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quinta-feira, 20 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24236: Facebook...ando (24): 20 de abril de 1970: Assassinato dos oficiais do CAOP, em chão manjaco, Jolmete: que a História os lembre como mártires pela paz (Manuel Resende, A Mangífica Tabanca da Linha)



1. Poste do Manuel Resende, na página, de hoje, às 10h00, do Facebook  de A Magnífica Tabanca da Linha, de que é administrador:

Peço-vos desculpa por todos os anos repetir isto (não consigo esquecer).

Faz hoje, 20 de Abril de 2023, 53 anos do assassinato dos OFICIAIS do CAOP em solo Manjaco, área de Jolmete. HOMENS que deram a sua vida pela paz foram barbaramente martirizados.

Já todos sabemos a estória, não vou aqui repetir, é só para lembrar.
  • Major Passos Ramos
  • Major Osório
  • Major Pereira da Silva
  • Alferes João Mosca
  • Mamadu Lamine
  • Aliú Sissé
  • Patrão da Costa
Que a História futura os lembre como MÁRTIRES PELA PAZ!
___________

Nota do editor:

domingo, 22 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23284: Documentos (39): Amílcar Cabral, a "honra militar" e o assassinato dos 3 majores e seus acompanhantes, no chão manjaco, em 20/4/1970: acta (informal) do Conselho de Guerra do PAIGC, Conacri, 11 de maio de 1970, um "documento para a história"


Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O nossso camarada e amigo coronel inf DFA,  ref, A. Marques Lopes  (à direita), jantando com o "inimigo de ontem", comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar. Sobre este último acrescentou: "O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Camará, numa das fotografias, é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores em chão manjaco. Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada" (...) (*) 

Foto (e legenda): © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa da ata (informal da Reunião do Conselho de Guerra do PAIGC, Conacri, que teve início em 11 de maio de 1970 e onde se aborda o assassínio dos 3 majores e seus acompanhantes, em 20 de abril de 1970, entre Jolmente e Pelundo (chão manjaco).


1. A Acta da Reunião do Conselho de Guerra (Alargado),  do PAIGC, Conacri, 11 de maio de 1970, ou pelo menos as suas cinco primeiras páginas de um total de 25, é um "documento para a História"...  Daí dever ser conhecida, ou melhor conhecida, pelos nossos leitores. E comentada, com a necessária distância e capacidade crítica...

Ficamos  a saber que Amílcar Cabral, pessoalmente, deu o seu OK ao assassinato ("liquidação") dos três majores e seus acompanhantes, perpretado em 20 de abril de 1970, fez agora 52 anos.  Não sabemos se os queria ver mortos ou apenas aprisiononados, até por que havia a perspetiva de o PAIGC  "fazer bingo": apanhar também o Spínola!... A acta não é inteiramente inclusiva: Amílcar Cabral "deu o seu acordo à proposta, mas pediu que agíssemos depressa" (sic). Há dúvidas sobre donde a ordem, de Dacar ou de Conacri. Talvez os biógrafos de Amílcar Cabral tenham mais elementos, que eu não tenho, agora, aqui à mão.

Entre 0s presentes nesta reunião do Conselho de Guerra estavam estavam três homens que estariam, também, mais tarde envolvidos no seu (dele, Amílcar Cabral) assassinado em 20 de janeiro de 1972 em Conacri pelos seus homens: Mamadu Indjai, seguramente, mas também, como suspeitos ou cumplíces,  Osvaldo Vieira e até o próprio 'Nino' Vieira (seu primo). 

Mamadu Indjai será condenado à morte e fuzilado, injustamente ou não, o  Osvaldo e o 'Nino' levaram para a cova este segredo (o seu eventual envolvimento no complô contra o "pai da Pátria"), bem como muitos outros segredos...

Não sabemos se houve emoção, ódio ou raiva na intervenção do Amílcar Cabral, muitas vezes considerado o "Che" Guevara africano, o revolucionário romântico... Para alguns de nós, a sua máscara caiu aqui (foi o meu caso, estava na Guiné em abril de 1970, e perdi todas as ilusões sobre aquela maldita guerra  ao fim de um duríssimo ano de atividade operacional, mas confesso que, em Bambadinca, em leno mato, em abril d 1970 sabia-se muito poucos pormenores sobre o que acontecera, e a censura, por sua vez, não deuixou que trabsparecesse nada nos jornais da metrópole, para além da seca notícia necrológica das Forças Armadas)... 

Cinismo, sim. Silêncio, sim. Dificulade em assumir a "barbaridade" de um acto destes, o assassínio de sete inimigos, sete homens, indefesos, desarmados..., contra todos os códigos de ética da guerra e da guerrilha... 

E  branqueamento das profundas divisões que já afetavam o PAIGC (e de alguns dos seus fracassos dois anos depois da chegada de Spínola). Cinismo típico d0s revolucionários (e contra-revolucionários), homens e mulheres, ideólogos, políticos e militares, formatados pelo "pensamento único",  para quem  os fins justificam os meios... Por isso, conceitos como "honra militar", "código de ético", "direitos humanos", "compaixão",  "convenções de Genebra", etc., não existem. 

Os nossos camaradas Jorge Picado (JP) e Jorge Araújo (JA) tiveram a trabalheira e a santa paciência de ler e retranscrever esta minuta de ata, em postes publicados há uns anos atrás: P12704 de 10 de fevereiro de 2014 (*), e P20891, de 23 de abril de 2020 (**).

A ata, manuscrita, foi redigida por Vasco Cabral (Farim, 1926 — Bissau, 2005) (mais tarde ministro da Economia e das Finanças, ministro da Justiça e vice-presidente da Guiné-Bissau, e que ficará na história como sofrível poeta bilingue,   tendo conhecido as prisões políticas de Salazar e não não tinha qualquer relação de parentesco com o líder Amílcar Cabral nem com o Luís Cabral).

No documento o secretário do Conselho de Guerra (o único, presente, com estudos universários completos,  para além de Amílar Cabral)  usa muito as abreviaturas, que se procurou manter, completando-as. Vê-se que tinha treino a minutar atas de reuniões do Partido.

Uma ou outra gralha, de pequena monta,  na fixação e revisão do texto, tanto na versão de JP como na de JA, leveram-nos a fundir os  dois trabalhos. Optámos por manter as preciosas notas de JP e JA, relativamente aos nomes que são referidos na ata. Ajudam a torná-la mais legível, sem perder a preocupação de rigor. (Uma das gralhas tem graça: o Braima Dakar não exigiu aos "tugas" a libertação do seu "país", mas sim tão apenas do seu "pai"; outra, com piada, foi a troca de "track", panfleto, por "pacto"...).


2. Transcrição da intervenção do Secretário Geral do PAIGC, Amílcar Cabral (1924-1973), manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra. realizada em Conacri, de 11 a 13 de Maio de 1970.





“S[ecretário] G[eral] : 

Saúdo os  cam[aradas] . É com o máximo prazer que fiz esta  r[eunião]  que, desta vez, é em Conacri, para variar. 

Desde a última reunião do B[ureau] P[olítico] até esta, a luta já mudou bastante. A Leste é uma mudança constante. Por ex., fomos capazes de atacar Mansoa e Bissorã, com novas armas. 

Nesta altura, a posição do inimigo é diferente. O inimigo deve estar a pensar o que deve fazer para evitar os n[ossos] ataques aos centros urbanos. Conseguimos fazer causar ao inimigo, em todas as frentes, um choque psicológico bastante grande. Conseguimos anular a tentativa do inimigo de desorientar as nossas populações.

A situação mudou também por causa da acção levada a cabo no Norte contra alguns oficiais superiores, em conseq[uência] da acção combinada das n[ossas] forças armadas, da segurança e da Dir[ecção] do P[artido].

A liquidação dos três majores, um alferes e alguns outros elementos (segundo alguns cam[aradas] - um capitão e um Chefe da PIDE) [1]  mostrou que era falsa a propaganda dos tugas [2] de que estavam à vontade na n[ossa] terra e Por outro lado, os tugas estavam convencidos de que conseguiam comprar a n[ossa] gente.

Toda a política de Spínola [3], em conseq[uência] destas n[ossas] acções, está posta em causa. E para toda a gente, tanto dentro como fora da n[ossa] terra, o n[osso] prestígio aumentou bastante e até para o n[osso] inimigo. Sobretudo esta liquidação dos oficiais superiores, contribuiu para isso. 

O tuga pensava antes que nós todos éramos cachorros. O tuga agora já se convenceu do contrário. Isso aumentou a n[ossa] dignidade, a n[ossa] importância aos olhos do próprio inimigo.

Os nossos cam[aradas] foram capazes de enganar, discutir com eles, convencê-los, apesar da sua imensa experiência e capacidade e liquidá-los...

