu 20 surtidas de Fiat em 9 ataques, teve 7 pilotos a participar nas missões, quase todos eles tiveram três operações de ataque cada um, no total os Fiat largaram 7,2 mil quilos de bombas, 1,4 mil litros de napalm, 56 foguetes de 2,75 polegadas e vários milhares de munições de espingarda metralhadora, o que representou “um esforço notável ao nível do nosso escasso arsenal”, como observou o Coronel Diogo Neto. A Zona Aérea reivindicou ter neutralizado quatro DShK de 12,7 mm e a destruído uma ZPU de 14,5 mm; foram intercetadas comunicações entre os guerrilheiros, ficou-se a saber que estes tinham tido 19 mortos e 32 feridos. Amílcar Cabral considerou que esta operação fora “o desastre de Cassebeche”. Em contrapartida, dois dos sete Fiat tinham sido atingidos por fogo antiaéreo e um comando transportado em DO-27 fora atingido na asa por fogo de uma de 12,7 mm. As três aeronaves regressaram a Bissalanca, mas a frota de Fiat disponíveis passou para cinco. O General Nico escreveu mais tarde que “a partir daí, em determinados momentos, a presença continuada dos Fiat na zona de ação só poderia ser assegurada com aeronaves isoladas". Se o PAIGC considerara a operação um ‘desastre’ do lado português ninguém ficou satisfeito.

A análise posterior da operação bem como a atividade inimiga que lhe sucedeu, deixavam claro que pelo menos duas armas antiaéreas permaneciam operacionais nas proximidades de Cassebeche e havia outros agrupamentos de defesa antiaérea localizados noutros locais da península do Quitafine. Com efeito, em 9 de março de 1969, apenas dois dias após a Operação Vulcano, quatro posições inimigas perto de Cassebeche dispararam contra uma aeronave portuguesa numa missão noturna e ocorreu um incidente semelhante na semana seguinte. O General Nico concluiu mais tarde: “Tínhamos todas as condições para destruir o sistema aéreo e infligir um duro golpe ao PAIGC; o resultado, se bem que positivo, ficou muito aquém das nossas expetativas.” Os fatores que conduziram a esta insatisfação prendiam-se com o longo atraso de meses após a identificação inicial do alvo, bem como as dificuldades de coordenação e sincronização; mas também a decisão de empregar uma única companhia de paraquedistas para o ataque terrestre, e, não menos importante, houvera uma subestimação das capacidades do PAIGC no seu poder de resposta. Observou o Coronel Diogo Neto: “No futuro, teremos que ter mais cuidado, não podemos ficar entre a espada e parede sem ter uma saída.” Os insurgentes deixaram Cassebeche sabendo que “a aviação continuava a ser o único meio pelo qual os portugueses lhes podiam causar problemas” como observou Luís Cabral.

Ironicamente, as autoridades portuguesas na Guiné também estavam preocupadas com a ameaça de bombardeamento aéreo por parte do inimigo. Um dos desafios mais imediatos postos a Spínola envolvia a vulnerabilidade da Guiné Portuguesa face à infiltração aérea e, potencialmente, a ataques provenientes de países vizinhos. A ameaça era quase tão antiga quanto a guerra em si, quando aviadores da Força Aérea avistaram um jato não identificado no espaço aéreo da região, em 23 de julho de 1963. E havia também relatos oriundos das forças terrestres que informavam ter por ali passado aeronaves misteriosas, sobretudo à noite. Os radares de controlo antiaéreo corroboraram alguns desses relatórios. No começo de 1966, o Comandante-chefe Schulz ordenou a Operação Ver Para Crer, foi marcada para 25 de maio de 1967. Durante esta operação, os Alouette III levaram um pelotão de paraquedistas para a região de Pache, no lado ocidental da Guiné, para investigar relatos de atividade noturna não identificada de helicópteros ao serviço do PAIGC. Avaliações no local levaram o comandante da Zona Aérea a concluir que “um pequeno helicóptero inimigo havia possivelmente pousado em Pache algumas vezes”. Naquela época as autoridades portuguesas não acreditavam que o PAIGC possuísse aeronaves por conta própria. Amílcar Cabral concluíra em 1964 que possuir qualquer tipo de aeronave estava fora dos recursos do partido. Mas as autoridades portuguesas esperavam que isso viesse a alterar-se; uma enorme quantidade de relatórios, a partir de 1969, alegava a formação de pilotos do PAIGC na União Soviética e falava-se em possíveis planos para lhes fornecer aviões MiG, que ficariam baseados na República da Guiné.

