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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25162: Capas da Vida Mundial Ilustrada (1941-1946) - Parte IV: Apesar da censura, foi possível documentar a alegria do povo de Lisboa, manifestando-se nas ruas ao saber do fim da II Guerra Mundial na Europa em 7 de maio de 1945

 


Capa da "Vida Mundial Ilustrada, Lisboa, ano IV, nº 209, 17 de maio de 1945, preço avulso, 1$80...A imagem não era das multidões a festejar o fim da guerra e  a vitória dos Aiados ("Nações Unidas"), mas a visita... de Salazar ao embaixador de Inglaterra:

 "O sr. Presidente do Conselho,  como Ministro dos Negócios Estrangeiros, esteve na Embaixada da Inglaterra, para exprimir ao sr. Embaixador, "Sir"  Campbell, o quanto satisfazia ao seu Governo e aos portugueses a vitória das Nações Unidas"...

Salazar e a censura tinham horror às multidões... Jornais do "reviralho" como o "Diário de Lisboa" não puderam publicar fotos como estas a seguir, que aparecem no interior da "Vida Mundial Ilustrada", com a população de Lisboa (homens, não se vê uma única mulher, a não ser às janelas) a vitoriar os Aliados... (E nós estávamos a nascer, e alguns de nós já mamavam ou até gatinhavam.)

Cauteloso, e com "pinças",  o jornalista remetia o júbilo do povo para uma página interior (pág. 15) que só podia ler quem tivesse comprado o semanário por 1$80 (tinha aumentado 80% desde a data do seu lançamento em meados de 1941) (*)... 

Escrevia-se assim naquela época, em estilo gongórico e cheio de subentendidos: 

"Acabou a guerra! Todo o mundo aguardava ansioamente esta notícia que devia chegar de um momento para o outro. E porque era assim esperada e era certo o fim da guerra, ninguém sonhava que chegasse tão longe a ordeira alegria do povo português, dia-a-dia vivendo a dureza de um conflito que, nem por estar longe, podia ficar estranho à nossa consciência de homens e de europeus. Pode-se dizer que não houve ninguém que não empunhasse uma bandeira, que não  gritasse a sua alegria, e não dissese como Salazar no seu discurso: - Ainda bem que acabou a guerra! Ainda bem que sairam vitoriosas as Nações Unidas" (pág. 15)... E se tivessem ganho as "potências do Eixo" ?  Parte da elite portuguesa da épocapolítica, militar, e até económica e financeira, era germanófila, apesar da "neutralidade" do país... Salazar era um político pragmático, mais próximo política e ideologicamente do fascismo de Mussolini do que do nazismo do Hitler... Destestava os americanos  e o regime capitalista e demoliberal, leia-se, parlamentar...

 

Foto tirada na Conde Beirão, em Lisboa...Excerto da legenda: (...) "Diante das embaixadas, diante das legações, pelas ruas da Baixa, a cidade de todas as condições sociais espalhava-se e comprimia-se porque todas as ruas pareciam pequenas para exprimir o seu entusiasmo" (Útima página, pág. 24).

Na Av da Liberdade, junto ao Monumento aos Mortos da Grande Guerra... (pág, 15)

(Com a devida vénia... Cortesia de Hemeroteca Digital de Lisboa  / Câmara Municipal de Lisboa)

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segunda-feira, 5 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24370: A galeria dos meus heróis (50): Diz-me quem foi o teu pai... (Luís Graça)

 


A galeria dos meus heróis > Diz-me quem foi o teu pai…

por Luís Graça (*)


Há gajos que nascem com o cu virado para a lua. E que fazem gala disso… Como o teu cunhado, por exemplo…

Quem, o Ulisses?

 Sim, Jorge, só tens um,  que eu saiba.

 Já agora retifica: ex-cunhado... Mas nunca fomos à bola um com o outro.

E eu aproveitei então para esclarecer, o meu interlocutor, que já não via o Ulisses desde 1974, a seguir ao 25 de Abril… Mal saiu a amnistia aos faltosos, refratários e desertores, voltou à sua terra para abraçar o paizinho e as manas e, claro, para limpar a caderneta militar.

Veio com pressa, mal nos vimos. Mas ainda me lembrava dele na escola, ao ex-cunhado de Jorge, hoje o senhor embaixador com nome de rua na terra, o doutor por extenso Ulisses  C...

Foi um puto mimado, pelo menos  na escola. O pai, o senhor Anselmo, já era uma pessoa importante e rica. (Ou rica e importante, como queira o leitor.) O Ulisses gostava de se armar em vítima quando as coisas não lhe corriam de feição, nomeadamente no recreio, nas jogatanas de futebol ou nas partidas do pião.

Sou mais velho que vocês, já não vos apanhei na escola acrescentou o Jorge.

Foi um sortudo, o Ulisses!...

Se ele estivesse aqui responder-te-ia logo: “Sortudo, eu?!... A minha mãezinha ia morrendo de parto. A dona Natércia é que nos salvou. A mim e a ela, à força de braço!"

A dona Natércia?!... exclamei eu. A parteira que  nos aparou a todos. Era tão ou mais popular que o nosso João Semana… Mas eu não sabia dessa história do parto que podia ter corrido mal.

Há,  sim. E a nossa terra não teria agora  atalhou o Jorge uma figura tão grada como o senhor embaixador Ulisses C...

A mãe do Ulisses adorava contar essa história, aos netos e às visitas lá de casa, de como a velha parteira a salvara a ela e ao seu menino…

− O "menino de sua mãe", estou a ver!

− A minha ex e as suas irmãs não escondiam a ciumeira que tinham dele  , confidenciou-me o Jorge, uns bons anos mais velho do que eu. − Nascera prematuro, mas safou-se. Naquele tempo foi, de facto,  um sortudo... (Morriam 125 crianças com menos de um ano de idade por cada mil nascimentos.)

Naquele tempo, não havia cuidados neonatais, com exceção da Maternidade Afredo da Costa, inaugurada em 1932, na capital.   Estamos a falar dos finais da guerra, doze anos depois, em 1944, quando o Ulisses veio ao mundo, em casa.

− Nem as senhoras iam ter os filhos aos hospitais, que horror!− lembrei eu.

Em amena  cavaqueira com o Jorge, o nosso historiador local, o homem que mais sabia sobre as misérias e  as grandezas das famílias tradicionais da terra, vim a descobrir que o Ulisses nunca mais voltara à "parvónia" depois da amnistia de 1974…

Nem no funeral do pai… Ou do paizinho, como ele o tratava. O que sempre achei uma ingratidão comentava o Jorge.  No funeral da mãe, da querida mãezinha, entendia-se, ele estava fora do país, ilegal, exilado. A mãe morreu cedo com cancro da mama, incurável na época.