A situação hoje é diferente da altura em que fizemos a r[eunião] em Boké  [4]. Os n[ossos] cam[aradas] deram provas de capacidade. Nesta luta, como costumamos dizer, tudo é possível. Conseguimos levar armas pesadas do Sul para o Norte, quase sem perdas: perdemos dois  cam[aradas] e três armas. Os  n[ossos] cam[aradas] foram capazes de enganar, discutir com eles, convencê-los, apesar da sua imensa experiência e capacidade e liquidá-los.

No intervalo da reunião de Boké para este, um ponto importante da n[ossa] terra que é o Kebo [5] foi atacado diversas vezes. Isto é t[tam]b[ém] importante. Sobre a passagem de armas do Sul para o Norte [6].

Através [de] certos cam[aradas] que estão em Canchungo  [7]. , os tugas tentaram ligações com eles, com vistas a desmobilizar a n[ossa] gente. Tentaram, servindo-se de elementos do FLING [8], portanto a um nível mais baixo, desmobilizar a n[ossa] gente. Sem resultados. 

As conseq[uências] foram a prisão de quatro dirigentes da FLING. Tentaram contactar Albino, Braima Dakar [9] e outros. E na região de Quínara. E t[tam]b[ém] com gente na periferia da n[ossa] luta: Laí, Pinto e João Cabral.

Tentaram a ligação com André Gomes  [10] e Quintino   [11]. Eles avisaram a Dir[ecção] do P[artido], para a interrogar. André Gomes deu mais uma prova de confiança ao P[artido]. Ele mesmo supunha que os tugas queriam desertar. Só depois é que se viu que o [que] queriam [era] desmobilizar a n[ossa] gente. 

O S [ecretárioi] G [eral deu o seu acordo à proposta, mas pediu que agíssemos depressa.

Luís Correia [12], pôs-se, por sua própria iniciativa, em contacto com os cam[camaradas] da zona. Lúcio Tombô [13] t[am]b[ém]  foi  envolvido na combinação. Ele pôs-se em contacto com os tugas, mas quem devia falar era Braima Dakar que jogou um papel de defesa do P[artido].

Os tugas escreveram cartas amáveis e respeitosas aos cam[aradas], num grande namoro. Deram-lhes grandes presentes. Propunham que os guineenses deviam ir substituir os cabo-verdianos, de quem já tinham feito uma lista negra de 30 e que deviam ceder os seus lugares a guineenses. Deram presentes vários: conhaque, whisky, rádios, relógios, panos para as mulheres, cigarros bons, etc.

Encontraram-se cinco vezes [13] Na quarta vez esteve presente o Governador, que apertou a mão, tirando a luva, do n[osso] cam[arada] André Gomes. (Amílcar lê uma das cartas de um major, Pereira da Silva, a André Gomes.)

No dia do encontro deviam vir os n[ossos] cam[aradas] chefes e estava prevista a vinda do próprio Governador. Os cam[aradas] vieram de facto acompanhados das suas armas. Apareceu mesmo o Luís Correia e eles já sabiam da sua presença. Para não desconfiarem, disseram-lhes que o Luís Correia estava presente e era um alto resp[onsável] do P[artido]. Durante as conversações com os tugas, foi decidido pararem os bombardeamentos aéreos, e os combates. Isso aconteceu de facto: os nossos camar[adas] pararam também certas regiõs. (Amílcar lê uma outra carta do Major Mosca) [14].


Durante as conversas, Braima Dakar, aproveitou para fazer certas exigências. Pediu a libertação de seu pai, a libertação de 2 cam[aradas] (Claude e José Sanhá) [15]  e foram mesmo soltos (já cá estão).

Durante as tréguas, os cam[aradas] levantaram minas na estrada de Bula-Binar. Mesmo assim, houve uma emboscada em Biambi, aos tugas, na qual, segundo  uma carta apanhada, de um dos majores, afirmam que morreram quatro tugas 
[16].

Também dão notícia dos ferimentos graves que sofreu um capitão que estivera com eles numa reunião, ao tentar detectar minas: perdeu um braço e uma das vistas [17].

Salienta ainda o facto de ter havido nas nossas bases, vários cam [aradas] que começavam a protestar contra as ligações que estavam a ver com os tugas. Alguns disseram que se isso continuasse se iam embora. Isto é t[am]b[ém]  uma coisa muito importante, porque mostra a fidelidade desses cam[aradas ao P[artido] (eles não estavam ao corrente das coisas).

Nino – Saliente a import[ância] de os n[ossos] cam[aradas] terem levado à certa grandes homens dos tugas. Isso foi porque os tugas nos consideram como cachorros. Os tugas sentem hoje qual é a n[ossa] força, tanto moral como política.

Amílcar – Este acto foi um acto de grande consciência política e um acto de independência. Foi um acto de grande acção e de capacidade dos n[ossos] cam[aradas] do Norte. É a primeira vez que numa luta de libertação nacional se mata assim 3 majores, 3 oficiais superiores que, nas condições da n[ossa] luta, equivale de facto à morte de generais.



Capa da Revista Militar, nº 4, abril de 1970


Refere o artigo de Felgas [18] na Rev[ista]   Militar [19] que, no fundo, é um grande elogio ao PAIGC. Diz algumas das suas observações a nosso respeito. Talvez que os tugas vão desenvolver uma acção de grande envergadura e de repressão.

Depois do acontecimento [20], publicaram um tract [21] ao qual propunham mais contactos com os  n[ossos] militares,  mas não onde se realizaram [22] mais em Canchungo e em Pelundo.

Dizem que os n[ossos] militares não cumpriram os preceitos de honra militar. Mas que eles cumprirão no futuro os deveres de honra militar. Eles afirmam que querem o fim da guerra. 

T[am]b[ém] as populações de certas zonas (Mansoa, por exemplo) estão bastante influenciadas pela realidade, pela utilização de novas armas. Dizem por exemplo: "agora, mama acabou" (querendo significar que já não há protecção junto dos tugas nas cidades). 

Apela aos camar[adas] para terem iniciativas, pensarem profunda[mente] nos problemas, criarem, conhecerem bem cada um dos seus homens.

Anuncia os problemas que vão a seguir ser discutidos (Ordem de trabalhos). (...)

 [A transcrição das 5 prineiras páginas de um total de  25, a revisão e fixação de texto, bem como as notas, são da responsabilidade de Jorge Picado, Jorge Araújo e Luis Graça. Os negritos são de LG. ]

______________

Notas de Jorge Picado (JP), Jorge Araújo (JA) ou Luís Graça:

[1] Não havia outros ofciais, mas sim mais 3 guineenses. Se algum era da PIDE, desconheço. JP.

[2] Tuga: termo depreciativo para designar os Portugueses. JP.

[3] Gen António Spinola (1910-1997): Com-Chefe e Governador Geral da Guiné (1968-1973)- JP/JA. Sabe-se que, contrariamente à sua vontade, não compareceu a este encontro fatal, por conselho do secretário-geral da província, ten-cor Pedro Cardoso, que recebia em primeira mão as informações da PIDE. LG.

 [4] Importante base do PAIGC em território da Guiné-Conacri, a sul, importantíssima para a logística da guerrilha e para o apoio, nomeadamente, médico-hospitalar da guerrilha.  LG.

[5] Kebo, Quebo, Aldeia Formosa, no sul da Guiné, junto à fronteira com a Guiné-Conacri. LG.

[6] A frase parece estar incompleta... LG.

[7] Canchungo, Teixeira Pinto: coração do chão manjaco. LG.

[8] FLING: Frente de Libertação para a Independência Nacional da Guiné, fundada em Dakar-Senegal em 1962, opositora do PAIGC. JP.

[9] Braima Dakar: era um dos dois componentes do Comando Geral da Zona Biambi-Naga-Bula fazendo também parte do Comando Conjunto da Frente Biamb-Canchung. JP.  Nome de guerra de Braima Camará: vd. foto acima, Bissau, 2006.  Temos a informação de que já faleceu há anos. Terá sido ele a levar, até  Conacri, como "despojos de guerra", os galões dos quatro oficiais assassinados, os 3 majores e o alferes... LG.

[10] André Pedro Gomes: era um dos três responsáveis pela Zona de Nhacra, um dos três componentes do Comando Conjunto da Frente Nhacra-Morés, um dos vinte e três  componentes do Comité Executivo da Luta (CEL) e por inerência também um dos componentes do Conselho Superior da Luta (CSL).

Em 17 de Fevereiro de 1968, terá sido ele a chefiar o comando que flagelou, com foguetes (Katiusha), o aeroporto de Bissau. Em 1972 era um homem da inteira confiança de Amílcar Cabral, membro do Comité Executivo da Luta e Comandante da frente Nhacra – Morés.

Será mais tarde um dos braços direitos de Buscardini. Em 31 de Dezembro de 1980, um mês e meio depois do golpe de Estado de 14 de mobembro de 1980, o Nô Pintcha noticiava o seu "suicídio" na prisão... 

