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domingo, 20 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23095: Antologia (85): Operação Crocodilo, Guiné-Bissau, junho/julho de 1998 (Revista da Armada, julho de 2013): Em 44 dias de missão e em 23 operações, foram resgatados 3487 refugiados, com o apoio do navio de carga "Ponta de Sagres" da Portline (Correio da Manhã, 17/2/2007)

1. OPERACÃO CROCODILO 

Revista da Armada, julho de 2013, pág. 20

(Com a devida vénia...) (**)

Em 7 de junho de 1998 desencadeou-se na Guiné-Bissau um conflito interno entre forças militares leais ao Governo do Presidente Nino Vieira e aquelas que se viriam a agrupar e torno de uma “Junta Militar” liderada pelo general Ansumane Mane.

A fim de efetuar o rápido resgate de cidadãos portugueses e de países amigos que, fruto da elevada insegurança criada pelo conflito, pretendessem abandonar a Guiné-Bissau, o Estado Português colocou em curso a Operação Crocodilo. (*)

Esta operação envolveu uma força conjunta dos três ramos das Forças Armadas, sendo a componente naval constituída pela fragata Vasco da Gama, com dois helicópteros Lynx Mk95 embarcados, pelas corvetas Honório Barreto e João Coutinho e o navio reabastecedor Bérrio. Comandava esta força naval o CMG Melo Gomes.

De forma intensiva e, muitas vezes, simultânea (1), as duas aeronaves foram utilizadas em diversas missões de embarque de cidadãos nacionais e de países amigos para os navios da força naval, na distribuição de ajuda humanitária em diversos locais do território guineense, e em algumas missões de reconhecimento.

Uma das missões de recolha de cidadãos nacionais realizadas pelos dois helicópteros levou-os a cruzarem grande parte do território da Guiné-Bissau até aos Rápidos do Saltinho, nas proximidadesda fronteira com a Guiné-Conacri. 

Após um trânsito realizado a muito baixa altitude, sobrevoandoas vastas e densas florestas guineenses e utilizando a cobertura dos braços de rio e das copas das árvores para evitar uma desnecessária exposição, os helicópteros tomaram imediato contacto com grupos armados da “Junta Militar” logo que aterraram no local de recolha. Desembarcada diversa ajuda humanitária e recolhidos os passageiros ali presentes,  regressaram à Vasco da Gama sãos e salvos.

De referir que as cartas de navegação aérea disponíveis eram fotocópias a preto e branco de cartas aeronáuticas que datavam do início dos anos setenta (2). Sendo que naquela área do globo ocorre frequente perda de cobertura GPS, as aeronaves realizaram grande parte da operação com recurso a procedimentos de navegação tática meramente visual (carta-terreno).

Os helicópteros tiveram ainda uma importante participação no processo inicial de mediação e negociações de paz entre as partes em confronto, realizando diversas aterragens em local sob controlo das forças da “Junta Militar”. Releve-se a missão de transporte de uma comitiva de representantes dos países da CPLP, liderada pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Jaime Gama, de Cape Skirring, no Senegal, para a fragata Vasco da Gama, então a navegar no leito do Rio Geba.

Para poder manter e operar as duas aeronaves que embarcaram durante a Operação Crocodilo, o MUTTLEY, nickname do destacamento de helicóptero atribuído então à fragata Vasco da Gama, recebeu um reforço de dois tripulantes e três técnicos de manutenção.

Num ambiente de elevada volatilidade, o emprego criterioso e eficaz dos dois helicópteros embarcados na Vasco da Gama, associado à sua rapidez e versatilidade, revelou-se de importância muito relevante para o cumprimento da missão da força naval durante a Operação Crocodilo.

P. Conceição Lopes CFR

_________

Notas

1. Muitas das missões aconselharam à operação simultânea dos dois helicópteros. Sempre que possível, o convés de voo do Bérrio era usado em apoio à operação simultânea. Contudo, quando os navios não estavam em companhia, o que aconteceu várias vezes, a realização de operações de voo das duas aeronaves obrigou a uma coordenação e precisão concertada de todo o navio em geral, em particular de toda a equipa de convés de voo, sem margens para erros ou atrasos.

2. Fotocópias tiradas, na véspera da largada da força naval de Lisboa, de cartas da Esquadra 501 (C-130) da Base Aérea nº 6 do Montijo.


2. Informação complementar do jornal "Correio da Manhã", de 18/2/2007 (***), excertos selecionados (e negritos)  pelo editor LG, com a devida vénia:

(...) "Quando a guerra acaba, o pesadelo resiste na memória dos sobreviventes: 10 de Junho de 1998 – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas –, o País é surpreendido com o agravar dos conflitos na Guiné-Bissau. O então líder da Junta Militar – brigadeiro Ansumane Mané –, que comandava as tropas amotinadas no país, acusava a França de conivência com a intervenção militar do Senegal e da Guiné-Conacri. Por seu lado, o presidente ‘Nino’ Vieira, suportado por 1500 militares (parte deles senegaleses), combatia os revoltosos. 

O nosso País acordava para uma missão imperiosa: a de resgatar os cidadãos portugueses ameaçados por fogos-cruzados

Melo Gomes foi o oficial superior escolhido para comandar a Força Naval envolvida na operação ‘Crocodilo’; na semana passada, sob a égide do hoje Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA), a Marinha simulou, em Tróia, um cenário semelhante para testar a intervenção da Força de Reacção Rápida[Exercício ‘Intrex’]

(...)  Recuando à África onde há nove anos se desenrolou uma missão real , desvendam-se contornos, até políticos, decisivos para fazer avançar a operação ‘Crocodilo’. “Criou-se logo uma célula no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e reuniu-se o primeiro-ministro, António Guterres, com o ministro da Defesa e MNE, Jaime Gama, e os respectivos gabinetes”, recorda José Lello, na altura secretário de Estado das Comunidades. Fizeram-se contactos diplomáticos, só que não era possível esperar mais. Pela primeira vez, ponderou-se a hipótese de pedir auxílio a navios civis que estivessem na região.

