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quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23741: "Despojos de Guerra" (Série documental de 4 episódios, SIC, 2022): Comentários - Parte V: 4º e último episódio, "Laços de Sangue", hoje, 5ª feira, dia 27, às 20h00, na SIC Notícias, Jornal da Noite


Série documental "Despojos de guerra", 4ª episódio: "Laços de sangue", Fotograma do "trailer" (3' 58''). Um dos entrevistados é o José Maria Indequi, secretário da direção da Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau (FIDJU DI TUGA).

1. Sinopse, com a devida vénia, SIC Notícias > 25 out 2022, 12h17;

Chamam “filhos de tuga” aos mestiços nascidos das relações entre militares portugueses e mulheres africanas que foram deixados para trás. Entre a revolta e a esperança, ainda hoje tentam encontrar um nome de pai e descobrir a outra metade da sua identidade, como sucede aos irmãos Elva e José Maria Indequi.

"Despojos de Guerra" revela histórias extraordinárias de espionagem, patriotismo, sobrevivência e romance, tendo como pano de fundo a guerra colonial portuguesa em África (1961 a 1974).

Com recurso a imagens de arquivo extraordinárias e pela primeira vez submetidas a um processo de colorização inédito em Portugal, esta série documental, com assinatura de Sofia Pinto Coelho, vem dar voz a heróis anónimos que relatam agora, na primeira pessoa, as encruzilhadas que enfrentaram em tempo de guerra e de descolonização.

"Despojos de Guerra" é uma coprodução da Blablabla Media com a SIC, com o apoio à inovação audiovisual do ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual.

Esta quinta-feira é apresentado o último episódio da série documental "Despojos de Guerra", disponível na plataforma Opto.

Sobre este tema, e sob o descritor "filhos do vento", temos mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue. ]

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23677: Agenda cultural (818): "Despojos de guerra", série em quatro episódios, de 40' cada, sobre a guerra colonial: estreia hoje na SIC, no Jornal da Noite



1. Press release da produtora Blablabla Media, com data de 3 do corrente:



Despojos de Guerra estreia esta quinta-feira 
no Jornal da Noite da SIC


É já esta quinta-feira, dia 6, que a SIC promete mostrar a guerra colonial portuguesa como nunca a viu: a cores. 

A estreia do primeiro dos quatro episódios da série documental DESPOJOS DE GUERRA terá lugar no Jornal da Noite. 

Assinada por Sofia Pinto Coelho, a mais recente coprodução documental da Blablabla Media revela histórias extraordinárias de espionagem, patriotismo, sobrevivência e romance, dando voz às encruzilhadas que inesperados protagonistas enfrentaram em tempos de guerra e de descolonização. 

Figuras como a de Sebastiana, a informadora — uma anónima comerciante portuguesa que, no auge do conflito em Angola, se viu tornar agente dupla e influenciar o curso da guerra naquele país. 

Disponível na Opto desde o dia 19 de fevereiro, DESPOJOS DE GUERRA destaca-se pelo recurso a imagens de arquivo inéditas e pela primeira vez sujeitas a um processo de colorização.



Cada semana, um novo capítulo (40' ):

A INFORMADORA (Ep. 1 - 6 out) |

 No auge da guerra colonial em Angola, uma comerciante e o marido avisavam a PIDE quando os guerrilheiros iam à sua loja abastecer-se de mantimentos. Sebastiana Valadas revela qual era o seu nome de código, quanto recebiam pelas informações e como prendiam os “turras”. Depois da descolonização, um deles ajustou contas e mandou prendê-la.

Disponível na Opto, em versão alargada

COMBATENTE AFRICANO (Ep. 2 - 13 out) | 

Milhares de africanos combateram ao lado dos portugueses na guerra colonial. Com a descolonização, foram deixados à sua sorte. Alguns foram fuzilados ou perseguidos pelos novos poderes e mesmo para receber tratamentos médicos é-lhes dificultada a vinda a Portugal. Como é possível que não se faça justiça perante estes homens que estiveram na dianteira da guerra, como é o caso do antigo Cabo Luís Silva?

Disponível na Opto, em versão alargada

CORREDOR DA MORTE (Ep. 3 - 20 out) | 

O que significará dar a vida pela pátria? Contrariados ou voluntariosos, foi o que fizeram 800.000 jovens a partir de 1961. A Guiné estava transformada no mais duro e mortífero campo de batalha e foi para lá que foram enviados o piloto-aviador Miguel Pessoa e a enfermeira paraquedista Giselda Antunes.

Disponível na Opto, em versão alargada

LAÇOS DE SANGUE (Ep. 4 - 27 out) | 

Chamam “filhos de tuga” aos mestiços nascidos das relações entre militares portugueses e mulheres africanas que foram deixados para trás. Entre a revolta e a esperança, ainda hoje tentam encontrar um nome de pai e descobrir a outra metade da sua identidade, como sucede aos irmãos Elva e José Maria Indequi.

Disponível na Opto, em versão alargada


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Nota do editor:

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Guiné 61/74 – P23675: Agenda cultural (816): "Despojos de Guerra", mini-série da SIC, a ir para o ar nos próximos dias 6; 13; 20 e 27 de Outubro, no fim do Jornal de Noite. No dia 20, o episódio é dedicado aos nossos camaradas Giselda e Miguel Pessoa, "o casal mais strelado do mundo"




Guiné > Bissalanca > BA12 > 1974 > 26 de março de 1973 > O então ten pilav Miguel Pessoa na pista do aeroporto, em maca, ... À esquerda, a 2.ª srgt enfermeira paraquedista Giselda Antunes (mais tarde, Pessoa).

 No dia anterior, domingo, 25, e em pleno dia, o aquartelamento de Guileje fora duramente atacado durante cerca de hora e meia. Foram usados foguetões 122 mm. A parelha de Fiat G-91 (Miguel Pessoa e António Martins de Matos) que estava de alerta em Bissalanca, nesse dia e hora, veio em apoio de fogo. A aeronave do Miguel Pessoa, que vinha à frente, foi atingida por um Strela, sob os céus de Guileje... Foi o primeiro Fiat G-91, na história da guerra da Guiné, a ser abatido pela nova arma, fornecida pelos soviéticos ao PAIGC, o míssil terra-ar SAM-7 Strela (de resto, já usada e testada na guerra do Vietname)... 

O ten pilav  Miguel Pessoa conseguiu, felizmente, ejectar-se. E a sua posição foi sinalizada pelo seu asa... Vinte quatro horas depois, era resgatado, são e salvo, pelo grupo de operações especiais do Marcelino da Mata e por forças da CCP 123, comandadas pelo malogrado cap paraquedista João Cordeiro).

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2009). Todos os direitos reservados, (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Com a devida vénia ao nosso camarada Miguel Pessoa (Coronel PilAv Ref, ex-Capitão PilAv da BA 12 - Bissalanca, 1972/74) e ao Blogue da Tabanca do Centro, reproduzimos o Poste 1343, ali publicado, que dá conta da emissão de uma mini-série na SIC, intitulada "Despojos de Guerra", com um episódio no dia 20 dedicado ao casal mais strelado do mundo:


“DESPOJOS DE GUERRA” , NA SIC

Meus caros:

Há já mais de um ano a SIC, através do trabalho da jornalista Sofia Pinto Coelho, preparou a apresentação de uma mini-série a que chamou "Despojos de Guerra", com 4 episódios, já prontos há bastantes meses, mas que as vicissitudes do conflito na Ucrânia levaram a adiar a sua exibição até agora.

Referiu-me agora a Sofia Pinto Coelho que esta mini-série vai finalmente ser apresentada, prevendo-se a sua exibição na SIC numa rubrica “Grande Reportagem” integrada no final do Jornal da Noite da SIC (cerca das oito e picos da noite) nas datas abaixo indicadas:

6OUT - Episódio sobre uma informadora da PIDE

13OUT - Episódio sobre um combatente africano DFA (Deficiente das Forças Armadas)

20OUT - Episódio que acharam suficientemente curioso para abordar uma conversa com a Giselda e Miguel Pessoa…

27OUT - Episódio sobre os Filhos do Vento - crianças que nasceram fruto das ligações de militares nossos a mulheres africanas.