Claro, o pai Anselmo visitava-o no estrangeiro, com alguma regularidade,  até ao dia em que as relações entre eles se azedaram quando o Ulisses e as manas  descobriram que o pai tinha arranjado uma amante 20 e tal anos mais nova.

Mas… exilado, dizes tu?!

É uma figura de estilo. Como sabes, ele fugiu à tropa.

 À tropa ou da tropa?... Não é a mesma coisa: legal e tecnicamente, ele não foi um "fujão", como alguns que a gente conheceu. Foi refratário, com muitos outros… Refratário ou  desertor era bem mais grave do que faltoso na época, até porque estávamos em guerra.

Aqui o Jorge gracejou comigo,  dizendo:

− Eras ainda um puto, não te deves lembrar...  Mas em 1961, e eu já em Angola,  não tenho ideia de Portugal ter declarado guerra contra nenhum Estado estrangeiro soberano:

− A não ser talvez a Índia que, no final desse ano,  vai ocupar e usurpar descaradamente...

− ... a nossa joia da coroa!...− apressou-se o Jorger  a completar a minha frase.

E depois elucidou-me:

− Afinal, lembras-te!... E, como os nossos homens capitularam, e não se bateram até a última gota de sangue contra as tropas do Pandita Nehru, Salazar tratou os nossos prisioneiros de guerra, no seu regresso à Pátria, com o maior dos desprezos… 

− Só soube muito mais tarde... Também nunca vi semelhante humilhação aos militares,  na nossa história. 

− Sou dessa geração, tenho dois ou três colegas do tempo de escola e da tropa, naturais do concelho,  que ficaram prisioneiros de guerra na Índia e que, quando regressaram, coitados, estiveram semanas e semanas sem sair à rua com vergonha... Vergonha de serem gozados ou escarnecidos  pelos vizinhos. 

 Mas tu também te lixaste, Jorge, foste dos primeiros da terra a marchar para Angola, "rapidamente e em força"... 

− De pistola-metralhadora em punho, capacete de aço e farda amarela.  E as praças equipadas com mauser, estás a imaginar?!… A desfilar na marginal de Luanda. Mas tive uma sorte danada, uma hepatite recambiou-me cedo para o hospital de Belém.

Foi então a ocasião para conhecer melhor a história do Ulisses, o Ulysses com y grego, como ele gostava de escrever, e do seu pai, o senhor Anselmo.  

Das suas origens do Anselmo, sabia-se pouco. Sabia-se que tinha vindo de fora. E, tal como outros que vieram de fora, tinha sido bem recebido na terra e tivera sucesso, em termos  pessoais, familiares e profissionais.  Aqui casou aqui, teve filhos e aqui criou e desenvolveu os seus negócios.

− Os "saloios" sempre trataram bem os "galegos", os que vinham de fora, do Norte...  − observou, com sarcasmo, o Jorge. 

Muito antes de Portugal ter aderido à EFTA, a Associação Europeia de Comércio Livre, já o Anselmo tinha um negócio de import-export (como gostava o filho de dizer aos basbaques dos putos da escola)…  

− Digamos, tinha alguns contactos, embora ainda tímidos, mas pioneiros, com países da Europa do Norte. Com uma ou outra representação de empresas escandinavas (e depois italianas), na área das alfaias e máquinas agrícolas.

Começou no tempo da Segunda Guerra Mundial, com uma pequena oficina metalúrgica, aventurando-se depois na reparação automóvel. Passou, entretanto, a ter uma bomba de gasolina da Shell. Uma novidade, já que ainda havia poucos carros. Havia poucos automóveis particulares, um ou outro carro de aluguer, uma meia dúzia de camionetas de transporte de mercadorias... Ainda sou do tempo em que só havia uma camioneta de passageiros por dia com destino à capital... E a estrada ainda era macadmizada.

Os negócios do senhor Anselmo foram crescendo no pós-guerra, em condições de mercado mais favoráveis, e sobretudo ao longo da década de 1950, com a tímida abertura da economia, ao ponto de se ter tornado, à escala regional, um médio industrial. Era dos poucos que tinha carro e, mais importante, era o único que já tinha ido a Roma ver o Papa e visitado os lugares santos em Jerusalém. Viajava com alguma frequência para a Europa do Norte, com destaque para a Holanda (hoje Países Baixos) e também para a Itália (onde tinha a representação de uma conhecida marca de motocultivadores e tratores).

Quando se soube, por um dos diários da capital, o "Novidades" (jornal oficioso da  hierarquia da Igreja Católica portuguesa), que tinha sido recebido pelo Papa Pio XII, integrando um grupo de peregrinos católicos,  portugueses e brasileiros, o seu estatuto social na terra subiu mais uns dois ou três pontos. Passou a ter lugar na primeira fila na igreja, ao lado dos notáveis locais que tinham contribuído  com um "conto de réis ou mais" para o restauro da igreja matriz. (Eram "poucos mas bons", e sobretudo "almas piedosas", esses beneméritos, como dizia publicamente o pároco, a quem os dos "reviralho" chamavam, entre dentes, o "sabujo dos ricos".)

Nunca foi, ao que se saiba, um católico praticante. O Anselmo ia à missa ao domingo, mais para "ver e ser visto" e, naturalmente,  acompanhar a esposa. O Jorge achava que ele era do "reviralho"...

− Mas finório como ele sempre foi,  nunca falou de política comigo. Nem nunca o ouviu falar de política com os filhos.

Também é verdade, sempre declinou o insistente convite para integrar a União Nacional (o partido do Estado Novo), alegando  a sua origem social modesta: era filho de operário, vinha de um sítio mal afamado (a Marinha Grande), tinha a 4.ª classe, embora fosse um autodidata e poliglota. Ironicamente, insinuava que não podia competir com os doutores, médicos, advogados e magistrados da comarca.

Recusou igualmente um linsonjeiro convite para integrar o executivo camarário, mas aí tinha um argumento de peso, os seus múltiplos afazeres como empresário de quem já dependiam algumas dezenas de famílias da terra. Em boa verdade, a razão não era essa: ele movimentava mais dinheiro que a câmara toda, dependente das "esmolas" do senhor governador civil do distrito para poder construir um simples lavadouro público ou abrir um estradão ...

Com uma grande superioridade moral, e elevação de espírito, deixou bem claro, à tacanha elite local, que não precisava da política para subir na vida... Acabou,  no entanto, por se aproximar de alguns círculos da elite financeira e política do Estado Novo, quando encabeçou um grupo representativo das "forças vivas" locais que se "mexeram para trazer para a terra a primeira agência bancária".

Todavia, sabia-se pouco da sua história de vida passada. Sabia-se, isso sim, que tinha vindo "de fora"... Insinuavam alguns dos seus poucos inimigos que tinha vindo "foragido" da Marinha Grande logo a seguir à revolta de 1934.