O feriado festivo – de quarta-feira – ligava por ponte o fim-de-semana do oficial de operações Braz de Oliveira (hoje porta-voz da Marinha). “Recebi a notícia quando estava dentro do carro, com a minha família, a caminho do Algarve”, recorda. Inverteu a marcha em direcção à Base Naval do Alfeite, em Almada, e embarcou na fragata ‘Vasco da Gama’ com o comandante Melo Gomes. “Foi feita a ordem de operações, promulgadas as instruções de coordenação e preparada a largada.” A Marinha tinha 48 horas para se aprontar e fazer--se ao mar quando a tutela decidisse.

O Aeroporto Osvaldo Vieira, em Bissalanca, era palco de confrontos – dominados pelos rebeldes –, impossibilitando que os cidadãos portugueses fossem resgatados por via aérea.

Contra-relógio, do lado do Governo, o secretário de Estado das Comunidades recebia dos Serviços de Informação os dados para avaliar o conflito. “Os relatórios permitiam fazer uma avaliação a cada momento. De antemão, já se sabia que a situação era complicada. Só que África é imprevisível. E, de repente, como não havia organização táctica [nos combates], aconteceu” – disse José Lello. Mas a situação agudizou-se.

“Acordámos com o som dos bombardeiros; a primeira coisa que fizemos foi ligar para a Embaixada”, relata ‘Amir’ Carmali, um português que residia em Bissau. “Ainda não tinham informações concretas para nos dar, só nos aconselharam a não sair de casa.” Ouviam-se rajadas, bazucadas, bombardeios, que tinham como alvo os militares. Na capital, as ruas eram controladas por senegaleses ao serviço de ‘Nino’ Vieira.

Em Portugal havia a certeza: o resgate impunha-se. A Marinha precisava de mais de três dias para alcançar Bissau. Só restava pedir ajuda a navios civis.

 “Houve um contacto que é das coisas extraordinárias: sabíamos que havia um navio lá e não é que o primeiro-ministro [Guterres] consegue, ele próprio, falar com o comandante”, revela Lello.

(...) Na Guiné, a distância obrigou a que fosse o navio de carga ‘Ponta de Sagres’  [ da Portline] o primeiro a tirar portugueses de Bissau.

Contrariando o noticiado na época, o comandante do ‘Ponta de Sagres’ afirma que o navio não foi mobilizado. “Tínhamos carga para Bissau e fundeámos no limite das águas territoriais”, conta Hélder Almeida (#). Foi Stanley Ho – o magnata de Macau e principal accionista da Portline – quem assumiu todos os riscos da operação.

“A Embaixada (##), que tinha os contactos de toda a gente, foi inexcedível no apoio”, garante o refugiado ‘Amir’ Carmali. Os estrondos da guerra aterrorizavam. Mais: tinha chegado o momento de abandonar as casas. A representação portuguesa aconselhou-os a levar panos brancos e pertences leves. Correram até à Sé de Bissau, que servia de ponto de encontro, e seguiram para o cais. “Estavam lá centenas e centenas de pessoas brancas, pretas, tudo.”

Dia 11, perto da hora de almoço (cinco dias depois do estalar da crise) zarpou a ‘Vasco da Gama’. Antes, às 09h00, o ‘Ponta de Sagres’ avançou para Bissau. “Tive noção do risco. Mas decidi sozinho, porque há alturas em que o comandante decide sozinho.” Chegados ao cais, dois navios, um cubano e outro russo, cerravam o espaço. Mais de seis horas depois, o russo cedeu lugar ao cargueiro – ainda com 300 contentores cheios de alimentos, material de construção, roupa e outros produtos. O embaixador Henriques da Silva e a cooperação portuguesa assistiram ao embarque e à filtragem de refugiados feita por senegaleses. Só embarcavam portugueses e cidadãos de países amigos.

“Íamos de calções e camisa; o calor apertava”, conta ‘Amir’, que agarrava apenas uma garrafa de água e um saco com o que se salvou. Para trás, o irmão deixava negócios de importação e exportação. “No porto, as granadas caíam muito perto – nem na Guerra Colonial em Moçambique vi bombas cair tão perto.” Soavam alertas; o chão e o ar vibravam assustadoramente; o assobiar dos tiros atirava os refugiados, encobertos pelas mãos na nuca, para terra. Os estrondosos morteiros só encontravam resposta nos gritos de pânico.

‘Amir’ e mais 30 refugiados, zarparam à boleia do navio russo que transportava para a Índia as cinco mil toneladas de castanha de caju, vendidas por ele e o irmão. Foram para Banjul, Gâmbia. À partida, antes de darem lugar ao ‘Ponta de Sagres’, o agora dono de um restaurante lisboeta, com 54 anos, disse: “Olha, oh Deus, nós já estamos a safar-nos. Agora, Ajuda estas pessoas.”

No ‘Ponta de Sagres’ caberiam cerca de mil pessoas. Embarcaram 2250. Os refugiados, de 30 nacionalidades, fizeram 24 horas até Dacar, no Senegal. “A bordo, a habitabilidade era precária: casas de banho, só algumas mulheres e crianças lá chegaram; eles faziam onde calhava; as messes foram abertas também às mulheres e crianças com alimentação à base de massas, grão e bolachas; à noite passaram frio e, muitos, fome e sede; devem ter dormido sentados”, conta o comandante.

Dia 15 de Junho de 1998, a ‘Vasco da Gama’ entrou em águas territoriais da Guiné – o pior dia, o do ataque da Junta Militar ao quartel de Brá e ao aeroporto. “Estivemos sempre sob ameaça e a própria Força Naval foi bombardeada e alvo de morteiros”, lembra o oficial de operações do Estado Maior. 

