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quinta-feira, 14 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23168: Agenda cultural (807): Seminário Internacional de História Militar - "As Forças Armadas e a Guerra Colonial (1961-1974): Adaptações, Evoluções e Impactos", a levar a efeito no próximo dia 4 de Maio de 2022 na Amadora

SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA MILITAR DA ACADEMIA MILITAR

“AS FORÇAS ARMADAS E A GUERRA COLONIAL (1961-1974): ADAPTAÇÕES, EVOLUÇÕES E IMPACTOS”

Portugal, Amadora, 04 de Maio de 2022


A Academia Militar organiza e desenvolve o Seminário “As Forças Armadas e a Guerra Colonial (1961-1974): Adaptações, Evoluções e Impactos”, em maio de 2022, com o objetivo principal de promover a divulgação científica deste tema central da História de Portugal mais recente.

O Seminário pretende reunir investigadores, académicos, estudantes e outros interessados nesta área da História de Portugal, de forma a proporcionar uma oportunidade para a divulgação de estudos e o debate de ideias no domínio da História da Guerra Colonial.

O evento será organizado no âmbito de uma parceria que reúne as sinergias da Academia Militar e do ISCTE-IUL, tal como tem vindo a ser feito no âmbito do Doutoramento em História Defesa e Estudos de Segurança, com o envolvimento da Comissão Portuguesa de História Militar.

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23136: Agenda cultural (806): Salgueiro Maia - O Implicado, filme de Sérgio Graciano (Portugal, 2021, 1h 55m), a estrear nos cinemas no próximo dia 14

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19770: Os nossos seres, saberes e lazeres (323): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte V: Ppequim, 1 de setembro de 1980: visita de uma delegação militar portuguesa


1. Mais um excerto do diário (inédito) do nosso camarada António [José] Graça de Abreu, de quando viveu na China: recorde-se que ele foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras. Viveu em Pequim e Xangai entre 1977 e 1983. Ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 230 referências. Vive em Cascais. É um cidadão do mundo, poeta, escritor e reputado sinólogo. Nasceu no Porto em 1947.] (*)



Pequim, 1 de Setembro de 1980

Esteve cá uma delegação de militares portugueses, composta por oito representantes dos três ramos das forças armadas. Visitaram a China, com idas a Qingdao, Xangai, Chengdu, Kunming e Macau. 


Tiveram a sorte de conhecer uns tantos aquartelamentos modelo, a convite do Exército Popular chinês. Foi uma oportunidade rara de entrarem um pouco por dentro da complexa e tão mal conhecida máquina militar chinesa. Entre os nossos, vieram o brigadeiro Rui Espadinha, director da Oficina de Material Aeronáutico de Alverca, o coronel Mingot de Almeida, director do departamento de Indústria de Defesa Militar do Estado Maior do Exército e um tenente-coronel da Fábrica Militar de Braço de Prata. Trouxeram alguns dossiers e catálogos sobre eventual venda de armamento e tecnologia militar made in Portugal. 

Tenho sérias dúvidas de que se consiga vender uma só munição aos chineses que estão entre os maiores fabricantes de armas do mundo. Este convite terá talvez mais a ver com a intenção chinesa de conhecer o que se faz em Portugal e de serem eles a vender-nos armas, e não a comprar.

Fui ao Hotel Pequim almoçar com os nossos militares. Conversa entusiasmante e inteligente, até meteu as Guerras do Ultramar, em que todos participámos, eu como alferes na Guiné- Bissau, 1972/74.

Fiquei sentado ao lado do general Conceição e Silva, da Força Aérea, director do Instituto de Defesa Nacional e chefe da delegação. Cirandando em volta da nossa mesa redonda, com nove lugares, as empregadas desdobravam-se em cuidados para nos servir. Traziam travessas de comida fragrante e colorida, rodopiavam, enchiam delicadamente os copos. 

Pedi uma garrafa de Maotai, a aguardente de sorgo mais famosa da China que do alto dos seus 52 graus de álcool inebria e faz flutuar qualquer simples mortal. Alguns dos militares lusitanos deglutiam em pequenos sorvos o Maotai e bebiam com os olhos as moçoilas chinesas, meio entrapadas numas rígidas fardetas brancas. 

Disse ao general Conceição e Silva. “Ah, estas mulheres são lindas! Bem vestidinhas, eram uma maravilha!” O general que não estava interessado em roupas e adereços, respondeu de imediato: “Bem vestidinhas?... Bem despidinhas, meu caro amigo!...”

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Nota do editor:

domingo, 10 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18731: (In)citações (119): Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços (1) (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 31 de Maio de 2018, trazendo-nos uma reflexão intitulada Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços.


Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas 
e da Descolonização e dos seus Destroços

I 

Pertencemos à geração, ora grisalha, que “FOI ATÉ ONDE A PÁTRIA FOI”, que fez o 25A74 e o 25N75, a destituir governos que não gostava e que reconstruiu Portugal dos destroços da Descolonização e do PREC.

Somos uma fonte da nossa história, depomos na primeira pessoa, como actores vivos dos seus factos acontecimentais. Ninguém é obrigado a condescender com o branqueamento da que vem sendo escrita “sob o manto diáfano da fantasia” ideológica, nem com a sua perversão por parte dos complexados “cientistas sociais” emergentes.

De facto, tudo o que nos séculos XV e XVI os Portugueses descobriram já existia – mas estava encoberto. A gesta dos Descobrimentos, em primeiro; a saga e a diáspora da Expansão, depois. E sempre. A guerra africana dos Portugueses tem designação matricial: do Ultramar para nós e de Libertação para quem combatíamos. A terceira designação de Guerra Colonial pertence a terceiros, é semântica, mesquinha, redutora, com carga depreciativa sobre o nosso país e a nossa própria cidadania. Aos discordantes: ao menos aceitem essa realidade como aceitam o Novo Acordo Ortográfico…

Os mesmos que montavam emboscadas e faziam cercos, assaltos, etc a grupos armados, portadores do armamento mais evoluído, que manobravam segundo as mais avançadas tácticas de guerra, arriscavam as vidas e integridade física a proteger as populações indefesas, as sementeiras e as colheitas da subsistência das suas comunidades, garantiam-lhe a mobilidade por terra, ar e água, construíam-lhes casas, infra-estruturas urbanas, postos médicos de serviços universais, escolas, estrada e em escoltas para salvar doentes e parturientes. Jamais os países da CPLP beneficiaram de cooperação tão eficiente, extensa, profunda e inclusiva – e a custo zero. Existia um Estado e obrigámo-nos a fazê-lo funcionar. Essa realidade era uma guerra colonial?

De personalidade complexa, Salazar (e a sua circunstância), para além de ditador suave (comparável a De Varela, da Irlanda, a grande distância da de Franco, da Espanha, Mussolini da Itália, Hitler, da Alemanha, Estaline da URSS ou da de Fidel Castro, de Cuba) foi um grande patriota. Pegou num Estado em falência total, consequência da nossa guerra na África e participação na Europa – a nossa derrota em La Lys aconteceu há 100 anos - e da irresponsabilidade dos “progressistas” da I República, lidou com a Guerra Civil da Espanha e com II Guerra Mundial.