− O 18 de Janeiro de 1934 ?... − indaguei eu.

 Sim, mas ele não gostava de falar desses tempos, pelo menos quando eu frequentava a  casa da família, depois de casado. O pai era operário vidreiro, desde miúdo, e terá morrido misteriosamente uns meses depois da revolta de 1934. Havia versões contraditórias, para uns o pai tinha morrido, de infeção, depois de baleado, num perna, pela tropa de Leiria; para outros, teria morrido, muito simplesmente de silicose, o que sempre me pareceu mais verosímil ... 

A mãe, a avó paterna do Ulisses, era operária na Tomé Feteira. Era natural de  Vieira de Leiria. Terá morrido ainda mais cedo, de tuberculose. Lá em casa do Anselmo, só havia uma velha foto da família, dos anos de 1910, com os pais e os irmãos, pequenos. Também nunca houve grande curiosidade em saber mais da vida desses obscuros (e, de algum modo, incómodos) antepassados.

Das poucas vezes que o Anselmo, a mulher e os filhos foram a Veira de Leiria, em passeio, aproveitando para visitar uns primos, deu para perceber melhor a sua origem: esses parentes viviam, como os pescadores, em "palheiros", casas de madeira, sob estacaria, construídas na duna e que na época balnear alugavam aos forasteiros.

− Apesar da distància, naquela época, o meu ex-sogro gostava de ir à Praia da Vieira, só para assistir à  arte xávega e passar lá  uns dias na terra da sua mãe... Chegou a alugar um "palheiro" nos anos cinquenta... Mas a muher e os filhos detestavam... preferindo São Pedro de Moel, que já era chique nesse tempo, atraindo as famílias burguesas da região...

Estamos, entretanto, a falar de uma época em que  o industrial era menos considerado socialmente do que o comerciante. O proprietário agrícola, de média ou grande dimensão, esse, sim, tinha mais estatuto. E o Estado Novo estava bem representado por algumas famílias tradicionais agrárias. Umas eram de tradição republicana, e outras não escondiam a seu amor à bandeira azul e branca da monarquia.

Com o 28 de Maio de 1926, e sobretudo com o salazarismo, clarificaram-se  as águas… Os agrários da região, absentistas nalguns casos, deram-se bem com o Deus, Pátria e Família, monárquicos e republicanos reconciliaram-se, sentindo-se representados, mal ou bem, na União Nacional... 

A "praça da jorna" continuou a funcionar ao longo dos anos, fornecendo mão de obra dócil e abundante, os "cavadores de enxada", às principais casas agrícolas. Até que veio, como uma enxurrada, o êxodo rural, a emigração para as cidades e para França, além da guerra colonial... e depois o 25 de Abril.

Mas, também, ao fim de três ou quatro gerações, o património fundiário (e nomeadamemnte as quintas) destas famílias já andava pelas ruas da amargura: nuns casos, hipotecado aos bancos, noutros expropriado por interesse público ou  vendido ao desbarato para a especulação imobiliária, ou, noutros casos ainda, mal entregue a caseiros ou a feitores... Poucos se modernizaram, inviabilizando as explorações agrícolas. Os netos ou os bisnetos já tiveram que mendigar um emprego "à mesa do Estado".

Foi, além disso, o Anselmo, um homem de visão, como então se dizia… Pôs os quatro filhos a estudar. As raparigas tinham o quinto ano, o rapaz foi mais longe, chegando a embaixador na então CEE . Comunidade Económica Europeia. Uma das raparigas foi professora primária, outra assistentes social. A mais velha, a ex-mulher do Jorge, ficou a trabalhar com o pai, no escritório das empresas.

O Anselmo nunca foi íntimo das famílias mais tradicionais da terra, mas acabou por ser um dos homens mais endinheirados da região. Investiu no bom tempo também no imobiliário, fez um bairro de casas "à Raul Lino", com o nome da esposa. E acabou por vender as moradias a seguir ao 25 de Abril, antes que fossem ocupadas. 

Não se adaptou bem aos novos tempos, mas também não se colou aos partidos que, entretanto, nasceram com a liberdade. Os negócios tiveram altos e baixos, com a descolonização, depois a crise económica e financeira dos anos 70 e 80. A integração na CEE já chegou tarde para ele. A fábrica teve de ser intervencionada. Antes da declaração de falência, e muito  por desgosto com a vida, e com o rumo que tomou o país, para além de problemas de saúde (era diabético), morreu nos princípios dos anos 90, com oitenta e tal anos. Tinha nascido com a República.

 O Ulisses ainda foi meu colega de escola… Mas não propriamente meu amigo, Separavam-nos três anos e os seus "tiques de classe", quero eu dizer os seus trejeitos de menino rico… Ele já na 4.ª classe e sempre na primeira fila.  Na altura juntavam-se os putos das várias classes. Ele tirou o 2.º ano (hoje o 6.º ano) no colégio da terra, que eu nunca pude frequentar. Depois o pai mandou-o para Lisboa para seguir o liceu. Ficou na casa de uma tia materna, cujo marido trabalhava nas finanças. Tinha explicações particulares de francês e de inglês. E fez a sua primeira viagem ao estrangeiro por ocasião da  Expo 58, em Bruxelas. Ganhou o gosto pelas viagens e pelas línguas estrangeiras. 

− É capaz vir desse tempo o sonho de enveredar pela carreira diplomática − interrompeu o Jorge. Estou a vê-lo, no regresso da Expo 58... Imagina, um luxo que não era para todos, ir de Lisboa a Bruxelas, de comboio… Um puto com 14 anos!... Eu já namorava com a irmã mais velha… Ofereceu-me um cartaz a cores com o ícone da Expo 58, o Atomium, se bem recordo.

Uns anos depois, estava a frequentar, na faculdade de letras de Lisboa, o curso de germânicas... Ainda apanhou a crise académica de 1962 mas o pai tratou de o ir buscar rapidamente, antes que as coisas dessem para o torto (como deram). Entretanto foi à inspeção com a malta do ano dele, a de 1944. O pai estava convencido que ele nunca seria apurado para o serviço militar. Tinha um problema no ouvido esquerdo devido a uma otite, mal curada, que apanhara em criança, na época balnear. Vinha munido de uma valente cunha e de um relatório médico, passado por um conceituado otorrino, professor da faculdade de medicina de  Coimbra. O pai fez questão de entregar pessoalmente o documento ao presidente da junta médica militar.

O melhor que o Ulisses conseguiu foi uma ida ao Hospital Militar Principal, na Estrela, para uma consulta da especialidade. A gravidade do diagnóstico não foi confirmada. E o Ulisses viu-se apurado para todo o serviço militar, para grande desgosto dos pais.

