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segunda-feira, 25 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16331: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (46): Quando Bismarck, Leopoldo II e as outras potências, Inglaterra e França (Cecil Rodhes e outros) dividiram África em Berlim, estavam-se nas tintas para os africanos... Ensaiaram depois o neocolonialismo a que chamaram independências e

1. Comentário de António Rosinha ao poste P16322(*)



[Foto à esquerda: Antº Rosinha: (i)  é um dos nossos 'mais velhos', membro ´senior da Tabanca Grande;
(ii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;
(iii) fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62, (iv) diz que foi 'colon' até 1974;
(v) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil):
(vi) até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; 
(vii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'] (**`*)



Talvez a Diamang fosse em Angola a única Companhia que melhor imitava as grandes companhias inglesas, alemãs, belgas e francesas em África.

Quando Bismarck, Leopoldo II e as outras potências, Inglaterra e França (Cecil Rodhes e outros) dividiram África em Berlim, era simplesmente para dividir a exploração dos recursos naturais, ouro diamantes, volfrâmio, madeiras e o que aparecesse.

Estavam-se nas tintas para os africanos, nem para escravos os queriam, pois estes já estavam a ficar muito exigentes, já queriam trocar a tanga de pele de gazela por tirylene, e a querer uma retrete para o preto ao lado da do branco,  além da escola para o preto ao lado da do branco.

Então ensaiaram o neocolonialismo a que chamaram independências e abandoram em África os pobres dos portugas sozinhos que foram os últimos europeus, (Europeus?, só se forem de segunda, dizem aqueles sacanas), a sair de África e a deixar os diamantes sem sangue, a ficar como todos os outros diamantes, petróleos e volfrâmios completamente ensanguentados.

Honra a [Nelson] Mandela que não deixou que os boers fossem expulsos de sopetão e as riquezas continuam na África do Sul.

Sorte dos sul-africanos e azar das zebras, búfalos e girafas da Rodésia, Zimbabué de Mugabe, que já vende em leilão todos os animais das reservas de caça por falta de água, que morrem à sede (jornais)

A guerra de Pirada e Guidaje visava principalmente a Lunda do Comandante Vilhena, pai do museu do Dundo e os Bothas da África do Sul, o cone de África.

Os Guineenses eram, e são o mexilhão.

JD, é difícil explicar, mas sabes que também não leio pela tua cartilha, és mais Norton e Galvão,  como eram muitos imperialistas.  eu sou mais Antoninho da calçada.

Nós nunca podiamos imitar aqueles grandes exploradores.

Fui teu colega 1 mês, comia no refeitório dos solteiros no Cafunfo, já contei. (**)

Grandes e complicadas vidas, mas que mundo estuporado.

Não deixemos cair a "peteca" (como dizem os brasileiros). Falta muito para contar o fim dos impérios!

Antº Rosinha (***)

_____________



(**) Vd, poste de  19 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12603: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (30): Só os diamantes são eternos... Ou: hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.


(...) Amigo José M. Diniz (e penso que me estou a dirigir a C. Martins também), eu andei na Lunda na tropa e a fazer uma estrada na região de Henrique de Carvalho.

E para a Diamang estive em Cafunfo (1970) a fazer uma picada entre uma futuro lavandaria e um rio que foi desviado para exploração.

Estive perto de um mês a conviver com algarvios exclusivamente, no refeitório dos solteiros, que trabalhavam numa lavandaria no Cafunfo.

Era um mundo à parte dentro de Angola e da própria Lunda. Não havia minhotos, beirões, transmontanos nem das Ilhas, e o meu contacto profissional era com um homem chamado Bastos, alentejano, de Elvas (?) e conheci e trabalhei recentemente com um neto desse homem (há 10 anos, antes de me reformar).

Diniz, afinal também estavas informado e encostado, meu malandro. Será que havia segregação nos seleccionados para funcionários da Diamang? (...) 

(***) Os últimos postes da série, desde 2014 (há um nº, o 42, repetido, por lapso):

12 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16079: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (45): A brutal emboscada do dia 22/3/1974, na estrada (alcatroada, construida pela TECNIL ) Piche-Nova Lamego: só por negligência, propositada ou intencional ou casual, estes casos podiam acontecer... É coincidência apenas, ou as Forças Armadas só já estavam preocupadas com outros valores?...

3 de maio 2016 > Guiné 63/74 - P16044: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (44): Os desentendimentos constantes entre alguns PALOP e Portugal... A luta continua.!...


30 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15913: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (43): Os receios europeus de um antigo colonialista português, gen Norton de Matos, em dezembro de 1943


22 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15781: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): A unidade que os cabo-verdianos ajudaram a criar


5 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15748: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): As riquezas das matéria primas africanas e as fantasias criadas


16 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15623: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (41): o que foi mais devastador para o PAIGC foi precisamente a campanha psicológica spinolista por uma "Guiné Melhor"


9 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15464: Caderno de Notas de um Mais Velho (40): "A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria" -Guiné Bissau (Sobre a reportagem do jornal Público)

30 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15428: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (39): 'Colon' e 'retornado'... É difícil de transmitir o que se passou e se sentiu... Os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.

8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14985: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (38): é possível barrar a emigração a muitos milhões de jovens africanos sem perspectiva de vida? Nem Luís Cabral conseguiu fechar as entradas na Praça de Bissau...


7 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14583: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (37): Sempre houve emigrantes europeus para África, agora dá-se o inverso


29 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14202: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (36): Fazendo votos para que o tchon Manjaco, o tchon Fula, o tchon Pepel e o tchon do Largo São Domingos se entendam sempre como nestes últimos 40 anos.


12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14015: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (35): IMPÉRIO sem TAP versus TAP sem IMPÉRIO


25 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13040: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (34): Ramos Horta & Ana Gomes hoje na Guiné-Bissau como ontem em Timor, uma dupla guerreira, sem armas de fogo, que está a fazer um belo e corajoso trabalho pela paz e pela lusofonia


10 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12817 : Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (33): O racismo mal disfarçado na África Lusófona, tão complicado e difícil de contornar como a divisão étnica tradicional
26 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12777: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (32): Mário Coluna (1935-2014) na verdadeira nação "Arco-Íris" (Portugal e Ultramar e a sua selecção de futebol)


3 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12668: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (31): Natália Correia e os filhos dos retornados (vingativos)


19 de janeiro de 2014 > 63/74 - P12603: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (30): Só os diamantes são eternos... Ou: hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.


10 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12568: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (29): O que os rapazes dos cachecóis precisam de saber: que o Eusébio foi um português muito especial, que ajudou a escrever uma página muito especial da história de Portugal, da Europa e de África...

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16322: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VII: a cultura da "responsabilidade social"...


Fonte: Companhia de Diamantes de Angola : breve notícia sobre a sua actividade em Angola (Diamang). Lisboa : Companhia de Diamantes de Angola  (Diamang), 1963.


1. Mensagem do José Manuel Matos Dinis:

Foto à esquerda:

José Manuel Matos Diniz, 

(i)  ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679,Bajocunda, 1970/71;

(ii) nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo  da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales;

(iii) depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo da Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972;

(iv) vai viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo;

(v) aqui casou (por procuração), aqui nasceu o seu primeiro filho:

(vi) desafiado por nós justamente a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas,  aceitou galhardamente o desafio e já foi além, do prometido (*).


Data: 12 de julho de 2016 às 22:11

Assunto: As minhas memórias do tempo da Diamang, Lunda, Angola - parte VII

Caros amigos Luís e Carlos,

Aqui vai a parte VII das memórias, agora com uma divulgação sobre métodos aplicados naqueles azimutes, que já revelavam alguma modernidade de gestão. Infelizmente, até o pessoal mais qualificado podia não intuir o alcance de algumas orientações, mas que existiam... lá isso existiam, e tinham como preocupação o primado do ser humano.

Enquanto não me mandarem parar, e tiver alguma coisa para contar, levam comigo.