Levantou o Estado Português “orgulhosamente só”, começando por mandar regressar de Genebra os diplomatas, que penosamente negociavam um empréstimo emperrado na Sociedade das Nações, obviamente à “custa dos mesmos” do costume; entrou da nossa história como estadista de primeira água, até mais até pela sua seriedade – não se apropriou do que pertencia a todos; o invés dos políticos poltrões e corruptos desta era “Pós Verdade”, desde deputado a presidente da câmara, (salvo muitas e honrosas excepções), que além de conduziram o país à falência, em época de paz e prosperidade, colocaram o Estado Português sob o protectorado do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, com a tarefa de levantarem de novo o Estado Português, também às “custas dos mesmos” do costume, obviamente.

Não me esqueço ter sentido arrepios ao ver do General Garcia Leandro, grande capitão da Guiné, do 25A74 e do 25N75, a dizer na televisão, ainda comovido, ter chorado na madrugada da chegada desse dia da chegada da “troika”!

Sem lhe desculpar o modo esdrúxulo como se auto-impôs Presidente do Conselho, no contexto do tufão Humberto Delgado, um dos seus ex-capitães, Salazar terá lidado com o caso da Índia e com o desencadear da guerra africana num estádio de acentuada senilidade.

(Lembremo-nos o desempenho político do notável Mário Soares, nos seus últimos tempos de vida).

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18442: (In)citações (118): sociocoreografia de um batuque (Cherno Baldé / Valdemar Queiroz)

domingo, 8 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3999: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (5): Justamente recordadas no Dia Internacional da Mulher (Miguel Pessoa)

Fotogaleria > Sítio do Ministério da Educação Nacional > Dia Internacional da Mulher

(Reproduzido com a devida vénia...)

1. Mensagem do Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanaca, 1972/74):

Luís

Mando-te (espero eu, que nunca fiz isto antes...) a folha do MDN [Ministério da Defesa Nacional]que reporta a cerimónia de hoje, comemorativa do Dia Internacional da Mulher.

As enfermeiras pára-quedistas (*) foram convidadas mas, talvez por terem sido avisadas em cima da hora (6ª feira), só seis estiveram presentes (a Giselda foi lá). Nas fotos pode ver-se, na de baixo à esquerda, Céu Pedro; na de baixo, à direita, Zulmira.

Abraço. Miguel

2. Excerto da 1ª página do MDN, de hoje:

Ministro da Defesa Nacional comemora Dia Internacional da Mulher com mulheres da Defesa Nacional e das Forças Armadas

(...) No âmbito do Dia Internacional da Mulher, o ministro da Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira, convidou um conjunto de mulheres para uma cerimónia dedicada às “Mulheres na Defesa Nacional e nas Forças Armadas”.

Esta iniciativa teve lugar no Forte São Julião da Barra, em Oeiras, pelas 12h15 de 8 de Março, e contou com uma intervenção da professora Helena Carreiras, figura de referência na investigação sobre esta matéria.

Entre as convidadas, civis e militares do universo da Defesa Nacional e das Forças Armadas, encontravam-se algumas das primeiras mulheres que aderiram às Forças Armadas. Trata-se das enfermeiras pára-quedistas que, voluntariamente, prestaram serviço em África, entre Maio de 1961 e Junho de 1974.

Hoje, são mais de cinco mil as militares que integram os três Ramos das Forças Armadas, o que representa 14% do seu universo. Onze atingiram já o posto de Tenente-Coronel/Capitão de Fragata.


3. Comentário de L.G.:

Obrigado, Miguel. Parabéns, Giselda. Não me esqueci do dia (que se celebra desde 1910). Pessoalmente, comemorei o dia, homenageando as mulheres que se dedicam às artes plásticas, um campo que também foi durante muito tempo um bastião dos homens...

Fico feliz por o Ministro da Defesa Nacional ter também convidado as nossas queridas enfermeiras pára-quedistas do tempo da guerra colonial, para a cerimónia evocativa do Dia Internacional da Mulher.

Afinal, elas foram as primeiras a dar o exemplo, a abrir uma brecha nas fileiras das Forças Armadas, começando pela Força Aérea... (Fileiras que - lembre-se - eram 'cerradas' pelos machos, nosso tempo...). Tanto quanto sei, elas começaram por ser enfermeiras civis, graduadas... E ao todo, não ultrapassavam a meia centena... O seu exemplo pioneiro deve ser aqui justamente recordado.

Hoje somos, ao que parece, um dos países da NATO com maior taxa de feminização (14%) das Forças Armadas.

De acordo com a investigadora Helena Carreiras (Igualdade de oportunidades nas Forças Armadas Portuguesas - O papel das políticas de integração de género. Comunicação apresentada no Institituto Nacional de Defesa, em 27 de Junho de 2007), era a seguinte a taxa de feminização dos militares, por ramo, excluindo o serviço militar obrigatório (2006): Força Aérea (16,0%), Exército (13,5%), Marinha (6,%)...

Mesmo assim, estamos longe dos 47% de mulheres médicas, dos 50% de mulheres advogadas, dos 47% de mulheres magistradas judiciais - dados de 2006 - ou até mesmo dos 28% de mulheres diplomatas (em 2005)... Fonte: CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 7 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3994: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (4): Uma civil, e transmontana de Sabrosa, na tropa (Giselda Pessoa)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2964: A guerra estava militarmente perdida? (21): A Guerra estava militarmente perdida. Por mim, final da polémica (Mário Beja Santos)

A Guerra estava militarmente perdida?

Mensagem do Mário Beja Santos, de 12 de Junho.

Final da polémica sobre uma guerra militarmente perdida

Caro Luís Graça, caro Graça Abreu, caros Tertulianos,

Dou hoje por finda a minha intervenção numa polémica cujos os elementos essenciais rememoro: escrevo uma nota sobre uma biografia do Marechal Costa Gomes, falo da Guiné em colapso militar a partir de 1973, o Graça Abreu considera a frase manifestamente infeliz e aduz argumentos sobre os meios militares ao dispor das nossas tropas, refere as nossas posições e as do inimigo, e atrela-me às teses das tendências esquerdistas para justificar o abandono precipitado da Guiné, recomendando-me humildade.

Na sequência, e tendo de imediato esclarecido que era inaceitável considerar que a Guerra da Guiné estava militarmente perdida por razões do comportamento das nossas tropas, justificando sempre a chegada de armamento tecnologicamente superior e a previsão de meios aéreos muitíssimos superiores aos que dispúnhamos.

De todas as peças, independentemente da sua publicação, fui dando conhecimento ao outro polemista, procurei mantê-lo informado das minhas posições. Creio que estamos na recta final e as nossas posições mantêm-se inamovíveis. Parece-me útil oferecer a bibliografia que utilizei a todos os tertulianos, resumir as minhas teses e avançar as considerações quanto à razão de ser desta polémica.

Primeiro, a bibliografia que reputo como essencial. "A Guerra de África, 1961-1974", em dois volumes, por José Freire Antunes, Círculo de Leitores, 1995, inclui depoimentos que considero indispensáveis.

É ali que vamos encontrar referências ao recuo nas zonas fronteiriças, por incapacidade de resistir aos morteiros 120. É ali que Rui Patrício, ministro dos Negócios Estrangeiros de Marcello Caetano, aborda a independência da Guiné.