Segundo a jornalista, esta apresentação será antecedida de uma promoção prévia no canal SIC - de que não me dei ainda conta; mas, pelos vistos, tendo estado em banho-maria há largos meses, este projecto encontrou finalmente pernas para andar... E, como o primeiro episódio está previsto já para 5.ª feira 6 de Outubro, aqui fica o aviso para quem possa estar interessado em ver.

Abraço
Miguel Pessoa

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Outubro de 2022 > Guiné 61/74 – P23673: Agenda cultural (815): Apresentação do meu 11.º livro "Bola de Trapos - Crónicas Desportivas do Baixo Alentejo, 1904 a 2022", Edições Colibri, no próximo dia 11 de Outubro, pelas 19h00, na Bibiloteca Municipal José Saramago, em Beja (José Saúde)

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23355: Questões politicamente (in)correctas (57): O luso-tropicalismo e os seus mitos (José Belo, Suécia e EUA)




Guiné  > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda "Vigeas", "filho do vento" e "mascote da companhia" (*): (i) com outros meninos da Tabanca, a brincar numa poça de água, junto à capelinha; (ii) vivia praticamente com os militares, que o alimentavam e cuidavam dele; (iii) como os carimbos da secretaria da CART 1613, na testa e no braço; dizia-se, na caserna, que era a cara chapada do pai; morreu por volta de 2009,  com cerca de 45 anos; era casado e pai de duas filhas; a família vivia em Bissau (**)

(...) Como escreveu o nosso saudoso capitão SGE Zé Neto (1929 - 2007), "eram todos de etnia fula, de raça negra a população de Guiléle], com excepção de um menino mestiço. Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine [CCÇ 799, 1965/67]. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas [Silva Viegas]. Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros. (...) (*)

O Dauda teve no Zé Neto um protetor. E, história espantosa, em janeiro de 2010, a Júlia Neto, viúva do cap ref José Neto (1929-2007), foi conhecer a esposa e as duas filhas do Dauda (entretanto falecido havia  pouco tempo), em Bissau

Fotos (e legendas): © José Neto (2005). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo:


Data - 15 jun 2022, 13h45
Assunto - Discutir o Lusotropicalismo

Caro Luís

Na sequência dos textos “lusotropicais” do Camarada José Teixeira  (***) segue um texto em busca de passíveis… diálogos!

Um abraço, J. Belo

[José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, (i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser corone) do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 224 referências no nosso blogue.]
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O Lusotropicalismo visto "por dentro", analisado "desde fora": debate com cidadãos brasileiros de origem africana (****)


O termo Lusotropicalismo criado por Gilberto Freyre refere os elementos factuais, ideais, outros quase mitológicos, quanto a uma igualdade racial (quanto a ele procurada) pela cultura lusitana nos trópicos.

Uma política de miscigenação rácica, mais ou menos acentuada, tendo em conta variações locais de origem cultural, económica e social.

Nas colónias portuguesas esta política de miscigenação terá tido flutuações temporais em paralelo com flutuações políticas.

Todas estas condições, a somarem-se às demográficas, criaram disparidades bem representadas pelos exemplos de Goa, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné.

Em muitos dos textos publicados neste blogue surge uma “fresca brisa“ de Lusotropicalismo.
Rico em detalhes de atentas observações, permeadas por sentimentalismos românticos, raiando os inatingíveis ideais da... poesia trovadoresca medieval!

Textos cuja importância surge de observações “in loco”.

O que emana destas descrições é o que se poderia referir como… Lusotropicalismo de dentro!
As especificidades criadas por uma envolvente situação de guerra obviamente que torna estas observações menos ricas na sua genuinidade. De qualquer modo seriam as únicas possíveis.

Verdadeiro privilégio dos que tiveram a oportunidade única de, através ampla “janela”, observar as realidades quotidianas na vida de isoladas Tabancas ainda não afectadas por profundas mudanças posteriores .

Os textos apresentados por José Teixeira, os saudosos Torcato Mendonça e “Alfero” Cabral, António Rosinha (com referências lusotropicais em Angola, Brasil e Guiné), entre tantos outros Camaradas com experiências semelhantes, todos nos levam ao tal lusotropicalismo visto…. por dentro!

Os textos, análises, descrições e debates, vindos “de fora”, espelham valores e critérios de outras culturas, sociedades, e não menos interesses, em tudo distintos do idealizado (!)
Lusotropicalismo.

Uma parcialidade acentuada pelas diferentes agendas políticas de alguns dos autores.
Algumas das legítimas críticas quanto ao trabalho forçado, impostos discricionários, e outros tipos de opressões a nível local, ficam quase obscurecidos quando isolados do todo orgânico que eram as realidades políticas das diversas potências coloniais.

A um nível eivado de subjetividades por pessoal, tive a oportunidade de participar em debates realizados na Suécia do início dos anos oitenta em que participavam estudantes universitários brasileiros, sendo a maioria de origem africana.

Mais tarde, no próprio Brasil, voltei a ter a oportunidade de debater o Lusotropicalismo, agora não só com jovens estudantes, mas com a participação de indivíduos que representavam de forma abrangente os mais diversos níveis culturais, sociais e políticos.

Tanto no Recife como em Manaus, São Salvador da Baía e Rio de Janeiro, as intervenções dos brasileiros de origem africana tinham em comum o facto de não aceitarem como verdadeiro o mito do mulato/mulata como um resultado de um relacionamento romântico, consentido, não violento na sua essência, entre o colonizador e a mulher africana escravizada.

Concordavam quanto a terem existido casos pontuais de tais romances mas, pelo seu número real em relação às violências exercidas pelo colono, não eram de modo algum justificativos de todo um mito criado por intelectuais privilegiados nas suas raízes europeias.

Como tantos de nós, recebi nos bancos escolares a tal ideia lusotropical a raiar o utópico.
Foi-me muito difícil, no início destes debates, aceitar no seu significado profundo estas descrições brasileiras em contraste total com tudo o que me fora “ensinado” nos verdes anos. 
Para mais, ensinado na forma paternalista tão normal nos tempos da ditadura.
Algumas das opiniões, e razões, apresentadas por estes brasileiros ainda hoje me provocam conflitos valorativos.

De qualquer modo, com todas as suas limitações, romantismos ingênuos e parcialidades analíticas, o Lusotropicalismo de Gilberto Freyre “sobreposto” às realidades sociais e raciais dos Estados Unidos do ano de 2022 torna muito difícil as graduações valorativas.

Um abraço do JBelo

2. Comentário do editor LG:

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define assim o luso-tropicalismo:

luso-tropicalismo | n. m.

lu·so·tro·pi·ca·lis·mo
(luso- + tropicalismo)

nome masculino

[Sociologia] Ideia, desenvolvida por Gilberto Freyre (1900-1987, antropólogo, sociólogo e escritor brasileiro), que defende que a colonização portuguesa foi diferente das restantes colonizações europeias nos trópicos e que essa diferença se manifestou na miscigenação e na interpenetração cultural.

"luso-tropicalismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/luso-tropicalismo [consultado em 16-06-2022].