Durante os 44 dias de missão foram evacuados, em 23 operações, 1237 refugiados. A fragata ‘Vasco da Gama’, as duas corvetas ‘João Coutinho’ e ‘Honório Barreto’ e o reabastecedor ‘Bérrio’ foram a localidades distantes, como Bubaque, Ponta do Biombo, Varela (**) e Rápidos do Saltinho, buscar pessoas. Faltou um navio polivalente à Marinha.

 (...) Uma semana depois de terem começado os confrontos na Guiné, a população da capital guineense baixou de 300 mil para 130 mil residentes. Fugiram para o interior do país.

“Quando a fragata ‘Vasco da Gama’ se fez ao mar, parti para o Senegal com uma equipa médica e jornalistas”, relata o então secretário de Estado das Comunidades. “Levava um telemóvel satélite para me manter em contacto com o MNE.” O embaixador português em Dacar estabeleceu a ligação entre os refugiados e os voos da TAP que os trariam, sãos e salvos, para o nosso País.

No centro de refugiados, em Dacar, “fomos bem tratados”, garante ‘Amir’, embora muitos portugueses se tivessem queixado das condições. Havia um pavilhão amplo e cheio de camas de campanha para descansarem; comiam ração de combate e uma refeição quente por dia. 

Mais tarde, com as saudades a apertar, embarcaram com destino ao Aeroporto Militar de Figo Maduro, Lisboa. As autoridades verificaram os documentos; os refugiados descansaram e alimentaram-se; quem não tinha casa em Portugal recebeu dinheiro, alimentos e produtos de higiene.

A missão na Guiné terminou com recordações amargadas pelas circunstâncias, mas felizes pelo sucesso no resgate de 3487 refugiados. 

Na semana passada, o ‘Intrex’ deu provas da capacidade de reacção da Armada. E a ‘Vasco da Gama’ seguiu para o Mediterrâneo Ocidental para integrar uma força com o porta-aviões espanhol ‘Príncipe das Astúrias’, em mais um exercício. (...)

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Notas do CM e do editor LG:

(#) Hélder Almeida, de 64 anos, comandava o navio de carga ‘Ponta de Sagres’, durante o resgate na Guiné. Recebeu de Jorge Sampaio, ex-Chefe de Estado, a Ordem Militar de Torre de Espada.

(##) Recomanda-se a leitura dos 3 postes que aqui publicámos há mais de 10 anos sobre a origem deste conflito político-militar... São da autoria do antigo embaixador português e nosso camarada Francico Henriques da Silva, membro da nossa Tabanca Grande:

17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7803: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (1) (Francisco Henriques da Silva)

18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7814: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (2) (Francisco Henriques da Silva)

19 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7818: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (3) (Francisco Henriques da Silva)

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23090: (In)citações (198): a atuação de Patrício Ribeiro, durante a guerra civil de 1998/99, e nomeadamente em Varela, em articulação com o NRP Vasco da Gama..."Se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo e a cores" (Luís Graça)

 (**) Último poste da série > 15 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23082: Antologia (84): Poema dedicado ao Tono d'Amelita, meu companheiro de carteira no velho colégio, morto em combate em Moçambique (Alberto Bastos, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3853, Aldeia Formosa, 1971/73)

(***) Vd. CM - Correio da Manha - Guiné em Tróia a ferro e fogo: A operação que levou a Marinha à Guiné, em 1998, é mais do que uma memória: é um exercício militar para testar a capacidade de reacção rápida. 18 de Fevereiro de 2007 às 00:00

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22281: Recortes de imprensa (118): "Mísseis uniram Enfermeira 'Pára' e Piloto-Aviador" - Especial Guerra Colonial - Revista de Domingo do Correio da Manhã de 13 de Junho de 2021

Com a devida vénia ao jornal Correio da Manhã, publicamos o artigo (texto) da jornalista Manuela Guerreiro com o título "Mísseis uniram Enfermeira 'Pára' e Piloto-Aviador", que tem como sub-título "Giselda Antunes e Miguel Pessoa sobreviveram a incidentes distintos após os aviões serem atingidos. Casaram quando a guerra acabou", publicado na Revista de Domingo do dia 13 de Junho de 2021.

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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22143: Recortes de imprensa (117): A RTP evoca os 60 anos da guerra colonial / guerra do ultramar

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18487: (D)o outro lado do combate (24): estudo sociodemográfico: o caso do bigrupo do cmdt Quintino Gomes (1946-1972) (Jorge Araújo)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > Estrada Xime-Bambadinca > Ponta Coli  22 de Abril de 1972 > Local do combate com o bigrupo do PAIGC, comandado por Mário Mendes (1943-1972). A cor vermelha indica as posições dos elementos do bigrupo. A linha azul refere a distribuição das NT, após o início da emboscada dirigida às duas viaturas em que nos fazíamos transportar.


Foto nº 2 > Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Imagem da progressão de uma força da CCAÇ 12, a 3 Gr Comb. (do camarada Luís Graça), no subsector do Xime, na época das chuvas. Foto do ex-fur mil at inf Arlindo Roda, com a devida vénia. Poste P10209.


Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > UM NOVO OLHAR SOCIODEMOGRÁFICO DE UM BIGRUPO > O CASO DO BIGRUPO DO CMDT QUINTINO GOMES (1946-1972) 

1. INTRODUÇÃO


Em Dezembro de 2016 apresentei no fórum da «Tabanca Grande» – P16865 – aquele que foi considerado o primeiro estudo sociodemográfico de um bigrupo de guerrilheiros, com o título «Mário Mendes (1943-1972) - O último Cmdt do PAIGC a morrer no Xime».

A vontade, o interesse e a motivação para a realização deste estudo, nascera há quatro décadas e meia atrás, naquele já longínquo «22 de Abril de 1972», sábado, e que no mesmo dia, mas do ano seguinte (1973), correspondeu ao Domingo de Páscoa. E a principal razão estava ligada ao meu "baptismo de fogo", e ao do meu Gr Comb (o 4.º) da CART 3494, episódio dramático ocorrido no lugar designado por «Ponta Coli», na estrada Xime-Bambadinca, local onde diariamente cada um dos 3 Gr Comb, em regime de rotação, desempenhava a missão de garantir a segurança a pessoas e bens, civis e militares, em trânsito de ou para Bissau, por via marítima.