É ali que se encontram depoimentos interessantes acerca de 1973 e 1974, é o caso de Diogo Neto, Costa Gomes, Silva Cunha, Carlos Fabião, Jaime Neves, Almeida Bruno, Manuel dos Santos. "Nixon e Caetano, promessas e abandono", por José Freire Antunes, Difusão Cultural, 1992, é extremamente útil para perceber a mitologia do federalismo spinolista em Cap Skiring, em Maio de 1972, as negociações das Lajes transformadas num diktat de Nixon, o falhanço da compra de armamento compatível com os Strella. Nesta matéria, é recomendável ler o livro "Dez anos em Washington, 1971-1981", por João Hall Themido, Publicações D. Quixote, 1995. Nesta obra, o leitor é confrontado com o tom desesperado das autoridades portuguesas que procuram meios aéreos, mísseis de diferente porte e outro armamento sofisticado, tudo recusado nos EUA, também sob o pretexto de que a NATO e os parceiros europeus se opunham à política colonialista de Portugal.

Poderá ser igualmente útil consultar "O Antigo Regime e a Revolução, 1941-1975", de Diogo Freitas do Amaral, Círculo de Leitores, 1995, nestas memórias o professor de Direito refere claramente a postura de Marcello Caetano nos dois meses subsequentes ao 25 de Abril, alegando que os militares se recusavam a combater.

Igualmente importante considero "Marechal Costa Gomes, No centro da tempestade", por Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2008 e "Costa Gomes, O Último Marechal", entrevista de Maria Manuel Cruzeiro, Editorial Notícias, 1998. A única história contemporânea de Portugal que analisa os acontecimentos em torno da derrocada da Guiné, tanto quanto sei é a história de António José Telo, II volume, Editorial Presença, 2008.

Segundo, de acordo com as leituras que pude fazer e que baseiam a opinião que formei, um feixe de fenómenos por vezes desencontrados convergiram para os acontecimentos de 1973-1974 e que levaram ao baqueamento da Guiné:
- uma gradual capacitação militar do PAIGC sem contrapartida em novas tecnologias e armamento militar;
- uma progressiva desvinculação de potências até então apoiantes de Portugal, com destaque para os EUA;
- um fenómeno de descontentamento nos oficiais do quadro permanente que se apoiaram em Costa Gomes e Spínola, com progressivo descrédito das posturas governamentais;
- uma crise acelerada na economia portuguesa depois da Guerra dos Seis Dias, que culminou numa inflação galopante e num manifesto descontentamento dos mercados financeiros, dos oligopólios e dos capitães da indústria do regime marcelista;
- a procura desesperada de um cessar fogo por parte do governo de Caetano;
- e, nos dias imediatos ao 25 de Abril, uma organização de grupos das forças armadas na Guiné que iniciaram conversações com o PAIGC, muito antes do MFA ter vindo a intervir, o que comprova qualquer descrença nas soluções militares que só são possíveis quando há o equilíbrio que o Graça Abreu quer dar como provado e irremediavelmente estava perdido.

Terceiro, o que pode levar homens como nós a analisar, por vezes com tanta paixão, o que se passou na Guiné, há pouco mais de trinta anos? O que nos pode levar ao delírio de falar em teses esquerdistas quando uma boa parte da bibliografia e os próprios apaniguados de Caetano levam na enxurrada os factos provados do Graça Abreu? O que nos pode levar a falar em quartéis abandonados ou abandonáveis? Como é aceitável que se esgrima com o MIGs do PAIGC dizendo que são argumentos nunca concretizados no terreno?

É porque muita desta matéria tem a ver com o 25 de Abril, é uma questão profundamente ideológica. O 25 de Abril aprofundou-se com tudo quanto se passou na Guiné, não houve a traição que fala a extrema direita nem o cansaço que insinua a direita, nem a incapacidade de se encontrar uma solução política para um problema que não tinha solução militar.
Quando Spínola encontra Senghor e propõe que ele seja medianeiro no projecto de uma autonomia da Guiné a 10 anos, já era tarde dada a mobilização do PAIGC. Aliás, não deixa de ser cómico falar-se em teses federalistas e nunca se auscultar a opinião dos quadros do PAIGC, como se esta fosse irrelevante ou secundária.

O PAIGC dispunha de armamento sofisticado e era um país independente reconhecido internacionalmente. Não vale a pena mistificar sobre o significado dos "territórios libertados", com tal vencimento ainda hoje não se tinha avançado para pôr termo ao conflito israelo-palestiniano.

Não quero, porém, deixar de reconhecer que o argumento da Guiné militarmente perdida pode ser traumático por quem combateu e não foi informado sobre a evolução da situação militar a partir da chegada dos mísseis Strella. O que me parece obsceno é querer pôr uma esponja sobre as negociações desesperadas de quem procurava comprar armamento e via os aliados de Portugal fechar-lhes as portas.

Agradeço a todos os tertulianos a paciência que tiveram em ler-me e por acompanharem as diferentes peças desta controvérsia que não tem final feliz nem infeliz. Limitei-me aos termos de uma polémica que tem um tempo, a chegada de armamento sofisticado ao PAIGC, e um desfecho, a libertação de Portugal e a independência de facto da Guiné.

É a minha questão ideológica, é este o meu olhar sobre o 25 de Abril, nas ciências sociais não se cita nem se invoca só para convencer ou emocionar os outros, cita-se e invoca-se para que os outros tenham juízo próprio dentro da razão. Por isso polemizamos.

Um abraço a todos do

Mário Beja Santos
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Notas:

1. Edição da responsabilidade de vb

2. Artigos relacionados em

19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2962: A guerra estava militarmente perdida? (20):Um Fraco Rei Faz Fraca a Forte Gente (António Graça de Abreu)

18 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2959: A guerra estava militarmente perdida? (19): MIGS e Aliados. Juvenal Amado. M. Beja Santos.

17 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo.

14 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2962: A guerra estava militarmente perdida? (20):Um Fraco Rei Faz Fraca a Forte Gente (António Graça de Abreu)

República Popular da China > Pequim > O António Graça de Abreu na praça Tianamen

Foto: © António Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.

Meus caros Luís Graça, Virgínio Briote e Carlos Vinhal

Envio mais um pequeno contributo para a polémica da "guerra militarmente perdida." Apenas com um objectivo, o de nos conhecermos todos melhor.
Um abraço,
ex-Alf Mil
CAOP 1
1972/74
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"Um fraco rei faz fraca a forte gente"

por António Graça de Abreu

"Nós, Portugueses (…) oscilamos entre o 'eu sou o maior' e o 'eu não sou ninguém'. Em suma, não sabemos quem somos. Não temos um mapa real. E seria fundamental tê-lo. Para a nossa vida social, política e afectiva. Porque Portugal precisa urgentemente de saber a sua exacta medida. E não oscilar entre a tendência para o pequenino e a megalomania."
Júlio Gil, Jornal de Letras, nº. 752, 19 de Janeiro de 2005, pag. 14.


Meus caros tertulianos e amigos:

Comecei a escrever um Diário com quinze anos de idade e nunca mais parei de o fazer. Fui agora buscar mais uma página do que chamo o "meu diário secreto" onde registei uma citação de Jorge Luís Borges, o argentino excelente:
"O passado é argila que o presente molda à vontade." Logo de seguida, na mesma página, no dia 29 de Setembro de 2001, alinhei a seguinte prosa:

Leio no Expresso, em texto do director José António Saraiva:

"Há muitos anos que as formas clássicas de fazer a guerra vêm a ser postas em causa. (…) Veja-se o que aconteceu na Guiné onde o exército português foi irremediavelmente batido. (a 22 Set. 2001).
Há a ideia construída e generalizada em muitas boas mentes de que a guerra da Guiné estava perdida pelos portugueses e ganha no terreno pelo PAIGC. Trata-se de um juízo refinadamente mentiroso. Não é verdade, mas de tão repetido, começa a sê-lo. Hei-de fazer algo para repor a verdade da História. Tenho os documentos e as vivências plenas desses dois últimos anos 1972-74. É só dar testemunho. E é preciso.