[11] Quintino (Vieira) era o responsável pela Segurança e Controle (SC) do Sector Autónomo de Canchungo no Comité Regional da Região Libertada a Norte do Geba (CRRLNG) e por inerência igualmente membro do Comité Nacional da Região libertada a Norte do Geba (CNRLNG)]. JP.

[12] Luís Correia era responsável pela Segurança e Controlo (SC) do Sector do Oio no CRRLNG e igualmente do CNRLNG, além de membro do CSL e creio também do CEL, JP.

[13] Lúcio Tombom, um dos comandos da Zona de BULA. JP.

[14] o PAIGC e o Amílcar Cabral nunca foram bons em números: os encontros dos "negociadores  portugeses"  com os homens de André Gome foram nove (9) ou dez (10), conformeas fontes  e não 5 (cinco). LG.

[14] João Mosca era alf mil cav, não major. JP.

[15] José Sanhá: antes de 1964 já comandava guerrilheiros numa Zona do Norte e depois de libertado foi novamente integrado pelos responsáveis da Frente Biambi-Canchungo, sem que tivessem consultado a Direcção do Partido, acto entretanto criticado pelo S.G. na reunião alargada da Direcção Superior que teve lugar em Conacri de 12 a 15 de abril de 1970 e onde foi apresentada e aprovada uma nova Estrutura do Partido e onde este elemento em causa foi confirmado como um dos comandantes da Zona de Biambi, da Frente Biambi-Canchungo. JP,

[16] Será que se referem a: António da Silva Capela e Henrique Ferreira da Anunciação Costa, da CCAV 2487, em 18Out69; e Joaquim José Ramalho Rei e Manuel Domingos Martins, da CCAV 2525, em 07Dez69]? JA. 

De todo improvável, acrescenta LG: as "negociações secretas" dos homens do CAOP1 terão começado em fevereiro de 1970...

[
17] José Paulo [Abreu Nogueira] Pestana (então capitão da CCAÇ 2466/BCAÇ 2861), "foi ele que mais tarde foi substituir o capitão [José Júlio da Silva de] Santana Pereira [CCAÇ 2367/BCAÇ 2845], ferido com uma mina antipessoal na zona de Có-Pelundo, onde se construía uma estrada entre Bula e Teixeira Pinto. Nunca podíamos descurar as minas colocadas nos trilhos, que já haviam vitimado um alferes (José Manuel Brandão, da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892, em 02Mar70) e ferido o capitão". - in https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/conheci-os-tres-majores-assassinados (04Jan2009), com a devida vénia. JA.

[18] Cor inf Hélio Esteves Felgas (1920-2008). JA. ntigo coamndante do Comando de Agrupamento 2957, Bafatá, 1968/70.

[19] Revista Militar, n.º 4 – Abril de 1970, " A luta na Guiné", pp. 219-236. JA / LG

[20] Referência à liquidação dos três majores e seus acompanhantes, em 20 de abril de 1970

[21] Tract (sic), em inglês: panfleto.

[22] Refência aos anteriores encontros
_______________ 
 
Fonte:

Citação:
(1970-1970), "Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34125 (2022-5-22)

Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 07073.129.004 | Título: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry | Assunto: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, em 11 e 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral. | Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai. | Secretário: Vasco Cabral.
Data: Segunda, 11 de Maio de 1970 – Quarta, 13 de Maio de 1970. | Observações: Doc incluído no dossier intitulado Relatórios: 1960-1970. | Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: ACTAS

(Com a devida vénia...)
___________

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 23 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20891: (D)o outro lado do combate (59): A morte dos três majores no chão manjaco, em 20/4/1970, e a intervenção de Amíclar Cabral, três semanas depois, na reunião do Conselho de Guerra (Jorge Araújo)

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23278: "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra" (António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enf) Parte IV

1. Parte IV da publicação do texto de memórias "A Minha Passagem pela Guiné-Bissau em Tempo de Guerra", de António Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (BissauBuba e Pelundo, 1969/71)


A MINHA PASSAGEM PELA GUINÉ-BISSAU EM TEMPO DE GUERRA

António Sebastião Figuinha
Ex-Furriel Miliciano Enfermeiro
CCS/BCAÇ 2884
1969/1970/1971
Parte IV

Sobre o assassinato dos Majores e para que fique registado como a mancha mais negra que trouxe da Guiné, foi este acontecimento.

Recordo como fosse hoje. Dia vinte de Abril de 1970. Cerca de dois meses antes sentimos sopros de liberdade e que a guerra se aproximava do fim. Naquela zona da Guiné, as nossas tropas movimentavam-se com liberdade havendo ordens de se evitarem contactos com o PAIGC. As escoltas para Bissau faziam-se sem armas. O Chefe da guerrilha da zona esteve no nosso Quartel trocando impressões com o nosso Comando. Levou umas caixas de batatas porque disse ele terem armas, mas não alimentos. Soldados nossos que gostavam de caçar, infiltravam-se no mato com muita tranquilidade.

Dia vinte de Abril. Levantei-me cedo para apanhar a escolta em mais uma ida minha a Bissau. Manhã cinzenta e triste.

 Verifiquei um movimento fora do normal no Quartel. Procurei saber o que se estava a passar. Baixinho me disseram que uns Majores iam para uma reunião com a guerrilha para acertarem o fim da guerra na Guiné.

Parti na escolta para Bissau sem qualquer arma de defesa tal como todos os militares que na mesma iam, com a missão de me protegerem e aos outros que a consultas externas iam ou para férias.

De regresso ao fim da tarde quase noite depois de a jangada ter atravessado o Rio Mansoa, uma patrulha chefiada pelo alferes Francisco da nossa Companhia 86, muito nervoso por nos ver sem qualquer arma de defesa, se dirigiu a mim como o mais graduado da escolta, para termos o máximo dos cuidados de não ligarmos as luzes dos meios de transportes que tínhamos porque se encontrava um grupo de guerrilha estranho na zona e que os Majores ainda não tinham regressado do mato o que era muito estranho e que algo estava fora do controle. 

Fiquei como todos os que comigo se encontravam em pânico.
Felizmente fazia luar. Todos nós apoquentados por não termos meios de defesa em caso de ataque da guerrilha. Em grande aceleração já que a estrada bem alcatroada o permitia como também, o luar nos iluminava.

São e salvos chegámos já bem noite ao Quartel no Pelundo. O ambiente que encontrei era pesado demais para o habitual. Toda a gente de rosto cabisbaixo. Na aldeia quando por lá tínhamos acabado de passar não se viu ninguém nas ruas. Perguntei ao primeiro militar com quem me cruzei o que se passava. Resposta seca. – Os Majores ainda não regressaram!

Aproximei-me da zona de Comando e o vai e vem era enervante. Soube naquele momento que a maior tristeza era não poder sair qualquer patrulha nossa ao encontro dos nossos Majores e demais acompanhantes. Tinha sido negociado um compromisso de, durante vinte e quatro horas, não haver qualquer movimento das nossas tropas para se evitarem confrontos. Tudo bem estudado pelo inimigo. Mesmo assim, os nossos militares e acompanhantes arriscaram já que, tinham como missão tentar acabar com a guerra.

Com uma noite mal dormida derivado a toda a agitação do dia anterior, levantei-me mais cedo que o habitual e, logo deparei com o General Spínola muito agitado e a chorar.

Soube que as nossas tropas tinham saído de madrugada à procura dos nossos Majores e demais acompanhantes. Dirigi-me rapidamente para o Posto Médico para saber pelo Dr. Dinis Calado quais os preparativos a tomar. Não foi necessário esperarmos muito porque vimos chegar a patrulha com as viaturas onde os nossos se tinham deslocado e, os corpos esfacelados, noutras viaturas.

Acompanhei o Médico até junto dos corpos para este examinar as causas das mortes e, se possível há quantas horas os casos teriam acontecido.  Com eles tinha seguido também um representante do Governo da Gâmbia que também todo cortado apresentava as suas mãos esfaceladas só em pedacitos de pele tanto como, os dois ex-guerrilheiros que com eles seguiram para servirem de intérpretes.

Verifiquei também que os jipes tinham os capôs com descrições a giz onde se podia ler o seguinte: - Nem só com homens as guerras se ganham.

Uma onda de raiva percorreu todo o meu corpo. Andei dois dias sem poder encarar um negro. A população da aldeia receosa não saiu de casa. Porem, ao fim da tarde do segundo dia, um grupo de homens vieram pedir armas e seguirem com os nossos para o mato procurando os assassinos. Este gesto da população veio a acalmar os ânimos.

Esta era a quarta e última reunião agendada com a guerrilha do Norte da Guiné para, a partir desta parte do território levar ao fim o conflito.