Aí aconteceu o primeiro grande combate da CART 3494, em que estiveram frente a frente, a uma distância de escassas dezenas de metros, um efectivo de 20 operacionais, mais 2 condutores e o picador Malan Quité [NT], e um bigrupo reforçado do PAIGC, superior a cinquenta unidades que, agindo de surpresa como seria espectável, e habitual, nos procurou aniquilar. Alguns dias depois, soube-se que tinha sido o bigrupo do Cmdt Mário Mendes. [Vd, foto nº 1, acima].

Desse combate resultaram dezassete feridos, entre graves e menos graves, e um morto, o meu/nosso camarada furriel Manuel Rocha Bento (1950-1972), natural da Ponte de Sor, a nossa única baixa em combate. Eu saí ileso, o mesmo acontecendo aos condutores das duas viaturas e mais dois operacionais do meu Gr Comb.

Do outro lado, ainda não consegui apurar as consequências de tamanha ousadia.

Quatro semanas após ter organizado e comandado aquela emboscada na «Ponta Coli», voltaríamos a estar com Mário Mendes e o seu grupo, em novo frente a frente, desta feita na Ponta Varela (zona mítica do Xime), em 25 de Maio de 1972, 5.ª feira, quando este se preparava para realizar nova "aventura". Aí Mário Mendes viria a morrer, por intervenção de elementos da CCAÇ 12 (ex-CCAÇ 2590) [, vd.foto nº 2 , acima], na acção «Gaspar 5», em que participaram seis Gr Comb [três da CART 3494 e três da CCAÇ 12], tendo-lhe sido capturada a sua Kalashnicov, bem como três carregadores da mesma e documentos que davam conta do calendário das "acções" a desenvolver naquela zona pelo seu bigrupo. [vidé P12232 + P9698].

Foi a partir desse(s) palco(s) do TO, onde se praticava o "jogo da sobrevivência", durante o qual se fazia apelo à superação permanente, ou transcendência, individual e grupal, que no meu processo cognitivo emergiram um certo número de questões/ interrogações, por exemplo:

"Quantos e quem eram aqueles que tinham estado à minha/nossa frente, e se puseram em fuga passados 15/20 minutos? Quais os seus nomes? Onde nasceram? Que idade tinham? Há quantos anos andavam naquela vida? Como viviam e de que se alimentavam?... Ou seja, alguns enigmas da guerra."

Algumas das respostas consegui obter, justamente, naquele primeiro estudo.

Hoje, passados quinze meses após a realização desse primeiro trabalho, volto de novo ao fórum para apresentar/partilhar um segundo estudo, concretizando, deste modo, uma promessa que formulei a mim mesmo de o fazer logo que encontrasse uma amostra semelhante à do primeiro. E isso aconteceu… e ainda bem!

Assim, utilizando a mesma metodologia do primeiro caso, este novo estudo tem como universo o bigrupo do Cmdt Quintino [Amisson] Gomes (1946-1972), morto em combate, em Fevereiro de 1972, nos arredores de Empada, região de Quínara, ao tempo da CCAÇ 3373, "Os Catedráticos de Empada", ou seja, três meses antes do Cmdt Mário Mendes (1943-1972).



2. QUINTINO [AMISSON] GOMES, CMDT DE BIGRUPO EM ACÇÃO NA REGIÃO DE QUÍNARA


O presente estudo sociodemográfico sobre o bigrupo do Cmdt Quintino Gomes nasce por ramificação da investigação que tenho vindo a realizar a propósito do "relatório relacionado com as operações militares na Frente Sul", acções efectuadas na região de Quinara e de Tombali, durante o último trimestre de 1969, uma vez que nele é referido o seu nome.

Soube que Quintino Gomes era Cmdt do bigrupo do PAIGC e que actuava no Sector de Cubisseco de Baixo, tendo por missão, até meados de 1969, controlar a estrada de Nhala, que passa em Uana, antigo quartel das NT, em direcção a Mampatá.

Quintino Gomes nasceu em 1946 [desconhece-se o dia e o mês], na vila de Empada, na região de Quinara. Era casado. Em 1962 aderiu ao PAIGC, com 15/16 anos, como aconteceu com muitos outros, de que é exemplo o caso de Mário Mendes, desde quando deu início à sua actividade na guerrilha. Era Cmdt de bigrupo, pelo menos desde 1966, ano que foram elaboradas pelo organismo de Inspecção e Coordenação do Conselho de Guerra as listas [mapas] das FARP referentes à constituição dos bigrupos existentes em cada Frente, conforme demonstra o exemplo abaixo, onde consta o nome de Quintino Gomes e de mais trinta e três elementos.

Como reforço do acima exposto, no "Relatório da Comissão de Inspecção das FARP para a Frente Sul e Leste", datado de 21 de Maio de 1969, e assinado por Pedro Ramos, consta que, após reunião de 9-3-69 (Bigrupo de Quintino Amisson Gomes e de Pana Djata), "este bigrupo que se encontra estacionado a uns quilómetros do antigo quartel inimigo [NT] de nome Uana (Tabanca) tem como missão de controlar a estrada de Nhala, que passa em Uana em direcção a Mampatá. Na primeira formação do bigrupo, este perdeu uma AK[-47]. A última operação efectuada foi em 15-2-69 no aquartelamento de Nhala. O último contacto com o Comando do sector foi em Janeiro de 1969. Com o Comando da Frente nunca tiveram contactos no lugar de estacionamento. A última reunião do Comissário Político do bigrupo com os combatentes teve lugar no dia 28-2-69. O comandante do sector, o camarada Iafal Camará, declarou que tem reunido com os combatentes sempre no fim de cada mês".




