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quarta-feira, 1 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24110: Memórias cruzadas: onde ficava a base (logística e operacional), do PAIGC, de Hermacono? Segundo informação recolhida por Cherno Baldé, junto de um antigo guerrilheiro, ficava na linha de fronteira com o Senegal, no vértice de um triângulo que tinha como base as tabancas (abandonadas) de Farincó e Fambantã, a oeste da estrada Farim-Jumbembem


Guiné > Região do Oio > Mapa geral da província da Guiné (1961)  / Escala 17500 mil > O possível triângulo Farincó - Fambatã - Hermacono (na linha de fronteira com o Senegal)


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem (1953))  / Escala 1/50 mil > O possível triângulo Farincó - Fambatã - Hermacono (na linha de fronteira com o Senegal)

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. C
omentário do nosso colaborador permanente Cherno Baldé (Bissau, mais de 270 referências no nosso blogue) ao poste P24107 (*)


Caro amigo Luis Graça,

A informação que consegui obter junto de um antigo guerrilheiro, é que a base de Ermancono ou Hermacono ficava situada perto da fronteira e nas proximidades de 3 aldeias abandonadas (Fambanta-Farinco fula e Farinco mandinga) formando um triângulo quase perfeito se tomarmos como base a estrada Farim-Jumbembem com as duas localidades a servirem de ângulos ou vértices A e C. Visto desta forma, o ângulo de cima (Vértice B) estaria próximo das localidades citadas acima (Fambanta e as duas Farinco).

Esta informação trouxe-me de volta ao livro de Amadu Bailo Djalo no depoimento sobre a sua primeira missão em Farim com o Capitão de uma das companhias sediadas em Farim num camião cujo o motor aquecia e ao qual era preciso pôr água para arrefecer (**). A missão, segundo ele, estava relacionada com a recuperação da populaçao fula da aldeia de Lambã situada mesmo na linha da fronteira e que não se sentia segura devido a infiltração frequente dos guerrilheiros. Estou em crer que o objectivo daquelas manobras na altura estaria ligado à necessidade de conseguir espaços de futuras infiltrações para o interior do território.

De notar que este corredor (de Sambuia ou Lamel?) estava ligado às bases situadas no Oio (Canjambari-Samba-Culo entre outros).

Todavia, o homem grande (antigo combatente) não conseguiu decifrar-me o significado do termo Ermancono / Hermacono) utilizado para designar a base do PAIGC.

Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
28 de fevereiro de 2023 às 12:57


2. Excerto de relatório da 2.ª Repartição/CCFAG relativo ao período de 01jan73 a 15out74,  pág. 18 (***)

(...) Dispositivo geral do PAIGC e objectivos

Algumas das Bases ao longo da fronteira tinham simultaneamente carácter operacional e logístico, constituindo pontos de apoio à entrada de grupos armados e de colunas de reabastecimento. Assim:

Na Zona Oeste, dispunha fundamentalmente das Bases de M'Pack, Campada, Sikoum, Cumbamory e Hermacono, sediadas na faixa fronteiriça da Rep Senegal, a partir das quais actuava contra as guarnições de S. Domingos, Ingoré, Guidaje, Farim e Cuntima e infiltrando-se pelos "corredores" da Sambuiá e Lamel irradiava para o interior do TO, respectivamente em direcção às áreas fulcrais de:

- Tiligi, Naga-Biambe e Caboiana-Churo, donde ameaçava directamente o "Chão" Manjaco e as povoações e Aquartelamentos ao longo do eixo Có - Bula - Binar - Biambe - Bissorã;

- Bricama, Morés e Sara, donde ameaçava as povoações e aquartelamentso ao longo do eixo Mansoa - Mansabá - Farim, a península de Nhacra e, indirectamente a ilha de Bissau; 

(Itálicos e negritos nossos: LG)



Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 > Organizando um coluna logística que vai levar armas até à base de Hermacono, na fronteira... Na imagem, um camião russo, de marca Gaz (segundo nos parece)... Para ir até à fronteira, devia haver uma estrada entre Ziguinchr e Hermacono (o fotógrafo chama-lhe Hermangono).

Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 23 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973 (Com a devia venia... )

Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
___________


(**) Vd. poste de 12 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23777: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VII: Em Farim, com o BCAV 490, do ten-cor Fernando Cavaleiro, até meados de 1964... Abatises e emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem-Cuntima

domingo, 16 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23713: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte III: Colocado em Farim, na 1ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim


Guiné > Região do Oio > Farim > Bairro de Nema > s/d > Cortesia de Carlos Silva, publicado, a preto e branco, no livro do Amadu Bailo Djaló, na pág. 61-


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim  (1954) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Farim, Nema e K3


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem  (1954) > Escala 1/50 mil >  Posição relativa de Farincó e Fambantã, a norte de Farim, e junto à fronteira com o Senegal.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Continuamos a reproduzir, aqui no nosso blogue, alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp., capa a seguir, à esquerda). O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua na nossa memória e nos nossos corações. (*)

Não é demais sublinhar que se trata de um documento autobiográfico, único (até à data nenhum dos antigos militares que integraram o Batalhão de Comandos da Guiné publicou as suas memórias), indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe.