Há setenta anos atrás, explicava o nosso António Aleixo, poeta popular de Loulé, que:

P’ra mentira ser segura
E atingir profundidade
Tem de trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.

Hoje, Junho de 2008, o problema da derrota militar, a questão do "exército português irremediavelmente batido" na Guiné, não é nova, existem umas dezenas de textos em livro com abordagens ao tema. O problema tem enformado (ou deformado) as mentes de incontáveis pessoas que, do poleiro do seu azedume, pelo inchaço da nostalgia do colonialismo e da sagrada defesa da Pátria, pelo gosto muito português da auto-flagelação, pela ausência de um mínimo de auto-estima, por falta de respeito pela História, por razões políticas e ideológicas, tentam, por magia, transformar as tropas portuguesas na Guiné, nos anos de 1973/74, ora num imenso bando de heróis, ora numa chusma de cobardes, de calças na mão, incapazes de responder militarmente aos ataques do PAIGC, com armamento inferior, em colapso militar, enfim uma guerra militarmente perdida.

Isto não é verdade.

Há muita gente que confunde o que de facto aconteceu, há quem acredite ainda no sonho irrealizável de um obsoleto império colonial (estas pessoas, felizmente poucas, não costumam aparecer no nosso blogue), e há uns tantos que pugnam por uma derrota militar em toda a linha. Trinta e quatro anos depois, estas afirmações continuam a ser um desprazer para muitos de nós, dezenas de milhares de homens que participámos na fase final de uma guerra injusta, numa pátria que não era a nossa, no tempo errado da História. Sei também que temos todas as razões para assumirmos que saímos da Guiné de cabeça levantada, com traumas, naturalmente, mas sem remorsos nem retardados actos de contrição.

Vamos à questão da derrota militar.

Volto a repetir, não estamos a falar de política. No caso do colapso das tropas portuguesas, estamos a falar de uma derrota no campo militar, repito militar, ou seja, um dos contendores (PAIGC) era militarmente mais forte do que o outro, nós, e consequentemente derrotou-nos, obteve vitória após vitória no terreno de luta, nós recuámos, eles avançaram, houve um "exército português (já agora, também uma marinha e uma força aérea) irremediavelmente batido", como escreve José António Saraiva no Expresso.
Eu acredito que, neste editorial do Expresso, o então director do mais importante semanário português está a falar do que não sabe ao referir um "exército português irremediavelmente batido" pelas tropas do PAIGC.

Em 2006, fui recuperar o meu Diário da Guiné, 1972/1974, e publiquei-o. Desculpem-me a vaidade, ajustei contas com a História, a nossa, a minha história. Está lá quase tudo sobre esse período das nossas vidas, singularmente num enquadramento ideológico de uma certa esquerda radical que na época prevalecia nas nossas mentes e universidades, ideologia que chegou à Guiné e que assumi então, facto de que não me arrependo, nem um bocadinho.

De regresso ainda às teses "do colapso militar, da superioridade em armamento do PAIGC, do exército português irremediavelmente batido", porque as confusões subsistem, volto a inserir o seguinte texto já utilizado por mim aqui no blogue mas que, creio, merece uma segunda leitura.

Leopoldo Amado em entrevista a Aristides Pereira, pergunta-lhe: "Por altura do 25 de Abril de 1974, o PAIGC tinha uma capacidade militar maior que as tropas coloniais?"
Aristides Pereira: "Maior, não diria, na medida em que estavam bem apetrechadas, tinham uma logística mais bem montada que a nossa, para além de um número superior de efectivos do que nós. A verdade é que no fim o soldado português já estava mal; estava farto daquilo."
Vamos ler outra vez.

Aristides Pereira, um dos dirigentes máximos do PAIGC, recorda que, por altura do 25 de Abril, a capacidade militar do PAIGC era inferior à das tropas portuguesas, diz-nos que a logística das tropas portuguesas estava mais bem montada do que a do PAIGC, confirma ainda que o número de efectivos das tropas portuguesas era superior ao dos seus guerrilheiros.
E conclui, com naturalidade, que nós portugueses (eles também, PAIGC, digo eu!) estávamos fartos da guerra.

É espantoso que depois de um dirigente do nosso "inimigo" reconhecer honestamente que a capacidade militar, a logística e número de efectivos das tropas portuguesas era superior ao dos seus combatentes, tenhamos ainda de ouvir umas tantas almas portuguesas iluminadas que nos vêm explicar que os guerrilheiros possuíam maior capacidade militar, que o armamento do PAIGC era superior, e que "o exército português" havia sido "irremediavelmente batido".
E depois o Mário Beja Santos ainda nos vem dizer: "Por favor não se insinue que os militares portugueses estiveram associados ao colapso."

Por vias travessas, a questão é mesmo esta, os militares portugueses não estiveram associados ao colapso porque não houve nenhum colapso militar. Há pessoas que gostam de entrar no reino do surreal, da confusão, da inversão do entendimento e dos valores.

Vamos ler Mário Beja Santos, no nosso blogue, post 2959, a 18 de Junho de 2008:

"Primeiro foi a dupla Nixon/Kissinger que decidiu a perda da supremacia militar. Circunstâncias? Tudo aquilo que se passou depois de 6 de Outubro foi decisivo para o colapso militar da Guiné."

6 de Outubro de 1973? Uma dupla de senhores importantes em Washington a decidir a supremacia militar do PAIGC sobre as tropas portuguesas?

Meus caros tertulianos, meus queridos amigos, para esta fase final da guerra da Guiné, penso que não será de dar muita importância às congeminações, às previsões, às hipóteses, às insinuações, às possibilidades, ao que eventualmente podia, ou poderia, acontecer, ao conhecimento livresco das situações adquirido no sofá de Lisboa, a 4.000 quilómetros da Guiné, dos lugares onde a guerra acontecia.

Interessa-me o que realmente aconteceu, os factos, a leitura do quotidiano, o rigor, a análise das sensibilidades e do poder das forças em presença.
É assim nas Ciências Sociais e na História. Tenho um mestrado (1999) em História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses, pela Faculdade de Letras de Lisboa, e três livros publicados na área da História. Isto não me dá grande autoridade para falar como conhecedor da História, mas não façam de mim parvo.

De resto, para aquilo que modernamente se chama conceptualizar, para as sínteses conjunturais, (Fernand Braudel, os homens da Nova História explicaram isto há já muitos anos), para a abordagem global de um dado momento histórico, necessitamos de conhecer bem os pormenores, a história dos quotidianos, das mentalidades, etc. É por isso que este blogue do Luís Graça é importante.
Do emaranhado de opiniões, do particular passa-se para o geral, começamos a conhecer o todo porque entendemos as pequenas partes que juntas começam a constituir esse mesmo todo. E não podemos falsificar dados, nem inventar factos. Porque o próprio corpo da História, com o passar dos anos, os irá rejeitar.

Eis um exemplo de como, partindo do particular, podemos chegar ao entendimento da globalidade.