Abraços fraternos
JD


2. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VII: uma cultura de "responsabilidade social"

Quando um empregado chegava à Lunda, recebia tapetes, tecidos para cortinados, lençóis... e uma grossa pasta-arquivo com inúmeras ordens de serviço, onde, em princípio, poderiam ser encontradas as diferentes orientações do ponto de vista técnico e social. Também recebi, mas não li mais do que uma dúzia, pelo que muitas das matérias ali tratadas nem tive conhecimento delas, e algumas, em leituras posteriores, constatei que teriam muito interesse para a melhoria da condição de vida dos trabalhadores e familiares.

Esta culpa de que me retrato, tem a ver com a enormidade da pasta, e com a escassez de tempo para além do horário normal de trabalho, mas, principalmente, porque a Companhia não se interessou pela criação de programas de aferição, difusão, melhoria e tratamento das matérias ali expostas.

A dar conta desse género de preocupação social, leia-se com alguma delícia uma passagem:
Com os trabalhos da Companhia «a tenebrosa Lunda abriu-se como flor exótica, e os benefícios da civilização e da cultura entraram nela como bênção do céu. À riqueza diamantífera que ela oferecia, riqueza do adorno e de coisas sumptuárias, como de indústria e ciência, respondia a Diamang com riqueza de princípios de desbravamento, de elevação humana... Por muito estranho que possa parecer aos detractores (e das obras insignificantes não os há) ou aos ignorante (e de todas as obras os há), a Companhia deixa, praticamente, tudo o que tira na própria Província».

De algumas coisas  tão evidentes e de tanta grandeza e importância, a par de outras de mero sentido lúdico, já dei parcial conta e significado da vitalidade para a região e para a província, mas não posso subscrever a parte relativa ao investimento local, bem como aos empréstimos financeiros ao Estado, na medida em que não tenho elementos de consulta sobre valores de produção e vendas, nem dos valores relativos a encomendas, investimentos, importações e outras despesas.

É do conhecimento geral que a Companhia beneficiava de sérias isenções sobre importações, mas também é verdade que fazia empréstimos ao Estado mediante juros simbólicos e insignificantes. Este extracto tem apenas uma intenção, a de mostrar como sob a forma de relatórios, também pode ser possível fazer expandir mensagens de carácter social com vista à inclusão das classes, que todos sabemos, não acontece com a velocidade de um clique. Ali havia aquela preocupação, e aos diferentes quadros é que poderia imputar-se a responsabilidade sobre o desleixo de delas não tomarem conhecimento nem fazê-las aplicar.

«Nunca impôs superioridades raciais, mas bateu-se e bate-se pela fraternidade humana e pela igualdade perante a lei, embora partindo da 'igualdade de méritos', como é próprio das sociedades progressivas».

Não foi, seguramente, sempre assim, mas é consolador que houvesse preocupações dessa índole.

«Estabeleceu, assim, nas tais terras tenebrosas, o nervo criador e trepidante da 'civilização adequada', que se estendeu desde a 'humanização do clima' até à 'humanização do silvícola', desde a plantação da mandioca e da citrina até à protecção às grávidas e à infância».

Em 4 de Dezembro de 1920 celebrou-se um contrato com o Alto-Comissário que fixava uma grande região de "claims", e em contrapartida, a Diamang obrigava-se:

a) a intensificar os trabalhos de pesquisa e exploração de diamantes nas áreas concedidas, de forma a aproveitar, o mais possível, as concessões;

b) a dar à Província, em acções inteiramente liberadas, 5% de todo o capital já emitido ou que o viesse a ser;

c) a entregar à Província, anualmente, 40% dos lucros líquidos;

d) e, ainda, a emprestar à dita Província 400.000 libras, em duas prestações iguais...

"Presentemente, nos termos dos contratos celebrados em... e 10 de Fevereiro de 1955... tem a Província direito a 50% dos lucros da Companhia, o que representa para as finanças de Angola uma participação verdadeiramente notável».

O distrito da Lunda, como, aliás, grande parte do território angolano até aos anos sessenta, representava uma fase embrionária de desenvolvimento social, fortemente influenciado pelas tradições tribais, na medida em que a presença dos brancos que levaram os primeiros métodos e instrumentos de trabalho e organização, circunscrevia-se às regiões urbanas e arredores. Deve ter-se em conta o imenso território da província, e a escassez de população, apresentando baixíssimo índice de habitante por quilómetro quadrado.

A Diamang carecia de grande número de pessoal indiferenciado, que a Lunda não podia proporcionar, pelo que também recorreu ao regime dos contratados, trabalhadores que eram deslocados desde grandes distâncias. O processo não se pode classificar de dignificante, pelo contrário, pois havia angariadores que ofereciam prendas a certos sobas, que designavam as pessoas a transferir. Só uma minoria se fazia acompanhar das famílias, pois a grande maioria eram jovens robustos e solteiros, que, geralmente, acabavam por cruzar laços de sangue com mulheres locais.

Inicialmente viviam em casas de construção tradicional, e as aldeias não dispunham de quaisquer infra-estruturas. Com o decorrer dos tempos e a prosperidade da Companhia, que também se reflectia nos salários de milhares de trabalhadores, o que aumentava a massa de capital circulante, houve nítida evolução, quer do modelo das casas da população que não beneficiava de habitação fornecida, quer nas infra-estruturas das aldeias, que incluíam latrinas, pontos de água, e por vezes banhos públicos e tanques de lavagem.

"Em matéria de trabalho houve o reconhecimento de que as populações africanas, pela sua debilidade económica e correspondente pouco desenvolvida divisão do trabalho, não estavam em condições de eficazmente, defender os seus direitos e interesses dentro de um sistema caracterizado pelo salário. Por isso, o Estado, cumprindo o assumido dever de protecção, criou em benefício delas o regime do indigenato, de características que o especializaram em face de outras formas de intervenção estadual, também usadas em favor das classes economicamente débeis. Estes regimes caracterizavam-se por uma regulamentação protectora, particularmente apertada e paternalista».

Aqui estamos em presença de um discurso com base no pensamento oficial que foi tão severamente criticado pelos opositores ao regime. Peço, por isso, a vossa diligência para o criticarem com liberdade e fundamento, não esquecendo a particularidade da época (1963), e os regimes congéneres nas países anglófonos e francófonos dali vizinhos.

O processo de evolução social estava em marcha acentuada. Segundo a Companhia, «não se trata de fornecer ao trabalhador alimento suficiente e racional, habitação higiénica e confortável, salário justo e equacionado com as possibilidades das empresas e as necessidades familiares do trabalhador, mas, e muito principalmente, de acompanhar de perto a evolução psicológica correspondente à alteração do sistema tradicional de vida, inevitável quando o salário vem substituir os recursos angariados segundo as formas próprias das economias de subsistência». 

Por essa altura também foi dada atenção às condições do trabalho feminino, embora só um reduzido número de mulheres trabalhasse para a Companhia.

A Diamang teve ainda a preocupação de em África estabelecer a progressiva valorização e ligação das raças brancas e de cor. Melhorar as condições de vida dos nativos, zelar pelo seu bem-estar, elevando-os na escala dos valores sociais e económicos (com o contributo da escola e da igreja), eram objectivos que estavam na base de toda a organização. Para isso houve que considerar os trabalhadores africanos segundo os conceitos de:
a) grau de educação social;
b) grau de evolução profissional;
c) modalidade contratual.

A primeira qualificação revela a ponderação sobre o trabalhador desde o mínimo da evolução, até à situação de cidadania adquirida e em que o seu regime é equiparado ao do trabalhador europeu.

(Continua)


3. Comentário do editor:

Zé:  Qual a fonte? A referência bibliográfica? As fotos não são tuas... No nosso blogue, temos que pôr estas coisas, como manda a lei...

Ouras coisa: dizem que o acionista belga da Diamang  é que influenciava as decisões e a cultura da empresa: caso da criação do Museu, por exemplo... A colonização e a "pacificação" do Congo, transformada em "couto privado" do Leopoldo II, da Bélgica, são das páginas mais negras da história do colonialismo em África... Acho que fomos uns "meninos de coro" ao lado deste gajo, hoje acusado de genocídio... O que sabes dos "belgas"?

Um abraço.
Luís



Congo ex-Belga > c. 1920 > "Troféus de caça"...  Uma visão europocêntrica (imperial, pedradora, paternalista,,,) de África. Fotos de Victor Jacobs (digitalizadas e editadas por LG.). 