Membro da Tabanca Grande desde , tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado em vida).

Em homenagem à memória do nosso camarada Amadu Djaló (futa-fula, nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue, nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui mais umas páginas do seu livro. 

Depois da sua paisagem por Bedandam, nosul, na região de Tombali, onde esteve na 4ª CCAÇ como condutor, desde dezembro de 1962 a junho de 1963, e que não lhe deixou saudades, o Amadu Djaló conseguiu ser colocado na 1ª CCAÇ, em Farim, junto à fonteira com o Senegal. Este execrto é o relato dos seus primeiros dias por lá. 

 
Colocado em Farim, na 1.ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim  (pp. 58-64)

por Amadu Djaló 
 
Quando regressei a Bissau [, vindo de Bedanda] (**), apresentei-me no dia seguinte, pelas 7h00, na CCS do QG e a novidade que tive foi que a 1.ª CCaç já não se encontrava em Bissau [1]. Entreguei a guia de marcha ao comandante da companhia que ma devolveu por eu não pertencer à CCS. Como não via forma de ver a minha colocação resolvida, ainda me lembrei de ir à 4ª. Rep, outra vez ao major Simões, mas não chegou a ser preciso.

Na 1ª. Repartição entreguei a guia de marcha ao 1º. sargento, que depois de a ler, disse ao sargento Ribeiro que tinha aqui um homem. Mandaram-me apresentar no dia seguinte, com a minha bagagem. Ia para Farim, junto à fronteira norte com o Senegal. Esta conversa curta com o sargento Ribeiro, um bom homem, foi o início de uma amizade.

Então no dia e hora acertados, encontrei, junto ao portão do QG, uma camioneta coberta de lona e junto a ela, o 1º sargento Ribeiro, o condutor, um 1º cabo de etnia papel e um soldado balanta, militares que eu não conhecia. Coloquei a minha bagagem na camioneta, que ia com um carregamento de conservas de sardinha, atum, cavalas, leite condensado, manteiga, margarinas, óleo e azeite.

   Subam e acomodem-se o melhor possível    disse-nos o sargento.

Saímos de Bissau, pouco passava das 8h00 da manhã e chegámos a Farim por volta das 12h30. Para me prevenir precavi-me com um saco de conservas de sardinha e outro de leite condensado.

Com a bagagem na mão, dirigi-me para a caserna e coloquei-a em cima de uma cama que me disseram estar vazia. Depois fui tomar um banho que bem estava necessitado. Mudei de farda e fui dar uma volta pela tabanca.

Depois do jantar seguiu-se um jogo de bisca, para distrair um pouco. Como tínhamos de substituir companheiros que estavam de serviço, saí da caserna para respirar um pouco de ar puro, quando vi três oficiais a dirigirem-se na minha direcção.

    Onde estão os condutores?

   Eu sou condutor!

 –   Não dormimos no quartel e queremos ir dormir. E a viatura não pode ficar fora do quartel. Se arranjarmos um condutor para regressar com o jeep, já podemos entrar.

Ofereci-me. Um dos alferes pegou no volante e conduziu até aos quartos. Satisfeitos, agradeceram e entregaram-me o boletim da viatura devidamente assinado.

No dia seguinte, depois do pequeno-almoço, fui entregar o boletim da viatura e soube que a distribuição das viaturas já tinha sido feita pelo 2º sargento mecânico. Quando lhe entreguei o boletim, ele perguntou-me se eu era condutor.

   Claro que sou, meu sargento!

–  Então, quantos condutores temos cá? Aguentem, ninguém sai daqui!

Foi ao 1º sargento esclarecer-se e informaram-no de que tinha vindo um condutor de Bedanda, que era mais antigo e que, portanto, tinha direito a uma viatura.

Nova forma, um dos novos vai ter que esperar por viatura, até que haja alguma acabada de reparar. Era o António, o soldado condutor mais moderno, a quem lhe tinham entregue uma GMC e que veio para as minhas mãos. Distribuídas as viaturas, arrancámos para a minha 1ª saída rumo a Fambantam, com passagem por Farincó.

Eu nunca tinha conduzido uma GMC. Estranhei, com o acelerador a fundo, não passar dos 30 a 40 kms/hora. Quando cheguei a Fambantam, cheirava a queimado.

Um 1º cabo, negro, mais antigo na vida militar e na companhia, aproximou-se e disse:

   Parece que tens alguma coisa ligada, está a cheirar muito a queimado!