Podia ter acabado o curso de germânicas, antes de ser chamado para a tropa,  mas, logo em 1964 numa viagem à Alemanha, numa "summer school" organizada pelo Instituto Goethe, ele arranjou maneira de ficar por lá, tendo-se fixado na Holanda, onde o pai tinha contactos. 

−  Tudo combinado com o pai, que mexeu todos os pauzinhos para o pôr a bom recato.   adiantou o Jorge.   Não foi uma decisão fácil para o meu ex-sogro: o Ulisses era o único rapaz da família, e era esperado que fosse o seu sucessor à frente dos negócios. 

− Mas a vida trocou-lhe as voltas − acrescentei eu.

De facto, aqui contava muito a opinião da mãe que, segundo uma cena melodramática que terá feito lá em casa, "preferia ir ver o seu filho a Amsterdão, terra de herejes, do que ir ao cemitério depositar-lhe uma coroa de flores". A mãe era uma senhora conservadora,   beata e amiga dos pobres. E não autorizava que se falasse de política  à hora das refeições.  De resto, não era hábito falar-se política naquela época, muito menos nas casas das pessoas decentes.

A senhora tinha ficado muito impressionada com a morte do Licas, o filho mais velho da empregada doméstica (na altura, dizia-se "criada"), que morrera em Angola, em 1962. Fora o primeiro soldado da terra a morrer na "guerra do ultramar". E o caixão nunca veio, "nem cheio de pedras". A família era pobre de mais para pagar a urna de chumbo e o transporte marítimo...

A verdade seja dita: o Ulisses não desperdiçou as novas oportunidades que lhe surgiram pela frente... Formou-se em direito europeu na Holanda, trabalhou no Parlamento Europeu e, talvez ainda mais importante, casou com uma holandesa, filha de um importante dirigente político, de um partido na área da social-democracia, filiado na Internacional Socialista. Abriram-se-lhe depois as portas da diplomacia europeia.

− Foi o Euromilhões do Ulisses, diríamos hoje! − comentou o seu ex-cunhado. − Hoje tem uma reforma dourada, um vasto capital de relações sociais, é livre de fazer os seus negócios na área do imobiliário, vive entre  o Algarve  e a Holanda, a terra dos seus filhos e netos... Não nos falamos, desde que eu me divorciei da sua irmã. Nem nunca mais apareceu por cá.

− De qualquer modo, ele  é mais holandês do que português!  − arrematei eu. − Que é como quem diz, tem o melhor de dois mundos.  Mas temos de reconhecer que teve um bom pai.

© Luís Graça (2023)




Título das páginas centrais (4 e 5) do "Diário de Lisboa", de 18 de janeiro de 1934.  São escassas as referências ao que se passou na Marinha Grande e noutros pontos do país, de Almada a Silves, de Lisboa a  Coimbra... E nos dias seguintes a censura foi implacável: não há mais referências a estes acontecimentos, de resto ainda hoje mal conhecidos dos portugueses... Sobre o 18 de janeiro de 1934, ler por exemplo o artigo de Fátima Patriarca, publicado na "Análise Social", em 1993.

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Nota do editor:

quarta-feira, 22 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24161: Dossiê Pidjiguiti, 3 de agosto de 1959 - Parte I: Eu estive lá (Mário Dias)

Guiné > Bissau > 1959 > Os 1ºs cabos milicianos Mário Dias (o primeiro, de pé, do lado direito) e Domingos Ramos (o primeiro da frente, do lado esquerdo): estiveram juntos na tropa, entre 1959 e 1960, até ao dia (novembro de 1960) em que o Domingos Ramos desertou, passando-se para o lado dos nacionalistas e independentistas do Amílcar Cabral (*)

Foto (e legenda): © Mário Dias (2006. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. Passados tantos anos, continua a haver curiosidade, da parte dos nossos leitores, sobre o que se passou em Bissau, no cais do Pijiguiti (lê-se: Pidjiguiti), ou  Pindjiguiti (como escrevem, mais recentemente, os guineenses), ainda uns anos antes da guerra em que estivemos envolvidos.  No nosso blogue, publicámos logo no início duas versões, de Luís Cabral (na altura "guarda-livros" da Casa Gouveia) e do nosso camarada Mário Dias, um dos históricos do nosso blogue (**), e que frequentou, em 1959,  o 1.º CSM que se realizou na Guiné e de que fizeram parte alguns futuros quadros do PAIGC, como Domingos Ramos, o Constantino Teixeira ou o Rui Djassi.

Escrevemos na altura (***):

(...) O "massacre do Pidjiguiti"(sic) é um dos mitos fundadores do PAIGC. Aliás, marca o início da "luta de libertação nacional", na narrativa do PAIGC (que então se chamava apenas PAI).

Este depoimento do Mário Dias é uma peça importante para se fazer a história recente da Guiné-Bissau: reivindicações laborais dos  marinheiros do serviço da cabotagem das casas comerciais de Bissau (e, em particular, da Casa Gouveia, ligada ao grupo CUF – Companhia União Fabril) estiveram na origem de graves tumultos que foram prontamente reprimidos pelas autoridades portuguesas.

O depoimento do Mário Dias terá que ser tido em conta pelos nossos historiadores (tanto de um lado como do outro). E sobretudo por nós, portugueses e guineenses, que temos direito à verdade. Eu só conhecia (e mal) a versão do PAIGC, que fala em massacre, em 50 mortos e mais de um centena de feridos. 



Notícia de primeira página do "Diário de Lisboa", edição de 4 de agosto de 1959 (em que o destaque ia para as peripécias da XXII Volta a Portugal em Bicicleta): a agència Lusa, noticiava, a partir de Lourenço Marques, um "fait-divers": "Elefantes trucidados pelo comboio no vale do Limpopo"... 

Fonte: Citação:(1959), "Diário de Lisboa", nº 13166, Ano 39, Terça, 4 de Agosto de 1959, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_17262 (2023-3-22)

Na época, é bom lembrá-lo,  a imprensa portuguesa não era livre, pelo que nunca nos poderia dar a, nós, metropolitanos, uma versão isenta dos acontecimentos. Havia a censura, a polícia política, o partido único, o Salazar... É bom não esquecê-lo. E, nós, adolescentes (eu tinha 12 anos), estávamos longe de pensar que a futura guerra da Guiné iria sobrar também para nós (dez anos depois, no meu caso)...

Infelizmente, não conheço investigação de arquivo sobre este assunto. Talvez o nosso amigo e membro da nossa tertúlia, Leopoldo Amado, possa fazer luz sobre este e outros acontecimentos que antecederam o início da guerrilha do PAIGC, na sua tese de doutoramento sobre a guerra colonial 'versus' guerra de libertação que eu estou ansioso por ver apresentada e discutida, em provas públicas, na Universidade de Lisboa. (...)