Fonte: Louis Franck - Le Congo Belge, Tome I. Bruxelles: La Renaissance du Livre. 1928. p. 152, [Exemplar, raro, gentilmente disponibilizado pelo meu amigo e vizinho de Alfragide, eng. agrº Francisco Freitas, nascido no antigo Congo Belga, hoje República Democrática do Congo.  O autor, Louis Franck (1868-1937) foi um político, belga, de origem flamenga, jurista, escritor, antigo ministro de estado e antigo ministro das colónias; interessou-se por questões como a colonização belga no Congo, o atvismo flamengo, etc.;  fundou a École coloniale supérieure,em  Anvers, em 1920, mais tarde, em 1923, Université coloniale de Belgique].


4. Resposta do José Manuel Matos Dinis, com data de 13 do corrente:

Olá, Luís, tens razão.

A fonte é uma publicação da Diamang, datada de 1963, sob o título Companhia de Diamantes de Angola: Breve notícia sobre a sua actividade em Angola. Não faz referência a restrições sobre publicações. É uma edição própria. 

No meu tempo não havia belgas, apesar de uma participação no capital que a Forminiére detinha. Mas foram os belgas que intuíram da existência de diamantes em Angola, tendo em conta a proximidade geográfica das jazidas, e a continuidade das condições morfológicas e geológicas do território. 

Também foram eles a dar impulso à prospecção e a entenderem-se com o Governo para o inicio das explorações. Isso está na Net. 

Meninos de coro? Claro que sim, apesar de termos tido exemplares dados à exploração do preto considerado subproduto da humanidade. Norton de Matos, que pretendeu dignificar o tratamento dado aos nativos, foi corrido depois de o Parlamento o ter desancado com o argumento de bon-vivant, mas só fazia um trabalho encomendado, que incomodaria o Norton. A A.N. desconsiderou-o tanto, que o senhor foi demitido por duas vezes, e durante esse período o regime foi de difícil explicação, entre o liberal e o esclavagista.

O curioso, é que foi o desencadear da guerra, que permitiu um fluxo importante de colonos, mais apetrechados, que ajudaram à mais brilhante expansão sócio-económica da iniciativa dos portugueses.  Se o Brasil foi em tempos o orgulho de país irmão, não sei se Angola quereria romper os laços, mas seria, certamente, uma sociedade moderna e exemplar, porque todo o crescimento era equilibrado e reflexo dos níveis de progresso atingidos.

Um abraço,
JD


5. Resposta de LG, no mesmo dia:

Obrigado, Zé, confirmo, encontrei a referência na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos:

Companhia de diamantes de Angola : breve notícia sobre a sua actividade em Angola (Diamang). Lisboa : Companhia de Diamantes de Angola(Diamang), 1963.

É suficiente.

Ab.
LG
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de julho de  2016 > Guiné 63/74 - P16265: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VI: singela homenagem ao etnólogo e antigo diretor do Museu do Dundo, João Vicente Martins (n. 1917)

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16265: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VI: singela homenagem ao etnólogo e antigo diretor do Museu do Dundo, João Vicente Martins (n. 1917)



Dedicatória autografada de João Vicente Martins, no seu livro «Contos, Fábulas e Lendas dos Tutchokwe do Nordeste de Angola», ao seu amigo e antigo colega da Diamang, José Manuel Matos Diniz. 

Foto (e legenda): © José Manuel Matos Dinis (2016)-.Todos os direitos reservados




Foto à direita:  José Manuel Matos Diniz, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, 
nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales;
depois do seu regresso a casa, a Cascais,
em janeiro de 1972, vindo da Guiné,
rumou até Angola, em maio de 1972,
para ir viver e trabalhar na Lunda,
na melhor empresa angolana na época,
a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo;
aqui casou (por procuração),
aqui nasceu o seu primeiro filho:
desafiado por nós justamente
a falar da sua experiência angolana 

em meia dúzia de crónicas memorialísticas,
,aceitou galhardamente o desafio
e está a cumprir o prometido.] (*)




1. Texto enviado em 29 de junho último pelo José Manuel Matos Diniz:

Caros Luís e Carlos,

Anexo nova descrição de memórias sobre o tempo que passei na Diamang. Iniciei a actividade em Maio/72 na região de Cassanguidi, onde permaneci por cerca de 6 meses. Entretanto, em Andrada ocorreria uma situação anómala, e fui deslocado para lá, que era o maior centro técnico da Companhia, pelo que vou despedir-me deste primeiro contacto com a vida de mineiro com as duas memórias seguintes:
Com um abraço, JD.


2. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) n (José Manuel Matos Dinis): Parte VI:   singela homenagem ao antropólogo e antigo diretor do Museu do Dundo, João Vicente Martins (n. 1917)



Um belo dia de trabalho fui surpreendido pela chegada de um estranho ao Munguanhe. Não pertencia ao grupo de pessoas do meu conhecimento, mas deslocava-se num carocha que era o carro tipo utilizado quase em exclusivo (para acautelar alguma excepção), pelos empregados da Companhia, pelo que me suscitou curiosidade. Enquanto ele estacionava, saía eu do escritório de onde o tinha visto em aproximação lenta.

Tratava-se de um cavalheiro de meia idade, de calças e com um panamá a cobrir-lhe a cabeça. Seria de algum serviço central, pois o restante pessoal técnico, com excepção dos directores, usavam calções. Dirigimo-nos um ao outro, cumprimentei-o com um sorriso a que ele correspondeu, e apresentei-me. Com uma voz baixa e pausada respondeu nos mesmos termos, e assim perguntei-lhe a que título devia a honra da sua presença. 

Era o senhor João Martins, do Museu do Dundo, que se revelou de grande afabilidade, e perguntou-me se tinha alguns "coup de points" para lhe entregar. Surpreendido, respondi que não, nem sabia da existência de tais materiais no âmbito do trabalho da mina. Contou-me então, que um colega anterior a mim teria dado conta da existência daquelas peças pré-históricas no cascalho tratado na lavaria. Que por um acaso, o trabalhador que exercia actividade no controle do cascalho que a correia transportadora levava para as "pans", e que antes de crivado podia saltar da correia e afectar o funcionamento dos rolos por onde ela passava, tinha sido instruído para, detectando aquelas pedras de instrumentação das primeiras manifestações civilizacionais, as retirar e guardar num balde até uma próxima visita.

De facto havia o balde e tinha conteúdo. Removeram-se as pedras lascadas de vários tamanhos e materiais para um saco, o senhor Martins agradeceu ao trabalhador o cuidado que tivera, trocaram sorrisos e cumprimentos. No regresso à viatura convidei-o a entrar e a servir-se de água, que ele aceitou alegando que a que tinha no carro já estaria demasiado quente. Ali fiz algumas perguntas sobre a actividade que exercia, e fiquei a saber que era formado em antropologia e o conservador do Museu. Referiu que ali existira uma civilização com cerca de dez mil anos, donde provinham aquelas peças. Depois falou durante um bocadinho sobre a actividade do Museu, e os métodos que seguia na investigação permanente, revelando-se uma pessoa muito interessada sobre essas vertentes histórico-sociais. Convidou-me para o visitar no Dundo, despedi-mo-nos, e cada um foi à sua vida. 

Mais tarde vim a ter relações mais frequentes e amigáveis com este homem do mato, profundo conhecedor das funções que exercia, não só pela formação académica, mas também, porque anteriormente fora prospector durante vários anos e várias regiões, ao mesmo tempo que constituía família com uma senhora local e estudava todos os dias durante as horas livres.