Sobre o tema vd. também artigo da investigadora da UL/ICS, Cláudia Castelo (*****). Vd também no nosso blogue os postes P15468 e  P21297  (******)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de janeiro de  2006  Guiné 63/74 - P446: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas



(****) 19 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22643: Questões politicamente (in)correctas (56): A caminhada para a... "descolonização exemplar" (José Belo, jurista, Suécia)

(*****) Buala > A Ler > 5 de maeço de 2013 > Cláudia Castelo (Universidade de Lisboa, ICS - Instituto de Ciências Sociais )  > O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio

(******) Vd. postes de:

9 de dezembro de  2015> Guiné 63/74 - P15468: Recortes de imprensa (78): O colonialismo (suave) nunca existiu... Leopoldo Amado, atual diretor do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, entrevistado em Bissau por Joana Gorjão Henriques ("Público", 6/12/2015, série "Racismo em português")

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22545: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (90): Documentário para a RTP: procuram-se pais/irmãos de filhos da guerra (Catarina Gomes, argumentista)

1. Mensagem da Catarina Gomes, jornalista e escritora, com 30 referências no nosso blogue

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(Foto à esquerda, cortesia de Tinta da China):


Catarina Gomes nasceu em Lisboa, em 1975. É autora de dois livros sobre a Guerra Colonial.


Em Furriel não é Nome de Pai (Tinta-da-china, 2018) quebrou um tabu, contando a história dos filhos que os militares tiveram com mulheres africanas e que deixaram para trás.

Em Pai, Tiveste Medo? (Matéria-Prima, 2014) aborda a forma como a experiência do conflito chegou à geração dos portugueses filhos de ex-combatentes.

As duas obras foram incluídas no Plano Nacional de Leitura.

Foi co-argumentista do documentário (RTP2) Natália, a Diva Tragicómica, baseado num artigo que escreveu sobre uma mulher que viveu sob a ilusão de que era uma diva da ópera. Jornalista do Público durante quase 20 anos, as suas reportagens receberam alguns dos prémios mais importantes da área, como o Prémio Gazeta (multimédia).

Foi duas vezes finalista do Prémio de Jornalismo Gabriel García Márquez e recebeu o Prémio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha. Os seus trabalhos de jornalismo narrativo mais significativos encontram-se no site Vidas Particulares. (Fonte: Wook)
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Data - 14 set 2021 12:11
Assunto - Filhos de tuga-Parte 2



Bom dia, caro professor Luís Graça, Espero encontrá-lo bem.

Escrevo porque, ao contrário do que era minha intenção, vou voltar ao tema dos «filhos de tuga». Fui contactada por uma produtora para fazer um documentário para a RTP sobre o assunto.

Assim sendo, estou de novo à procura de histórias: de pais que reconheceram os filhos, de irmãos portugueses que encontraram/ descobriram os seus irmãos africanos. Vamos à Guiné, Angola e Moçambique.

Aqui fica o apelo:

Procura-se Pais/Irmãos de filhos da guerra Estamos a preparar um documentário para a RTP sobre a realidade dos filhos que alguns militares portugueses deixaram em Angola, em Moçambique e na Guiné-Bissau durante a Guerra Colonial/ do Ultramar, fruto de relações que tiveram com mulheres africanas durante o conflito.

Procuramos quem queira partilhar a sua história do lado da família portuguesa do militar, nomeadamente os próprios militares (pais destes filhos africanos) ou irmãos portugueses que tenham tentado encontrar ou desejem encontrar os irmãos africanos que os seus pais deixaram na guerra.



O nosso contacto é: docfilhosdaguerra@gmail.com

Muito obrigada.
Abraço, Catarina

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22535: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (89): No quadro dos 60 anos do início da Guerra Colonial, o RC 6 (Braga), em parceria com o Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, está a organizar um Colóquio e uma Exposição com enfoque no património histórico do RC6 como unidade mobilizadora, entre 1964 e 1974, de Pelotões de Reconhecimento Daimler

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20631: A minha máquina fotográfica (20): carta de amor à minha querida Olympus Pen, comprada em Nova Lamego, em 1973, numa loja de libaneses (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS/ BART 6523, 1973/74)



Olympus Pen  [EE, 1959 ?]

(...) "Máquina fotográfica analógica produzida pela Olympus no formato half-frame que apenas ocupa metade de um negativo de 35mm e portanto duplica o total de exposições nos respetivos rolos (24exp=48exp, 36exp=72exp).

A primeira pen foi produzida em 1959 e tornou-se uma das mais pequenas máquinas fotográficas a usar rolo de 35mm, pensava-se que era tão portátil quanto uma esferográfica, daí o nome Pen. (...) A versão EE-S foi produzida nos anos 60 e vem substituir a anterior EE com uma lente mais luminosa." (...)


O modelo EE-S (1962-8) custa hoje cerca de 75 euros [o equivalente em 1973 a 355 escudos da metrópole; c. 320 pesos]


Foto nº 1 >  Nova Lamego: c. 1973/74: a "menina do Gabu", uma "filha do vento"... Morreria, mais tarde, de doença,  aos 12 anos.


Foto nº 2 > Nova Lamego, c. 1973/74 > O "ranger" no seu quarto, no quartel de Nova Lamego


Foto nº 3 >  Nova Lamego, c. 1973//4 : o rádio de pilhas e a decoração erótica que "humanizava" e "climatizava" o universo concentracionário dos aquartelamentos 


Foto nº 4 > Gabu, c. 1973/74 : numa tabanca fula, o "ranger" e a menina com irmão ás costas


Foto nº 5 > Bafatá, c. 1973/74: a rua principal, o rio Geba ao fundo


Foto nº 6 > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > 1973 > O cais fluvial do Xime, na margem esquerda do Geba Estreito


Foto nº 7  > Gabu, c. 1973/74 > Uma aldeia fula, crianças em tempo de guerra


Foto nº 8 > Nova Lamego: 14 de março de 1974 > Dia de juramento de bandeira de uma companhia de milícias, com a presença do alferes graduado cmd Marcelino da Mata > "Dia de ronco", com um grupo de músicos que tocavam música afro-mandinga (com os tradicionais instrumenos: kora, à esquerda, e balafon, à direita) > Os militares, de pé, na terceira fila (o Zé Saúde, de óculos escuros) e as mulheres grandes, sentadas, na segunda fila.


Foto nº 9 > Nova Lamego > s/d > Vista aérea do quartel novo e da pista de aviação, Foto do fur mil Amílcar Ramos, que pertencia à BAA (Bateria Anti-Aérea)


Foto nº 10 > Nova Lamego > c. julho / agosto  de 1974 > Antes do regresso a casa (em 9/9/1974), a "limpeza dos paióis": 


Foto nº 11 > Nova Lamego > c. julho / agosto  de 1974 > Antes do regresso a casa (em 9/9/1974), a "limpeza dos paióis":  o fur mil minas e armadilhas Santos mais um soldado


Foto nº  12 > Gabu, c. 1973/74 > O "ranger" José Saúde


Foto nº 13 >  Gabu, c. 1973/74 > No mato


Foto nº 14 > 2/8/1973 > Aquando da chegada a Bissau, nos barracões do QG/CTIG, destinados aos sargentos, com o Ramos, fur mil ranger que há de desertar, mais tarde, para o PAIGC


Foto nº  15  > Nova Lamego, c. 1973/74: Uma equipa de futebol (reduzida): de pé, Santos, Dias, "Maia" e Fonseca. Em primeiro plano, Zé Saúde e Rui


Foto nº 16 >  Gabu, c. 1973/74  algures numa tabanca > Encontro com o velho do cachimbo


Foto nº 17  > Nova Lamego, c. 1973/74  > Lavadeiras, "duquesas do quartel"


Foto nº 18 > Nova Lameg, c. 1973/74 > No quarto, lendo "Um Deus na Palma da Mão", romance de Josúé da Silva (Edições Plexo, 1973, 368 pp.)


Foto nº  19 >  Nova Lamego, c. 1973/74 > Cozinha da messe de sragentos > O Zé Saúde, parodiando o  "sermão aos peixes" do Padre António Vieira...


Foto nº   20 > Bafatá > Pós-25 de Abril de 1974 >  Delegação do PAIGC

Fotos (e legendas): © José Saúde  (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Carta de amor à minha  querida máquina fotográfica Olympus Pen: obrigado pelas tuas imagens  (*)

por José Saúde

Olho, hoje, para ti e relembro os momentos em que foste, para mim, uma insofismável companheira!