O Major Pereira da Silva que tinha conhecido em Buba, por várias vezes tinha-se encontrado com a guerrilha inclusive, dormido em seus acampamentos. O Major Passos Ramos conheci-o pouco tempo antes, quando veio ter comigo ao Posto Médico pedir-me uma aspirina para as dores de cabeça que naquele dia sentia, mas, só se não fizesse falta para os soldados. Homem extraordinário e muito estimado pelos nativos daquela zona. Do Major Osório, só de ouvir falar muito dele e das suas capacidades operacionais que tantas baixas iam causando ao PAIGC.
 
O Alferes Miliciano Mosca (meu colega de profissão civil) fazia parte dum grupo destinado à acção psicológica, da qual eu fazia parte também.

Devo acrescentar que os nossos militares foram para esta reunião sem com eles levarem qualquer arma conforme o combinado e, era também norma, a guerrilha não ter armas nestas reuniões. Acontece que estes guerrilheiros foram surpreendidos por um outro grupo de altas patentes contrárias ao fim do conflito. No grupo da guerrilha que se encontrava com os nossos, havia um infiltrado para dar o golpe final e liquidar de uma só vez a chamada fina flor dos nossos oficiais na Guiné.

Muitos fuzilamentos viemos a saber que aconteceram entre aqueles com quem os Majores se encontravam. Aos naturais de Cabo Verde que chefiavam o PAIGC não interessava os objetivos que se prepunham nestas reuniões e que eram acabar com a guerra. Daquela forma eles não faziam parte dos resultados finais, ou seja, de dois países unidos e independentes. Cabo Verde ficava sem qualquer hipótese de se tornar um país independente porque nunca foi Colónia de Portugal, mas sim, ilhas povoadas pelos Portugueses.

Com aqueles acontecimentos foi meu pensamento que Amílcar Cabral tinha os seus dias contados. Os guerrilheiros interessados no fim da guerra, e que escaparam aos fuzilamentos, não mais lhe perdoariam ter autorizado aquele massacre, isto porque Spínola mandou bombardear todas as bases conhecidas causando muitas baixas à guerrilha.

Ainda hoje ao escrever estes acontecimentos, retenho as imagens do passado que são as lembranças mais dolorosas daqueles tempos. Soube anos mais tarde por um colega meu natural da Guiné e que várias vezes com ele me encontrava em Lisboa, que o infiltrado naquele grupo e se gabava de ter matado os Majores, tinha posto fim à sua vida na prisão onde foi parar numa das várias revoltas que lá aconteceram, enforcando-se nesta. Teve o fim que merecia.
Pelundo > Dia da inauguração da escola e da residência para o professor, pelo General Spínola. Este fez um discurso arrasador para o Régulo Vicente. Isto aconteceu pouco tempo após o massacre dos três Majores, do Alferes, do representante do governo da Gâmbia e dos três ex-guerrilheiros do PAIGC.

Voltando ao meu dia a dia no Pelundo, breves dias depois da inauguração do Posto Médico Civil e da Escola, esta começou a funcionar com uma professora de origem cabo-verdiana, mais um irmão que a complementava. Cabe-me dizer, que a Escola possuía lateralmente residência para os professores.

Um dos casos de saúde que muito, desde então até aos dias de hoje, me preocuparam e me deixam indignado, está relacionado com as jovens, e algumas já menos jovens mulheres, que vão sofrendo mutilações sexuais.

A certa altura no ano de 1970 fui chamado por dois adultos ligados à família de Régulo Vicente, para os poder acompanhar a uma zona nos arredores da população e, deste modo, verificar alguns casos de saúde. Achei estranho, pedirem-me para ir fora do perímetro da população já que, ou vinham ao posto médico ao quartel ou solicitavam ajuda à companhia para fornecer meios de transporte para estes casos. Confesso que pensei duas vezes mas, falando para dentro de mim, achei que não deveria mostrar receio e confirmei que os seguiria e só, conforme o pedido deles.

Receoso à medida que muito me afastava para o interior do mato, chegamos a uma clareira onde se encontrava um grupo de jovens, neste caso rapazes. Seminus, com uma espécie de forquilha presa à anca para que o pénis ficasse no meio e, deste modo, não tocar nas suas pernas. Espantado e meio aterrorizado com o que meus olhos observavam, perguntei que barbaridade era aquela? Furiosos com a minha pergunta, resolveram entrar em ameaças já que me encontrava sozinho. Respondi, logo de seguida, que não lhes tinha medo, mas sabe Deus como eu me encontrava fragilizado. Então o que se passava. Fizeram a circuncisão com lâmina e a sangue frio àqueles jovens. Alguns deles apresentavam grandes infeções. Teriam que ser rapidamente tratados com antibióticos, mas queriam que eu me deslocasse lá ao que me recusei imediatamente. Pensaram bem e acabaram por ceder na condição de ser só eu a saber do caso e também apenas ser eu a tratá-los. Aproveitei, a ignorar os acontecimentos e exigir que me informassem do que estava a acontecer às jovens que eu soube se encontravam fora da população. Responderam-me que fazia parte do “Fanado” nas meninas e que constituía no corte do clitóris.

A minha indignação naquele momento foi enorme e acabei por lhes dizer que tudo o que observei e o que não vi, mas que me acabavam de descrever, era um crime de saúde pública pois, no caso das meninas, estavam a privá-las de satisfação de prazer sexual a partir daquele acto. Voltaram a não gostar de me ouvir e repetiram novas ameaças. Virei costas e regressei ao Quartel.

Durante os dias seguintes lá fui tratando das infeções aos rapazes e em algumas jovens também. Acrescento que por fim, aquando na festa final da realização do “Fanado”, reparei que duas ou três mulheres já com filhos faziam também parte do grupo.

Já em Portugal, por várias vezes citei este crime de saúde pública sempre que tinha na minha frente pessoas ligadas à saúde e naturais de África. Houve uma Médica que me respondeu dizendo que este assunto era culpa política do tempo de Salazar. E hoje? Pergunto de novo!
Pelundo > Refeitório dos Sargentos > Um colega da Granja de Bissau mais o chefe da secretaria. Este meu colega de nome Elói ,veio para Lisboa logo a seguir ao 25 de Abril, com quem continuei a encontrar-me.

Voltando de novo à parte militar, cabe-me dizer que quando tive que me ir juntar ao Batalhão no Pelundo e após a travessia do Rio Mansoa, a estrada que tínhamos de percorrer durante muitos quilómetros se encontrava em terra batida tal como a que nos separava da cidade de Teixeira Pinto. Como tal, os sapadores iam primeiro na frente picando o percurso, não fossemos apanhar minas na estrada. Assim, nos primeiros meses, verifiquei não só a construção das nossas novas instalações como aquelas estradas foram alcatroadas e lateralmente foi desmatado, de modo a dificultar ao inimigo realizar emboscadas.

Além do posto Médico e da Escola, foi também construída uma Igreja mais ou menos ao centro da aldeia.
A minha aproximação com a população foi diariamente aumentando, contribuindo para tal a jovem que cuidava da minha roupa de nome Judite. O carinho que ela me começou a dedicar e também todos os seus familiares, tornou-se conhecido na aldeia e no Quartel. Ainda hoje, aquando nos encontros para almoços do Batalhão alguns me falam dela.

Como referi em páginas anteriores, a minha missão na Guiné não se resumia apenas a cuidar da saúde dos nossos militares que comigo se encontravam, mas também da população. Uma outra missão me foi solicitada e se referia a ajudar os locais a cuidar das suas safras, de modo diferente da que efetuavam, de modo a poderem aumentar os seus bens alimentares.

Assim, além do arroz e mandioca, também semeavam feijão e amendoim (aqui conhecido por mancarra). Outras culturas como a bananeira, a papaia, a manga e o coco, sem esquecer o milho e a castanha de caju (esta uma das grandes riquezas da Guiné) mais as palmeiras das quais extraíam o óleo de palma para temperar os seus alimentos.

No Pelundo verifiquei que as culturas de sementeira (exemplo do feijão e do amendoim) após esta, os possuidores destas culturas só lá voltavam para a colheita. Deste modo, observei que as plantas infestantes eram mais que as plantas cultivadas. Acresce, e antes que me possa esquecer, que praticamente todo este trabalho era efetuado por mulheres, muitas delas com idade avançada que, bem cedo, ainda antes do Sol nascer, lá iam de sachola ao ombro para o campo.

As árvores que produziam as mangas, encontravam-se espalhadas ornamentando as ruas da aldeia. Estas árvores frutificavam com abundância, embora do meu ponto de vista técnico de fraca qualidade, já que seus frutos eram resinosos e muito fibrosos. A população mordiscava os frutos sugando o sumo.
As bananeiras que pude ver e observar bem, produziam bananas de tamanho muito reduzido embora muito saborosas. O tamanho do fruto era resultante das plantas não serem podadas. O pé da bananeira que produzir fruto deve ser eliminado para que outro que rebenta possa ser mais forte e assim produza cachos com frutos mais desenvolvidos.
Papaeiras vi muito poucas naquele local. Plantamos no último ano que lá estivemos, e em frente da entrada do Quartel, várias destas plantas frutíferas que foram fornecidas pelo meu colega da Guiné que chefiava a granja de Teixeira Pinto.