Nos posts 2940 e 2941 de 15 de Junho de 2008, o nosso amigo e tertuliano ex-furriel miliciano Eduardo Magalhães Ribeiro, o homem que arriou a última bandeira portuguesa a flutuar na Guiné, na cerimónia de entrega de poderes ao PAIGC, em Mansoa, a 09.07.1974, pois o Eduardo contribui com quatro achegas importantes para a compreensão do tema da guerra militarmente perdida pelos portugueses, do colapso militar, da vitória militar do PAIGC.
A primeira é uma entrevista com o comandante Rebordão de Brito, ao jornal O Diabo, em data não referenciada, mas é um documento autêntico. Cito apenas um excerto:

"Em Junho de 1974, quando da entrada dos primeiros elementos do PAIGC estes se apresentavam na sua maioria esfarrapados e com péssimo aspecto. Aliás, ao conversar na altura na povoação de Cacine com o comandante da sua Marinha (Pedro Gomes) este confessou-me que dificilmente o seu partido aguentaria mais um ano de luta. Esta confissão é sem dúvida corroborada pelo insistente pedido feito às nossas autoridades para que se procedesse ao imediato desarmamento das forças africanas."
Estará Rebordão de Brito a mentir? Isto são posições da extrema-direita?
Depois, o Eduardo Magalhães Ribeiro, com fotografia e tudo, em Mansoa mostra um furriel do Batalhão 4612 a entregar uma metralhadora HK 21 a um guerrilheiro do PAIGC, para a segurança e defesa de Mansoa nesse dia histórico para a Guiné.
Têm andado por aí umas tantas boas almas a apregoar que os combatentes do PAIGC dispunham de armamento em quantidade e qualidade muito superior ao da tropa portuguesa? Afinal, num dia tão importante, os guerrilheiros precisaram que lhes emprestássemos, ou oferecêssemos, umas tantas HK 21.
Outra questão, essas armas e essa segurança eram para o PAIGC se defender de quem? De nós, portugueses, não era, de uma FLING, mito ou realidade, também não acredito muito. Então era de quem? Não seria das tropas guineenses que haviam combatido ao lado dos portugueses, eram mais numerosas do que os guerrilheiros e ainda não haviam sido totalmente desarmadas? Isto explica, creio, os fuzilamentos posteriores dos comandos africanos, milícias e não só.
O Eduardo Magalhães Ribeiro conta mais uma história curiosa. Diz:

"Outro facto de que me recordo perfeitamente, pelo espanto que me provocou foi que, ao contactar com vários guerrilheiros do PAIGC, que faziam parte da guarda de honra nesse dia, verifiquei que um grande número deles não entendiam nada de português, e nada ou quase nada de crioulo.
Só entendiam e falavam francês.
De onde são vocês? - perguntei eu.
- Somos da Guiné-Conacry!"

O Eduardo afirma que se recorda perfeitamente desta conversa e eu acredito nele, embora reconheça que alguns dos ex-combatentes na Guiné sofrem hoje de alucinações e são capazes de inventar factos e situações apenas possíveis em mentes doentias.
A questão das tropas da Guiné-Conakry a combater e a misturar-se com o PAIGC também é importante.

O Amílcar Cabral defendia a chamada tese do dominó, ou seja, os aquartelamentos de fronteira na Guiné Portuguesa iriam ser conquistados um a um, (corrijam-me se estou enganado) obrigando-se a tropa portuguesa a refugiar-se no interior do território. Para isso contava com o apoio das bases do PAIGC no Senegal e na Guiné-Conakry (tudo fora da actual Guiné-Bissau) e com a ajuda de, pelo menos, o exército da Guiné-Conakry.
Foi o que aconteceu em Maio de 1973 em Guidage, Guileje e Gadamael. Os três aquartelamentos foram quase cercados e atacados com uma força brutal. Registaram-se as maiores batalhas (talvez exceptuando a do Como, em 1964) da guerra da Guiné, com um rol de mortos, feridos e sofrimento que perdura na memória de muitos de nós.
Gadamael, tal como Guileje, foi atacada com canhões M 50 que tinham um alcance de 30 quilómetros (corrijam-me se estou a errar), com foguetões 122, morteiros 120 (uma arma temível), canhões sem recuo, etc. Os guerrilheiros cumpriam a sua obrigação, lutavam contra o inimigo que éramos nós, a tropa portuguesa. Mas (este mas é importante!) quase sempre as suas bases de fogo, nos ataques a estes aquartelamentos situavam-se do lado de lá da fronteira e, no caso concreto de Guileje e Gadamael, o exército da Guiné-Conakry deu uma boa ajuda ao PAIGC.

Tivemos recentemente aqui no blogue a descrição cruenta do doloroso inferno de Gadamael feita por um sargento ex-pára-quedista deficiente das forças armadas, chamado Carmo Vicente.
Pelo que li e foi escrito em livro, de memória, muitos anos depois, o Carmo Vicente, embora lhe reconheça a autenticidade da descrição, não me merece grande respeito. Entre outros, ele insulta por exemplo, a 38ª Companhia de Comandos, acusando-a na altura da cobardia de "estar há mais de ano em Bissau" quando em Maio de 1973 os homens da 38ª CCmds acabavam de chegar de Guidage, com um morto e dois feridos graves. Enfim, as pessoas, deficientes ou não, devem ter respeito por si próprias e pelos outros. Fiquemos por aqui.

Mas a batalha por Gadamael, tal como a de Guidage e até a de Guileje, tão faladas e descritas no nosso blogue, – talvez para provar que a força militar do PAIGC era enorme e que a guerra estava militarmente perdida – provam exactamente que a força militar do PAIGC, a atacar, a bombardear de fora do território da Guiné, auxiliado pelo exército da Guiné-Conacry, assustou, destruiu, matou mas afinal não venceu.
Quem ganhou as batalhas por Guidage e por Gadamael foram ou não foram as tropas portuguesas, os pára-quedistas em Gadamael? É um facto importante que o Carmo Vicente se "esqueceu" de incluir no seu relato? Falo do que aconteceu no terreno, em termos militares. Em Guileje houve o abandono de um dos contendores. Foi este o único aquartelamento que o PAIGC pode considerar ter "conquistado".
A tese do dominó, de Amílcar Cabral, não teve comprovação prática. Os portugueses (eu sei, à custa de quantos sacrifícios!) continuaram com os aquartelamentos de fronteira. O Carmo Vicente fala nos seis aviões Fiats que bombardeavam os guerrilheiros em volta de Gadamael, já em Junho de 1973. Isto significa que um mês e picos depois dos cinco aviões abatidos pelos Strella do PAIGC, os Fiats voltavam a voar, a bombardear e a acertar nos alvos IN.
A guerra não estava militarmente perdida. A sobrevivência de Gadamael deve muito à força aérea.

Podemo-nos questionar, porquê e para quê tanta luta, tantos mortos, tanto sofrimento? A resposta a estas questões é de natureza política e não militar, tem a ver com a essência do conflito em termos políticos e ideológicos. Portugal teve a pouca sorte de ser governado por Salazar e por Marcello Caetano.
Regressemos à "derrota militar" das tropas portuguesas.