Comprei-te numa loja de libaneses, em Nova Lamego. A aquisição baseou-se, essencialmente, sobre uma carência pressupostamente sentida quando ostentava, ainda, a alcunha de "piriquito". 

Optei, no ato da compra, pela marca que já conhecia e fiz menção que o seu manuseamento fosse o mais simples possível. Vislumbrava no horizonte que poderias, em momentos cruciais, debitares imagens capitais para mais tarde recordar.

Seguias viagem no bolso do camuflado e a tua humilde ação apresentou-se, a espaços, importante para a reposição de reproduções que nos leva a viajar nas asas do vento e trazer à memória pedaços de indeléveis recordações. 

O teu aspeto simples, e de mecânica sumária, jamais me deu o mínimo de problemas ou/e de preocupações. Ou seja, tu, a minha Olympus,  eras uma máquina divinal. Não recordo o teu custo exato. Talvez uns quinhentos ou setecentos e cinquenta pesos [equivalente, a preços de hoje a 105 € e 158 €, respetivamente].

Afirmo, por outro lado, que a generalidade dos documentos visualizados nesta obra, tiveram como base tu, meu pequeno brinquedo que teimosamente acostou junto a este antigo combatente - sem nome - que prestou serviço militar em território da Guiné.

O clique não obedecia a cuidados antecipados. A visualização do objetivo não apresentava dificuldades pré-concebidas. Colocava-te na posição de automática e saía, normalmente, uma imagem de se lhe tirar o chapéu. Contigo, minha querida Olympus, recolhi pormenores de gentes que viviam no meio de duas frentes de guerra que impunham leis horrendas no terreno.

Recolhi imagens de crianças que muito cedo se habituaram a ouvir os sons horripilantes das armas de fogo que serviam simplesmente para matar outros homens considerados inimigos. Imagens de homens e de mulheres grandes que serviam, por vezes, de fúteis objetos. Em prol da sobrevivência tudo se aceitavam.

A guerra, a tal maldita guerra, traçava horizontes deveras débeis. Melhor, medonhos. Gentes que caminhavam para o campo com uma aparente ligeireza. Pareciam conhecer, e bem, os trilhos do medo. E tudo se conjugava numa irreverente certeza: a população era um alvo apetecível para as duas frentes de guerra. E o povo sabia que eram seres importantes num xadrez de incertezas.

Tu,  minha Olympus, ias acumulando, pausadamente, registos que hoje me fazem recuar no tempo e trazer à estampa nacos de memórias inesquecíveis. Fomos combatentes na Guiné. Convivemos, ambos, , com a guerra e a paz. Conhecemos o odor da desgraça.

Vimos companheiros perderem a vida em plena juventude em defesa de interesses alheios. Estropiados que sempre reclamaram uma maior justiça social. Outros que ainda coabitam com traumas psíquicos de um conflito que lhes quebrou uma vida saudável. Outros que tentam passar imunes a problemas mentais que sistematicamente lhes causam problemas no seio familiar ou na comunidade.

Enfim, um rol de aromas nauseabundas de um tempo sem tempo que desafiou gerações transversais e que nos obrigou a combater num conflito sem rumo.

Para ti,  minha querida Olympus, que continuo a guardar devotamente no baú da saudade, vai o meu muito obrigado.

Zé Saúde (**)

[daptação, revisão, fixação de texto: LG]
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Nota do  editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

5 de janeiro de 2015> Guiné 63/74 - P14121: A minha máquina fotográfica (19): Quando embarquei no T/T Índia, em julho de 1964, já levava uma Kodak... Ficou-me no rio de Canjambari... (António Bastos,ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)

3 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14113: A minha máquina fotográfica (18): A minha máquina foi comigo da Metrópole mas já conhecia os cantos da guerra. Tinha feito uma comissão de serviço, para os lados de Bissum, com um irmão meu, entre 1970 e 1972 (Albano Costa)

31 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)

21 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14061: A minha máquina fotográfica (16): Comprei uma Olympus 35 SP e um projetor de "slides" na casa Pintozinho, em Bissau (César Dias, ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14047: A minha máquina fotográfica (15): Comprei-a em 73, em Bissau por 5.000 pesos, que utilizei durante muitos anos na vida civil e fez algumas viagens ao estrangeiro na década de 80 (Agostinho Gaspar)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14046: A minha máquina fotográdfica (14): Comprei-a logo nos primeiros dias em Bissau, numa loja de material fotográfico ao lado do forte da Amura, em Julho de 1968, com dois colegas do curso de Mafra, o Rego e o Amorim. Eram todas iguais, marca “Fujica” (Fernando Gouveia)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14045: A minha máquina fotográdfica (13): Tive, desse tempo, uma Kowa SE T que depois vendi; e tenho ainda uma Minolta SR T 101... Se um dia quiserem fazer um museu com as "máquinas de guerra", contem com a minha... Não a vendo, tem um grande valor sentimental... (Manuel Resende, ex-alf mil, CCaç 2585, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)

15 de dezembro de2014 > Guiné 63/74 - P14030: A minha máquina fotográfica (12): Ainda tenho, operacional, a minha Fujica Compact S, comprada em finais de 1972, em Bissau (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)


13 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14021: A minha máquina fotográfica (10): Cerqueira, a Olympus Pen D3 que tens há 40 anos para entregar a um furriel da CCAÇ 13, a pedido do libanês Alfredo Kali, de Bissorã, deve ser do Alberto de Jesus Ribeiro, de Estremoz ( Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71; presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga)

12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14018: A minha máquina fotográfica (9): a minha "arma de recordações" era uma Chinon M-1... E também tenho uma Olympus Pen D3, à espera, há 40 anos, de ser entregue ao seu dono: o ex-fur mil Guerreiro, da CCAÇ 13, algarvio de Boliqueime, tanto quanto sei... Ele por favor que me contacte... Foi o libanês Alfredo Kali que me encarregou da encomenda... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, e CCAÇ 13, Bissorã, 1972/74)

12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14012: A Minha Máquina Fotográfica (8): A minha era uma AGFA Silette I que comprei em Bissau antes de me ir cobrir de glória na região de Cacine, corria o auspicioso ano de 1968 (António J. Pereira da Costa, cor art ref, ex-alf art, CART 1692, Cacine, 1968/69; ex-cap art, CART 3494, Xime, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)

11 de dezembro de 2014 > Guiné 63774 - P14007: A minha máquina fotográfica (6): (i) levei da metrópole um "caixote" Kodak; e (ii) em Bafatá comprei uma Franka Solida Record, alemã (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14006: A minha máquina fotográfica (5): (i) comprei a minha Yashica Linx 5000 em Bissau por 3 contos; (ii) e que tal criar-se um museu de máquinas fotográficas de guerra? (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)

9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13995: A minha máquina fotográfica(4): (i) Comprei em Cabo Verde uma Yashica Electro 35 a um primeiro srgt que se dedicava ao contrabando; e (ii) improvisei um estúdio de fotografia (José Augusto Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Cabo Verde, Ilha do Sal, outubro de 1963 a julho de 1964, e Guiné, Olossato, julho de 1964 a outubro de 1965)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13990: A minha máquina fotográfica (3): (i) A Kodak Brownie Fiesta foi, depois da G3, a minha segunda companheira do mato (Vitor Garcia, ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71); (ii) tive uma Olympus Trip 35 (António Murta, ex-allf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13989: A minha máquina fotográfica (2): (i) a minha velhina Yashica, comprada no T/T Uíge: e (ii) os calotes dos trabalhos fotográficos em Empada (Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 / BCAÇ 1932, Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13987: A minha máquina fotográfica (1): (i) da velhíssima Kodak do meu pai à minha Canonet; (ii) da Filmarte (Lisboa) à Foto Íris (Bissau); e (iii) das minhas fotos importantes, a preto e branco (Mário Gaspar, ex-fur mil at art minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

(**) Vd. poste de 4 de dezembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13972: Memórias de Gabú (José Saúde) (46): A minha máquina fotográfica Olympus. Obrigado pelas tuas imagens

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19948: (De) Caras (132): Manuel Barros Castro, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), natural de Fafe, nosso grã-tabanqueiro nº 793..... Assumiu a paternidade da sua filha guineense, Maria Biai Barros Castro (1964-2009): uma história aqui (re)contada por Jaime Silva


Manuel Barros Castro, nascido em Fafe, em 9 de outubro de 1940. Andou na escola Escola Industrial e Comercial de Fafe. Vive na sua terra natal.  Tem página no Facebook sob o nome de  Manuel Castro . Cinco anos depois do nosso convite, decidiu finalmente formalizar a sua entrada na Tabanca Grande. Senta-se, desde hoje, no lugar nº 793 (*).