Assim, cumprindo a minha tarefa de ajuda técnica agrícola à população, falei com um dos filhos de Régulo Vicente, para acertarmos o dia e o lugar onde poderia dar uma palestra com os chamados Homens Grandes. Deste modo, acertei com eles uma manhã de fim-de-semana para não complicar com o meu horário de trabalho na saúde.

Com todo o grupo reunido num terreno que servia duma espécie de quintal, como previamente se tinha combinado, a palestra seria sobre o cultivo da mandioca cuja farinha era uma das bases da sua alimentação.
 
Este terreno encontrava-se inculto, não cavado e cheio de plantas infestantes. Esta escolha feita por mim teve um propósito de poder verificar em loco, como preparavam a terra. Pedi-lhes então que me fizessem a preparação do terreno conforme os seus hábitos para plantar as estacas de mandioca.

Um dos homens presentes segurou numa espécie de enxada e, com ela, foi virando leiva sobre leiva executando assim o camalhão sobre o qual se espetariam as estacas de mandioca.

Acabado por eles este trabalho, tomei a palavra, dizendo-lhes que com aquele amanho da terra se justificava terem plantas com raízes tão rudimentares que produziam tão pouca farinha tão necessária para a sua alimentação. Aconselhei-os primeiro a cavarem toda a terra, sacudirem dela todas as ervas e então, construírem o camalhão onde com a terra fofa aplicariam as estacas de modo a produzirem raízes grossas e, como tal, mais farinha.

Responderam-me em coro que daquela maneira dava manga de trabalho. Nega doutor, disseram-me eles. Respondi então que de outro modo não valia a pena eu ensinar-lhes formas da aumentarem a produção de bens alimentares. Fiquei desiludido.

Falei dias depois com o meu colega guineense, pessoa muitas vezes já citada nesta minha passagem por este país Africano. Alertou-me para desistir de lhes dar conselhos, dizendo-me serem pessoas que não gostavam muito de vergar as costas.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20592: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXIV: Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos, maj art (Quelimane, Moçambique, 1931 - Pelundo / Jolmete, Guiné, 1970)






1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia). (*)

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à esquerda], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]

2. Sobre a tragédia do Chão Manjaco (em que foram barbaramente assassinados pelo PAIGC, em Jolmete, em 20 de abril de 1970, três oficiais superiores, um alferes miliciano, dois condutores de jipe e um tradutor, nativos, todos desarmados), temos dezenas de referências no nosso blogue. Ver em especial:

Três majores
Major Magalhães Osório
Major Passos Ramos
Major Pereira da Silva
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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4223: Efemérides (20): Faz hoje 39 anos que foram mortos os 3 majores e o Alf Mosca no chão manjaco (Manuel Resende)

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > Em primeiro plano, o Alf Mil Cav Op Esp Mosca na véspera de Natal de 1969 a preparar um petisco na cozinha (3 meses e meio antes de ele morrer, juntante com os 3 majores e o resto dos seus acompanhantes, guineenses).

Passam hoje 39 anos sobre sobre a tragédia do chão manjaco. Curvamo-nos à sua memória dos nossos camaradas (Maj CEM Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos, Maj Art Joaquim Pereira da Silva, de Inf Alberto Fernão Magalhães Osório, e Alf Mil Cav Joaquim João Palmeiro Mosca) e à memória dos guineenses que os acompanhavam (Mamadu Lamine Djuare, Patrão da Costa e Aliu Sissé).

Segundo a legenda (rectificativa) que nos mandou o Manuel Resende (que mora em São Domigos de Rana), "ao meio é 2º Sargento da Companhia, (não me lembro o nome); ao fundo é o Alf Marques Pereira". A crescenta ainda que a companhia dele, a CCaç 2585 partiu para a Guiné, no T/T Nassa, em 7 de Maio de 1969, portanto duas semanas antes da CCaç 2590, independente (futura CCaç 12) a que pertenci eu e o Humberto Reis, o cartógrafo-mor... (LG)



1. Mensagem do Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCaç 2585, BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo, Teixeira Pinto, chão manjaco (1969/71):

O Manuel Resende já se apresentou há tempos à nossa Tabanca Grande (**). Hoje envia-nos as fotos da praxe e um pequeno apontamento sobre a morte dos MAJORES no Chão Manjaco, faz hoje precisamente 39 anos.

Caro Luís:

Sou o Manuel Resende, ex-Alf da CCaç 2585 de Jolmete. Lá era o Alf Ferreira. Junto envio as duas fotos da praxe e um pequeno apontamento sobre a morte dos três MAJORES. É o meu contributo para um futuro esclarecimento total desta situação.

Alguém questionava, num dos artigos que li no Blogue sobre o local exacto onde os Majores foram assassinados. Pois o local exacto já foi devidamente explicado, até com fotos do Google Earth. Está correcto. Foi junto à segunda bolanha a contar de Jolmete-Pelundo (cerca de 5 Km de Jolmete).

Mas surge outro problema: porquê ali e não no local previamente combinado entre eles, junto à terceira bolanha (no mesmo sentido, ou primeira a contar do Pelundo-Jolmete também a cerca de 5 Km do Pelundo)?

Devido à demora nos resultados da reunião, ao anoitecer foi-nos dito pelo Comandante da Companhia o que se estava a passar, e que tinha sido decidido sair tropa de Jolmete em direcção ao Pelundo e do Pelundo em direcção a Jolmete, até se encontrarem. O resto já todos sabem.

Acrescento só que eu também ouvi alguns tiros, penso que três, longínquos, cerca das três ou quatro horas da tarde. Em tempo de defeso ouvir tiros no mato,... foi muito esquosito e comentado, mas como só o Capitão sabia o que se estava a passar, a coisa ficou assim.

Acredito mas não compreendo como os mártires foram esquartejados por rajadas de metralhadora, sem que nós tivéssemos ouvido. É mais fácil ouvir uma rajada do que um tiro avulso. A ideia com que fiquei na altura é que foram todos assassinados com um tiro na nuca. Por quem? ... Esse é outro problema.

Não quero contradizer ninguém, mas no Domingo, véspera do fatídico dia 20 de Abril de 1970, ao jantar, o Major Pereira da Silva recebeu um telefonema dizendo que um tal "Luís" iria estar presente na reunião. Segundo testenunhas o Major ficou petrificado, depois desse telefonema. Foi ele que não autorizou a ida do comandante do CAOP, Coronel Alcino, e outras pessoas que estavam previstas ir, pois parece que já adivinhava o que se ia passar. Daí também ele ter escrito a carta à esposa antes de sair. Estavam previstos três jipes e só saíram dois.

Caro Luís, em 1980 fui à Guiné em serviço da empresa onde trabalhava. Estive a falar com um Tenente do PAIGC, que me foi apresentado. Éramos vizinhos em Jolmete, pois ele lembrava-se bem da Companhia 2585. Depois de alguma conversa concluímos que estivemos várias vezes em confronto. Disse ele:
-Os Portugueses eram muito ingénuos, pensavam que nós nos íamos entregar ...

Nota: Podes corrigir ou cortar texto se for necessário para melhor enquadramento.
Eu tenho cerca de 200 fotos, muitas sem interesse, mas irei enviar algumas. Hoje vou mandar três, sendo uma com três Alferes da Companhia (eu estou no meio), outra com o Alf Mosca na véspera de Natal de 1969 a preparar um petisco na cozinha (3 meses e meio antes de ele morrer), e uma do Dandi, Cap de Milícia, para preparar o próximo apontamento.

No comentário anterior que fiz, ao dizer o nome dos Alf da Companhia, por lapso, não disse Raul antes de Manuel Charraz Godinho (*). Aqui fica a rectificação: Raul Manuel Charraz Godinho.

Um abraço e até outro dia.

Manuel Resende

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > O Capitão de Milícia, Dandi.

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > 3 alferes da companhia, o Manuel Resende, mais conhecido pelo último apelido, Alf Ferreira, é o do meio.

Fotos: Manuel Resende (2009). Direitos reservados
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Notas de L.G.:

(*) Vd. os últimos postes sobre o massacre do chão manjaco:

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

(**) Vd. poste de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4080: Tabanca Grande (127): Manuel Resende, ex-Alf Mil, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1969/71): como o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande

sábado, 1 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2320: Massacre do Chão Manjaco (12): O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

Fotografia dos três majores e do alferes miliciano, portugueses, vítimas mortais, em 20 de Abril de 1970, do chamado Massacre do Chão Manjaco. Com eles, morreram também três guineenses, ao serviço das NT (1).

Fotos: © Afonso M. F. Sousa (2007). Direitos reservados.