O risco de intervenção aérea cresceu também com as forças aéreas dos Estado vizinhos sempre hostis a Portugal. A República da Guiné recebeu 10 MiG-17 no início da década de 1960, estes aviões formaram o núcleo ofensivo da Force Aérienne de Guinée até meados da década de 1980. O Senegal só possuía um pequeno número de helicópteros e aeronaves leves durante a década de 1960, mas eram meios que podiam ser usados para transportar armas e pessoal do PAIGC. Ambas as nações tinham aumentado o apoio moral e material ao PAIGC ao longo da década de 1970, o que preocupava cada vez mais os portugueses visto que o inimigo podia ser reforçado com recursos aéreos de outros países, estes podiam intervir abertamente no conflito. Vários incidentes justificavam tais preocupações. Em 24 de abril de 1968, um par de T-6 portugueses foi “intimidado” por aeronaves não identificadas no corredor de Guileje, a poucos quilómetros com a fronteira da República da Guiné. Um dos pilotos, o Tenente Oliveira Couto, lembrou ter sido surpreendido por dois golpes de asa varrida de jatos que manobravam agressivamente contra os T-6. Os Fiat em Bissalanca estavam inoperacionais, ficou para depois a especulação de que os T-6 tinham tido aviões MiG pela frente, que tinham atravessado inadvertidamente a fronteira.

Apenas um mês antes, em 26 de março de 1968, um Antonov-14 Pchelka, de construção soviética, aterrou por engano em Aldeia Formosa. As autoridades portuguesas fizeram transportar a aeronave para Bissalanca, foram imediatamente libertados os 6 passageiros malianos, mas os dois tripulantes da Força Aérea da Guiné ficaram detidos como forma de garantir trocas de prisioneiros: um piloto da Guiné-Conacri por cinco militares portugueses. O piloto e o mecânico do Antonov foram finalmente libertados cerca de três anos depois, depois de Portugal ter assegurado a libertação dos seus prisioneiros; mas o Antonov ficou a apodrecer na pista de Bissalanca. A ele se juntou um Westland Wessex, marcado como propriedade da Bristow Helicopters, empresa britânica com múltiplas operações na Nigéria. Em 10 de setembro de 1967, este helicóptero civil foi avistado sobre o norte da Guiné por uma tripulação de um C-47, intercetado por aviões Fiat e forçado a pousar na pista de Bula. Horas depois, este helicóptero voou sobre escolta de helicanhão até Bissalanca. O incidente levou a especulações, se não estaria envolvido em operações do PAIGC, sabia-se que a Bristow Helicpoters vendera em 1966 dois aviões ao Gana, um dos apoiantes do PAIGC.

Independentemente do que esteve por detrás destes incidentes, eles reforçaram a perceção do novo Comandante-chefe de que um “ataque surpresa ou mesmo um simples sobrevoo a baixa altitude sobre as nossas tropas” poderia causar “desmoralização e pânico”. O General Spínola temia que “tal ataque, realizado por pilotos insurgentes ou por tripulações estrangeiras, teria consequências verdadeiramente catastróficas.” O novo Comandante-chefe renovou as exigências de melhorar a defesa contra ataques aéreos. A solução mais óbvia era a melhoria da cobertura por artilharia de Bissalanca, bem como em outras instalações críticas. Já em janeiro de 1962 – um ano antes do início formal da luta da guerrilha – o primeiro pelotão de artilharia antiaérea foi instalado em Bissalanca, equipado com um conjunto de canhões de 12,7 mm e canhões Bofors L/60 de 40 mm. Esta escassa força representou a defesa antiaérea até ao fim da década a seguir à retirada dos F-86 em 1964. O pelotão de defesa antiaérea lutou para superar uma enorme escassez de pessoal e armamento obsoleto, mais do que inadequado para responder a qualquer ameaça aérea credível.