O Manuel Barros Castro, quando jovem: é o primeiro da primeira fila, de cócoras, a contar da esquerda, de óculos escuros. Os restantes são amigos e/ou talvez familiares. Foto tirada em Cabo Verde ou na Guiné, s/d, da autoria de Guilhermino Teixeira. Faz parte do seu álbum (vd. página do Facebook do Manuel Castro).

Fotos (e legendas): © Manuel Barros Castro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A história de Manuel Barros Castro, natural de Fafe (**)

 por Jaime Silva

[, ex-alf mil para, BCP 21, Angola, 1970/72], prof educação física ref, e ex-autarca, que  viveu em Fafe há cerca de 4 décadas, e que regressou agora à sua terra natal, Seixal, Lourinhã] [, foto à esquerda]

1. O Manuel Barros Castro esteve na Guiné e pertenceu á Companhia Operacional Independente, de atiradores de infantaria,  a CCAÇ 414, sediada em Catió, onde o pessoal se instalou em tendas de lona. Era furriel miliciano e tinha a especialidade de enfermeiro.

Desembarcou em Bissau no dia 21.3.63 e regressou a Portugal a 4.5.1965 [, mais de dois anos depois].

Formou companhia em Chaves, a qual esteve mobilizada para Moçambique, sendo à última hora desviada para a Guiné.

Nas conversas que, entretanto, ele fez o favor de ter comigo (eu conhecia a filha, mas não conhecia o contexto que tinha gerado a situação), ao falarmos do nosso relacionamento com as mulheres africanas, disse-lhe eu, a determinada altura:

“Até porque havia algumas facilidades de relacionamento pela facto de algumas se oferecerem para ser as nossas lavadeiras”.

“Não. Ela não era a minha lavadeira. Houve empatia entre os dois. Eu, como enfermeiro, dava apoio à população, distribuía medicamentos e foi nesta circunstância que a conheci”, disse, emocionado. “Emociono-me, sempre que falo neste período da minha vida”.

A gravidez foi problemática e, apesar de a jovem ser acompanhada por dois médicos militares, teve que ir para Bissau por falta de condições [, em Catió].

Em Bissau, para onde a companhia, a CCAÇ 414, se tinha deslocado temporariamente, soube, por uma tia da jovem, que esta estava hospitalizada e numa das vezes qua a visitou perguntou-lhe se ela concordava em entregar-lhe a filha, ao que ela respondeu que “só queria que ela seja branca”. Era uma jovem sem instrução que, embora não fosse católica, concordou em batizar a filha.

Após 16 meses no mato [, desde abril de 1963],  a companhia, em vez de ficar em Bissau como estava previsto inicialmente, foi parar a Cabo Verde [, em 28 de julho de 1964], alterando os planos do furriel Castro. Disse que já tinha tudo preparado para instalar a filha, conhecida já como “a menina da companhia” e protegida da esposa do comandante da companhia [, o cap inf Manuel Dias Freixo].

A menina nasceu a 16 de maio de 1964 e foi-lhe dado o nome de Lurdes Maria Biai Barros Castro. A Mimi, para a família e amigos.

A companhia esteve nove meses em Cabo Verde e , durante esse tempo,  a Mimi esteve, primeiro, internada num orfanato em Bissau, por interferência do bispo de Bissau, depois ao cuidado da madrinha, uma senhora nativa que era funcionária nos CTT de Bissau, para quem o Castro mandava mensalmente uma pensão.

Alguns anos depois de ter terminado a Comissão [, em maio de 1965], a madrinha da Mimi veio a Portugal, em 1969,  trazer a menina, cuja mãe, entretanto, falecera.

A Mimi fez o seu percurso escolar em Fafe, tal como os irmãos (um irmão e uma irmã), concluiu a Curso de professores do 1.º ciclo do ensino básico e, infelizmente, faleceu com 45 anos em setembro de 2009, de doença incurável, quando trabalhava numa escola do concelho da Póvoa do Varzim, em Maceira da Lixa.

O Manuel Barros Castro disse-me, ainda, que sempre se revoltou contra a falta de responsabilidade daqueles camaradas de armas que não assumiram os filhos que deixaram por lá, e foram muitos, tanto na Guiné como em Cabo Verde,

Contou-me um episódio, relativamente recente, em que uma mulher guineense, a residir nos Estados Unidos, filha duma situação ocorrida na sua companhia,  e que tinha descoberto a morada do pai, fez questão de vir a Portugal encontrar-se com o pai no aeroporto, só para lhe dizer: “eu sou sua filha, aquela mulher ali é a minha mãe. Eu não quero nada de si. Vim só para o conhecer. Passe muito bem!" [...]

2. Deu-me mais alguns pormenores que eu não sabia:

A filha, a Mimi, era casada com um colega professor e deixou uma filha de 11 anos que está a ser educada pelo pai, claro, mas com grande apoio dos avós. Aliás, frequenta a escola em Fafe.

Voltámos a falar da mentalidade da época, dos preconceitos sociais em relação à “cor” da pele e à rejeição social, sobretudo nas aldeias do norte e interior do país, a dificuldade em aceitar casos destes. Diz que sentiu bem os “olhares” quando a filha chegou. Aliás, quando se referiam à filha, perguntavam-lhe: “Então como vai a sua filha adotiva”?...  Ao que o Manuel Castro, disse, respondia perentório: “Eu não a adotei. A menina é mesmo minha filha”.

Disse-me, ainda, que no dia do funeral da filha, a madrinha (de quem já te falei) esteva em Portugal e esteve presente. Pois as pessoas, ainda então, “cochichavam ao ouvido” e perguntaram-lhe, mesmo, se ela não seria a mãe. Teve que esclarecer que mãe já tinha falecido e que a senhora era a madrinha da Mimi.

Lembrei-me da história do meu colega de escola, do Seixal, Lourinhã, de quem já te falei [, poste P12709]. Quando me deu o seu testemunho, disse-me que, algum tempo após o regresso à metrópole, teve saudades e pensou seriamente em mandá-los vir da Guiné, ao filho e à mãe. Mas, disse-me (na presença de mais dois conterrâneos, um deles esteve na Guiné, também) que recuou, com medo do que iriam dizer as pessoas !

Como tu bem dizes, não se deve julgar.

A propósito, o Castro disse-me, hoje, que nos encontros da companhia alguém (que ele identificou) lhe perguntou: “Trouxe a miúda, porquê?".

Caro Luís:

Uma história de vida edificante, sem dúvida. É exemplar e merece ser conhecida. (***)

Abraço, Jaime.
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19946: Tabanca Grande (482): Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65)

(**) Vd. postes de:

6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12687: Filhos do vento (27): Manuel Barros Castro, natural de Fafe, fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65) teve uma filha, de mãe guineense,e que ele de imediato perfilhou, Maria Biai Barros Castro (1964-2009)... Uma história exemplar (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

27 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12780: Filhos do vento (29): Ainda a história do Manuel Barros Castro, natural de Fafe, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), e os preconceitos ainda hoje existentes (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

(***) Último poste da série > 1 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19935: (De)Caras (107): Um ninho de "lacraus", em Espinho, Silvalde, fevereiro de 1969, na véspera de partida para o CTIG (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte, CART 2479 / CART 11, 1969/70)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19479: Agenda Cultural (672): "Amores pós-coloniais", pelo grupo de teatro Hotel Europa... De 7 a 24 de fevereiro de 2019, no Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa


Cartaz do espetáculo "Amores pós-coloniais", Teatro D, Maria, de 7 a 24 de fevereiro de 2019 (Reproduzido com a devida vénia...)