1. Nota do co-editor Virgínio Briote:

Falamos da guerra da Guiné, não pela visão e habilidade dos historiadores, mas pelos olhos, pelas mãos, pelos poros do suor que escorria por nós abaixo como água, pelas veias do sangue de quem por lá passou.
Não é "poesia". Quem deixa aqui os seus relatos, escreve sobre o que passou e o que viu. Por outras palavras, quem por aqui vai escrevendo é o historiador de si próprio.

Ainda a propósito do Caso dos Majores no chão Manjaco (1), transcrevemos na íntegra o relatório (na altura classificado como secreto) da operação sobre o resgate dos corpos. É mais uma achega para a "reconstituição do puzzle das nossas memórias".

A cópia do relatório, em papel, foi-me enviada pelo correio, sem o endereço do remetente. Ponderada a oportunidade da sua publicação pública e não me parecendo, neste caso, que o interesse público seja de menor interesse por um facto ocorrido há quase 40 anos, optei pela transcrição do referido documento.

Sei que ainda é doloroso falar deste episódio horrível da guerra da Guiné, porque há familiares (vivos) dos nossos camaradas que morreram naquelas matas, mas infelizmente para eles - e para todos nós - os pormenores macabros do seu fim já são sobejamente conhecidos, são do domínio público. Recordo que o nosso camarada Afonso M. F. Sousa organizou, para todos nós, um completíssimo dossiê sobre O Massacre do Chão Manjaco. E obteve inclusivamente o depoimento (oral) do ex-Fur Mil Lino, da CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884, um dos homens que integra o Grupo de Combate que ainda na noite de 20 de Abril de 1970 parte, do destacamento de Jolmete, para uma missão de reconhecimento, junto à estrada Jolmete-Pelundo.

Mais uma vez, e em especial neste dia, 1 de Dezembro, que tem ainda um grande significado patriótico para todos os portugueses, queremos honrar a memória destes nossos compatriotas, que foram brilhantes e corajosos militares, e convencermo-nos que a sua morte não foi de todo inglória e inútil...

Revisão e fixação do texto: vb
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SECRETO

COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DA GUINÉ
COMANDO DO AGRUPAMENTO OPERACIONAL

Directiva Nº 1

1.SITUAÇÃO

-Situação Geral:

A definida por Sua Ex.ª o General Comandante-chefe na última reunião de comandos.

-Situação Particular:

Os elementos do CAOP têm desenvolvido intensa acção psicológica sobre os comandos dos grupos IN no chão Manjaco o que tudo levará a crer que possa conduzir a fins positivos no concernente à sua apresentação.

2. MISSÃO

Os Exmºs Majores CEM Passos Ramos, de Art Pereira da Silva, de Inf Magalhães Osório e Alf Mil Cav Joaquim Mosca, acompanhados dos nativos Mamadu Lamine Djuare, Patrão da Costa e Aliu Sissé, efectuam na Estrada Pelundo-Jolmete uma reunião com chefes do grupo IN do chão Manjaco em cumprimento de ordem verbal superiormente recebida.

Duração provável da Missão: das 12h00 às 21h00 de 20 de Abril.

Quartel em Teixeira Pinto, 19 de Abril de 1970.

O Comandante, Intº

Romão Loureiro
Ten Cor
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Batalhão de Caçadores nº 2884
Companhia de Caçadores nº 2586

RELATÓRIO DA ACÇÃO RECOLHA MISSÃO ESPECIAL
Realizada em 21 Abril de 1970 na Região Pelundo Jolmete

Referências: Carta 1/50.000 Pelundo

1. Situação

Situação Geral:

- A definida por Sua Ex.ª o General Comandante-chefe na última reunião de comandos.

Situação Particular:

- Desde 7 de Feveiro de 1970 não houve contactos com armas entre as NT e o IN.
- O CAOP tem desenvolvido intensa acção psicológica sobre elementos IN que tudo levaria a crer conduziriam a fins positivos.

2. Missão

- A Companhia de Caçadores 2586 (-) recebeu a missão de patrulhar a estrada Pelundo-Jolmete.
- Detectar a presença de duas viaturas tipo Jeep que se deviam encontrar nessa área.
- Detectar vestígios da presença do IN e de sete entidades (NT e colaboradores).

3. Força executante

a) Comandante: Cap Inf Eugénio Baptista Neves

b) Comandantes das subunidades: Alf Mil Carlos A. Vasconcelos Miranda

c) Meios: Dois grupos de combate (48 homens no total); Três viaturas Unimog 404; uma viatura Unimog 411.

d) Articulação da força

Durante o percurso auto um Gr Comb ocupou duas viaturas tipo 404 e o outro Gr as duas viaturas restantes. O Comandante da força seguia na primeira viatura e o Comandante do Gr Comb na penúltima.

Na coluna apeada, o Gr Comb a duas secções seguia na frente, uma secção de cada lado da estrada e fora dela, a outra secção seguia nos intervalos das viaturas. As duas secções de reforço seguiam na retaguarda.

O Comandante da força deslocava-se em segundo lugar num dos lados da estrada e o Comandante do Gr Comb em primeiro lugar do outro lado (justifica-se esta disposição com os dois comandantes na frente para que todos os vestígios fossem detectados e analisados).

Alterações à Organização Regulamentar

1) Pessoal: Nada
2) Armamento: o orgânico
3) Equipamento: o orgânico
4) Munições: dotação normal. Nas viaturas seguiam 50 granadas de morteiro 60, 30 granadas de LGFog, 3 cunhetes de GMO, 2 de GMD e 5 cunhetes 7,62m/m.
5) Material especial: picas para detecção de minas, cordas, catanas e machados
6) Transmissões: dois ER-AVP 1
7) Viaturas: três Unimogs 404 e um 411 (dois com guincho)
8) Diversos: Nenhum pessoal nativo tomou parte na acção.

4. Planos estabelecidos para a acção

Desde que o Cmtd da Companhia recebeu a ordem para efectuar o patrulhamento, cerca das 1h30 doo dia 21 até às 1h50 a que a coluna saiu, foram feitos os seguintes planos:

Deslocamento auto até Changalene (Pelundo 2F8). A viatura da frente com luzes nos médios para permitir observar qualquer vestígio. As restantes de luzes apagadas.
A partir daí a coluna apeada deslocar-se-ia com duas secções na frente tanto quanto possível fora da estrada mas de maneira a poder detectar qualquer vestígio que nela existisse.
Seguiriam depois as viaturas com luzes apagadas, escoltadas por uma secção; e, por último, seguiriam as restantes duas secções.

Presumia-se que qualquer vestígio ou indício fosse encontrado até Pelundo 5 a 9.
Se nada de anormal tivesse acontecido, a coluna deslocar-se-ia até Jolmete. Em caso de surgir qualquer incidente seria tomada a decisão na altura que as circunstâncias impusessem.
Em caso de necessidade esta coluna seria apoiada por forças de Jolmete e de Teixeira Pinto.

Devido ao pouco tempo disponível não foram feitos outros planos e todas as ordens posteriores seriam dadas pela rádio pelo comandante do CAOP, presente em Pelundo e as decisões tomadas em face dos acontecimentos.

5. Desenrolar da acção

A coluna-auto saiu de Pelundo em 21 de Abril às 1h50, em viaturas auto. A estrada Pelundo-Jolmete estava cheia de pó e os rastos deixados pelos pneus das viaturas das colunas anteriores estavam bem marcados.

cópia do Anexo A

Em Pelundo 2F7 (ver anexo A) estava marcado um trilho transversal ao eixo da estrada. Depois de examinado, verificou-se ter sido deixado pela população de Pelundo.

A partir desse ponto, a coluna tomou o dispositivo previsto para o deslocamento apeado. Os trilhos dos Jeeps eram nítidos no pó. A coluna passou a deslocar-se com a máxima precaução, mas com andamento em boa velocidade. A noite estava clara e permitia ver qualquer indício suspeito.

Sempre em boa velocidade, a coluna atingiu o ponto Pelundo 5 A 9 (ver anexo A) que era o local onde terminava a zona marcada para a reunião. Nada fora encontrado. Os vestígios dos rodados continuavam. Os Exmos Comandantes do CAOP e Batalhão eram informados dos pontos que a coluna ia atingindo. Tomaram-se mais precauções sem prejuízo da velocidade, a noite tornara-se escura, sendo difícil distinguir um objecto médio a mais de três metros.

A coluna foi avançando e em Pelundo 6 C 9 35, o alferes Miranda que seguia no lado direito da estrada, viu que os trilhos dos Jeeps se afastavam do meio da via e se dirigiam para a mata.
A coluna parou instantaneamente a fim de permitir examinar em pormenor o terreno e imediatamente o Comandante da coluna distinguiu um vulto que lhe pareceu ser um Jeep.