Se isto permite revelar, que ao menos um português foi profundamente dedicado às populações locais, pois foi ainda professor em horário pós-laboral e sem acrescento salarial de trabalhadores que frequentavam o liceu, deixou uma obra de inegável valor científico, e contribuíu para o prestígio internacional granjeado pelo museu que dirigia abnegadamente. Vim a relacionar-me com o casal de filhos, ambos já licenciados e com extrema simpatia, sem manifestações de amargura em relação aos acontecimentos que os obrigaram a sair de Angola, mas com sentido crítico e construtivo. Em Portugal, o senhor João Vicente Martins prosseguiu nas suas tarefas de ensinar e estudar, pelo que, sucessivamente, concluíu um mestrado e, posteriormente, o doutoramento. [Sobre Vicente Martins, vd. texto de Sílvia Milonga, "Dedicação aos povos Lunda". 28/01/2002]

Era um grande humanista, de trato fácil e sempre interessado, tranquilo, e generoso, que no seu livro «Contos, Fábulas e Lendas dos Tutchokwe do Nordeste de Angola» [recolha e e tradução de João Vicente Martins ; comentário de Herald de Sicard, Lisboa, Universitária, 2002,  307 pp.] fez a seguinte dedicatória: «A todos quantos passam a vida trabalhando e ou lutando em prol da ciência, do progresso, da liberdade, da paz e do bem-estar da humanidade». 

Um grande português que fazia por valorizar os povos de Angola de modo despretensioso, enquanto alguns outros contribuíram para a sua devastação desgraçada, a coberto de clamarem pela liberdade e pelo ostracismo dos colonos, coisas de que não mostraram conhecimentos consolidados. [Sobte o Museu do Dundo, ver foytos antigas, do portal www.diamang.com]

Mudando de assunto: naquelas paragens muitas pessoas nunca viram diamantes. Quando chegavam ao contacto de familiares e amigos, normalmente durante as férias metropolitanas, e eram questionadas de como são as pedras preciosas, não sabiam responder e deixavam uma sensação de suspeita, do género não queriam falar sobre o assunto. Talvez por isso, em Cassanguidi houve duas ocasiões em que fui abordado para satisfazer tal curiosidade. 

A primeira vez foi o médico local, cuja mulher não se cansava de lhe pedir para que ele movesse influências. Compreendi o senhor e alertei-o para o regime de proibição sobre tal intento, ao que ele referiu estar informado, mas a mulher não lhe dava descanso. Avaliei a situação, e disse-lhe para se deslocar à mina um pouco antes do fecho das instalações da lavaria onde eu estaria na lavagem de "jigas" e carregamento do concentrado.

Assim aconteceu. Quando a senhora se aproximou da instalação, logo os "capitas", elementos do tal exército privado e eventuais informadores levantaram-se surpreendidos e vieram para mais próximo do que era costume. Passei então a mão com alguma suavidade sobre o concentrado existente na jiga, para não provocar o deslizamento para a botija de transporte à estação de escolha, e quase acariciei as pedras até descobrir um diamante, com cerca de meio quilate. Coloquei-o na mão, e a senhora logo estendeu a mão dela para o apanhar, mas, propositadamente, deixei-o cair na jiga e logo se infiltrou com o material ainda à vista, tendo em conta o seu maior peso.

Depois tive que explicar à senhora que não há muitos diamantes naqueles volumes de concentrado, e não teria outra oportunidade, mas já os tinha visto em lugar diferente de uma montra de joalharia. 

Outra pessoa que terá revelado idêntica curiosidade, foi um padre das relações de um primo meu colega, ainda menos experiente que eu, que trabalhava por turnos numa lavaria. O Carlos pediu-me para facilitar a satisfação do desejo daquele embaixador de Deus, ao que correspondi pela deslocação à lavaria em que trabalhava. O turno acabava pelas 22H00, e aprontei alguma coisa de comer e cervejas. Não chegou a acontecer o mesmo, porque nos atrasàmos na conversa e o padre esqueceu-se ao que ia. 

Em nenhuma daquelas circunstâncias cujas regras violara, não me chegou ao conhecimento qualquer admoestação. É que a presença de estranhos era rigorosamente proibida, e tanto a mulher do médico, como o padre, não eram pessoas do staff, nem estavam possuidores de autorização especial para aquele efeito.

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quinta-feira, 23 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16230: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte V: o meu álbum de fotografias


A fotografia nº. 1 representa uma cena da mudança de linhas de um corte já explorado para outro a explorar, e mostra pessoal que transporta um segmento de carril;




A fotografia nº. 2 mostra o Muriandambo, o capataz geral no Munguanhe - 2 com quem aprendi bastante;


A fotografia nº. 3 revela uma imagem do rio que margina a colina e o acesso à mina. Não era um grande rio, mas atente-se na caudal que era permanente. Fizemos desvios de caudais naturais ainda mais notórios, para caudais artificiais, por vezes com extensões apreciáveis, para exploração dos respectivos leitos;



A fotografia nº. 4 revela um momento do refeitório durante uma refeição;


A fotografia nº. 5 mostra a tropa privativa da Companhia em desfile domingueiro no Dundo. A sua função seria sobretudo de obter informações e marcar presença. O carocha ali captado, representa o modelo de viaturas ligeiras mais frequentes naquela área;


A fotografia nº. 6 fixa uma imagem de trabalho num corte de mina clássica, com padejamento de cascalho, e enchimento de vagonetas que o transportavam à lavaria;



A fotografia nº. 7 mostra uma roda de canto, uma bomba hidráulica e um par de botas. As rodas de canto são os instrumentos onde curvam e mudam de direcção os cabos circulantes onde atrelam as vagonetas;



A fotografia nº. 8 exibe uma ponte sobre um canal, que estudei e mandei construir em substituição da anterior degradada. Os materiais de madeira, desde os troncos que constituíam o tabuleiro, às travessas por onde era permitida a passagem de viaturas, foram cortados à medida em serração da Empresa. A minha congeminação assentou no manual militar de engenharia - minas e armadilhas, um calhamaço que ficou por lá, de que tenho saudades e ocasionais necessidades. Se alguém ainda preservar um exemplar que não o queira mais, ESTOU COMPRADOR. Em segundo plano vê-se o saudoso 1300, e em último, a luxuriante vegetação com inimagináveis anos de idade, e objecto da devassa das explorações.

Fotos (e legendas): © José Manuel MatosDinis  (2016)- Todos os direitos reservados


1. Quinta crónica da série, enviada a 22 do corrnte:

Caros amigos, com vista à continuação da série As minhas memórias do tempo da Diamang, envio a Parte V, um conjunto de fotografias que ilustram aspectos da vida naquela região, durante o período de 1972/4, e uma estória acessória.

Abraços fraternos, JD


[Foto à direita: 
o José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, 
nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales,;
depois do seu regresso a casa, a Cascais, 
em janeiro de 1972, vindo da Guiné, 
rumou até Angola, em maio de 1972, 
para ir viver e trabalhar na Lunda, 
na melhor empresa angolana na época, 
a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo; 
aqui casou (por procuração), 
aqui nasceu o seu primeiro filho: 
desafiado por nós justamente 
a falar da sua experiência angolana ~
em meia dúzia de crónicas memorialísticas, aceitou galhardamente o desafio 
e está a cumprir o prometido.] (*)

Em Cassangudi a vida era bastante rotineira, e eu corria o risco de engordar, tal a quantidade alimentar das refeições, como o número delas em cada jornada.

Já conhecia muitas pessoas no âmbito da Companhia, principalmente no Dundo, onde era costuma deslocar-me durante os fins-de-semana, e fizera um razoável número de amigos, sobretudo entre os da minha geração. 

Mas esses dias eram ainda de comes e bebes, uma forma de convívio característica das gentes lusas. Dizia-se com graça, que os albuns fotográficos estavam amplamente preenchidos com retratos de refeições, quer à mesa, quer em piqueniques

Uma ocasião fui informado sobre uns jogos que cobriam a província, uma espécie de FNAT [Federação Nacional para a Alegria no Trabalho] (hoje INATEL) da época que abrangia muitas e diferentes modalidades. Logo em Cassanguidi foi resolvido participar, mas em que modalidade, dada a dificuldade de providenciarmos equipes, para mais com o rinque multi-usos em mau estado? - Tinha ali acontecido hóquei em patins, ténis, andebol e futebol de salão.