1. Teatro: "Amores pós-coloniais"
Companhia: Hotel Europa
Data: de 7 fevereiro a 24 fevereiro 2019
Horário: qua: 19h30; qui: 21h30; sex: 21h30; sáb: 19h30; dom: 16h30
Local: Teatro Nacional D. Maria II

Praça Dom Pedro IV
Telef 213 250 800
http://www.teatro-dmaria.pt


Sinopse:

(...) Amores Pós-Coloniais inicia um novo capítulo de investigação na companhia Hotel Europa, estendendo o ciclo de investigação do colonialismo ao tema do amor.

“Este espetáculo de teatro documental pretende refletir sobre o amor enquanto espaço político e utópico, discutindo o que significava amar no espaço colonial e pós-colonial.

Este trabalho irá utilizar como metodologia um cruzamento entre a pesquisa de arquivo e a recolha de testemunhos reais. Pretendemos retratar com este espetáculo as políticas do amor no espaço colonial e perceber como a violência do colonialismo condicionava as relações amorosas. 


Iremos recolher testemunhos com antigos soldados Portugueses que tiverem filhos com mulheres África no tempo da guerra, mulheres de origem Portuguesa que se apaixonaram por homens negros pertencentes aos movimentos de Libertação, e também as relações que saíram da relação entre os países Africanos e os países da Europa de Leste. Este trabalho irá também entrevistar os filhos que saíram dessas relações, tentando fazer o escrutínio do que era o amor durante o período Colonial e Pós-Colonial.” (...) 

Sessão com interpretação em Língua Gestual Portuguesa a 24 de fevereiro.

Ficha técnica:

Hotel Europa. André Amálio, criação; Tereza Havlíčková, cocriação e movimento; André Amálio, Júlio Mesquita, Laurinda Chiungue, Pedro Salvador, Romi Anauel e Tereza Havlíčková, interpretação.

Preço: 11 €  (ver descontos)

Fonte: Agenda Cultural de Lisboa, fevereiro de 2019



Capa da Agenda Cultural de Lisboa, fevereiro de 2019, e reprodução da p. 40, com o anúnico da peça de teatro "Amores Pós-Colonais"


2. Nota do editor Luís Graça:

O sítio "Agenda Cultural de Lisboa", propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, Pelouro da Cultura, Divisão de Promoção e Comunicação Cultural, utilizou indevidamente, duarnte alguns dias ou algumas horas, uma imagem do nosso blogue, da autoria do nosso camarada Virgílio Teixeira, sem qualquer referências à fonte e aos créditos fotográficos. Escusado será lembrar que uma das 10 regras de ouro do nosso blogue  é justamente o "respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor".


Depois de apresentado o devido protesto, o Virgílio Teixeira, que foi alertado por nós e que ficou deveras incomodado, recebeu a seguinte mensagem da produtora do espetáculo "Amores Pós-Coloniais", Joana Santos, com pedido de desculpas:


Data: Mon, 4 Feb 2019 12:35:05 +0000
De: Hotel Europa
Assunto: Uso da imagem: pedido de desculpa
Para: Virgílio Teixeira

Boa tarde caro Virgílio Teixeira,

O meu nome é Joana Santos e sou a produtora do espectáculo Amores Pós-Coloniais da companhia de teatro Hotel Europa, com a autoria de André Amálio & Tereza Havlíčková, que vai estar em cena no Teatro Nacional D. Maria II.

Escrevo pois foi-nos comunicado que é o senhor que está representado na fotografia que chegou a ser usada para a divulgação do espectáculo.

Em nome da companhia Hotel Europa queremos pedir desculpa pela utilização da fotografia neste contexto sem a sua autorização.

A imagem foi usada durante muito pouco tempo pois como não tínhamos informação sobre autoria e créditos decidimos deixar de a usar e substituí-la. O departamento de comunicação do Teatro divulgou muito pouco a imagem e já tinha feito um pedido para que fosse substituída mas vai agora reforçar por pedido nosso. Já identificámos os sítios na internet que têm de substituir e o pedido já foi feito. Na agenda impressa essa alteração já não pode ser feita.

Mais uma vez, pedimos imensa desculpa pelo incómodo desta situação, não foi de todo intencional da nossa parte.

Muito obrigada pela atenção.
Com os melhores cumprimentos
Joana Santos (...)

André Amálio & Tereza Havlíčková (...)
Hotel Europa
Performance.Theatre.Dance

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Nota do editor

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19085: A galeria dos meus heróis (10): o "Felgueiras", 1º cabo hortelão, empresário, autarca, padrinho... (1943-2017) - II (e última) Parte (Luís Graça)

Luís Graça, Contuboel, junho/julho de 1969
Segunda e última parte do texto elaborado para a "Galeria dos meus heróis", série literária da autoria do nosso editor Luís Graça.

O  "Felgueiras", 1º cabo hortelão, empresário, autarca, padrinho... (1943-2017) - II (e última) parte


Foi aqui, em pleno "chão manjaco", que o nosso cabo descobriu que tinha jeito para os negócios. E mais: que tinha a estrelinha da sorte a brilhar no seu céu… Um ano depois, voltou a Felgueiras e a Amarante, as suas "duas terras natais".

Vir de férias à metrópole era um luxo só reservado a alguns, aos oficiais e sargentos, milicianos ou do quadro. Raros eram as praças (soldados e cabos) que podiam desembolsar as seis notas de conto que custava a viagem de ida e volta na TAP. Alguns, coitados, faziam das tripas coração, só para poder estar um mês com a família, sendo já casados e com filhos (que mal conheciam ou não conheciam de todo).

Numa região com grande tradição de emigrantes de torna-viagem (Brasil, França…), o "Felgueiras" fez questão de voltar exibindo alguns sinais exteriores de riqueza… Até um carro alugou, no Porto, só para impressionar a família e os amigos que cá deixara. (Poucos, de resto, a maior parte deles espalharam-se pelo mundo fora: uns na Invicta ou em Lisboa, outros na França, outros ainda na guerra do ultramar).

− Sorte ao jogo, azar no amor ?!... Vamos lá testar a roleta da sorte…

De há muito que o "Felgueiras" tinha uma paixão, "assolapada", não correspondida, por um antiga colega do colégio de Amarante, a "morgadinha". A rapariga pertencia a uma família com pretensões a ter "origem fidalga"… Fizera o antigo 5º ano do liceu e o melhor que arranjou, por ali perto, foi um emprego na Câmara Municipal, como administrativa.

Durante o primeiro ano de comissão, o "Felgueiras" e ela trocaram algumas cartas e aerogramas, mas sempre na condição de "amigos, vizinhos e colegas de escola"… Não se namoravam, mas ela também teria um fraquinho por ele.  Aliás, os pais opunham-se, e tinham outros planos para a rapariga, que era filha única: ao que parece, o eleito era um professor primário, que andara a estudar para padre, e que também estava na tropa, em Moçambique, como alferes miliciano. Seguramente, um melhor partido do que o filho do "rendeiro da Lixa"…

Os pais da rapariga não tinham, alegadamente, "dinheiro para mandar cantar um cego" e, muito menos, para mandar restaurar a arruinada fachada da casa, "com brasão", onde viviam, nos arredores de Amarante, herança de um tio-bisavô, cónego da Sé de Braga.