Todo o pessoal tomou posições para resistir a uma possível emboscada. Os motores foram parados. Noite escura. Silêncio. Não restam dúvidas, são mesmo os Jeeps. Nada se move. Tudo é silêncio e escuridão. São quatro horas e dez minutos. É necessário esperar que comece a clarear. O silêncio pode ser uma armadilha.
Os Exmos Comandantes do CAOP e Batalhão são informados do achado e que se vai esperar pelo raiar da manhã. A tensão aumenta. Cinco horas. Começa a clarear.

O comandante da coluna deixa o pessoal todo instalado, entrega o comando ao alferes Miranda e aproxima-se das viaturas com a máxima cautela. A escuridão ainda é grande, os pés são apoiados com a máxima cautela e em lugares onde se procurou minas.
De repente bate-se numa coisa mole. É um corpo estendido. Parece ser o do Exmo Major Passos Ramos (era o do alferes Mosca). Ao lado outro, era o do Exmo Major Pereira da Silva. Não restam dúvidas, dois estão mortos. Dos outros nada se sabe. Informa-se Pelundo via rádio.

A tensão nos homens diminui, aumenta o assombro. Os homens encaram os factos com serenidade. Mais claridade. O Comandante da coluna procurou em volta e descobriu mais quatro vultos. Estão mortos.

É informado Pelundo. Os homens estão assombrados mas calmos. Mantêm-se nos seus lugares. São informados do achado. Começa a ver-se bem e surge a cena macabra e horrível. Os corpos estão mutilados e todos apresentam tiros na nuca, cortes de catana e punhal.

Os homens são informados e mantêm-se serenos e na expectativa. Pensam que o tiroteio vai começar. Ninguém acredita que não seja uma cilada. Monta-se a segurança circular e começam as viaturas a ser retiradas. Uma tem os dois pneus do lado esquerdo furados de balas. Procuram-se armadilhas e nada é encontrado.

A primeira viatura MG-93-55, com os pneus furados, é trazida para a estrada. Novo achado e desta vez mais macabro. O nativo Lamine (o que dele resta) está no lugar antes ocupado pela viatura. Tiro na nuca, muito mutilado.

Retira-se a segunda viatura para a estrada. Os corpos são carregados num Unimog.
A coluna está pronta a regressar. Em todos os rostos, uma decisão firme, lábios mordidos.

A visão anterior era demasiado horrível. São cerca de sete horas. Dois helicópteros sobrevoam a zona. Monta-se segurança, um deles aterra. Dele sai Sua Excelência o General Comandante-chefe, o Excelentíssimo Comandante do CAOP, Ten Cor Romão Loureiro, o Excelentíssimo Major P. Costa e o capitão Almeida Bruno. Examinam o local e partem.

Às 7h10 a coluna põe-se em movimento agora com dois Jeeps a reboque. O dispositivo é o mesmo da aproximação. A coluna chega ao quartel cerca das 9h00.

6. Resultados obtidos

Foram recuperados os corpos:

- Exmo Major CEM 50275711 Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos
- Exmo Major Inf 50972511 Alberto Fernão Magalhães Osório
- Exmo Major Art 50692711 Joaquim Pereira da Silva
- Sr Alf Mil Cav 19516168 Joaquim João Almeida Mosca
- Nativo Mamadu Lamine Djuare
- Nativo Aliu Sissé
- Nativo Patrão da Costa

Foram ainda recuperadas duas viaturas [ilegivel]. Desconhece-se qual o material e documentos capturados pelo IN.

7. Serviços: nada a assinalar

8. Apoios: nada a assinalar

9. Ensinamentos colhidos

A Companhia foi posta à prova no cumprimento da missão que lhe foi dada. Soube reagir com calma e serenidade à macabra cena de ver sete cadáveres mutilados, quando esta cena não estaria na imaginação do mais pessimista. Crê-se que esta calma e serenidade é fruto da mentalização e da preparação da Companhia e ainda de na altura todos os militares irem sendo informados, com verdade, dos acontecimentos que se estavam a viver.

10. Diversos

cópia do Anexo B

Como se verifica pelo croqui do local (Anexo B) os corpos foram encontrados em dois grupos distintos. Num, os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e os nativos Aliu Sissé e Patrão da Costa. No outro, o Excelentíssimo Major Pereira da Silva e o Senhor Alferes Mosca.O nativo Lamine parece não fazer parte de nenhum dos grupos.

Todos os corpos se encontravam de costas (face voltada para o céu) e estendidos, com excepção do nativo Lamine que se encontrava de bruços e enrolado sobre ele mesmo.
Os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e Pereira da Silva, Sr Alferes Mosca e o nativo Patrão da Costa apresentavam o aspecto de não se terem apercebido de nada de anormal até ao momento de serem assassinados. O nativo Aliu Sissé apresentava um aspecto misto de terror e assombro, como se uns momentos antes de ser assassinado tivesse visto alguém que era seu inimigo e perigoso.

O nativo Lamine deve ter-se apercebido de que algo de anormal se ia passar pois deve ter fugido para debaixo de uma viatura, onde foi morto. A viatura apresenta diversos impactos. Nesse lugar foi depois mutilado.

As viaturas já se encontravam na posição em que foram encontradas pois uma delas (dois pneus furados) dificilmente se deslocaria sem deixar qualquer marca e estas não existiam.

Não foram vistos sinais de luta. Com excepção do nativo Lamine e do Excelentíssimo Major Passos Ramos, desconhece-se como foi morto, se com um tiro que lhe arrancou a parte posterior do crânio, se com uma catanada que lhe separaria a mesma região. Neste caso, a sua morte levaria mais tempo e o seu aspecto seria de mais sofrimento.
Julga-se também que todos foram assassinados no local em que se encontravam devido ao sangue existente no chão.

A não existência de sinais de luta e de nenhum, com excepção do nativo Lamine, ter tentado fugir leva a supor que não teriam sido mortos pelas pessoas com quem possivelmente conversavam.

O grupo assassino deve ter surgido de repente e assim se explicaria o aspecto do Aliu Sissé e a fuga do Lamine. Provavelmente retirou na direcção ESE.

Desconhece-se se houve outros mortos. A havê-los foram levados do local. Calcula-se que o morticínio bárbaro e inqualificável se tenha dado cerca das 16h00 do dia 20.

DISTINGUIRAM-SE

Todos os elementos da Companhia que tomaram parte na acção e dentre eles:

- CCAÇ 2586 1º Cabo António José da Silva
- CCAÇ 2586 Soldado José Pinto de Sousa
- CCS Soldado António Manuel Duarte Cardoso

Para os quais foram apresentadas propostas de louvor.

DISTRIBUIÇÃO

Exemplares 1 e 2 / Rep/OPER
3 / 1ª Rep
4 / 2ª Rep
5, 6 e 7 / CAOP
8 / BCAÇ 2884
9 e 10 / CCAÇ 2686 (Arqº)
11 e 12 / Processos de Pensão de Sangue

O Comandante de Companhia
Eugénio Baptista Neves
Cap Inf
___________________

(1) Nota do co-editor vb:

1) Vd. posts de:17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

(2) Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 970)

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2010: O Major Pereira da Silva que eu conheci, em 1966, no QG de Santa Luzia (Virgínio Briote)

1. Texto do Virgínio Briote, nosso co-editor:

Caro Luís,

Espero que te tenhas reconfortado com os ares do Marco. Que belas terras e que vinhos, Deus meu!

Tenho acompanhado com muito interesse o estudo que o Afonso (1) tem vindo a fazer sobre o caso. Também, quando vi a foto, vi que havia uma troca na identificação dos majores P. da Silva e P. Ramos. Enviei-lhe a mensagem, que podes ler abaixo. Embora ciente do erro, pedi-lhe que verificasse a legenda. Porque o Afonso é o mais interessado na procura da verdade, devia ser ele, penso eu, a proceder à rectificação. Ainda não respondeu, pode dar-se o caso de estar ausente. Assim, proponho esperar mais um ou dois dias e, caso não haja qualquer resposta, substituir a foto pela outra que existe no blogue, esse sim correcta.
Um abraço,
vb

Afonso, caro Camarada,

Antes de mais, cumprimentos pelo notável trabalho que tens vindo a fazer, no esforço em desvendar até ao limite o caso dos assassinados na zona de Teixeira Pinto. É uma obra, sem necessidade de sabujices, como então se dizia nos nosso tempos, uma obra, escrevia eu, com muito interesse e, que os investigadores futuros sobre a colonialização/descolonização da Guiné não podem esquecer. Parabéns pelo teu trabalho, Afonso, é o mínimo que te posso dizer.

Uma questão que convém tu repensares, é a legenda da foto. Eu conheci o major Pereira da Silva. Nos finais da minha comissão, Set/Dez 66, estive no QG a fazer nada, andava por ali, a esperar que os 24 meses acabassem.