Quando anunciaram também a modalidade de xadrez, logo alguém indicou o Julien Martan (Júlio Martins de nome verdadeiro, que era o único residente praticante da modalidade. Mas o "cangabuca" - enfermeiro diplomado) não estava para aí virado, que não queria ter o azar de se deslocar a um ponto longínquo de  Angola, e alguém se lembrou de mim, questionando-me se sabia jogar xadrez. Respondi que sabia deslocar as pedras, mas saber jogar é coisa muito diferente. Pronto, inscreve-se o Dinis e já temos lugar no mapa.

A coisa funcionava por eliminatórias numa única deslocação. Calhou-me em sorte o campeão de Angola, que em data aprazada se deslocaria a Cassanguidi. Primeiro azar meu, não iria passear a qualquer localidade. A Companhia proporcionou o transporte ao adversário, um cavalheiro de meia idade, com bons modos, que carregava uma mala. Fomos apresentados na Casa do Pessoal, e depois de uns momentos de apresentação e descontracção, escolhemos uma mesa para a disputa da partida perante uma assistência civilizada de meia-dúzia de pessoas. Nunca tinha jogado com relógios federativos que marcavam o tempo para cada jogada, nem nunca tinha anotado os movimentos das peças, como o faria o campeão que anotava as passagens de linhas e casas.

Dei corda aos cavalos como se de uma táctica de guerrilha se tratasse, e comecei a constatar que o campeão vacilava com facilidade perante o meu jogo, pouco pensado, e quase espontâneo. Já acumulava muito material inimigo, e sentia-me confiante. A partida não durou duas horas, principalmente, porque o meu adversário dava mostras exemplares de muita ponderação.

Até que, inopinadamente, sofri o cheque-mate. Não soube como aconteceu, mas não tinha saída salvadora. O campeão mostrara que mesmo em dificuldades, sabia da poda. Depois admitiu que pensara perder a partida, mas apontou que nas últimas jogadas eu fora displicente, ao que respondi ter sido por cansaço, mas na realidade fora incompetência. 

Antes de sair ainda referiu ter achado que fiz jogadas interessantes, e que ia prestar atenção ao desenvolvimento da partida durante as reconstituições que faria. Pronto, ficamos assim a saber, que a modalidade de xadrez implica estudos sucessivos para exercitar a mente na tomada de decisões mais adequadas, ao contrário do que eu fazia, que era tomar as decisões mais rápidas.

Posto isto, segue-se um conjunto de retratos que vou legendar [vd. série de 8 fotos, acima]

(Continua)

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domingo, 12 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16193: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte IV: algumas estórias da "kamanga"

Quarta crónica enviada a  31 de maio último, com uma nota de 2 de junho:

Meus Caros:
Aquando do envio da parte III juntei um anexo com 4 fotografias. Se acharem bem, podem servir para ilustrar a parte que anteontem [31 de maio] vos dirigi, se a quiserem publicar, cujo tema incide sobre os clandestinos ["kamanga", tráfico ilegal de diamantes (*)]. Numa, vê-se uma ponte que idealizei e mandei construir para atravessar um canal. Na outra, vê-se de viés uma formatura em marcha da tropa privativa da CDA [Diamang].

Abraços,
JD

[Nota dos editores - Certamente por erro humano ou falha técnica,  o anexo com as 4 fotografias ainda não chegou à nossa caixa de correio. Aguardamos segunda via].

[Foto acima: o José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales,  depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo da Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972, para ir viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo; aqui casou (por procuração), aqui viveu e trabalhou, aqui nasceu o seu primeiro filho: desafiado por nós  justamente a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas,  aceitou galhardamente o desafio e está a cumprir o prometido.] (**)


1. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte IV: algumas estórias da "kamanga"

Os diamantes são eternos, título de um filme da séria James Bond, refere-se a bens não registados, mas de alto valor transaccionável, dependendo apenas do peso em quilates do material a negociar, do sistema de cristalização, da pureza do cristal, brilho, e eventual coloração, sendo que uma pedra de vinte quilates, vale mais do que o conjunto de cinco que perfaçam o mesmo peso e características.

De serem tão desejados, a carestia acentua-se conforme o produto colocado em venda é de origem legal ou clandestino. Havendo, portanto, a possibilidade de obter diamantes com menor custo, e havendo mercado paralelo, é natural que algumas pessoas procurem o mercado paralelo (kamanga, em Angola) para satisfazerem os seus desejos pelo melhor preço.

Mas a kamanga também pode ver os diamantes canalizados e negociados pelo mercado oficial, com intenção de reduzir o mercado paralelo e desincentivar o negócio clandestino. Algumas pessoas negociaram no clandestino sem conhecer os diamantes, ou o processo de os levar aos lapidadores, os profissionais que lhes fazem várias arestas e faces com o objectivo de aumentarem os brilhos reflectidos.

Tive conhecimento de várias maneiras de intervir na kamanga. Por um lado, alguns nativos, já familiarizados com a extracção promovida pela CDA, dedicavam-se à mineração rudimentar, quer em zonas de colinas com desmonte de terras e cascalho, quer pela prospecção dos aluviões com recurso a redes e ao garimpo. Teriam sempre que agir com o maior cuidado, dadas as penas a que eram sujeitos todos os indivíduos apanhados na actividade não licenciada, que era exclusiva das companhias (até ao inicio dos anos 70 era exclusivo da Diamang, logo surgiu a Condiama).

Um dos primeiros casos de que ouvi falar, foi o de um ex-empregado da CDA, que teria sido aliciado por um cunhado "próspero" industrial de camionagem, que lhe teria dado quota na organização que dominava a coberto do negócio oficial. Um dia, o ex-empregado apareceu morto com um tiro dentro do "boca de sapo", em simulação de suicídio. Nada foi provado, mas constou-se que o "industrial kamanguista" ter-se-ia apercebido de que o cunhado já negociava por conta própria na área em que fora iniciado, e deu instruções para liquidação do traidor a quem dera sociedade. Esta "estória" faz lembrar alguma coisa de "cowboiadas" e máfias representadas no cinema. Quero apenas sublinhar que o "negócio" era a sério e sem tibiezas.

Outra "estória", agora com graça, referia-se a um sujeito que chegou a Malanje com pressa para enriquecer. Terá procurado alguém que o pudesse iniciar e ajudar na compra de diamantes clandestinos. Alguém bastante compreensivo alertou-o para o risco de fazer anunciar tal intenção, pelo que o aconselhava ao princípio da discrição como alma do negócio.

Conselheiro e comprador empatizaram e, pelos vistos, o comprador dispunha de uma quantia generosa que lhe permitiria a aquisição de um "contra-mundo", um daqueles calhaus que só estão ao alcance de árabes milionários, quando querem impressionar uma nova "maria". Pelos vistos também eram clientes clandestinos. O comprador, sempre muito bem assessorado pelo súbito vendedor, passados alguns dias, foi aconselhado a encontrar-se com o mais "consagrado" dos vendedores, um homem possuidor das melhores raridades, que teria um fabuloso diamante para venda, cujo preço se enquadrava com a disponibilidade anunciada.

No encontro, simulando grande surpresa, um "avaliador independente", formulou uma avaliação que excedia o capital do comprador, mas, mediante a sugestão da grande dificuldade da venda de tão rara gema pelo preço "justo", ainda que renitente, o vendedor acedeu a fazer o necessário e substancial desconto. Não terá sido fácil, mas com uns wiskies e outras "estórias" que reforçavam a confiança entre as partes, a cabeça de galheteiro com mais umas marteladas acabou por ser negociada, numa transacção de cujo desfecho hilariante, em breve terá corrido pelas esplanadas da cidade, gerando a maior inveja entre outros "reputados" vendedores.

Uma situação insólita e verdadeira ocorreu com um empregado da Companhia que profissionalmente não tinha contacto com diamantes. Tinha um "land-rover" distribuído para as actividades que exercia, e fazia-se acompanhar de uma arma. Em dias mais ou menos certos abatia uma pacaça e dirigia-se às aldeias com intuito de a vender para alimentação local. Dessa maneira ganhava algum dinheiro suplementar, e também ganhou a estima dos nativos.