Um MiG-17 (Coleção Alexey Tolmachev)
O avião Antonov que aterrou por engano em Aldeia Formosa, em março de 1968, vemo-lo na pista de Bissalanca, onde apodreceu na pista (Coleção Virgílio Teixeira)
Uma quádrupla usada pelo pelotão de artilharia antiaérea em Bissalanca (Arquivo Histórico da Força Aérea)

(continua)
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Notas do editor:

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Último post da série de 6 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25242: Notas de leitura (1673): Recordando o Augusto Cid (Horta, 1941 - Lisboa, 2019) e o humor na guerra (Virgínio Briote)

quarta-feira, 6 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25244: Historiografia da presença portuguesa em África (412): A Guiné numa publicação do Rio de Janeiro, estávamos na década de 1930 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Agosto de 2023:

Queridos amigos,
É sempre um prazer voltar à biblioteca da Sociedade de Geografia e ter uma surpresa à minha espera. Agora que estou a organizar "Guiné, Bilhete de Identidade" e precisava de um texto do historiador Joaquim Barradas de Carvalho sobre a Crónica dos Feitos da Guiné de Zurara, foi-me sugerido a leitura de toda esta revista, vale a pena meditar sobre o poucochinho que é dedicado à Guiné, dizem-se coisas assombrosas sobre as estradas, mas seguramente que de boa fé o funcionário António Pereira Cardoso, que escreveu para o governador em Bolama relatórios anuais que um dia virão a ser indispensáveis para o estudo da economia da colónia, exaltou os quilómetros de estradas como atrativo para possíveis investidores, estamos já numa década em que Bolama definha. Não volto aqui a falar sobre a história destes boletins, os pressupostos básicos para a sua criação, foram anteriormente referidos, o aspeto que me parece mais curioso é a atração que o Brasil já sentia há um século por este berçário africano; não menos curioso é a referência à presença da navegação holandesa e alemã e verificarmos que a CUF de Alfredo da Silva ainda não chegou com as suas linhas de navegação.

Um abraço do
Mário



A Guiné numa publicação do Rio de Janeiro, estávamos na década de 1930

Mário Beja Santos

Já aqui se falou do boletim da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e como este deu lugar ao boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro. No início da publicação, em 1931, os governos de Lisboa e Rio aplaudiram a iniciativa, mas com o passar do tempo o Estado Novo ficou furioso com as colaborações, republicanos oposicionistas apareciam em força, zangaram-se as comadres. Confesso a satisfação que tive com algumas destas imagens, certo e seguro a redação do boletim brasileiro tinha acesso a muita informação oriunda de Portugal. E a prova está em dois textos que aqui vou referir. O primeiro está assinado por António Pereira Cardoso, era funcionário da administração em Bolama, encontrei nos reservados da biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa alguns relatórios assinados pelo seu punho, referentes a este período; ele era sócio correspondente da Sociedade Luso-Africana e escreveu um artigo intitulado “A Guiné Portuguesa, a sua situação económica, o seu estado financeiro e as suas possibilidades, presentes e futuras”, traz a data de 24 de janeiro de 1933, o seu teor é o seguinte:
“A Guiné, cujo nome certamente pela sua semelhança homográfica com a Guiána, causa ainda hoje nos espíritos timoratos, calafrios e tétricas visões: é, de todos os nossos territórios ultramarinos aquele que menos acarinhado tem sido pelo Poder Central. Dentro dos 36.125 quilómetros da sua área, no entanto, acolhe-se uma população de cerca de meio milhão de habitantes, constituída por dezassete raças e sub-raças que fizeram da Guiné, em tempos idos, o inesgotável celeiro de todos os negreiros europeus e de quem hoje descendem, tanto o preto do Brasil como o negro americano.
Pela sua constituição geológica, pelas facilidades de transporte e deslocação interterritorial, e pela sua relativa vizinhança com a metrópole, a Guiné Portuguesa anima e fortalece todas as iniciativas de caráter agrícola e pecuário, e sua respetiva industrialização.
Afora as ilhas que formam o arquipélago dos Bijagós, pertence também ao domínio português a ilha de Cateraque, situada ao sul, próxima à Ponta Cajete, que os franceses nossos vizinhos, certamente por engano, há anos vêm ocupando, até ao dia em que uma, inexplicavelmente arrastada, retificação de fronteiras, consiga reivindicar para nós, a sua posse definitiva.