Guiné-Bissau > Bissau > 1976 >  Planta da cidade em mapa publicado a seguir à independência. Veja-se a localização do porto do Pidjiguiti (para os barcos de pesca e de cabotagem), à esquerda do porto de Bissau (para os navios da marinha mercante). Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes (2005).
 

Os acontecimentos do Pidjiguiti em Agosto de 1959: 

depoimento de Mário Dias (***)

Muito se tem escrito e comentado sobre os acontecimentos que tiveram lugar no cais do Pidjiguiti em 3 de Agosto de 1959 (*****). Eu estive lá. À época dos factos, cumpria o serviço militar obrigatório, ainda como recruta (o Juramento de Bandeira teve lugar uma semana depois, precisamente a 10 de Agosto).

Para melhor entendermos a greve e consequente revolta dos marinheiros, há que recuar um pouco no tempo e no contexto em que se movimentava a actividade dos marinheiros.

As principais casas comerciais da Guiné (vou designá-las pelo nome abreviado como eram conhecidas), Casa Gouveia (CUF), NOSOCO, Eduardo Guedes, Ultramarina e Barbosas & Comandita, tinham ao seu serviço frotas de lanchas 
– umas à vela e outras a motor  – que utilizavam no serviço de cabotagem transportando mercadorias para os seus estabelecimentos comerciais e, no regresso, traziam para Bissau os produtos da terra, principalmente mancarra e arroz. A maioria deste tráfego era pelo rio Geba, até Bafatá e, para o Sul até Catió e Cacine.



Guiné > Bissau > 1969 > Cais do porto de Bissau. Foto tirada do lado do Pidjiguiti.

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Anualmente, essas empresas se reuniam para acordarem os salários a pagar aos diversos elementos da tripulação das embarcações. Esse acordo tinha a finalidade de ajustar o salário nas várias frotas, de forma a evitar concorrência no engajamento do pessoal. É claro que, embora efectivamente todos os anos fossem aumentados, os marinheiros não eram tidos nem achados nestas reuniões. Era comer e calar à boa maneira da época. O mesmo se passava, aliás, em relação ao preço a praticar anualmente na compra do amendoim (mancarra) e que era fixado por tabela governamental, ouvidos os comerciantes. Os agricultores não era ouvidos nem tinham voto na matéria.

Acordo estabelecido, as várias firmas comerciais começaram a pagar aos marinheiros o novo salário. Porém, a Casa Gouveia não procedeu ao aumento e continuou a pagar pela tabela do ano anterior. Passaram-se meses e os marinheiros questionavam o gerente  –   na altura o ex-funcionário do quadro administrativo Intendente 
 [António] Carreira – sem resultados e até com uma certa sobranceria, tique que lhe deve ter ficado dos tempos de funcionário administrativo. Com o descontentamento a aumentar e ânimos cada vez mais exaltados se chegou à tristemente célebre tarde de 3 de Agosto de 1959.

E agora o relato dos acontecimentos por mim presenciados e conforme informações na altura colhidas.

Nesse dia passou por Bissau, a caminho de Angola, uma alta entidade da Força Aérea. Ocupava no governo, salvo erro, o cargo de Secretário de Estado de Aeronáutica 
 [na altura, Subsecretário de Estado da Aeronàutica, Kaúlza de Oliveira de Arriaga (1955 - 1961)].

Fosse qual fosse a sua função, a verdade é que tinha direito a honras militares à sua chegada ao aeroporto. Não havendo outra tropa com capacidades para tal missão, embora ainda recrutas e como tal impedidos regulamentarmente de prestar guardas de honra, acabámos por ser nós a fazê-lo. Bem limpos e engraxados, mauser com baioneta calada, luvas brancas, partiu a Companhia de Recrutas para Bissalanca.

A cerimónia decorreu de forma brilhante (nós éramos um espanto!) e iniciámos o regresso ao nosso quartel em Santa Luzia. Ao aproximarmo-nos da praça do Império, comecei a reparar que muita gente se dirigia apressadamente, alguns até corriam, em direcção ao rio. E, um pouco antes de atingida essa praça, fomos interceptados pelo comandante da companhia, capitão 
  [José Severiano]  Teixeira, que se dirigiu ao oficial que comandava a coluna, tenente Vaz Serra, com quem esteve a conversar por alguns momentos.


Guiné > 1970 > Vista aérea do Geba Estreito entre o Xime e Bafatá > Na época, a Casa Gouveia ainda tinha um serviço de cabotagem entre Bissau e Bafatá, embora precisasse de segurança militar próxima, no troço Xime-Bambadinca-Bafatá.. Foto do 
Arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Retomada a marcha, ficámos todos surpresos por virarmos à direita em direcção ao rio em vez de à esquerda para Santa Luzia. Conforme descíamos a avenida da República víamos que algo devia estar a acontecer pois cada vez havia mais pessoa aglomeradas e maior era a agitação que demonstravam. 

A certeza tive-a quando, já perto da Casa Gouveia, vi, em cima de um camião que seguia para o hospital, vários homens em grande exaltação. Um deles ficou-me na memória: de pé, escorrendo sangue de um ombro, barafustava e agitava os braços, dava punhadas no peito como um possesso. Impressionante! Ainda hoje, passados todos estes anos, quando se fala destes acontecimentos do Pidjiguiti, é esta a imagem que me ocorre.

Chegados ao local, vi uma considerável multidão nas imediações, os portões do Pidjiguiti encerrados e uma força da PSP, constituída por pouco mais de uma dezena de seguranças, como chamávamos aos polícias africanos, armados com es
pingardas Lee Enfield 7,7 mm, enquadrados por 2 ou 3 graduados europeus.

Na altura já tinham terminado os tiros e encontravam-se apenas a conter a multidão e a evitar que os marinheiros e trabalhadores do cais de lá saíssem em direcção à Casa Gouveia. Fomos mandados apear das viaturas e só então nos deram as indicações da nossa missão que foi, simplesmente, cercar os terrenos anexos ao Pidjiguiti (no local onde mais tarde nasceram as Oficinas Navais e instalações da Marinha e Fuzileiros) que na altura eram terrenos baldios. Não devíamos deixar ninguém sair por esse lado que não tinha vedação. Ainda vimos alguns tentando fugir por aí, atravessando o lodo, mas desistiam ao ver o cordão por nós ali formado. 

Nós, militares intervenientes, não demos nenhum tiro. Aliás, nem podíamos pois nem tínhamos munições. Como já referi estávamos a regressar de uma guarda de honra quando fomos desviados para o local. Deve ter sido bem caricata a nossa postura, de luvas brancas, num cenário daqueles.