O filho do rendeiro, operário da Tabopan, não era, na verdade, nessa época, um "bom partido", pelo que o "Felgueiras" voltou para a Guiné com um "amargo de boca"…

10. Convencido de que o dinheiro pode "comprar tudo (ou quase tudo), até o amor", acabada a comissão, o "Felgueiras" voltou com uma malota cheia de notas ("escudos", legítimos, da metrópole, trocados pelos "pesos", o patacão, sujo, sebento, da Guiné, lá no Banco Nacional Ultramarino e na "candonga", nos comerciantes de Bissau que cobravam uma taxa de 10%).

Depositou a malota aos pés da rapariga e pediu-a aos pais em casamento, assim, de chofre, à bruta, sem mais cerimónias. Os "fidalgos" nunca tinham visto na vida tanto nota de banco, em maços separados, atados por uma fita… Até desconfiaram que fosse produto de algum assalto…

Estranhamente, a rapariga levantou-se, lívida, sem pinga de sangue, para logo a seguir correr para o quarto, lavada em lágrimas, num pranto… Os pais esboçaram um pedido de desculpa, mais embaraçados e envergonhados que o pretendente à mão da filha. 

A partir deste dia, o "Felgueiras" esqueceu, para sempre, a sua "morgadinha"… 

No dia seguinte, rescindiu o contrato de trabalho que ainda o ligava à Tabopan, e decidiu comprar um bilhete da TAP para visitar Luanda,onde tinha um irmão estabelecido desde que terminara a tropa em 1963.

– Um homem das Arábias, o nosso "Felgueiras" – conclui eu.

− Não, um homem das Áfricas – emendou o Arlindo.− Partiu para Angola com o coração destroçado.

Ex-furriel, camarada do "Felgueiras", maquinista da CP reformado, pai do Jorge, meu vizinho do Marco de Canaveses, voltei a encontrá-lo, ao Arlindo, depois do casamento do filho, mais duas ou três vezes. E foi através dele que fui sabendo mais histórias do "Felgueiras" que, segundo os meus cálculos, terá regressado da Guiné logo em janeiro de 1969…

Sabemos que foi ter com um dos irmãos, o mais velho, o Tó, que se radicara em Angola: foi dos primeiros militares a ir para lá, em meados de 1961, tendo sido um dos bravos da Operação Pedra Verde. Em finais de 1963, terá rumado para a Lunda, e andado metido com "garimpeiros". Depois acabou por abrir um pequeno restaurante em Luanda, lá na Mutamba, na parte baixa da cidade. As coisas melhoraram quando o irmão mais novo, o "Felgueiras",  se tornou sócio. Trouxe dinheiro fresco e sobretudo o tal "jeito para o negócio", talento que tinha descoberto na região do Cacheu, na Guiné.

O início da década de 1970, antes da crise petrolífera de 1973, foi ouro sobre azul para quem tinha "porta aberta" em Luanda. O "dinheiro sujo" da guerra era ali "branqueado". O "ventre de Luanda" regurgitava, os "comes & bebes", a "diversão noturna" e a "indústria do sexo" deram muito "kumbú" (dinheiro, em calão de hoje) a ganhar a muita gente. Havia até um restaurante, o "Floresta", que servia sardinhas assadas de Peniche acabadas de chegar do avião da TAP... 

Inesperadamente, em princípios de 1973, seis meses antes da crise, o "Felgueiras" vendeu a sua quota ao "kota" do irmão Tó, just in time, na hora certa. Parece que adivinhava que o mundo ía ficar louco e que nada voltaria a ser como dantes...Alegava que "queria correr mundo e encontrar a futura mãe dos seus filhos"...

Em troca terá recebido do mano velho um saquinho de "vidrinhos", guardados no fundo de um bau, desde o tempo da Lunda, como uma espécie de pé de meia. O "kota" insistiu que estava ali uma pequena fortuna, mas ele nunca tentara sequer trocar as "pedrinhas" por dinheiro vivo. A Diamang, dizia-se, tinha um braço comprido e o contrabando de diamantes (a "kamanga", como se dizia em bom angolês...) era severamente reprimido. Era um Estado dentro de outro Estado, justificava-se o "kota, seguramente menos "atiradiço" (e "com mais escrúpulos"...)  que o caçula da família.

Por razões óbvias, por se tratar de um assunto "delicado, íntimo", eu nunca puxei a conversa para esse lado, das poucas vezes em que ainda estive (ou falei, ao telefone) com o "Felgueiras", nestes últimos anos, depois do casamento do Jorge e da Clara. Nunca saberei, pois, como é que ele conseguiu eventualmente aumentar a sua conta bancária, com o valor de um saquinho de "vidrinhos". Mesmo para o Arlindo, era uma "assunto-tabu".

− Por favor, camarada, quando voltares a estar (ou falar) com ele, nunca toques na história dos diamantes...Ele ficaria muito aborrecido, se não mesmo melindrado...

Quando conheci o "Felgueiras", ele tinha um passado de "empresário de sucesso", acionista do BPN ("pequena accionista", emendou ele), e chegara a ser inclusive uma "figura grada" da política local e regional. Recordo de me ter confidenciado:

− Nunca fui do reviralho, se é isso que queres saber. Antes do 25 de Abril não me interessava por política. Tocava a minha vidinha… No dia 26 de Abril, apanhei o comboio da democracia, como muito boa gente. E até viajei em 1ª classe. Fui dos primeiros a ter 'cartão partidário'...

− O "abre-te, Sésamo" do novo regime − ironizei eu... mas julgo que ele não percebeu a piada.

Numa região com grande tradição de caciquismo, é fácil, para quem tem o poder (económico e/ou político), tornar-se cacique. O "Felgueiras" não gostava da palavra... Como também não gostava nada de falar desses tempos nem da sua "pública e notória" participação nos acontecimentos do "verão quente de 75".

Considerava-se, antes de mais, "um português, patriota" (...), "com o coração talvez mais à esquerda e a razão seguramente mais à direita" (...), "mas hoje afastado das lides político-partidárias" (...) "onde quem manda é a canalha, que nunca foi à tropa e muito menos à guerra".

− Limito-me a ter as quotas em dia… Mas já ninguém me escreve, ou telefona, pede conselho, convida ou visita. Parece que tenho lepra...

Começou, "modestissimamente" (sic), como autarca, presidente da junta de freguesia da sua terra natal. Ajudou o partido a ganhar as eleições municipais. Foi eleito vereador municipal, e chegou inclusive a substituir, por uns tempos, o seu grander amigo e correligionário que iria depois ficar à frente dos destinos do município. 

"Os maiorais da distrital do Porto" chegaram a sondá-lo para aceitar um lugar, elegível, nas listas do partido, como candidato à Assembleia da República, mas ele recusou, com orgulho e desprezo:

− Lisboa ?!... Nem pensar!

Tocou os seus negócios, alargou o seu estaleiro de construção e obras públicas, ganhou uma fortuna (um "pequena fortuna", como gostava de precisar...) com os contratos de empreitada por adjudicação direta, "fez estradões, pontes, escolas, creches, lares de idosos, campos de futebol, redes de água e saneamento, rotundas, repuxos, viadutos,túneis, quartéis de bombeiros"…

− Levei o progresso a quase todo o lado, aqui no Vale do Tâmega, em vários concelhos... Ganhei e dei a ganhar muito graveto. Aliás, este sempre foi o meu lema de vida, ser grato e estimar sempre quem te quer bem… Perdi dinheiro, isso, sim, e muito, com o túnel do Marão. Veio a crise, vieram os tubarões do fisco e da segurança social, fechei a empresa, mandei mais de 100 homens para o desemprego, dezenas de máquinas e camiões foram parar à sucata… Mas estou vivo, graças a Deus!

− Lamento imenso, é uma vida de trabalho... E o futebol ?

− Ainda fui tentado, no início dos anos 90, nos meus anos de ouro, a meter-me no futebol. Por vaidade, ou por influência de falsos amigos, bajuladores, que gostam de te oferecer presentes envenenados.

− Mas era a tua "coroa de glória"! ?...