Citação: (1969 [05-21]), "Relatório da Comissão de Inspecção das FARP para a Frente Sul e Leste", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_40080 (2018-3-15) (p. 12/37; com a devida vénia à Fundação Mário / Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral)).


Ainda no que concerne ao Cmdt Quintino Gomes, o "Relatório sobre o Sector de Cubisseco de Baixo", elaborado por José [Eduardo] Araújo (1933-1992), datado de 10 de Dezembro de 1971 e enviado a Amílcar Cabral (1924-1973), refere que […] "Tive uma impressão muito boa do camarada Quintino Gomes, comandante do sector, que tem rara "particularidade" de nunca ter visto o Secretário-Geral, facto que lamenta. Da opinião de toda a gente trata-se de um bom camarada. Escreve razoavelmente, o que significa que tem algum grau de instrução primária [3.ª classe]".




Citação: (1971), "Relatório sobre o Sector de Cubisseco de Baixo", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40043 (2018-3-15) (p. 11/23; com a devida vénia).


Dois meses depois deste relatório, em [?] Fevereiro de 1972, Quintino Gomes morreria em combate na vila que o viu nascer – Empada.

Em 25 de Fevereiro de 1972, em carta enviada a Marga, nome de guerra de  "Nino" Vieira (1939-2009), em resposta às suas missivas de 11 de Janeiro e 15 de Fevereiro [1972], Amílcar Cabral (1924-1973) lamenta a morte do Cmdt Quintino Gomes nos seguintes termos: […] "Mas os camaradas têm que ter muito cuidado nos ataques, para não acontecer o que se passou em Empada no último ataque [que teria sido antes de 15Fev'72]. Lamento muito a perda do camarada Quintino Gomes que era dos nossos melhores combatentes e quadros do Partido. Discutiremos na próxima reunião da Direcção a tua proposta para que seja considerado herói".





Citação: (1972), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net /11002/fms_dc_34493 (2018-3-8)


Entretanto, no passado domingo, 4 de Março de 2018, numa feliz coincidência para a conclusão deste trabalho, o jornal  Correio da Manhã publica uma entrevista com um camarada (não identificado, mas certamente o da foto abaixo) da CCAÇ 3373, "Catedráticos" (Empada, Mai'71 a Mai'72), conduzida pela jornalista Fernanda Cachão.



No contexto desta narrativa, e como elemento de validação da data da morte do Cmdt Quintino Gomes, citamos a seguinte passagem: […] "Foi no mês de Fevereiro desse ano [1972], tínhamos feito uma operação em que apreendemos muito material de guerra – e feito também mortos e feridos -, e tal como à ida regressámos já de noite. Fomos atacados por canhões sem recuo e foguetões ["GRAD"]. Tínhamos chegado ao aquartelamento em Empada, e foi terrível". […]


Em função deste depoimento, não me é difícil aceitá-lo como elemento factual relacionado com o episódio da morte do Cmdt Quintino Gomes. Será que esta é também a opinião do fórum do jornal Correio da Manhã ?





Imagem do camarada [não identificado] da CCAÇ 3373 (Empada e Bissau, 1971/73), entrevistado pela jornalista Fernanda Cachão, do Correio da Manhã, e publicada em 4.3.2018, em http://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/uma-mina-levou-a-perna-ao-furriel-rente-ao-joelho? ref=HP_Ticker CMAoMinuto, com a devida vénia.






3. RESULTADOS DO ESTUDO

A partir dos dados contidos na lista acima [mapa], que consideramos como os casos da investigação ou a "amostra de conveniência", procura-se compreender melhor quem estava do outro lado do combate. Com este propósito, procedemos à organização de alguns desses dados referentes a cada um dos sujeitos constituintes do "bigrupo de Quintino Gomes", sobre os quais pretendemos retirar conclusões.

Para o efeito, esses dados foram agrupados quantitativamente e apresentados em quadros estatísticos de frequências (caracterização da amostra por idade: a de nascimento e a de adesão ao Partido) e de quadros de variáveis categóricas em relação aos restantes elementos (ano de adesão ao PAIGC e idade e anos de experiência cumulativas ao longo do conflito).





Quadro 1 – distribuição de frequências em relação ao ano de nascimento dos elementos do bigrupo de Quintino Gomes (n-34)


Da análise ao quadro 1, verifica-se que os anos de nascimento com maior percentagem são dois: 1941 e 1945 (14.7%) com 5 casos cada, seguido de 1947 (11.8%), com 4 casos, e 1934, 1942 e 1944 (8.9%), em terceiro, com 3 casos cada.

Quando analisado por períodos, verifica-se que o maior número de casos (n-16) estão os nascidos entre 1943 e 1947 (47.1%) (grupo central), entre 1933 e 1942 (n-13= 38.2%) (grupo dos mais velhos), e entre 1948 e 1952 (n-5=14.7%) (grupo dos mais novos).




Quadro 2 – distribuição de frequências em relação à idade de adesão ao PAIGC dos elementos do bigrupo de Quintino Gomes (n-34)


Da análise ao quadro 2, verifica-se que a idade com maior percentagem de adesão ao Partido é 16 anos, com 7 casos (20.6%), seguida dos 17 e 21 anos, com 4 casos cada (11.8%). As idades de 18, 19, 22 e 23, com 3 casos cada, valem no seu conjunto 35.2%.

Quando analisada a adesão ao Partido por períodos, verifica-se que o maior número de casos (n-14) estão entre as idades de 14 e 17 anos (41.2%) (mais novos), seguido pelos grupos de idade média, entre os 18 e 21 anos, e idade superior, entre os 22 e 30 anos (mais velhos), com 10 casos cada (29.4%).

Analisada a adesão ao Partido entre os 18 e 23 anos, os valores apontam para uma maioria relativa com 16 casos (47.1%), seguida por 14 casos nas idades inferiores (41.2%) e somente quatro casos nas idades superiores (11.7%).