O major P. da Silva, um dia, no final de um almoço, abeirou-se de mim, deu-se a conhecer, falou-me de assuntos que me diziam pessoalmente respeito, mostrou estar bem informado, para minha surpresa. Daquele encontro na messe de Santa Luzia, ficou-me me a recordação de um homem culto, inteligente, a que eu, confesso, não estava muito habituado a ver nos oficiais do QP.

Naqueles últimos meses, nos finais de 66, convivemos quase diariamente, mais que uma vez viemos até à cidade, demos as voltas do costume pelas montras de Bissau, jantámos 2 ou 3 vezes no Fonseca (Solar dos 10, não sei se este restaurante te diz alguma coisa). Isto para te dizer que conheci de perto o P. da Silva.

Ao Passos Ramos, se a memória não me está a trair, apresentaram-mo uma vez.

De qualquer das formas, fala com outras pessoas que o tenham conhecido, como, por exemplo o Tunes, que privou bem de perto com os três.

Um abraço, Afonso, e até um dia destes,
vb


2. Comentário: Obrigado, Virgínio, o assunto está esclarecido (1). Fica também aqui, para conhecimento dos nossos acamaradas e amigos, o teu apreço pelo trabalho do Afonso M.F. Sousa que, possivelmente, estará de férias.
______

Nota de L. G.:

(1) Vd. posts de

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (11): (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

Guiné > Chão Manjaco > 1970 > Os três majores (Passos Ramos, Pereira da Silva e Osório) em acção psico, numa lancha a motor. O Alferes, que aparece em primeiro plano, poderá ser o Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.

Foto: Cortesia de Afonso M.F. Sousa (2007)

Mensagem de 26 de Julho de 2007 do nosso querido camarada Afonso M.F.Sousa, residente em Maceda/Ovar, e um dos mais antigos membros da nossa tertúlia (está connosco desde Junho de 2005, mas infelizmente ainda não tivemos ocasião de nos conhecermos pessoalmente). Agradeço-lhe mais este trabalho de investigação, feito com paixão e rigor, e que honra e enriquece o nosso blogue. É que o Afonso não se limita a fazer investigação de arquivo... Desta vez foi até Braga falar com o Lino!... Espero que ele também possa, um dia destes, fazer sair um livro sobre este episódio marcante e decisivo, da guerra da Guiné. (LG).

Anexo ao dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*). Subtítulos e negritos da responsabilidade do editor do blogue.


Caro Luís Graça,

Com um abraço, envio mais um breve aditamento ao dossiê relativo à morte dos três majores (1).


O ex-Fur Mil Lino, da CCAÇ 2585, vive hoje em Braga

Onze da noite do dia 20 de Abril de 1970. O furriel Lino, da CCAÇ 2585 (destacamento de Jolmete, pertencente ao BCAÇ 2884 , com sede no Pelundo), é um dos homens que integra o pelotão que vai partir para uma missão de reconhecimento, junto à estrada Jolmete-Pelundo, nas proximidades da 2ª bolanha.

Julho de 2007. Localizo o ex-furriel Lino, na cidade de Braga. Tive com ele uma agradável e muito útil troca de impressões sobre aquele momento trágico, na Guiné. Era interessante ouvir o testemunho de alguém que tivesse estado, exactamente naquele dia e naquele local, para que alguns pontos ou dúvidas pudessem ser clarificados.

É com base nas informações recolhidas que elaborei este texto, que se constitui como adenda à crónica já anteriormente publicada no Blogue (1).

Depoimento do ex-Fur Lino:

Guiné, 20 de Abril de 1970 >Os momentos que se seguiram à consumação de uma cilada

Às 15 horas, em Jolmete [a nordeste de Pelundo, perto do Rio Cacheu], um militar nativo chama a atenção de alguém, dizendo que acaba de ouvir um tiro e garante que é junto à 2ª bolanha. Pouco tempo depois ouve um 2º tiro e reafirma que se trata de algo naquela zona. Sabe-se que naquele dia todas as forças militares permaneceram nos aquartelamentos. Só restritamente, há conhecimento do que iria decorrer naquele momento e naquele local. O comandante do destacamento sabe que os tiros não constavam do programa. Fazem-se contactos. Nota-se alguma preocupação, alguma agitação. Só por volta das 21 horas um pelotão é alertado para a necessidade de ter que sair, a qualquer momento.


(i) Pelotões de soccorro que saiem de Jolmete e do Pelundo descobrem os cadáveres pela madrugada do dia 21 de Abril de 1970

Após as onze horas, partem de Jolmete, seguindo a picada para o Pelundo. Por volta da meia-noite, logo após a 2ª bolanha (sentido Jolmete-Pelundo) dão de caras com os 2 jipes, sobre a picada. Não avistam por ali os corpos dos oficiais. O reconhecimento é apenas uma rápida observação, um pouco à distância. A escuridão e as circunstâncias assim o determinam. Instalam-se e ficam na expectativa. A previsão de perigo, a expectativa de cairem numa emboscada de grande envergadura, são preocupações que os acompanham.

Do Pelundo saira, entretanto, outro pelotão para patrulhamento conjugado com as forças de Jolmete. Estas esperam pelo clarear da manhã, para fazerem o adequado reconhecimento da zona e visualizar o local em redor das viaturas, por forma a obter informações e a confirmação da tragédia. Por volta das cinco e meia começa a sua movimentação. Procuram localizar (vivos ou mortos) os três majores e o alferes, nas imediações dos jipes. Em pouco tempo conseguem localizá-los, inertes, no enfiamento das viaturas, mas dentro da mata.

Confirmam que estão sem vida e alguns aparentam ter membros partidos e sinais de confrontação algo violenta. As suas fardas estavam intactas, sinal de que não foi molestada a sua integridade física ao nível do tronco. Todos apresentavam, isso sim, sangramentos ao nível da nuca, o que atesta que aqueles tiros, ouvidos em Jolmete, tinham aqui a sua justificação. Os dois intérpretes (supostamente da Gâmbia) foram também mortos e os seus corpos encontrados debaixo dos jipes, onde, provavelmente, terão querido refugiar-se.


(ii) Reacção emotiva de Spínola: Liquidem-nos a todos!

São seis da manhã. Ouve-se o som de um helicóptero que se aproxima do local. Faz a aterragem na clareira da mata. A tal clareira que iria servir para a cerimónia de rendição do bigrupo do PAIGC. É Spínola que se apresta para sair do heli. Rapidamente dirige-se para faixa da mata onde os corpos estão prostarados. À vista deles, Spínola olha demoradamente para o chão. Não resiste sem que as lágrimas lhe perpassem pela cara. Depois, como que por instinto, diz: Liquidem todos os que virem pela frente. Mas, como é compreensível, foi um impulso de raiva de circunstância e, por isso, a ordem não foi seguida.

Foi quase voz corrente, entre os militares desta zona (Teixeira Pinto, Pelundo, Jolmete), de que houve à volta deste processo algum excesso, alguma falta de prudência, alguma precipitação ou excesso de confiança...como que um pressentimento de êxito um pouco exagerado. Por via disso, a tragédia poderia ter tido contornos ainda maiores. Para além de Spínola, até um médico e o capelão estavam para participar. O entusiasmo era grande, muitos queriam assistir ao grande ronco. Mas a questão traição/cilada nem sequer terá sido cogitada, face à confiança e ao entusiasmo reinantes. Os homens de Nino Vieira anteciparam-se, sobrepuseram-se ao grupo dissidente, e à hora combinada estavam lá para liquidar esta tão ansiada rendição.

Afonso Sousa

Nota de A.S. - O dossiê sobre A morte dos três majores que publicámos recentemente (1), é como todos, deste contexto, um trabalho inacabado. Elaborar uma explicação tão próxima quanto possível da realidade não é tarefa fácil. O relato histórico, enquanto não atingir toda a verdade do que, efectivamente, aconteceu, permanece sempre e só no plano da mera descrição. Construir um quadro exacto do que se passou precisa de coerência, ordem e racionalidade ou seja, um grau de exactidão e de confiança dos testemunhos. De contrário pode suscitar-se a confusão ou imprecisão do relato histórico. Por vezes, apenas sobrevivem memórias fragmentadas do passado e isso pode trazer riscos de se substituir o real pelo imaginário ou de se complementarem lacunas com especulações.

É necessária a investigação, o confronto entre fontes e as diferentes versões de um mesmo acontecimento, de forma a garantir a objectividade nos factos narrados. São estes caminhos de identificação da narrativa com a verdade, que nos instiga quando fazemos a memória da guerra. Deixamos um relato em determinado ponto e mais tarde damos-lhe sequência, conforme se vão dissipando dúvidas ou colhendo novos e mais fidedignos testemunhos. Daí o título do anterior trabalho: «Tentativa de clarificação do massacre do Pelundo»

Nota: Efectivamente, na legenda da fotografia acima, há troca de nome entre os majores Pereira da Silva e Passos Ramos. Aquele é o homem do bigode, como se constata nesta foto


_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)