É verdade que em Julho de 1973 o governador António de Spínola falou na "contingência de um colapso militar", dado o grande poder de fogo IN sobre os aquartelamentos de fronteira, e pediu mais armas a Marcello Caetano. Falou na "contingência de", não de um "colapso militar".
E o colapso militar não se veio a concretizar. Digo isto com toda a simplicidade, eu estava lá, na Guiné, 1973/74, em Cufar, a trinta quilómetros de Gadamael e Guileje, eu e mais 40.000 portugueses espalhados pelo território e não assistimos, nem participámos em nenhum colapso militar.

De resto, ainda uma palavrinha sobre António de Spínola. Foi um homem de confiança do regime, pelo menos até 1972, altura em que a chamada ala liberal se lembrou dele para Presidente da República, para substituir o Américo Tomás. Marcello Caetano não concordou (parece que o inefável Costa Gomes meteu a sua colherada neste processo denunciando antecipadamente a Marcello as intenções de Spínola), e o nosso general do monóculo começou a entrar em contradições com Caetano. Depois, e neste contexto, vem a saída de Spínola da Guiné, a nomeação para Vice-Chefe das Forças Armadas, a demissão, o livro Portugal e o Futuro, o 25 de Abril.

Falei há dias aqui no blogue na "minha" Companhia de Caçadores 4740, os "Leões de Cufar", sedeada durante dois anos (72/74) no coração do Tombali/Cantanhez, numa situação extrema de uma dura guerra de guerrilha, cento e oitenta homens que tinham à sua guarda um importante aeroporto militar, populações guineenses nas aldeias de Cufar, Impungueda e no grande reordenamento de Mato Farroba, cento e oitenta homens que participaram sozinhos e com outras companhias em operações militares, sofreram emboscadas, defenderam o aquartelamento e a povoação durante as muitas flagelações a que fomos sujeitos.
Tiveram vários feridos mas nem um único morto em combate. Por pura sorte, com certeza, mas também e sobretudo devido ao real poder das forças em confronto.
Qual derrota, qual colapso militar?

"Um fraco rei faz fraca a forte gente"... São palavras de Luís de Camões, em Os Lusíadas, canto III, estrofe 138. Temos tido muitos fracos reis, às vezes não passam de um baronetes da bravata e da maledicência, megalómanos imperadores do nada.
Oito anos de vida fora da minha Pátria, em quatro continentes, ensinaram-me a gostar muito de Portugal. Mas há portugueses que me entristecem. Não importa, vou com as aves, no murmúrio azul do perpassar da brisa.

E uma coisa eu sei, na Guiné, com fracos reis, fomos ainda forte gente.

António Graça de Abreu

S. Miguel de Alcainça, 17 de Junho de 2008
Ano do Rato
__________

Notas:

1. Edição da responsabilidade de vb

2. Artigos relacionados em

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2959: A guerra estava militarmente perdida? (19): MIGS e Aliados. Juvenal Amado. M. Beja Santos.

A guerra estava militarmente perdida?

1. Mensagem de Juvenal Amado de 12 de Junho:

Caros camaradas da Tabanca Grande.

Com a polémica a chegar ao fim, (ou não) não posso deixar de tornar os meus pensamentos transparentes e dizer também o que penso.
O medo dos Migs era real, pois foram distribuídos cartazes com fotos identificativos dos referidos aparelhos, em variados destacamentos.

É verdade:

Que nós não tínhamos meios de autodefesa contra esse tipo de ataque.
Que a nossa Força Aérea, já dificilmente cumpria a sua missão de apoio às tropas debaixo de fogo.
Que os helis e Dorniers voavam rente ao chão e de preferência, por cima das estradas e rios (mesmo assim levavam rajadas de automáticas).
Que os batalhões cumpriam 26, 27 meses, por não haver homens para formar novos batalhões e assim serem rendidos.
Que havia movimentos, para que os soldados se negassem a embarcar.
Que se não temesse o efeito dominó a Guiné já teria sido abandonada.
Que os destacamentos junto à fronteira, estavam a ponto de terem que ser evacuados.
Que as nossas armas mais emblemáticas (Chaimites, Fiats) se tornaram obsoletas, graças aos mísseis e novos RPGs (emboscada entre Bafatá e N. Lamego, onde a Chaimite foi varada por munição anticarro).
Que estávamos a um passo de ver os ex-Alferes, que já tinham cumprido comissões serem chamados a cursos de capitães, e serem obrigados a combater novamente, em novas comissões. A vez dos outros (furriéis, cabos e soldados) também chegaria a seu tempo.
Que na (Metrópole) a resistência ao regime, desencadeava cada vez mais acções de sabotagem (caso dos helis, centrais eléctricas e navio de transporte de tropas Cúnene dinamitados pela ARA).

Que os Portugueses estavam fartos.

Quanto se utiliza o relato de actos de bravura dos nossos soldados, para se negar o que era inegável.
A derrota militar era uma realidade.
As derrotas militares são normalmente precedidas do sofrimento das populações civis. O Povo Português estava casado de sofrer.
Se não se tem promovido etnias em desfavor de outras. Se não se tem promovido a cavaleiros do Império, soldados oriundos das populações indígena, que fizeram em muitos casos o trabalho “sujo”, a guerra teria durado ainda menos.
Quando li as opiniões de alguns nossos camaradas sobre a questão, fiquei perplexo.
Parece que falam de outra realidade.
Na opinião deles, este país que vivia num atraso tal que competia com as próprias colónias, tinha condições para se manter como a última potência colonial. Contra tudo e contra todos.
Na minha opinião há de facto falta de realismo nesta visão e 34 anos após a revolta dos que lá combatiam alguns ainda mantêm o sonho inexplicável do Império Colonial.

Juvenal Amado
__________

2. Mensagem do Mário Beja Santos de 12 de Junho:

Luís, Graça Abreu, estimados tertulianos,

Regresso à polémica com os Strella e a falta de contrapartida e à delicada questão da "Guiné defensável", introduzida no texto do Graça Abreu.

Primeiro, foi a dupla Nixon/Kissinger que decidiu a perda de supremacia militar. Circunstâncias? Tudo quanto se passou depois de 6 de Outubro de 1973 foi decisivo para o colapso militar na Guiné. A diplomacia norte-americana sentia sérias dificuldades em continuar a apoiar-nos no Conselho de Segurança, começava a abster-se nas votações decisivas.

Com a Guerra dos 6 Dias, a Base das Lajes tornou-se vital para apoiar Israel. Convido todos os interessados a lerem "Nixon e Caetano – Promessas e abandono", por José Freire Antunes, Difusão Cultural, 1992. Está lá tudo contado, a partir da página 263.
A 12 de Outubro, Kissinger solicita ao Governo português autorização para a cedência da base dos Açores. Caetano está ausente, Rui Patrício procura Tomás em Belém, este recusa a cedência.
A Europa retraíra-se perante o risco do embargo petrolífero, Espanha, Turquia, França, Reino Unido e Alemanha interditaram as suas bases para o trânsito de aviões norte-americanos. A mensagem de Kissinger às primeiras horas de 13 para o Ministério dos Negócios Estrangeiros é ameaçadora: fala das reacções do Congresso, na necessidade de uma paz estável no Médio Oriente, aguarda imediatamente uma resposta. Patrício responde referindo a neutralidade no conflito israelo-árabe, invoca as possíveis retaliações, pede garantias a Washington e uma atitude de condenação à proclamação da independência da Guiné.
E escreve explicitamente: "O Governo português formulou ontem um pedido específico a que atribui a maior importância e urgência. Estamos defrontando neste momento perspectivas de séria ameaça de escalada da agressão nas nossas províncias ultramarinas, e muito especialmente na Guiné (...) que pode ter possibilidades de concretização, nomeadamente na utilização de meios aéreos de bombardeamento naquela província. Para lhe fazer face, necessitaremos com a maior urgência de dispor de meios defensivos que nos permitam neutralizar a superioridade de armamento dos nossos adversários".