Quadro 3 – distribuição de frequências em relação ao ano de adesão ao PAIGC dos elementos do bigrupo de Quintino Gomes (n-34)



Da análise ao quadro 3, verifica-se que o ano onde se registou maior adesão ao PAIGC foi 1963 com 11 casos (32.4%), seguido de 1962, com 10 casos (um dos quais Quintino Gomes) (29.4%). O ano de 1964 foi o terceiro com 7 casos (20.6%)

Quando analisada a partir da soma dos dois primeiros anos (1962 + 1963), anos de preparação e início do conflito, a percentagem sobe para 61.8% (n-21).



Quadro 4 – distribuição de frequências em relação à idade verificada ao longo do conflito, contados após a adesão individual ao PAIGC, no caso dos elementos do bigrupo de Quintino Gomes (n-34)


Da análise ao quadro 4, e partindo da hipótese meramente académica de que o bigrupo se manteve constante ao longo do conflito, pelo menos até Fevereiro de 1972, data da presumível morte de Quintino Gomes, este teria, então, vinte e cinco/seis anos [sombreado castanho]. Os restantes elementos teriam a idade referida na linha [sombreado verde] do ano de 1972.




Quadro 5 – distribuição de frequências em relação ao número de anos de experiência na guerrilha ao longo do conflito, contados após a adesão ao PAIGC, no caso dos elementos do bigrupo de Quintino Gomes (n-34).

Da análise ao quadro 5, e partindo da hipótese meramente académica apresentada no quadro anterior, Quintino Gomes teria, no mínimo, nove anos de experiência na guerrilha [sombreado castanho], bem como de outros nove combatentes. Os restantes elementos teriam os anos de experiência referidos na linha [sombreado verde] do ano de 1972.




Quadro 6 – Elementos sociodemográficos de comparação entre os sujeitos do estudo – Quintino Gomes (n-34) e Mário Mendes (n-38) – a partir das variáveis categóricas em análise, para efeito da elaboração de conclusões.


4. CONCLUSÕES


Partindo da análise aos resultados apurados, apresentados nos quadros acima, procedemos à elaboração de um último quadro (o 6.º), este comparativo entre os dois comandantes de bigrupos, considerados como os "casos" da investigação (Quintino Gomes e Mário Mendes).

Da análise ao quadro supra concluímos:

(i) a diferença de idade entre ambos era de 3 anos, sendo Quintino Gomes o mais novo, nascido em 1946;

(ii) nasceram em locais diferentes, separados por dois rios importantes da Guiné: o Rio Geba e o Rio Grande de Buba; Mário Mendes mais a Norte (Região do Oio - Frente Norte); Quintino Gomes, mais a sul (Região de Quinara - Frente Sul);

(iii) ambos aderiram ao PAIGC no mesmo ano (1962): Quintino Gomes, com 15/16 anos, e Mário Mendes, com 18/19 anos; morreram em combate dez anos depois, também no mesmo ano (1972), com uma diferença de três meses entre si; cada um deles teria, aproximadamente, o mesmo tempo de experiência como combatente;

(iv) quanto às lideranças: Quintino Gomes foi Cmdt de um grupo de guerrilheiros com média de idades mais alta (28.1/34, em 1972), quando comparada com a do grupo do Cmdt Mário Mendes (27.9/38, em 1972);

(v) quanto às idades: a maioria dos elementos do grupo de Quintino Gomes eram mais velhos que ele (n-20=58.8%) em comparação com os mais novos (n-9=26.5%); por outro lado, a maioria dos elementos do grupo de Mário Mendes eram mais novos que ele (n-22=57.9%), enquanto os mais velhos eram metade dos mais novos (n-11=28.9%).

Caso surja outra oportunidade de investigação semelhante, prometo realizá-la e partilhar no fórum os seus resultados.

À vossa consideração.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

26MAR2018.
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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18448: (D)outro lado do combate (23): "Plano de operações na Frente Sul" (Out-dez 1969) > Ataque a Bolama em 3 de novembro de 1969 - II (e última) Parte (Jorge Araújo)

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15256: Inquérito "on line" (9): Em 166 respondentes, 72% votaram em António de Spínola como "com-chefe" com a "melhor opinião"... Segue-se Bettencourt Rodrigues (8%) e Schulz (6%)... Cerca de 15% não sabe ou não escolheria nenhum dos três...


A. INQUÉRITO "ON LINE": "DOS 3 ÚLTIMOS COM-CHEFES DA GUINÉ, AQUELE DE QUE TENHO MELHOR OPINIÃO É...":


1. Arnaldo Schulz (1964/68) > 10 (6,0%)



2. António de Spínola (1968/73) > 119 (71,7%)





3. Bettencourt Rodrigues (1973/74) > 14 (8,4%)

4. Nenhum deles > 16 (9,6%)


5. Não sei / não tenho opinião > 7 (4,2%)


Votos apurados: 166 | 100,0%
Sondagem fechada 15/10/2015, 15h32

B. Comentário:

Reprodução, com a devida vénia, de um excerto de um entrevista de Alpoim Calvão ao jornal CM - Correio da Manhã, em que são referidos três homens que comandaram as NT no TO da Guiné e com quem o entrevistado trabalhou: Louro de Sousa, Arnaldo Schulz e António de Spínola. 

A entrevista foi conduzida pelo jornalista José Carlos Marques (que eu conheci na Guiné, em março de 2008) e foi publicada em 7/10/2012. Título e subtítulo: "O eterno guerreiro Herói da Guerra em África, Alpoim Calvão foi bombista do MDLP no Pós-25 de Abril. Conta em livro uma vida de batalhas"

O cmdt Alpoim Calvão numa tira da banda desenhada “Operação Mar Verde”,
da autoria de A. Vassalo [ex-fur mil comando Vassalo Miranda,
nosso camarada da Guiné], uma edição da Caminhos Romanos, 2012.