Subiu para ir verificar e descobriu que os redutores estavam ligados.

 – Faltou pouco para queimar o disco   arriscou ele.

Pois, no regresso andei bem, sem mais problemas, embora me tenha ficado a dúvida se teria sido alguém que tenha ligado os redutores, quem sabe para me comprometer.

No meu terceiro dia em Farim, fui dar uma volta pelos bairros. Ainda não conhecia o Adulai Djaló, que era familiar meu no bairro de Nema, muito perto do aquartelamento e que viria a ser meu companheiro.

No caminho encontrei uma moça, aí de 20 anos, e pus-me a falar com ela. Chamava-se Aissata Djaguete Djaló e tinha um bebé com menos de um ano. Era órfã de pai e mãe e divorciada do chefe do bairro de Sinchã, chamado Mode Sore Djare Djaló. Para além do bebé tinha a seu cargo três irmãos mais novos e era ela quem tomava conta deles. 

Era uma história triste e vi que precisava de ajuda. Eu era soldado, o meu vencimento rondava os 120 e poucos escudos [cerca de 50 euros, a preços atuais],  pouco podia fazer por ela. Convidei-a para minha lavadeira e continuei o meu passeio em direcção a Sinchã. Neste bairro noventa por cento da população era futa-fula.

Junto a uma casa vi duas raparigas, uma a fazer tranças no cabelo da outra. Nunca tinha visto uma cena com tanta beleza. Fiquei ali a fazer-lhes companhia.

Uma chamava-se Fatumata Bamba Djaló, a outra Mariama Juto Djaló. Fatumata estava casada com um homem de meia-idade. O pai tinha-a forçado a casar-se, apesar de não ser essa a vontade dela. A outra, a Mariama, ia casar-se no Senegal, dali a duas semanas.

Depois de termos passado a tarde inteira a conversar convidei a Fatumata a ir comigo ao cinema. Se não tinha dinheiro, como ela disse, eu pagava o bilhete. Combinámos encontrar-nos em casa de Aissata Djaguete, que a Fatumata disse ser sua conhecida.

Despedi-me delas por uma tarde tão bem passada e dirigi-me a casa de Aissata.

 – Conheces Fatumata Bamba? Convidei-a a ir comigo ao cinema e ela ficou de vir aqui encontrar-se comigo. E tu, Assumata, queres ir também?

Que sim, que gostava muito.


Guiné > s/l > s/d > Manuel Joaquim dos Prazeres, caçador e empresário do cinema ambulante, com a sua velha Ford de matrícula nº G 05, segundo informação do Amadu Djaló que, por volta de junho de 1963, assistiu, acompanahdo de duas bajudas, a uma sessão de cinema,

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Um senhor chamado Manuel Joaquim percorria todas as vilas e cidades num carro, o nº 5 [2] de matrícula da Guiné, a passar filmes e nesse dia encontrava-se em Farim.

No refeitório já estava todo o pessoal a jantar. Comi muito pouco, estava muito alvoroçado, ia encontrar-me com uma rapariga com uma beleza que eu nunca tinha visto. Quase a correr dirigi-me para casa de Aissata, mas a minha convidada de honra ainda não tinha chegado. Vi uns rapazitos por perto e pedi a um que fosse dizer a Fatumata que eu estava à espera dela, mas que fizesse tudo para que o marido dela não soubesse. O rapaz encontrou-a, ela vinha a correr na nossa direcção.

Juntos os três dirigimo-nos para o salão de cinema, comprei os bilhetes e cada uma sentou-se, comigo no meio delas. 

Do filme não guardo recordação, mas lembro-me que, no intervalo, quando as luzes se acenderam, reparei que o capitão, meu comandante de companhia, estava sentado atrás de nós. Com ele estava também o Alferes Almeida, do esquadrão de Bafatá[3], que estava destacado em Farim e que me fez um sinal. Mal o filme acabou,  peguei nelas e arranquei dali. Depois levei Fatumata a casa.

Demorei-me um pouco e, no regresso, encontrei na estrada de Nema para o quartel o jipe do capitão. O que vou fazer? Fugir, esconder-me? Decidi ficar onde estava, na berma da estrada, até o jipe parar um pouco à frente.

 – O que andas a fazer aqui, a esta hora?

 – Fui ao cinema, meu capitão.

 – O cinema já acabou há muito! Tem cuidado em andar sozinho a esta hora. Sobe!

Foi um fim-de-semana inesquecível. Mais tarde quis casar com ela, mas o pai não deu o consentimento, disse que me autorizava a casar com a irmã mais nova, chamada Mariama Bamba Djaló.
__________

Notas do autor ou do editor literário, Virgínio Briote ("copydesk")_

[1] Desde 1 Julho 1963 instalada em Farim.