Ocupa a nossa Guiné, em extensão, o terceiro lugar no nosso império colonial. Semelhante a um corpo humano sulcado de veias, os seus rios entretecem na extensa planura do seu solo ubérrimo e forte, uma complicada teia, de fácil acesso aos barcos de grande cabotagem, e o Atlântico, nas suas costas, constantemente borda, com os bilros das suas marés, a infindável renda dos múltiplos esteiros e braços de mar, que a penetram até muito distante do litoral e que Duarte Pacheco Pereira, há cinco séculos já estudou e percorreu.
Com uma riqueza pecuária avaliada em cerca 306 mil cabeças (das quais só as de gado vacum se pode computar em 80 mil), é incentivo bastante para um ensaio de concorrência, atinente à conquista do mercado metropolitano, com qualquer empresa que se queira habilitar à exploração desta indústria. Colónia essencialmente agrícola, os seus 2.800 quilómetros de ótimas estradas, são, juntamente com o grande número de vias fluviais, meios que bastam à drenagem dos 25 milhões de quilos de amendoim; 12 milhões de quilos de amêndoa de palma (coconote); 550 mil quilos de óleo de palma; 670 mil quilos de arroz; 16 mil quilos de borracha; 90 mil quilos de cera; 170 mil quilos de couros de bovinos e 500 mil quilos de outros produtos que, no valor de 30 milhões de escudos são exportados anualmente para Portugal, Alemanha, EUA, França e colónias, Inglaterra e colónias, Holanda e colónias portuguesas.
Todos estes números, porém, podem, no entanto, ser rapidamente excedidos e até duplicados, desde que às sociedades existentes, ou a estabelecer, o Estado conceda não só as facilidades necessárias, mas também o auxílio pecuniário indispensável. Com um orçamento rigidamente equilibrado, as receitas da Guiné atingem a apreciável verba de 22 mil contos, acusando a sua balança comercial números significativos na importação e exportação.
Campo aberto a todo o género de culturas, nela se desenvolvem, presentemente, entre outras, a cana sacarina, o algodão, o café, o cacau, o milho, a mandioca, o feijão, etc., etc. Eis aqui em largos traços o que é e o que vale a nossa colónia da Guiné, de extensas planícies e ricas florestas, da qual, desde 1755 a 1777 foi concessionada à Companhia do Grão-Pará e Maranhão e que a figura prestigiosa e heroica do major Teixeira Pinto, em 1915, radicou de vez à nossa burocracia, castigando em combates sucessivos a intolerável rebeldia dos indígenas mancanhas, manjacos, oíncas, balantas e papéis, facilitando a ordem económica e do fomento dos governadores que se sucederam até à data.”


Outro texto que me parece de grande interesse é uma notícia intitulada “Breve resenha da aparelhagem económica da Guiné Portuguesa”, vamos ao seu conteúdo:
“Não há, nesta nossa pequena, mas riquíssima província africana, caminhos de ferro, o que facilmente se explica pelo facto das comunicações e dos transportes se realizarem através das suas magníficas e eficientíssimas redes de cursos de água (rios e canais) e de estradas de rodagem, as quais ligam entre si os centros de produção e de comércio.
A extensão das estradas na Guiné Portuguesa é de 2.809 quilómetros, e para darmos uma ideia sintética e clara do que isto representa como expressão de progresso, diremos apenas que a média em metros de estrada por quilómetros é de 78, enquanto na África Ocidental Francesa é tão somente de 7,15!
Possui também a Guiné Portuguesa uma rede de 685 quilómetros de linhas telegráficas, em contacto com treze estações, além de três de TSF e duas de cabos submarinos, sem contarmos uma linha telegráfica que serve diretamente para as comunicações com a África Ocidental Francesa. O seu porto mais importante é o de Bissau.
Os navios nacionais das Companhias Colonial e Nacional de Navegação visitam mensalmente os portos de Bissau e Bolama, onde também vão com regularidade os barcos da Holland West – Afrika Linie, da Woerman Linie, da Deutsche Ost-Afrika Linie, da Hamburg – Linie e a da Hamburg – Bremen Afrika Linie, assim como os cargueiros da Sociedade Geral de Indústrias e Transportes.”