(...) Quando conheceu António de Spínola? 

- Conheci o então brigadeiro António de Spínola, que era o comandante-chefe e governador da Guiné, logo no aeroporto.  Foi-me apresentado por um amigo. Ele estava como sempre, impecável no seu monólogo e casaco aprumado. Não suava, era uma coisa formidável. Disse-me ele: ‘Sr. Comandante, espero que nos vamos entender muito bem’. E eu respondi ‘não sei se é possível, porque eu tenho três grandes defeitos: primeiro, sou oficial de marinha; segundo, não sou de cavalaria; e não sou do Colégio Militar’. 

Ficou um silêncio de morte, que ele quebrou ao rir-se à gargalhada. Fui colocado a comandar o COP 3 a Norte em Bigene. Tínhamos uma actividade de assaltos, operações, golpes de mão, patrulhas nos rios… Além dos fuzileiros tinha uma unidade do exército. Depois fiquei a chefiar as operações especiais no território. 

- Spínola alterou a estratégia da guerra. O que mudou? 

- A guerra teve uma continuidade, mas Spínola tornou-se mais agressivo. Intensificou as operações, mas também o apoio às populações. No COP3 fartei-me de fazer casas que eram entregues aos nativos. As populações gostavam mesmo do Spínola. Ele aparecia de helicóptero, com o ajudante, fosse onde fosse. Tinha um certo carisma, aparecia com o monóculo, luvas, camuflados retocados pelo alfaiate, fazia figura. Além dele, conheci dois outros comandantes-chefes na Guiné-Bissau. Louro de Sousa era um bom oficial do Estado-Maior, mas não tinha jeito nenhum para comandar as tropas. Arnaldo Schulz era muito inteligente, mas levava as coisas com mais calma. Para Spínola, para a frente é que era o caminho. Com Schulz eu fazia operações no Sul da Guiné, em que entrava na Guiné-Conacri e ele chegou a suspender-me os movimentos para não criar problemas. Só pude realizar esse tipo de operações cinco anos depois, com o Spínola, que me deixava fazer tudo. (...)
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Nota do editor:

Último poste da série de 13 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15246: Inquérito "on line" (8): O General Spínola foi uma figura controversa, e para ilustrar tal ilação, vou referir alguns aspectos que me sensibilizaram (José Manuel Matos Dinis)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9851: Notas de leitura (357): As grandes Operações da Guerra Colonial (2), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 26 de Março de 2012:

Queridos amigos,
Era de exigir mais e melhor a estes textos apresentados como “As Grandes Operações da Guerra Colonial”.
Há dados que não batem certo, há topónimos ilegíveis, há explicações bem duvidosas para factos naturalmente complexos. E teme-se mesmo que o leitor se sinta desorientado com a informação avulsa que acompanha algumas destas brochuras.
Um abraço do
Mário


As grandes operações da guerra colonial (2), edição do Correio da Manhã

Beja Santos

Da série “As grandes operações da guerra colonial”, com textos de Manuel Catarino, foram publicadas 16 brochuras que eram distribuídas num encarte com os diferentes volumes de “Os Anos da Guerra”, de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, edição do Correio da Manhã. A maior parte das brochuras tem a ver com a Guiné. Em texto anterior, aqui se referiu a operação “Tridente”, as operações “Grifo” e “Ciclone II” em que os Paraquedistas passaram por Guileje com infortúnios e também colhendo sucesso; depois aparecem os Paraquedistas na operação “Vulcano” em que não conseguiram progredir na zona de Cassebeche sem o apoio do fogo aéreo; referiu-se a captura do capitão Peralta numa operação conduzida pelos Paraquedistas da Companhia 122, a operação “Jove”. Ainda desta 4ª brochura importa agora referir a operação “Grande Empresa”, um esforço de fixar no Cantanhez tropas, a partir dos finais de 1972.

Tudo começaria pela destruição de importantes posições da guerrilha, conquistando a população que seria retirada do controlo do PAIGC. Escreve Manuel Catarino: “A gigantesca operação foi desencadeada por duas companhias operacionais do Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12, então comandado pelo Tenente-Coronel Sílvio Araújo e Sá, e pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 1 – que, numa primeira fase, ocuparam pontos estratégicos do Cantanhez, na margem sul do rio Cumbijã, e permitiram o desembarque e a instalação em segurança da CCAÇ 4541, da CCAÇ 4540 e da CCAV 8352. A ambiciosa ação militar, cujo planeamento foi atribuído à Secção de Informações e Operações do Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12, chefiada pelo Major Moura Calheiros, teve início no dia 12 de Dezembro”.

A primeira posição inimiga que se pretendeu neutralizar situava-se entre Guileje e Bedanda, era imperioso destruir esta base de guerrilha. Na manhã de 12 de Dezembro, os Páras da Companhia 122 atacam a base, ataque que foi precedido de bombardeamento aéreo. A primeira tentativa de assalto foi rechaçada. A força atacante ensaia um segundo assalto, novo insucesso. Então, o Comando da operação envia de Cufar mais 5 helicópteros. O Capitão Valente dos Santos, ferido, tem um comportamento heroico, apesar da gravidade do ferimento não quis ser transportado para a base. É agora o Capitão Terras Marques quem comanda a operação, encaminham-se para o objetivo apoiados por mais bombardeamentos aéreos. No termo da manhã, a base caiu finalmente. A “Grande Empresa” conheceu a segunda fase com a ocupação de Caboxanque, Cadique e Cafine, na margem sul do rio Cumbijã, por Paraquedistas e Fuzileiros Especiais. Dezenas de Paraquedistas ocupam Caboxanque, outros tantos tomam posição em Cadique e duas lanchas sobem o rio Cumbijã com o Destacamento de Fuzileiros Especiais 1, que ocupa as bolanhas de Cafine. Ocupadas as posições na margem do rio as Companhias de Infantaria e Cavalaria sobem o Cumbijã em lanchas da Armada. Depois de algumas peripécias (o desembarque da CCAÇ 4540, em Cadique atrasou-se, houve camiões que ficaram atolados).