Freire Antunes recorda uma outra nota do embaixador Hall Themido para Kissinger:

"Relativamente ao fornecimento de materiais defensivos que temos em vista... se trata designadamente de mísseis terra-terra para a hipótese de enfrentarmos ataques blindados e mísseis terra-ar para eventual defesa contra aviões. Sabemos que os EUA produzem um míssil Red Eye... atribuímos primeira prioridade à satisfação do nosso pedido de entrega imediata de mísseis terra-ar, que poderá mesmo efectuar-se nos Açores".

Ao fim da tarde do dia 13, no momento crítico da batalha do Sinai, quando ainda havia o risco de um desaire israelita, Nixon envia um ultimato a Caetano onde se diz explicitamente:
"Devo dizer-lhe com toda a franqueza que a sua recusa em ajudar neste momento crítico, forçar-nos-á a adoptar medidas que não deixarão de prejudicar as nossas relações".
Como é sabido o Red Eye nunca veio, a soberania na Guiné foi reconhecida por mais de oitenta Estados. O desequilíbrio militar passara a existir.

Segundo, a questão da Guiné defensável, que o Graça Abreu brande, usando uma expressão de Caetano. Pego em "Marechal Costa Gomes, no centro da tempestade", pelo historiador Luís Nuno Rodrigues (A Esfera dos Livros, 2008), a partir da página 101.
Depois de tudo quanto se passou em Guidaje, Guileje e Gadamael, Spínola escreve a Costa Gomes solicitando um reforço de tropas e meios disponíveis. Costa Gomes visita o território. Spínola escrevera a Costa Gomes o seguinte: "O PAIGC passara a ter novos meios que lhe davam a possibilidade de isolar povoações de fronteiras e sobre elas desencadear potentes e prolongadas acções de fogo, em manifesta situação de superioridade sobre as nossas guarnições, dotadas de armamento obsoleto".
É nessa data que Spínola escreve ao Ministro do Ultramar: "Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar". Já não havia dinheiro para meios adicionais, os nossos diplomatas, como aqui se dirá mais tarde, andavam desesperados a pedir armamento aos nossos aliados.

Tudo nos foi negado. Costa Gomes propõe uma modificação do dispositivo defensivo da Guiné, sobretudo a retirada de todas as forças nas fronteiras para uma zona em que não fossem atingidos pelos morteiros 120.
É nessa altura que Costa Gomes comunica a Marcello Caetano que a Guiné é defensável caso o dispositivo fosse modificado, retirando para o interior as guarnições militares que estavam a defender as povoações localizadas junto à fronteira. Mas havia uma ressalva: o PAIGC podia vir a utilizar os MIGs e se estes bombardeassem Bissau "nós perderíamos imediatamente a guerra".

Não vale a pena desdenhar deste argumento do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

Vem nos jornais que em Outubro de 1974 os MIGs da nova República da Guiné-Bissau aterraram em Bissalanca pilotados por guineenses que tinham estado a preparar-se com o apoio da URSS. Espero que não seja necessário ir à Hemeroteca para citar a chegada dos MIGs a Bissau.

Voltando ao essencial, Spínola pretextando não estar disposto a abandonar as populações, demitiu-se. Em Setembro, tomou posse o general Bettencourt Rodrigues que não contestou este dispositivo, não teve tempo de o aplicar.

Parece-me útil pormos um conjunto de protagonistas a falar sobre a evolução da Guiné de 1973 para 1974, é o que procuraremos fazer no próximo texto com base nos dois volumes da Guerra de África que José Freire Antunes publicou no Círculo de Leitores, em 1995.

Confio que esta argumentação clarifique porque é que escrevi e mantenho que a guerra na Guiné estava militarmente perdida.

Aproveito para recordar ao Joaquim Mexia Alves que a generalidade dos nossos camaradas da Guiné desconheciam o que se estava a passar quanto ao armamento e à procura de soluções para se repor o equilíbrio. Por favor, não se insinue que os militares portugueses estiveram associados ao colapso.

Um abraço para todos do

Mário Beja Santos
__________

Notas:

1. Adapatação do texto da responsabilidade de vb.

2. vd. artigos relacionados em:

14 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio >
Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 >
Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

terça-feira, 17 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo.

A Guerra estava militarmente perdida?

José Belo
ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70

Liberdade, Democracia...e guerras coloniais militarmente ganhas!

Das potências militares europeias quantas terão militarmente perdido as suas guerras coloniais? A Inglaterra na Índia ou em África? A França na Argélia? A Holanda na Indonésia? Apesar de disporem de recursos humanos e económicos avultados, todas se decidiram pelo abandono. Quer se creia ou não em "ventos da História", essas colónias não foram militarmente perdidas.

Dirão os idealistas que a força de emancipação dos povos é impossível de ser militarmente parada. Dirão economistas serem outras as regras "do Jogo", apesar de convenientemente vestidas com uniformes militares e bandeiras desfraldadas.

Liberdade – Democracia - Guerras Coloniais, é equação de provado não funcionamento histórico. Daí, uma guerra colonial a ser ganha"num Portugal livre, democrático, europeu?

Como participantes activos, como combatentes, numa tragédia histórica que nos ultrapassava, tanto no "tempo" como nas responsabilidades políticas deveremos sentir vergonha? Cito o Coronel de Infantaria David Martelo no seu livro "As Mágoas do Império": apesar de ser norma das guerras exprimirem-se pela destruição, a derradeira campanha em África, terá sido, com toda a certeza, o empreendimento militar português que mais construíu! A própria táctica de captação das populações não consentia outros procedimentos. Por esse motivo, os militares e ex-militares portugueses podem recordar, com justo orgulho, o bem-estar que ajudaram a levar até grande parte das populações autóctones.

Tenho que concordar com o "desabafo" de J. Mexia Alves meses atrás enviado á Tabanca Grande, na sua incompreensão quanto á necessidade de alguns se colocarem literalmente "de cócoras" perante os feitos da guerrilha, na busca de um, muitas vezes demasiadamente forçado pseudo politicamente correcto.

Os nossos antigos adversários são merecedores do nosso respeito, mas não de subserviências. Em verdade, em função dos resultados por eles obtidos não as necessitam! Na guerra que nos obrigaram a travar, e no campo estritamente militar, muito pouco haverá que nos pode envergonhar como Soldados de Portugal.

Mas um debate quanto a guerras passadas não militarmente perdidas? Não é sequer original! O Nacional-Socialismo de Hitler tomou o poder sob a bandeira da traição aos combatentes Alemães da 1ª Guerra Mundial, não militarmente derrotados. Os nostálgicos que na Rússia de hoje lamentam a perda do Império Soviético na Europa de Leste, depois de uma guerra fria não militarmente perdida. A direita civil e militar Norte-Americana afirmando continuamente que a guerra do Vietname estava longe de militarmente perdida!