Pretendeu-se dar ao leitor a apreciação do que era o noticiário reportado aos interesses luso-brasileiros, a Guiné estava praticamente omissa desta publicação, a informação superlotada era, como é óbvio, referente a Angola e Moçambique.


É obrigatório ficar intrigado com este brasão da Guiné, é quanto muito um elemento retirado da bandeira nacional, fica-se espantado como estes publicistas cariocas publicaram tranquilamente as cinco quinas dizendo que se trata do brasão da Guiné. São coisas…
O icónico edifício do município de Bolama, hoje em completa ruína, imagem que acompanhava um texto sobre a I Exposição Colonial Portuguesa que decorreu no Porto em 1934
Imagem porventura tirada por Domingos Alvão mostrando-nos aldeia lacustre que atraiu multidões ao Porto, em 1934, no recinto da I Exposição Colonial Portuguesa
O Marquês de Ávila e de Bolama na capa da revista "O Ocidente", de 20 de março de 1907
Um dos aspetos mais gratificantes de andar a folhear publicações em bibliotecas especializadas é encontrar esta imagem que só era possível ser publicada no Brasil naquela época em que Portugal tudo o que aqui se mostra e escreve era totalmente impensável ser dado à estampa
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25223: Historiografia da presença portuguesa em África (411): A primeira exposição colonial portuguesa contada numa revista do Rio de Janeiro (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 1 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25229: Notas de leitura (1671): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2024:

Queridos amigos,
Queridos amigos, não é a primeira vez que se refere no blogue a Operação Vulcano, escritores oriundos da Força Aérea a ela fizeram referência, temos aqui o relato pormenorizado das atividades desenvolvidas a partir de 6 de março de 1969, dentro desta saga de atividades que visavam destruir os sistemas antiaéreos do PAIGC no Quitafine. Aqui se conta o que aconteceu, os autores não escondem que havia poucas informações concretas sobre o dispositivo militar do PAIGC na Península do Quitafine, ora as antiaéreas tinham proliferado, Spínola, contrariando o desenho da operação feito pelo Coronel Diogo Neto reduziu a metade o contingente de paraquedistas, e depois veio a surpresa, o PAIGC defendeu-se fortemente, imobilizou a força paraquedista, danificou dois aviões. Houve que abortar a Operação Vulcano, pelo adiante teremos notícias de como continuou, aprendida que fora a experiência amarga.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 4: “A pedra angular”


Os autores estão a analisar as alterações introduzidas pelo novo Comandante-chefe, António de Spínola, no tocante às atividades da Força Aérea. Reconhecia-se que era prioritário fazer calar o sistema antiaéreo do PAIGC, com prioridade para o existente na área de Cassebeche.

À semelhança de operações anteriores, envolvendo paraquedistas, desenhou-se uma operação envolvendo um bombardeamento aéreo inicial, a que se seguia um ataque helitransportado. O ataque inicial foi cometido aos Fiat, procurava-se suprimir as posições antiaéreas conhecidas ou suspeitas. O comandante da Zona Aérea e da Base Aérea 12, Coronel Manuel Diogo Neto, recordou: “Era opinião de alguns pilotos experientes que se fosse possível destruir a ZPU, imediatamente a defesa do PAIGC no local entraria em colapso, o que facilitaria a ação dos paraquedistas.” O projeto deste plano previa duas companhias de paraquedistas helitransportadas que seriam postas no solo a Norte e a Sul da área-alvo. A sua missão era de destruir os posicionamentos do PAIGC, apoiados por um posto de comando DO-27, dois helicanhões, quatro T-6 e os Fiat reabastecidos e rearmados. Estes meios, T-6 e PCV, ficariam temporariamente baseados em Catió, a 45 quilómetros da zona de ação. Todos os Fiat atribuídos à Zona Aérea, 10 dos 11 Alouette III, e a maioria dos transportes de asa fixa, foram comprometidos para esta operação, bem como a generalidade dos pilotos. Na Operação Vulcano participariam mais de 25 aeronaves e 240 paraquedistas, era o maior esforço combinado de ataque de assalto e aéreo até então feito.