Um dia, o "ajudante" recebeu ordem para carregar de novo a caça, porque o chefe da aldeia não tinha dinheiro para a pagar. Mas logo o chefe o chamou de lado, mostrou-lhe alguma coisa, e a contra-ordem foi dada, e a pacaça novamente descarregada. Dali para o futuro, terá afirmado o "negociante", os pagamentos passariam a ser feitos naquela "espécie". E assim foi. Este empregado tinha um Ford do inicio dos anos 70 e, clandestinamente, aos fins-de-semana deslocava-se a Luanda (mais de 2000 km de ida e volta) onde residia o sogro, que era incumbido de ir ao Brasil onde se fazia venda livre de diamantes. O esquema estava montado, e ele teve tanta sorte, que ficou incólume de um acidente provocado pelo sono. Depois do golpe, no regresso forçado ao "Puto", levou uma vida de causar inveja e até hoje não consta que tenha tido que trabalhar para viver.

Seguem-se duas "estórias" um bocado engenhosas que ocorreram no âmbito do trabalho nas estações de escolha. A primeira foi no MD-5 do Luxilo, e só foi descoberta por mero acaso de alguém que passava na outra margem do rio, e achou que junto a uma drenagem estava um tipo a correr risco de vida. As estações tinham em permanência equipas de auxiliares para diferentes tarefas, indivíduos que ali ficavam durante um mês, passando mais tarde durante quinze dias. O tal que corria risco, numa dessas permanências pediu licença ao chefe para fabricar um martelo no equipamento disponível no MD-5 (acho que o torno, onde se aplicava ao martelo um cabo em tubo de aço). E foi esse instrumento que o inculpou da ilegalidade, quando quem o auxiliava a safar-se da corrente do rio alcançou o martelo pendurado dentro do tubo de descarga de águas. De facto, esse trabalhador estava pouco confiante para sair com o martelo autorizado que teria o alegado fim de ser utilizado em obras em casa, e acabou por levantar justas suspeitas pelo arrojo de o ir resgatar em condições e num local inapropriado. O cabo soldado ao martelo e fechado na extremidade, afinal, tinha um conteúdo mais valioso que muitos martelos juntos.

A Estação Central de Escolha, em Andrada, era uma espécie de pequena fortaleza, com muros altos, talvez de dois metros, sem locais de apoio para os saltar para o exterior. Além disso, havia máquinas de filmar nos corredores das portas de saída. Não havia tecto, mas havia uma rede de malha mais ou menos larga e grossa para impedir qualquer forma de ultrapassar as paredes. Uma ocasião, constatou-se que no terreno capinado anexo à estação, havia um individuo à procura de alguma coisa, o que pareceu uma atitude estranha. Verificou-se tratar-se de um trabalhador que saíra de véspera, e procurava por pequenos diamantes envoltos em papel colorido, que havia projectado para o exterior através da malha da cobertura e com o recurso de uma fisga. A ingenuidade para a recolha, voltou a denunciar outro "habitante" das estações de escolha, locais onde se concentrava a produção multi-milionária.

Eu próprio, um dia, deparei com um belo diamante num canto de um degrau de uma tremonha de rejeitado, o que só podia ter acontecido por iniciativa de alguém que o desviara do circuito da Empresa. Nada disse, e também não quis saber quem tivera aquela iniciativa. Não que sentisse medo de consequências ou represálias, mas porque se a Companhia tinha tantos meios, também podia adquirir equipamento adequado para dissuadir a kamanga.

No meu tempo em Andrada ainda ocorreu outra coisa interessante. Por qualquer razão uma senhora casada com um empregado pediu ao filho para ir ao rio buscar um balde com areia. Por acaso, notou que a areia continha diamantes, pelo que a operação repetiu-se com alguma frequência. Por qualquer motivo foi detectada e descoberta, do que resultou ter sido imediatamente expulsa da área da CDA. Foi decidido reciclar aquele rejeitado da ECE na lavaria dos ensaios, e veio a constatar-se ter sido descoberto novo "corte rico" (designação dos cortes com elevados índices de teor do material explorado) e durante alguns dias a produção oscilou entre várias centenas e mais de milhar de quilates.

Desta maneira dediquei uma parte que não esgota as "estórias" sobre a kamanga, as mais recentes das quais estão plasmadas num livro infelizmente célebre da autoria de um oposicionista ao actual regime angolano: "Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola", de Rafael Marques, editora Tinta da China, Lisboa, 2011, 240 pp. [foto da capa à direita]. (***)

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. o nosso pequeno dicionário de "angolês" > 26 de junho de 2012 >  Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que podem dar jeito integrar no nosso léxico (LuísGraça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)

(**) Postes anteriores da série  >

6 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16055: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte I: de Cascais até à Portugália / Dundo...

(...) Em Janeiro de 1972 tinha saído da tropa, dava passeios e namorava pelo litoral de Cascais, onde outros casais nos faziam concorrência. Os meus amigos estavam na vida militar, acabavam os cursos, ou já tinham iniciado actividades profissionais. Já não era como antes, quando a malta se reunia como seita para a paródia, ou para entusiásticas futeboladas. Namorava com envolvimentos familiares, e tinha a obrigação de procurar definição de vida. Não queria trabalhar debaixo de um tecto, e por isso, ficava excluída uma preparação profissional que tinha iniciado antes da tropa.(...)

12 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16080: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte II: Um "estado dentro do estado"...

(...) Mas afinal, que negócio é esse dos diamantes? É um "fétiche", direi eu. De facto, os diamantes servem para muito pouca coisa, e os que servem, são os industriais, precisamente os de menor valor. Os outros, os que cintilam de brilhos e são usados como adornos, não prestam para nada. Mas valem muito dinheiro, são atributos de riqueza e de poder. Destas razões é que resulta o grande fascínio ou interesse pelos diamantes. (...)

25 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16131: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte III: A vida na mina Munguanhe 2

(...) A mina de que me tornei responsável, e que já descrevi em pinceladas rápidas, era o Munguanhe-2, uma colina explorada sob o método clássico, com o desmonte de cascalho por padejamento, linhas para vagonetas que transportavam o cascalho para uma lavaria de "pans". Os meios mecânicos empregues eram escassos, e a rentabilidade ficava muito longe das minas mais rentáveis. Imagino que se mantinha este modelo de exploração, porque, apesar da escassa produção diamantífera, era mínimo o desperdício e não deixava de ser rentável. Agora não me ocorre o valor médio da produção diária, que talvez não excedesse os 20 quilates em pequenas gemas. (...)

(***) Sobre esta "mítica" empresa, a Diamang, ver ainda no nosso blogue as seguintes referências:


quarta-feira, 25 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16131: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte III: A vida na mina Munguanhe 2

Terceira crónica enviada a 18 do corrente;

Olá Luís, boa noite!
Aqui vai a parte 3 das memórias da Diamang. Espero que estejam do teu agrado, pelo menos revelam episódios autênticos, ainda que susceptíveis de interpretações bárbaras. É que ter feito a tropa na Guiné era muito diferente de trabalhar atrás do sol posto nas longínquas terras do leste de Angola.

Com um abraço
JD


[ O José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales, depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo da Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972, para ir viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo. Aqui casou (por procuração), aqui viveu e trabalhou, aqui nasceu o seu primeiro filho... Desafiámo-lo justamente a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas. Ele aceitou galhardamente o desafio.]


1. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte III: A vida na mina Munguanhe 2
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A mina de que me tornei responsável, e que já descrevi em pinceladas rápidas, era o Munguanhe-2, uma colina explorada sob o método clássico, com o desmonte de cascalho por padejamento, linhas para vagonetas que transportavam o cascalho para uma lavaria de "pans". Os meios mecânicos empregues eram escassos, e a rentabilidade ficava muito longe das minas mais rentáveis. Imagino que se mantinha este modelo de exploração, porque, apesar da escassa produção diamantífera, era mínimo o desperdício e não deixava de ser rentável. Agora não me ocorre o valor médio da produção diária, que talvez não excedesse os 20 quilates em pequenas gemas.