Humor á parte, tem que se concordar serem interessantes companheiros de caminho nisto de debates quanto a guerras...militarmente perdidas ou não! A não se pretenderem tirar as conclusões políticas inerentes, resta, para este nosso debate estritamente militar soluções de contabilidade aparentemente simples.

Mas não será uma simplicidade enganadora? Um teatro de guerra, por definição é constituído por infindáveis e multi-facetados factores. Esses factores acabam por multiplicar-se "ad infinitum" quando a um Exército Regular se opõe uma força de Guerrilha.

Contam-se as armas de cada campo? Quantas metralhadoras? Quantos canhões? Mas chegará contar os canhões? Quantos estavam em condições verdadeiramente operacionais? (Recordo os imponentes obuses 14 de algumas guarnições, aos quais faltavam os aparelhos de pontaria e tabelas de tiro). Funcionariam todos os inventariados à guerrilha? Quantos especialistas de armas pesadas manuseavam o nosso tão distribuído morteiro 81? Será o rendimento operacional obtido por tais armas contabilizado do mesmo modo, independentemente do voluntarismo dos militares que as utilizavam? Qual a norma para uma contabilização comparativa quando as nossas armas pesadas respondiam a ataque nocturno ás nossas guarnições sem disporem de equipamentos de aquisição de objectivos? Os efeitos "estritamente militares" eram relativos, apesar de por vezes, lá íamos acertando. Por certo, como no caso da guerrilha.

Quatro, sete, vinte navios de guerra que garantem as deslocações nos rios e braços de mar serão contabilizados do mesmo modo que, duas, vinte, trinta primitivas canoas que, na escuridão da noite, permitem á guerrilha transportar os homens e materiais necessários? Como comparar os resultados práticos e estratégicos obtidos por estas armas assimétricas?

O inimigo, por contínua pressão militar, obrigou-nos a abandonar os aquartelamentos, por ex., de Gandembel e Madina do Boé. Na exploração do resultado, a guerrilha decide não ocupar os aquartelamentos, pois o seu interesse estratégico era desimpedir os eixos de infiltração de material, e não o de ocupar terreno, e esperar sentada pelos inevitáveis bombardeamentos.

Como contabilizar os resultados? Vitória na planeada retirada estratégica das força convencionais? Vitória da guerrilha por ter obtido os seus objectivos? Ao objectivo "estritamente militar" em que um exército regular quantifica "a vitória", opõe a guerrilha uma ideia de vitória sustentada pela arma fundamental ao seu dispor que é a propaganda.

Como contabilizar os resultados das diversas operações á ilha do Como? Ao Cantanhez? Vitórias? Derrotas? Quais os resultados estritamente militares perante os objectivos planeados? Ocupação de terreno? Interdição de terreno? Conquista das populações? Destruição de meios humanos e militares inimigos? Em operações das nossas tropas especiais, heli-transportadas, com avultados sucessos em acampamentos destruídos, inimigos mortos e material apreendido, a contabilização é mais uma vez de aparente facilidade, na perspectiva de um exército convencional. Mas as tropas especiais não são nem formadas, nem vocacionadas, para simplesmente ocuparem o terreno. Daí, o passadas horas, dias, ou mesmo semanas, acabarem por ser retiradas dos objectivos destruídos. A guerrilha volta. Apaga as cinzas. E grita vitória por ter obrigado o inimigo a retirar. Mesmo que as forças de guerrilha tenham que acabar por "apagar as cinzas" de uma centena de acampamentos no mato, se gritarem sempre "vitória" de um modo que as populações "vejam" essas vitórias, a nossa contabilidade assimétrica complica-se ainda mais.

Neste tipo de guerra, terá significado militar o quantificar a "vitória" em áreas ocupadas pelas força regulares? Como relacionar estas numa proporção relativa aos quilómetros quadrados em que a guerrilha se movimenta. Ocupação/Movimentação, mais uma das facetas de contabilização menos fácil. Como quantificar em termos estritamente militares, os efeitos psicológicos dos rebentamentos de minas anti-carro sob viaturas pejadas de soldados? Opondo-se-lhes o número de quilómetros de estradas alcatroadas, em que algumas das nossa colunas se deslocavam sem problemas de maior sob a segura protecção das vetustas Fox e Daimler?

A evolução do material de guerra fornecido á guerrilha pelos seus apoiantes, com a crescente aceleração em quantidade e qualidade, nos últimos anos da guerra, foi considerável. Seria suficiente, nos tais termos estritamente militares, para uma vitória frente ao exército convencional com evidentes carências na sua capacidade de renovação, adaptação e aquisição de material de guerra que lhe permitisse acompanhar a par e passo o evoluir da guerra de guerrilha para uma confrontação mais convencional?

Qual o significado real, neste debate, quanto ao facto de o inimigo possuir este, ou aquele tipo de foguetões anti-aéreos, ou anti-campos fortificados? Não se poderá negar que os nossos aviões ainda voavam dentro de certas limitações. Mas facto é que essas limitações não existiram durante um grande período da guerra, com todas as inerentes vantagens para as nossas tropas. Como contabilizar nos tais termos militares esta forçada diminuição de uma situação anterior....óptima? Quantos os aviões abatidos? Quais as nossas capacidades de substituicao? Quais os efeitos psicológicos para os pilotos que sabiam não dispor de contra medidas eficazes contra as armas contra eles utilizadas? Não haverá muito de subjectivo e portanto um pouco fora do campo de uma análise "estritamente militar", ao ser usado como exemplo o facto de utilizarmos os aviões de transporte Norte-Atlas, como plataformas de bombardeamento, lançando as bombas através da porta de carregamentos?

São muitas as dúvidas, as perguntas levantadas, as interpretações, os raciocínios subjectivos. Neste tipo de debate é fácil esquecer que o Mundo não parou no mês de Marco do ano de 74. Quais seriam as condições reais em Portugal sem a revolta militar de Abril? A tal guerra colonial..."a ser ganha"...ou não perdida, ....quantos anos mais?

Estocolmo, 3 Junho 2008

J.Belo
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Notas de vb:

1. A Guerra estava militarmente perdida. Era apenas uma questão de tempo. A artilharia do PAIGC ia até Mansoa, Farim, Bolama, Bissau...Os Strella, os pilotos do PAIGC, em formação, preparavam-se para levar os MIGs até Bissau.

A Guerra não estava perdida em termos estritamente militares. À medida que o PAIGC melhorava as máquinas da morte, o Governo Português avançava com os Red Eye e não estava afastada a ideia de novas investidas a Conakry.

A opinião internacional, as Nações Unidas, os aliados de Portugal cada vez menos aliados, a pressionarem o governo Português a aceitar uma negociação para o conflito.
A imperiosa necessidade de salvaguardar a jóia da República, Angola (onde a guerra estava limitada a acções de polícia).

A Família Portuguesa cada vez menos disposta a enviar os seus filhos, maridos e netos para uma guerra que achavam sem sentido. E o brio das Forças Armadas Portuguesas com os melhores soldados do mundo a garantirem que não seria nas bolanhas e nas matas que Portugal iria perder a guerra. ~

O número de refractários e desertores não parava de aumentar. Muitos deles na Suécia, França, Holanda, Bélgica... participavam em acções contra o colonialismo Português. E Tavira, Caldas, Mafra a abarrotarem de milicianos cada vez com menos vontade em lutar por um Império que lhes parecia dizer muito pouco...
Uma questão polémica, infindável.

2. vd. artigos relacionados em:

14 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)