No entanto, o planeamento da Operação Vulcano acabou por ser prejudicado por questões que vieram a complicar a execução e o seu resultado. Havia falta de informações no Comando-Chefe quanto à disposição das forças do PAIGC no Quitafine. A informação disponível era vaga e esporádica, aludindo à presença de diferentes grupos de guerrilha “fortemente armados” na Península. Mesmo assim, Spínola reduziu inexplicavelmente para metade o número de grupos de paraquedistas, considerando que uma só companhia era suficiente, e “nada o convenceu da necessidade de empregar as duas companhias”, recordou Diogo Neto. Mas o pior para a Força Aérea era que os canhões antiaéreos se tinham multiplicado “como cogumelos” nas semanas posteriores à sua identificação.

Agendou-se a Operação Vulcano para 7 de março de 1969, não havia ilusões de que as forças portuguesas se iriam defrontar com forte oposição dos grupos de guerrilha. No dia anterior, 6 de março, 60 paraquedistas voaram em C-47 de Bissalanca para Catió, onde já estavam quatro T-6 que iriam apoiar a operação no dia seguinte. No início de 7 de março, numa sucessão de voos em quatro DO-27, chegaram 40 paraquedistas para a segunda onda de assalto de helicóptero. A primeira onda, composta por 40 paraquedistas, deveria vir diretamente de Bissalanca para o objetivo em 8 Alouette III, logo a seguir ao bombardeamento aéreo inicial. Depois de entregar a primeira onda, os mesmos 8 helicópteros Alouette III deveriam voar para Cabedú e regressar à zona de ação transportando a segunda leva de paraquedistas. A missão de ambas as formações deveriam avançar sobre Cassebeche, completando a destruição dos meios antiaéreos do PAIGC, eliminando quaisquer outras posições da guerrilha, ou outras armas existentes.

A Operação Vulcano começou às 7 horas do dia 7 de março, partiu um DO-27 encarregado de realizar o reconhecimento visual da área-alvo. Após o relatório do piloto sobre as condições atmosféricas, dez Alouette III, incluindo dois helicanhões, descolaram de Bissalanca com 40 paraquedistas. O seu sucesso dependia da capacidade do primeiro ataque suprimir a ameaça da defesa aérea para que as armas antiaéreas do PAIGC não atacassem violentamente os helicópteros. Essa tarefa coube aos 7 Fiat disponíveis, três dos quais descolaram de Bissalanca armados com bombas. Estes três subiram a 8 mil pés para um voo de 8 minutos até Cassebeche, a 120 quilómetros de distância. Contornaram a fronteira com a República da Guiné para atacar do lado do Sol, mas os Fiat encontraram imediatamente fogo das armas defensivas do PAIGC de, pelo menos, 7 posições antiaéreas ativas, compostas por 6 armas antiaéreas DShK de 12,7 mm e um ZPU-4 de 14,5 mm de cano quádruplo. Os pilotos concentraram-se na ZPU e lançaram 12 bombas de 50 kg e 6 bombas de 200 kg contra a posição, com o comandante do Grupo Operacional 1201, Capitão Fernando de Jesus Vasquez a reportar em direto o acontecimento.