Ali nos mantivemos, aproximadamente 30 minutos, até os ânimos acalmarem (era o que se pretendia) e regressámos ao quartel.

Nos dias seguintes não se falava de outra coisa. Como não tinha assistido ao início dos acontecimentos, fui perguntando aos que mais de perto o tinham seguido e a versão generalizada era a seguinte:

Nessa tarde, mais uma vez, aproveitando a presença do gerente da Casa Gouveia no local [o intendente António 
Carreira],  os marinheiros e descarregadores pertencentes a essa firma comercial reclamaram pelo aumento de salário que todas as outras empresas já estavam a praticar.

– Casa Gouveia, nada. Então como é, senhor Intendente? 

As coisas começaram a azedar e teve que retirar apressadamente a bem da sua integridade física. Chamou-se a polícia. Um subchefe  que para lá se dirigiu, não sei se por falta de tacto em situações como aquela ou porque a exaltação dos marinheiros e trabalhadores era já considerável, foi agredido com um remo na cabeça e teve de imediato que ser socorrido e levado para o hospital. 

Vieram reforços, já armados, e como se organizava no cais um movimento em direcção à Casa Gouveia, armados de remos, ferros e do que havia à mão com a intenção de tudo escavacar, fecharam os portões para impedir a sua saída. Mesmo assim não desistiram e começaram a galgar o portão e a vedação.

Entretanto, o comandante militar, tenente-coronel Filipe Rodrigues, chegado ao local inteirou-se da situação e, ao ver aquele grupo armado de remos, paus, etc. a marchar agressivamente em direcção à Casa Gouveia, deu ordens aos polícias para dispararem por ser a única forma de os deter.

E foi assim que aconteceu. O resultado foram 16 mortos e não 50, ou até mais, como já tenho visto escrito. Por mim, um que fosse já era demais. Mas, atendendo às circunstâncias do momento, hoje questiono-me: que teria acontecido se não tivesse sido travada aquela multidão da única forma que foi possível? Certamente teríamos muita destruição e bastantes mais mortes a lamentar. E ter-se-ia gerado uma espiral de violência de consequências muito mais graves.

Da narração destes tristes acontecimentos podemos realçar os seguintes factos:

(i)  O PAIGC não esteve por detrás da ocorrência. Ela foi inteiramente da responsabilidade dos marinheiros e trabalhadores do cais pertencentes à Casa Gouveia, por motivos meramente laborais. Os marinheiros das outras empresas não estiveram envolvidos, pelo menos no início dos acontecimentos. É possível que, por solidariedade, alguns se lhes tenham juntado. O PAIGC aproveitou-se inteligentemente deste movimento, como sempre fez - o que só nos merece admiração - para conquistar mais uns tantos seguidores.

(ii)  Não se pode considerar o ocorrido como uma simples greve, conforme é vulgarmente referido. Foi mais do que isso. Tendo começado por greve, rapidamente se transformou numa revolta violenta cujas consequências são difíceis de prever se não tivesse sido travada. Se a referida revolta era ou não justificada, é-me difícil concluir. Sim, atendendo à injustiça de que estavam a ser vítimas. Não, pelas proporções que lhe deram.

(iii) Antes de concluir, parece-me que o termo massacre, aplicado aos acontecimentos do Pidjiguiti, é um pouco exagerado, não por o número ser muito inferior aos 50 habitualmente referidos, mas porque o conceito que a palavra implica, se refere à chacina indiscriminada, a uma carnificina injustificada do género descrito nos livros de história como passar tudo a fio de espada.

(iv) Com respeito aos massacres de populações balantas e beafadas na região de Bambadinca nos primeiros anos de 60, referidos no blogue-fora-nada (****), embora não os possa negar ou confirmar, tendo eu saído da Guiné em Fevereiro de 1966, nunca deles ouvi falar o que é estranho pois, como se diz na Guiné, noba ka ta paga cambança - aforismo com um sentido semelhante ao as notícias espalham-se depressa. Numa terra como a Guiné onde tudo se sabia e comentava, é estranho que nunca tivesse ouvido falar em tal acontecimento. Deve ter sido muito bem ocultado.

(v) E já que estamos a tratar de massacres, assunto tão melindroso e de que frequentemente acusam as nossas tropas, só tenho a dizer que durante toda a guerra colonial a que assisti e em que participei (depois da Guiné tive uma comissão em Moçambique e duas em Angola) massacres, massacres mesmo, na verdadeira acepção da palavra, só conheci um: foi o perpetrado pela UPA (mais tarde FNLA) no Norte de Angola em Março de 1961 sobre os fazendeiros brancos e suas famílias bem como sobre os negros bailundos fiéis aos seus patrões. Mas esses já estão esquecidos ou, convenientemente, nunca são referidos.

[Revisão / Fixação de texto / Negritos / Parênteses retos: LG]



Guiné-Bissau > Bissau > 2005 > Também eles, os filhos, netos e bisnetos do Pidjiguiti, os filhos, netos e binetos das vítimas da repressão da manifestação dos marinheiros e trabalhadores do Porto do Pidjiguiti, em 3 de agosto de 1959, têm direito à verdade.(*****)

Foto: © Jorge Neto (2005). Todos os direitos reservados
 [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas de L.G.:



(...) Eu sou o Mário Dias, fui para a Guiné com 15 anos (em 1952). De lá saí em 1966. Conheço, como seria de esperar - dada a minha longa permanência naquelas terras - a quase totalidade da Guiné. Lá cumpri o serviço militar obrigatório (recruta e CSM - Curso de Sargentos Milicianos) e, estando já na disponibilidade, regressei à efectividade de serviço (em 1963) como furriel miliciano apenas com a intenção de colaborar e ajudar na guerra que tinha já começado.

Fiz parte de um grupo de oficiais e sargentos que se deslocaram a Angola para tirar o curso de comandos e, uma vez regressados, formámos um grupo que actuou na célebre Operação Tridente, na ilha do Como (Janeiro a Março de 1964). Posteriormente, demos instrução e fizemos parte dos 3 primeiros grupos de comandos da Guiné. (...)


(****) Fui eu que fiz referência, em 2006, em e-mail interno que só circulou pela nossa tertúlia, a alegados "massacres de populações balantas e beafadas" que terão ocorrido na região de Bambadinca, no início da guerra,reportando-me apenas a conversas, soltas, que eu fui tendo, durante a minha comissão (Maio de 1969 a Março de 1971) com os meus queridos soldados (leais, valentes, insuspeitos, fulas) da CCAÇ 12 mas também com outras fontes como o malogrado Seco Camará, mandinga do Xime, extraordinário guia das NT (morto em 26 de Novembro de 1970, na Op Abencerragem Candente > post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)...