Alguns dias depois já identificava parte do pessoal pelos nomes. E uma ocasião tive uma atitude que lhes caiu muito bem. Faltou um elemento que me parecia bom trabalhador, e durante a chamada que antecedia o inicio dos trabalhos, o Muriandambo, capataz principal, referiu que aquele elemento tinha a mulher muito doente. Pedi que alguém me indicasse a aldeia onde morava, e lá fui em busca da doente. Eram pessoas humildes que aceitavam com resignação a doença, mas vi que tinha uma grande chaga na perna, e soube que teria sido vista pelo feiticeiro. Com ajuda entrou para o carro, e levei-a ao posto médico. Na ausência do Julien Martan (fonética afrancesada de Júlio Martins), ausente na ocasião, pedi a um auxiliar para ver a doente com a maior brevidade. Limpou-a, desinfectou-a, entregou-lhe alguma medicação, e recomendou que lá voltasse mais tarde. Levei a senhora de volta à aldeia, e voltei à mina para reiniciar a tarefa do diária. Lembro-me de que tive boas notícia dela.

Outra ocorrência:
no dia de pagamento de salários, pagamento que se efectuava no refeitório onde o Tomás se deslocava acompanhado de uma espécie de burra com o dinheiro, observei que alguns metros adiante, ainda na área da mina, estavam uns tipos desconhecidos. Indaguei quem eram, e logo soube que se tratava dos credores de algum pessoal, que lá iam receber o produto da venda de aguardente. Dirigi-me a eles e disse que não os queria ali, que fizessem a cobrança nas aldeias. Saíram sem ripostar, mas no fim do dia o Muriandambo demorou a contar-me que esses homens preparavam ali perto os destilados, e que alguns homens gastavam logo uma boa parte dos salários, o que gerava grandes perturbações com o pessoal, pois as mulheres, perante a escassez de dinheiro, fugiam de casa, e eles faltavam alguns dias ao trabalho para as resgatarem. Assim, constatei que os consumidores do "marufo" ficavam duplamente prejudicados, pois gastavam boa parte do salário na compra da bebida, e deixavam de receber o correspondente aos dias em falta. Isto, sem contar com as relações afectadas. Ainda me referiu que ficavam mal vistos na aldeia por causa das dificuldades resultantes do consumo da bebida. Notei, portanto, algum preconceito ou ressentimento contra os elementos socialmente menos bem comportados. 

Em outra ocasião faltaram dois elementos no dia do pagamento, e guardei os salários de cada um em envelope. O André Pihia, um rapaz ainda jovem e que mostrava competência e era capita da lavaria, assistiu a tudo, e à guarda dos envelopes numa gaveta da secretária, e teve uma tentação maldosa. Depois do serviço arrombou a janela e furtou os envelopes. No dia imediato, quando cheguei e constatei a situação, logo inquiri o Zé Manel, que me deu a informação do sucedido e ficou ao meu dispor para me indicar o caminho da aldeia. Levava comigo uma faca de mato, para alguma eventualidade. O André não ofereceu qualquer resistência, entrou no carro, e levei-o ao Cambulo, para trabalhar na administração o necessário para repor os valores roubados. A razão tinha sido a mais ingénua que possamos imaginar: comprou cerveja e deu uma festa para os vizinhos. Assim, à novo-rico.

Tomei, então, a decisão de ir ao Cambulo, que era a sede do concelho, e pedi à polícia para tomar conta dos destiladores, o que veio a acontecer, embora, agora, não possa afirmar se tudo ocorreu com bons ou maus resultados, mas houve destruição ou apreensão das destilarias. Pelo menos a cobrança à boca de cena deixou de acontecer. 



Angola, Lunda, Diamang, c. 1972/74 >  A nossa cozinheira: repare-se no penteado e nas mutilações de enfeite.

Fotos (e legenda): © José Manuel Matos Dinis (2016). Todos os direitos reservados.

No refeitório também me informava se o pessoal gostava das refeições servidas, na base da carne e do peixe seco estufados em óleo de palma, que acompanhavam batata, batata-doce, ou milho, e constatei que eram pratos do agrado geral. Também observei que alguns trabalhadores cobriam numa folha larga de um arbusto o conduto que lhes calhara em sorte, e levavam para partilha da família. Dei indicação à cozinheira para aumentar a quantidade aplicada, e ao Muriandambo para alternadamente distribuir a sobra do rancho pelos trabalhadores, de modo a que não houvesse prejudicados. Passei a requisitar mais uns quilos de alimentos, e não me levantaram problemas. Nas áreas exploradas e de terras removidas, incentivei ao plantio de batata-doce e milho para melhoria dos consumos domésticos.

A vida na mina corria-me com prazer, e por vezes ainda arranjava alguns minutos para me sentar à beira rio e observar a natureza, sobretudo a vida dos bicos-de-lacre, pássaros pretos com o bico da cor do lacre, que havia em quantidade, esvoaçavam bastante e cantavam com alegria permanente. Mas uma ou outra vez, com a ajuda do Zé Manel, o guarda nocturno, aprendi a caçar um jovem crocodilo que vivia no canal, e caía numa laçada colocada no fim de uma frágil paliçada, onde era atraído com um peixe ou um bocado de carne. Depois deixava-se ficar sem tentar deitar a baixo as canas que o "prendiam". Era muito novo, e de comprimento teria apenas cerca de um metro ou um metro e vinte. Obviamente, tirávamos o laço de corda, e o bichinho quase se habituou àquela rotina que lhe garantia alimento e repouso ao sol. Por uma ou outra vez vi a repetição da cena, o que seria impossível quando encorpasse.

O Pereira da Silva era quem me dava apoio técnico, quando necessário, mas algo raramente. Porém, houve uma ocasião em que me senti atrapalhado, quando não preparei a defesa com drenagem adequada à expansão da exploração, e as intensas chuvas fluíram para uma zona mais baixa e longínqua, junto de uma roda-de-canto, onde as vagonetas curvavam para as novas áreas de "cortes" que iam entrar em exploração. Foi problemático, e o recurso às duas bombas hidráulicas não se mostrava suficiente pelo tempo que levavam a empurrar a água lamacenta para um diferente nível de encontro com o canal. Houve voluntários para entrarem na água e manobrarem as vagonetas com água pela cintura, o que se tornava penoso e perigoso. Felizmente não aconteceu qualquer acidente, que poderia materializar-se no corte de dedos do pé, ou outra coisa mais inesperada. 

Para todos aqueles que referem a preguiça dos africanos, deixo aqui este exemplo de como era o contrário que normalmente acontecia, pois diariamente havia trabalhos de pá, pica e barra-mina para desmonte de terra, que não eram pera-doce, tanto sob o grande calor africano, como sob efeitos das magníficas tempestades locais e o peso dos volumes deslocados
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Depois do horário de trabalho, quando chegava a Cassanguidi, onde estava a viver na Casa de Trânsito, estacionava o carro entre esta e a casa do Pessoal. Mal me apeava, chamavam-me para partilhar algum petisco e beber uma cerveja. Uma ocasião, ou porque éramos mais do que os habituais, ou porque estaríamos com mais apetite do que era habitual, o petisco estava a acabar, quando o Pereira da Silva teve uma ideia para salvar a situação. Chamou-me, para ir à sua casa buscar umas bifanas que estavam temperadas e no frigorífico. 
– Eu, porquê eu? Porque é que não vais lá buscar as bifanas? – perguntei-lhe. 
– Porque se eu lá for, a Manuela (a mulher do Pereira da Silva era a professora D. Manuela) não vai deixar-me sair, e como ela confia em ti, és a solução para prolongarmos o petisco. 

Convencido, fui a casa daquele simpático casal e, de facto, a Manuela, embora indignada e preocupada com algum excesso do marido, entregou-me as bifanas e recomendou que o marido zarpasse em meia-hora. Assim, cumpri as duas missões, sem outra responsabilidade com o cumprimento da combinação por parte dele, para além da comunicação que lhe fiz. 

Outra vez, ainda na sequência do relato de outras convivências, foi combinado sairmos à noite para caçar. Alguém trouxe um Land-Rover, um farol, e lá fomos, talvez com uma ou duas caçadeiras. abalámos por uma picada. Também farolinei, mas a única peça que avistámos foi o que nos pareceu um gato selvagem. Demos meia-volta e acabámos a comer um qualquer petisco antes do agravamento da noite. 