Uma das posições DShK foi destruída, a parte mais difícil parecia estar feita. Como nenhuma outra atividade antiaérea fora detetada imediatamente após os ataques iniciais, o comandante da Zona Aérea concluiu erradamente que todas as atividades de defesa do PAIGC estavam suprimidas, e transmitiu essa avaliação ao PCV. Dois minutos depois, os Fiat completaram o ataque, os paraquedistas iniciaram a sua missão, protegidos por um DO armado com um foguete e dois helicanhões. Os primeiros paraquedistas pisaram o solo pelas 9h da manhã e iniciaram a sua marcha em direção às posições do PAIGC, a pouco mais de 1 km de distância. Pelas 9h16, deu-se o segundo ataque, um par de Fiat carregado de bombas como os três Alouette III anteriores começaram a atacar o ninho de defesa aérea em Cassebeche, identificando uma sétima posição antiaérea. Quatro minutos depois, a segunda leva de paraquedistas pisou solo e partiu em direção à área do objetivo, foi recebida pelos disparos de armas ligeiras. Pelas 9h27, uma terceira formação constituída por dois Fiat atingiu os lugares de defesa antiaérea à volta de Cassebeche, silenciando uma segunda DShK. Por esta altura, os paraquedistas estavam a ser atingidos por RPG e espingardas metralhadoras; o DO-27, onde funcionava o PCV, informou que havia três posições antiaéreas ativas, uma das quais atingiu a DO numa asa. Estava visto que o PAIGC recuperara do choque dos ataques iniciais, o que deixou Diogo Neto “apreensivo”.

A não eliminação de toda a capacidade aérea do PAIGC impediu que os T-6 e os helicanhões apoiassem os paraquedistas, pelo receio de que devido à sua baixa velocidade acabassem por ser inutilmente massacrados. Até os Fiat estavam em risco, na sua quarta missão dessa manhã, foram recebidos com o fogo das armas de 12,7 mm, o que danificou um dos aviões. Nessas condições, não era possível alcançar os objetivos definidos, uma vez que tudo pressupunha um avanço sem resistência significativa. O General Nico recordou mais tarde que havia uma preocupação crescente que as forças portuguesas ficassem encurraladas numa posição que estava rapidamente em deterioração. A reserva de 25 paraquedistas ficou comprometida, dado que a operação terrestre estava paralisada, enquanto três Fiat chegaram ao local para um quinto ataque contra as posições antiaéreas, trazendo desta vez foguetes e metralhadoras, mas pelo menos dois dos locais das armas do PAIGC permaneciam ativos. Os paraquedistas envolvidos foram atingidos por um intenso fogo inimigo quando estavam a 500 metros do seu objetivo. Foi chamado um outro par de Fiat com o fim de suprimir as defesas do PAIGC e liquidar a persistente ameaça antiaérea, mas um segundo avião a jato foi atingido e danificado pelo fogo de uma antiaérea de 12,7 mm, teve de regressar a Bissalanca e fazer uma aterragem de emergência.

Recordou Diogo Neto que estavam reduzidos a 5 Fiat, havia que considerar a probabilidade de novas perdas, mas também percebeu logo que sem apoio aéreo a recuperação das forças terrestres ficava seriamente comprometida. Pelas 13h30, as três colunas de paraquedistas tinham-se reunido após um sétimo ataque de Fiat contra as antiaéreas, estavam agora a ser flageladas pelo fogo do PAIGC. Pouco depois, apareceram outros três Fiat e lançaram napalm sobre a posição DShK. O ataque falhou, pelo menos três antiaéreas mantinham-se ativas enquanto os paraquedistas continuavam a ser sujeitos a um pesado fogo. Com a ameaça daquele sistema antiaéreo não suprimido, com o elemento terrestre imobilizado e dois Fiats fora da operação, Diogo Neto ordenou prudentemente a retirada de todos os elementos da Zona Aérea, incluindo os paraquedistas, e assim ficou abortada a operação.

Vista aérea de Gadamael na Península do Quitafine. A aldeia e destacamento estavam perto do ataque dos Fiat contra as ZPU do PAIGC, isto em janeiro de 1969 (Arquivo da Defesa Nacional)
Durante a Operação Vulcano (março de 1969), empregaram-se todos os Fiat contra as posições antiaéreas do PAIGC no Sul da Guiné (Coleção José Nico)
Quadro descritivo da Operação Vulcano (Matthew M. Hurley)
Coronel Diogo Neto, comandante da Zona Aérea durante a Operação Vulcano (Arquivo da Defesa Nacional)
Capitão Alberto Cruz, um dos pilotos dos Fiat que participaram na Operação Vulcano (Coleção Alberto Cruz)

(continua)
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Notas do editor:

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