(*****) Vd. poste de 21 de março de 2023  > Guiné 61/74 - P24160: Fotos à procura de... uma legenda (171): Uma falsa imagem que anda por aí a "ilustrar" o massacre do Pijiguiti, de 3 de agosto de 1959

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24102: S(C)em comentários (1): Visita de Marcello Caetano a Bissau, em 14 de abril de 1969: a primeira de um chefe de governo ao ultramar (oito anos depois do início da guerra)



Excerto do vespertino "Diário de Lisboa", nº 16637, ano 49, segunda feira, 14 de abril de 1969,3ª edição, pp. 1 e 10. Diretor: António Ruella Ramos. Cortesia de Casa Comum > Fundação Mário Soares > Fundos DRR - Documentos Ruella Ramos.

Citação:(1969), "Diário de Lisboa", nº 16637, Ano 49, Segunda, 14 de Abril de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7219 (2018-2-20) (*)


Guiné > Bissau > 14 de abril de 1969 > Visita presidencial do Professor Marcelo Caetano a Bissau: lado a lado, mas já de costas viradas, Marcelo Caetano e Spínola...

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Às vezes mais vale mais uma foto ou um título de caixa alta do que mil palavras... Daí a razão de ser desta série, "S(C)em Comentários". Há excesso de ruído nas redes sociais. E, depois, com a idade, tudo o que é mais do que duas linhas, é informação gorda poliinsaturada... E a nossa memória é curta e fraca. Afinal, somos animais de racionalidade limitada.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18337: Recortes de imprensa (92): A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar: Marcelo Caetano, em Bissau ("Diário de Lisboa", 14/4/1969)

(**) Vd. poste de 17 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18326: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XVIII: Visita, a Bissau, do presidente do Conselho de Ministros, prof Marcelo Caetano, em 14 e 15 de abril de 1969 (III)

sábado, 3 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)




Excerto da edição do "Diário de Lisboa", de 10 de setembro de 1974, com a notícia do reconhecimento (formal), pelo Governo Provisório Português, da indepemndência da Guiné-Bissau. Era presidente da República o general Spínola, aqui, na foto, no Palácio de Belém, com a delegação da Guiné-Bissau, chefiada pelo major Pedro Pires, e constituída pelo comissário para as Relações Exteriores, Vitor Saúde, e o comandante da Frente Leste Serafam Malém (?), e quem foi acompanhada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soarea.


Fonte:Casa Comum | Instituição:Fundação Mário Soares | Pasta: 06820.170.26872 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18558 | Ano: 54 | Data: Terça, 10 de Setembro de 1974 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos 

(1974), "Diário de Lisboa", nº 18558, Ano 54, Terça, 10 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4792 (2022-12-2) (Com a devida vénia...)


1.  Chegamos ao  fim das nossas noats de leitura (*) do livro de João Céu e Silva . "Uma longa viagem com Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.).

Mais do que uma biografia lietrária de Vasco Pulido Valente (VPV) (1941-2020), trata-se  de uma longa (e apaixoante)  viagem pela história de Portugal, desde o início das invasões francesas e saída da corte para o Brasil em 1807 até à atualidade. O jornalista e escritor João Céu e Silva, com formação em história, realizou uma 
centena de horas de entrevistas gravadas, com VPV, ao longo de quase dois anos.

O livro acaba por ser também uma espécie de "testamento" do entervistado, um dos maiores (e mais polémicos) cronistas do seu tempo, e também um conceituado historiador, especialziado na nossa história dos últimos dois séculos.

Deste livro, achámos que podia interedsar aos nossos leitores tudo o que dizia respeito, direta ou indiretamemente,  à guerra colonial e às forças armadas, incluindo o 25 de Abril,o 25 de Novembro, Spínola, o MFA e a descolonização.

Para finbalizar, deixamos aqui,  com a devida vénia (ao autor e à editora(, mais uns tantos excertos : (i) o 25 de Abril, visto por VPV como um "pronunciamento militar"; (ii) o 25 de Abtril e a "técnica do golpe de Estado"; (iii) o "mistério" do 25 de Novembro que não teve "mistério nenhum"; e, por fim, (iv) a descolonização e a "culpabilização" do Mário Soares.

Seleção, revisão, fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, bem como notas complementares dentro de parêntes retos: LG) (**).


(i)  25 de Abril: pronunciamento militar

P- Refere que a revolução de Abril foi romântica e fraudulenta. Portugal nunca muda ?

R- É fraudulenta porque foi uma revolução inventada, pós-facto- Os capitães queriam sair de África e deram a volta. Não fizeram uma revolução, foi um pronunciamento, e depois, quando chegaram ao poder, precisavam de uma ideologia. 

Só após terem feito o pronunciamento é que perceberam a gravidade e o alcance do que tinham feito, e necessitavam de eliminar a sociedade portuguesa tradicional para não sofrerem nenhuma espécie de represálias. E eliminaram. 

Atrás disto veio um movimento de opinião a que se atribuiu essa eliminação da sociedade tradicional, que foi, aliás, bastante artificial, e feita pelo governo e não pelas massas. As nacionalizações não foram impostas pelas massas, a reforma agrária não foi de acordo com as massas, a revolução foi decretada e a reforma agrária foi realizada em atos militares e na maior parte dos casos sob proteção dos militares. E pelo PCP também. Sim, pelo PCP, pelos militantes do PCP, que eram muito poucos,, e pelos militares. Os militantes do PCP não teriam chegad.

E atrás disso um movimento romântico indefinido, que exortava as maravilhas do socialismo real,  o governo do povo ou o poder popular,  e, como não fazia sentido nenhum, acabou por cair” (pág. 42).


(ii) 25 de Abril: a técnica do golpe de Estado


(…) Um golpe militar não tem destino e este tem de ser procurado na vida civil, na Igreja, na maçonaria ou, no caso do 25 de Abril, no Partido Comunista Português ou no Partido Socialista. 

Os militares diziam “não queremos continuar com a guerra colonial (…) queremos dar autodeterminação aos nossos pretos (…) porque os nossos são diferentes dos pretos dos outros, são nossos amigos”. 

Dava-se a liberdade aos “nossos pretos” e depois, para onde se vai ? “Nós somos uma malta porreira, somos camaradas” – tratavam-se assim – “e isto aqui é uma igualdade do caraças. Rastejámos todos  pelo chão na recruta, pendurámo-nos todos em argolas e temos todos de andar  com farda”. 

A única coisa que os militares podiam fazer a seguir ao 25 de Abril era buscar qualquer coisa fora da instituição, uns foram buscar o PCP, outros o PS. (…) 

Quanto a Otelo, foi buscar coisas ao anarcossindicalismo, que ele nem percebeu o que era e chamou de poder popular

Ou seja, os militares não tem destino em si próprios; podem organizar muito bem uma operação como o 25 de Abril, mas basta seguir a cartilha. (…) (pp. 96/97).