− Nem pensar, percebi logo que aquilo era um sorvedouro de dinheiro e um ninho de víboras… O futebol, camarada, é uma amante cara!... E às tantas, deixas de ter sossego, vida privada e corres o risco de teres de recorrer ao teu mealheiro para pagar os ordenados ou os prémios e as avenças dos técnicos e dos jogadores. Hoje é tudo uma canalha, essa rapaziada que gira à volta da bola… E já há não amor à camisola!... Como não há amor à Pátria!...

− E muita ingratidão também, não ?!

− Um gajo passa facilmente de bestial a besta. O povo hoje é ingrato. Tanto te põem-te no pedestal, erguem-te uma estátua, como no ano seguinte já estão a apear-te… Vê o que se passa com o homem da tua terra,  a quem o Marco tanto deve, perdeu as eleições, e já querem tirar-lhe o nome do estádio e da avenida principal… Ingratidão, é um dos nossos piores defeitos, podes escrever aí.

− Deixa-me ser franco contigo: não concordo que, em vida, se dê o nome a ruas, praças, avenidas, estádios, escolas, aeroportos, etc., a gente que ainda está viva. Hoje podes ser um herói, e amanhã um proscrito social. Vê o que aconteceu ao nosso Zé do Telhado, Torre e Espada, desterrado para Angola…

− O Zé do Telhado, o memso que limpou ao Zé Pequeno, e lhe cortou a língua, por traição, aqui na  Lixa!...

− Sim, isso mesmo. Vejo que estás por dentro da história da tua terra.

− Já o meu avô me contava essas peripécias... Eu também tenho um pouco esse jeito do Zé do Telhado, que roubava aos ricos para dar aos pobres...

− Exageros do Camilo Castelo Branco de quem foi amigo nba Cadeia da Relação, no Porto, por volta de 1860...

− Eu, por mim, gosto é de fazer o bem, e muitas vezes sem olhar a quem. Não é por acaso que me chamam (ou chamavam o "padrinho")… Tenho montes de afilhados na região, o Jorge é mesmo o último. Também já fechei este departamento, que me ficava caro, e trouxe-me dissabores.

− Padrinho... ?!

− Sim, padrinho, tenho muitos afilhados, de batismo, crisma, casamento. E no bom tempo, quando eu ainda mandava qualquer coisinha, meti muita cunha para muito boa gente, a começar pelos que tinham mais mérito e necessidades, para empregos nas autarquias, nas empresas, na banca, nas escolas, nos centros de dia, nos lares de idosos, eu sei lá. Até na tropa, quando ainda havia serviço militar obrigatório… Até ao bispo cheguei a ir...

−… Sem olhar a quem ?!

− Sim, sem olhar a quem!... As pessoas também fazem o favor de serem minhas amigas. E eu não me faço rogado quando me convidam para ser padrinho de casamento. Ainda para mais quando o pedido vem de um antigo camarada da Guiné… Neste caso, não foi um pedido, foi uma ordem!

− Sei que ainda voltaste à Guiné…

− Sim, há uns largos anos atrás, para "matar saudades". Fui com malta de uma ONGD, com trabalho realizado no setor de Canchungo, e para a qual eu fazia as minhas doações, em géneros e em dinheiro. Levaram um contentor com vestuário, material escolar, livros, mobiliário… Havia (não sei se ainda há) uma missão católica que fazia a distribuição. Mas, confesso, fiquei triste com o que vi...

O "Felgueiras" voltou, de facto, aos sítios por onde andara entre 1967 e 1968… Mas aí teve uma "experiência desagradável"… Uma mulher, na casa dos seus quarenta, abeirou-se do jipe dele e gritou: 

− Tu és o meu pai!

Na realidade, era filha de uma mulher manjaca, cristã, com quem o "Felgueiras" tivera um relacionamento, de apenas "dois ou três meses", no segundo ano da comissão. Ele ajudava a família com comida e dinheiro, mas nunca deu conta de que ela estivesse grávida, muito menos dele. Ambos tomavam "algumas precauções" (sic)... Feitas as contas, a mulher que dizia ser sua filha, tinha nascido em finais de 1972 ou princípios de 1973. Nunca poderia ser sua filha, já que ele estava a viver em Angola desde 1969…

− E se fosse minha filha, eu estaria disposto a reconhecê-la e a ajudá-la, inclusive a obter a nacionalidade portuguesa… O meu capitão, esse, ao que parece, é que lá deixou um filho, toda a gente sabia dessa história que, em boa verdade, me entristece.

O "Felgueiras" nunca me quis falar desse caso que manifestamente o incomodava. Foi o Arlindo quem, mais tarde, falou, com mais detalhe e à vontade, da história do capitão da companhia do "Felgueiras". Dizia-se que tinha feito um filho à lavadeira, mas nunca chegou a conhecer e a reconhecer a criança, que terá nascido ainda antes da comissão terminar, por volta do Natal de 1968. Um dos furriéis da CCS do batalhão, que editava o "jornal de caserna", até fez uma quadra popular, brejeira e satírica, alusiva ao “Santo António”… Toda a malta achou logo que assentava que nem uma luva na figura do comandante da companhia do "Felgueiras".

− Tornou-se popular no Batalhão, viemos a cantá-la no "Uíge", de regresso a casa, com música de fado e tudo… Nas costas do capitão, pois claro... Se bem me lembro, rezava assim:

Santo António foi à guerra,
Na Guiné perdeu os três,
Foi bajuda lá da terra
Quem o menino lhe fez.

Ao que parece, o "Felgueiras" achava a brincadeira de mau gosto, e mesmo ofensiva do bom nome do seu comandante, por quem tinha grande admiração e estima. O capitão era, de resto,  popular entre a rapaziada da companhia, mas motivo de chacota pelo resto do batalhão.

− O meu coração ficou na Guiné – disse-me um dia o Felgueiras", com alguma emoção no tom de voz... 

− E Angola ?...

− Em Angola até vivi mais anos, mas era outra gente. Enfim, Angola foi boa para os negócios.

Não lhe perguntei como nem porquê. Também nunca mais o vi. Também soube que casara, que tinha tido 2 filhos e 4 netos, e que entretanto enviuvara para, logo a seguir, no ano passado, morrer de cancro no pâncreas. Uma morte quase fulminante, em menos de três ou quatro meses. Um choque para todos, família, amigos e afilhados. E até para os seus inimigos, políticos, que ele também os tinha e não eram poucos.

− Os anos não perdoam. E os de África contam sempre a dobrar – lamentou-se o Arlindo, que perdeu "um bom amigo e um melhor camarada". O seu compadre não tinha completado ainda os 75 anos de idade.

E eu, por mim, só soube da notícia em agosto passado, quando estive no Norte, antes das vindimas. A minha homenagem, tardia, chega agora, sob a forma desta história de vida do "Felgueiras" (1943-2017). Lamento a sua morte precoce e tenho pena que ele não tenha chegado a reencontrar o "Paranhos", seu braço direito, nem a conhecer os régulos e demais camaradas da Tabanca de Matosinhos.

Talvez algum leitor conheça o "Paranhos" e ainda lhe possa dar, mesmo atrasada, a triste notícia da morte do seu amigo e camarada "Felgueiras". É de todo improvável que o "Paranhos" conheça este blogue... como a maior parte dos camaradas da Guiné, agora no ocaso da vida.

[Costuma-se prevenir o leitor de textos literários como este, de que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Por razões éticas e legais de proteção de dados, os nomes aqui referidos são fictícios, exceto os dos países, os dos lugares públicos e os das figuras públicas. Todos os factos aqui narrados podem ou não inspirar-se em factos reais. Se no final o leitor se sentir desconfortável, peço-lhe que volte para a cama e continue a dormir, descansado, como eu faço: afinal a guerra colonial nunca existiu, foi apenas um pesadelo, para alguns, como nós. Boa noite.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19084: A Galeria dos meus heróis (9): o "Felgueiras", 1º cabo hortelão, empresário, autarca, padrinho... (1943-2017) - Parte I (Luís Graça)