[2] G-05

[3] EREC 385. Em 2ago62, rendeu o EREC 54, em Bafatá, ficando integrado no dispositivo do BCaç 238 e depois do BCaç 506. Teve um Pelotão destacado em Farim, na dependência, primeiro do BCaç 239, depois do BCaç 507 e finalmente do BCav 490. Tomou parte em diversas acções de patrulhamento e de contacto com as populações, tendo actuado, a partir de 18mar63, em diversas regiões, nomeadamente em Poidom-Ponta do Inglês 
[Xime], Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá, entre outras, e destacou diversos efectivos para guarnecer diversas localidades, como Xitole, Camamudo e Geba. Em 22jul64 foi substituído pelo EREC 693 e recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso. Fonte: História da Unidade.

[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
___________

Notas do editor:

(*)  Vd. postes de:


22 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão

(**) Vd. poste de 14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1824: O Aeroporto de Jumbembem e os ecologistas 'avant la lettre' (Artur Conceição)

Texto do Artur Conceição, ex-soldado de transmissões da CART 730 (1965/67), actualmente residente na Damaia, Amadora. Esteve em Bissorã, Farim e Jumbembem, ou seja, na actual Região do Oio.




O Aeroporto de Jumbembem
por Artur Conceição

Em 1965/66 o correio na Guiné era lançado a partir de uma avioneta na maioria dos acampamentos espalhados no território. Jumbembem não fugia à regra, e lá para quinta ou sexta-feira vinha a avioneta que largava um ou dois sacos, conforme o volume de correspondência.

Este era sempre um momento de grande alegria mas também de alguma ansiedade, se nos lembrarmos de que os telegramas a dar a notícia da morte de um familiar eram também entregues pela mesma via.

Aconteceu que numa dessas largadas de sacos um deles ficou em cima de uma árvore gigante que se encontrava junto da entrada do aquartelamento. Claro que não ficou lá por muito tempo, dado que apareceram logo exímios trepadores para retirar o saco daquele local.

É a partir deste acontecimento que surge a ideia da construção de uma pista onde fosse possível aterrar uma avioneta de pequeno porte, como era o caso. Poupava-se muito esforço mas por outro lado perdia-se a ida semanal a Farim, para levar o correio a expedir, o que também não agradava a todos.

A localização do novo aeroporto não envolvia qualquer polémica, pelo que, após rigoroso estudo de impacto ambiental, ficou decidido que seria construído a noroeste do aquartelamento no sentido de Farincó.

Foram reunidos os meios materiais, que se reduziam a algumas pás, picaretas e alguns machados e serras, ou seja o material que era utilizado na construção de abrigos, incluindo o corte de algumas palmeiras.

Arrancou-se com todo o entusiasmo, mas as árvores no local eram na sua maioria de grande porte, o que exigia um grande esforço para as arrancar, e a construção da pista lá ia andando um pouco aos soluços, tanto mais que a comissão já ia a mais de meio e o pessoal tinha perdido o entusiasmo inicial. As obras estavam quase paradas...

É nesta fase que surge o episódio do “cabrito escondido com o rabo de fora”.
Nessa altura na Guiné ainda havia manga de vacas só que não eram leiteiras, como certamente se lembram, pelo que o comandante da companhia resolveu comprar uma cabra para dar leite para o pequeno almoço na messe de oficiais. A cabra vinha acompanhada de dois cabritos menores que a chibinha tinha também de alimentar. Alguém muito atento e entendido na criação de cabritos, e amigo dos animais, achou que para a pobre bicha, era um esforço demasiado, alimentar dois cabritos e cinco oficiais...

Então resolveu aliviá-la de um deles. Detectado que foi o desaparecimento do animal foram iniciadas as buscas para o localizar, tendo sido encontrado após algumas horas de busca dentro de um caixote, daqueles onde eram guardadas as botas e outros apetrechos, isto porque o raptor tinha deixado o animal com o rabo de fora.

O raptor e seus cúmplices foram penitenciados a arrancar vinte árvores na pista em construção. Saíam de manhã, vinham almoçar ao meio dia e voltavam da parte da tarde sempre acompanhados de uns baralhos de cartas e alguns alimentos e bebidas.

Para além de gostarem de cabrito, também eram amigos do ambiente, pelo que volvidos quinze dias as árvores continuavam de pé. Para que a penitência não fosse alterada ou agravada foi-lhes dado um prazo e as árvores lá tombaram. Foram as últimas !!...

Depois de tanto esforço nunca tivemos o prazer de ver uma aeronave mesmo pequena a aterrar no Aeroporto de Jumbembem.

Depois da companhia 730, devem ter passado por Jumbembem mais umas cinco ou seis. Tanto quanto sei nenhuma delas concluiu a obra, mas que a 730 começou isso é verdade !!!!.....

Artur Conceição