Um ou dois dias depois fui abordado pelo Mascarenhas, um caçador indómito e com fama justificada, que disse ter observado o meu gosto pela caça, pelo que estava a propor uma saída para o Canzar, onde pretendia caçar. Precisava de mim, para prevenir qualquer acidente e não ficar isolado nas lonjuras do mato. Para os menos lembrados, recordo que na época não havia telemóveis e não havia disponibilidade de rádios. Desculpei-me com o argumento verdadeiro de que não era caçador.

A passagem dos dias naquela área angolana fica mais ou menos documentada, pois havia hábitos repetitivos, e até dos álbuns fotográficos, dizia-se, que estavam cheios de retratos de comezainas e piqueniques. Aos domingos, a malta solteira tinha por costume encher uma mala térmica, carregar um saco de carvão, e uma quantidade sempre generosa de carnes e cervejas, para abalarmos em direcção a um local engraçado (um refeitório de mina, ou uma queda de água), onde se preparava a refeição, bebiam-se uns copos, e depois, uns sonecavam, outros jogavam cartas, e todos ouviam com mais ou menos atenção, a transmissão de um jogo de futebol do campeonato metropolitano. 

Eu faltava a estes encontros com alguma frequência, para deslocar-me ao Dundo, onde, aos sábados de tarde e à noite, havia farra entre a malta solteira. Nos domingos tomava o banho matinal, e apresentava-me em casa de quem me convidava para o almoço e jantar, e passava as tardes em cavaqueira com os donos da casa e os visitantes que recebessem.

Este ramerrame era-me agradável, e com o passar dos dias, convencia-me de que a África seria sempre a minha casa. Durante as tardes de domingo no Dundo sentia-se a normal tranquilidade de uma vida económica e social pacífica, onde eram comentadas diversas iniciativas de acordo com as potencialidades e o cada vez maior progresso que as populações experimentavam e exigiam. 

A guerra, que praticamente não se sentia, nem sequer era abordada. Era o desenvolvimento social e económico que mais interessava à comunidade de privilegiados e dirigentes, para além do nascente interesse pela actividade da Bolsa de Lisboa. Abrira uma dependência bancária em Portugália, e os funcionários percorriam os diferentes caminhos da Diamang para captação de recursos, com vista à constituição de depósitos à ordem e a prazo, bem como de outros produtos de dívida que, no conjunto, eram importantes instrumentos para o desenvolvimento da economia angolana.

Mas um dia passei por um percalço completamente inesperado. Um dia fui chamado ao grupo para receber um telefonema do Puto [Portugal]. Em minha substituição ficou um mecânico, que praticamente não saiu do escritório. Mas,  pouco depois de ter saído, o sub-chefe do grupo terá visitado a mina, e pareceu ter falado ao pessoal da exploração em modos normalíssimos para um nortenho do Puto, mas ofensivos para eles. 

Demorei duas horas desde que saí até ao meu regresso. Ainda falei durante uns cinco minutos com quem me substituíra sentado no escritório. Quando ele saiu dirigi-me à lavaria, e sofri o primeiro choque: a metragem com indicação das vagonetas ali transportadas não evoluíra praticamente desde que eu saíra. O problema era da exploração, informaram-me. Constatei que a lavaria continuava a trabalhar com material da reserva. Ao aproximar-me do declive do inicio da linha até aos cortes, reparei que não havia qualquer vagoneta no percurso. Explorava-se o corte mais próximo, e quando nele entrei, vi com grande admiração, o pessoal deitado ao sol, ou em amenas conversas, e as vagonetas fora da linha e viradas sobre o cascalho. 

Imediatamente vi o "filme"do homem do norte, e a decisão reactiva de fazerem uma greve com o desplante de ali terem ficado à espera do almoço. Num clique pensei sobre a quebra da disciplina, ou era reprimida imediatamente, ou poderia degenerar em futuras acções de protesto com o risco de se tornarem incontroláveis. Eu já sabia na época que os trabalhadores rurais eram muito ingénuos, mas que no geral aceitavam a penalização dos seus actos irreflectidos ou mauzinhos. Como também me corre o sangue nas veias, tive uma reacção que, provavelmente, ninguém esperaria, e subitamente, a xutos e pontapés, murros e pedradas, corri pelo meio deles numa acção de distribuição que deviam ter pensado que estava possuído pelo diabo.

Ao jantar, o Maia perguntou-me o que se passara na mina, pois ia lá falar-me e ficou assustado com as correrias desordenadas à frente do jipe. A título de segredo pessoal que garantiu, contei-lhe o que ocorrera, e só me restava esperar pelo dia seguinte para avaliar do efeito produzido. De manhã cedo, pela hora da chamada, e antes do horário de trabalho, o espaço sob o telheiro da lavaria estava cheio de gente para a habitual conferência de assiduidade. Chamei um por um, olhava-os, e no final não havia faltas, com excepção do Mualufuma Casaco a quem, por conselho do administrador do Cambulo, paguei 15 dias de ausência ao trabalho. Mandei-os para as tarefas sem mais palavras. 

O dia correu como normalmente, e sobre o episódio da véspera não houve mais conversas, mas devem ter intuído que não vacilava pela boa ordem na execução e desenvolvimento dos trabalhos. Quando recebi o correio com os mapas da verificação da véspera, o teor do material explorado era semelhante ao que vinha sendo registado, e não me preocupei. 

Esta narrativa podia tê-la omitido, mas acho-a importante, na medida em que na época as circunstâncias angolanas poderiam sugerir algo como prova provada da violência colonialista. O que pretendo é que se possa saber como o relacionamento poderia assemelhar-se ao de uma escola do ensino primário do nosso tempo e à assunção de responsabilidades por todos os intervenientes de um processo laboral. Alguma coisa pode ter mexido naquelas mentes, talvez com idêntica correspondência relativamente aos correctivos dados pelo professores nas escolas, de que muitos de nós reconhecemos o merecimento. Em boa verdade, não houve de nenhuma parte qualquer expressão de ressentimento, e os dias prosseguiram com canções que ritmavam o esforço que cada um, e todos em conjunto desenvolviam.

Por um desses dias o Chefe do Grupo encontrou-me no regresso a casa, e depois dos simpáticos cumprimentos próprios de um homem de bem com a vida, adiantou que o Director-Técnico tinha visitado a mina. Admirei-me, e questionei porque não mandaram chamar-me. Que o Director teria preferido assim, apesar da visão apenas parcial. Quando o interroguei sobre a impressão daquele Director-Técnico, pessoa de renome firmado na longa experiência e nas decisões técnicas que tomava, respondeu que tinha manifestado agrado com o que vira, e eu senti ter passado por um primeiro e importante exame profissional.

No próximo episódio farei uma incursão sobre algumas "estórias" de camanga, em correspondência ao desejo do estimado "cólon" Rosinha.


[Sugestões para ilustração fotográfica: Diamang: um espaço virtual dedicado à Diamang e à Lunda  >  Minas e lavarias da Companhia de Diamantes de Angola ]

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Nota do editor:

Postes anteriores da série > 

6 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16055: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte I: de Cascais até à Portugália / Dundo...

(...) Em Janeiro de 1972 tinha saído da tropa, dava passeios e namorava pelo litoral de Cascais, onde outros casais nos faziam concorrência. Os meus amigos estavam na vida militar, acabavam os cursos, ou já tinham iniciado actividades profissionais. Já não era como antes, quando a malta se reunia como seita para a paródia, ou para entusiásticas futeboladas. Namorava com envolvimentos familiares, e tinha a obrigação de procurar definição de vida. Não queria trabalhar debaixo de um tecto, e por isso, ficava excluída uma preparação profissional que tinha iniciado antes da tropa.(...)

12 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16080: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte II: Um "estado dentro do estado"...

(...) Mas afinal, que negócio é esse dos diamantes? É um "fétiche", direi eu. De facto, os diamantes servem para muito pouca coisa, e os que servem, são os industriais, precisamente os de menor valor. Os outros, os que cintilam de brilhos e são usados como adornos, não prestam para nada. Mas valem muito dinheiro, são atributos de riqueza e de poder. Destas razões é que resulta o grande fascínio ou interesse pelos diamantes. (...)