(iii) 25 de novembro de 1975: 

não houve mistério nenhum

 

P . Temos o 25 de novembro de 1975. Continua a ser um dos grandres mistérios ?

R – Não acho que seja um grande mistério. O que aconteceu é que havia unidades  no Exército português que estavam contra o PCP, e aquele rumo da revolução, entre elas a dos Paraquedistas , a dos Comandos e algumas pessoas que tinham feito outro trajeto político. 

Entre essas, os que tinham sido contra os mercenários, que se tinham passado para o Estado-Maior de Spínola e ficado com um certo prestígio no movimento dos capitães,, porque tinham sido os primeiros a protestar: era o caso  de Eanes e, nos Comandos, o Jaime Neves. 

Foi simples e encontraram-se e fizeram o golpe do 25 de Novembro. O Eanes dirigiu e o Jaime Neves executou. Todos os seus colegas diziam que eles eram brilhantes operacionais (…), daí não me não tenha surpreendido que tivessem ganho. Não houve mistério nenhum nisso, até porque contaram com o apoio do Soares e tinham o respaldo político do PS (pág. 194) (…)

(…) Foi um golpe em que os operacionais do Copcon e do PCP não participaram. E o que aconteceu foi que o Eanes fomou conta do Exército e teve de imediato todo o seu apoio. Tinha sido um golpe um pouco contrarrevolucionário, um clássico. Eanes pôs todas as unidades fora de Lisboa, suspendeu uma quantidade de oficiais  duvidosos e ao fim de oito dias tinha o Exército na mão. A história terminou (pág. 197).

(…) Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é.  A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade (pág.  210)

(iv) Descolonização: 

por favor não culpem o Mário Soares 


(...) Um disparate que tantas vezes foi explicado à população [o quererem culpar o Mário Soares pela descolonização].

Quando o Dr. Mário Soares chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, já o coronel Fabião estava aos abraços ao PAIGC e o Otelo aos abraços à FRELIMO. Não havia negociação possível.

Quem fez a descolonização não foi o Dr. Mário Soares, mas o MFA. Ele não queria fazer aquela descolonização, e foi assim porque o Exército português se desfez em quarenta e oito horas em Angola, Moçambique e Guiné. Neste último caso, fomos mesmo ao encontro das tropas inimigas e confraternizámos poucos dias após o 25 de Abril. Como aconteceu no Norte de Moçambique e quase imediatamente me Angola (pp. 282/283).

(…) Lembro-me do abraço de Soares a Samora Machel, horrível! E Como aconteceu ? A comitiva entrou na sala de reuniões, Otelo olhou para o Machel e disse: “Ah grande Machel, deixe-me dar-lhe um abraço”, e Soares, que estava a chefiar a delegação, ficou sem saber o que iria fazer. Depois de Machel ter dado um abraço a Otelo, veio ter com Soares de braços abertos, “Meu caro Mário”, e deu-lhe um abraço. Isto só deveria ter acontecido com Moçambique independente” (p. 191).

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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

29 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23828: Notas de leitura (1525): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte V: VPV: "O grande significado do livro, de Spínola, Portugal e o Futuro, era vir a público dizer que a guerra estava perdida"...

27 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)

24 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)

18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...

17 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23791: Notas de leitura (1517): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte I . As colónias não valiam o preço...

Último poste da série:

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23226: 18º aniversário do nosso blogue (11): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - IV (e última) Parte: 31 de agosto de 1972: "Spínola: Infelizmente ainda tenho que dar tiros, mas a guerra não se ganha aos tiros"... Mas o pior será quando a guerra acabar, conclui o Avelino Rodrigues...





Citação: (1972), "Diário de Lisboa", nº 17849, Ano 52, Quinta, 31 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5170 (2022-5-3)




























FIM



(Com a devida vénia ao autor, Avelino Rodrigues,
aos herdeiros do António Ruella Ramos, e à Fundação Mário Soares)

Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06815.165.26103 | Título: Diário de Lisboa | Número: 17849 | Ano: 52 | Data: Quinta, 31 de Agosto de 1972 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "Suplemento Literário". Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos


Comentário do editor LG:

Registe-se: duzentos mil contos gastos em "infraestruturas de desenvolvimento" (educação, saúde e assistência, agricultura e florestas, veterinária, obras públicas...), em 1971, na Guiné, sendo goverador (e com-chefe) o gen António Spínola, representava, em valores de hoje, mais de 53,7 milhões de euros... Sem contar com as despesas de manutenção do exército e o custo da mão de obra dos militares que trocaram a G3 pela pá, a pica, a enxada, o martelo, o lápis, a caneta, a seringa...

A propósito d0 jornalism0 português na guerra colonial (tema do colóquio que se realizou em 28 de maio de 2015, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa), escreveu Humberto Silva na página da Apoiar, em 16 de julho de 2015:

(...) O jornalista Avelino Rodrigues recorda os seus tempos na Guiné. Lembrou que os jornalistas que ficavam deslumbrados com o espetáculo da guerra mas que mostravam apenas e sempre apenas o lado das tropas portuguesas. Em Bissau por exemplo respirava-se a guerra mas não se a sentia.

Na Guiné, Spínola usava os jornalistas especificamente para divulgar a sua visão alternativa da guerra e Avelino foi chamado à provínicia por ser de esquerda, quase como que para validar a visão de Spínola.

Foi por isso que as crónicas de Avelino Rodrigues foram dos primeiros trabalhos verdadeiramente jornalísticos sobre a guerra em Portugal. Só uma entrevista ao General Spínola não passou porque Marcello Caetano interveio e a sua censura negociou o conteúdo dessa entrevista. (...)


Percebe-se, neste quarto (e último) artigo da reportagem "Guiné: uma crónica imperfeita", que o conteúdo da entrevista com Spínola foi censurado. O jornalista apenas pôde publicar um excerto aqui e acolá. O "spinolismo" (que punha a política à frente das armas) começava a ser perturbador para o titubeante e fraco líder que sucedera a Salazar, temeroso das consequências que podiam desencadear uma franca e aberta divulgação e discussão da estratégia política do general para acabar com a guerra na Guiné, já longa de 9 anos, e cada vez mais "africanizada".

PS - O ten cor inf Herdade, acima citado, de seu nome completo Nívio José Ramos Herdade foi o primeiro comandante do BCAÇ 3833 (Pelundo, 1970/72), sendo depois subtituído pelo ten cor inf Bernardino Rodrigues dos Santos. Companhias de quadrícula: CCAÇ 3306 (Jolmete e Bachile), CCAÇ 3307 (Pelundo e ilha de Jete) e CCAÇ 3308 (Có, Bachile e Capó).
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