Seguiu-se o esforço de conquistar a população. E o inimigo reagiu, passou a flagelar os aquartelamentos que começavam a erguer-se em Caboxanque, Cadique e Cafine. A população do Cantanhez começou a colaborar com a tropa portuguesa: “Dirigentes locais do PAIGC, chefes das milícias e guerrilheiros foram presos ou abatidos. As informações recolhidas em tabancas permitiram cercar o comissário político do PAIGC na região: morreu em 29 de Dezembro, de arma na mão. O comandante militar da guerrilha no Cantanhez foi feito prisioneiro e o guerrilheiro que o substituiu foi morto em combate (…) Mas, menos de um ano depois, com a retirada dos Paraquedistas que tiveram de ir acudir a Guileje e a Guidage, a região deixou outra vez de ser nossa”.

A undécima brochura refere-se ao ataque a Conacri, a operação “Mar Verde”.
O seu conteúdo é sobejamente conhecido de todos. Já foi anteriormente referido que a organização dos textos é de uma disciplina duvidosa, neste, totalmente a despropósito, fala-se do acidente em que perderam vida três deputados, em Julho de 1970. Igualmente as conclusões do autor sobre a operação “Mar Verde” são muito duvidosas: a PIDE é o bode expiatório. Diz-se que: “As forças de assalto desembarcaram em Conacri – mas não encontraram nesses locais aquilo que a PIDE lhes garantira que iriam encontrar. As informações não eram exatas”. Como se sabe, muitas coisas correram ao contrário, muito do que falhou nada teve a ver com as informações da PIDE.

Quanto à 13ª brochura, o conteúdo prende-se com a viagem secreta de Spínola ao Senegal.
O texto começa com o encontro de Salazar com Spínola, em Abril de 1968 e a sua indigitação para governador, à mistura fala-se de Portugal e o Futuro, aflora-se a atividade inicial de Spínola, fala-se a seguir das operações no Chão Manjaco para negociar a incorporação de forças de PAIGC no Exército Português, é sabido como tudo redundou em bárbaro massacre. O autor dá a seguinte explicação: “O assassínio dos negociadores portugueses só se explica por uma ordem vinda da direção do PAIGC, já então minada por desconfianças entre fações. A cúpula política do partido, na altura instalada na cidade senegalesa de Dakar, soube da traição em marcha – e, perante o risco da rendição vir a ser seguida por outros chefes da guerrilha, agiu com brutalidade. Dirigentes intermédios do partido, como M´Bana Cabra e Júlio Biague, foram enviados ao Chão Manjaco e confrontaram os comandantes locais – que acabaram por colaborar na chacina dos negociadores portugueses e dos seus guias para se limparem da traição. André Gomes, o interlocutor privilegiado dos Majores, continuou comandante do Chão Manjaco. Após os massacres, a guerrilha continuou adormecido no Noroeste da Guiné”. Permanece o mistério sobre as razões efetivas desde bárbaro massacre, como se sabe.

É conhecido o teor das conversações entre Senghor e Spínola e o veto de Marcelo Caetano à continuação de novos encontros, é-lhe indiferente um cessar-fogo por um período de transição de 10 anos e um sufrágio no território para se saber se a população quer a independência total ou a integração numa federação. E vem aí o argumento de que era preferível uma derrota militar com honra a um acordo negociado com terroristas.

Nunca mais as relações se irão recompor. Recorde-se que Luís Cabral em “Crónica da Libertação” desmente categoricamente que Amílcar Cabral alguma vez tenha sustentado as teses de Leopoldo Senghor ou lhe tenha pedido para ser intermediário em negociações. A ser verdade, as expetativas postas nestas conversações foram muito mais voláteis do que consta nas exposições de Spínola a Caetano.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9835: Notas de leitura (356): As grandes Operações da Guerra Colonial, edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9835: Notas de leitura (356): As grandes Operações da Guerra Colonial, edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 19 de Março de 2012:

Queridos amigos,
Compreende-se como as brochuras sobre a Guiné “As grandes operações da guerra colonial”, distribuídas com os fascículos de “Os anos da guerra colonial” foram alvo de contestação no tocante às ilustrações, à toponímia, arrumação de assuntos, etc.
É matéria de divulgação, algumas das brochuras trataram com ligeireza os assuntos e têm até omissões gritantes. Mas é o que há, temos que as deixar repertoriadas no grande acervo para consulta de interessados, investigadores ou historiadores.
Peço a gentileza a quem possui as brochuras IX (A morte dos majores), XIV (O terror dos mísseis), XV (O corredor da morte) e XVI (Comandos libertam Guidage) que me façam o grande favor de mas deixar consultar, prontamente as devolverei.

Um abraço do
Mário


As grandes operações da guerra colonial, edição do Correio da Manhã

Beja Santos

“As grandes operações da guerra colonial”, textos de Manuel Catarino, eram distribuídas num encarte com os diferentes volumes dos “Anos da Guerra”, de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. Foram publicadas 16 brochuras e um número expressivo delas prendia-se diretamente com operações ocorridas na Guiné. Houve grande alvoroço, crítica e mesmo indignação à volta desta iniciativa: uso descarado e sem qualquer referência ao proprietário de imagens em muitos casos desadequadas ao teatro de operações em referência; erros grosseiros em topónimos, datas e até cronologia; reticências quanto à seleção das grandes operações por grau de importância, tratamento conjugado de operações diferenciadas na mesma brochura, repetições e recapitulações excessivas, etc. O que cabe aqui registar foi o que se escreveu, em ordem em que no futuro cada investigador ou pesquisador saiba com o que pode contar.

A primeira brochura com interesse tem a ver com a operação “Tridente”. O autor dá-nos o cenário, a cronologia dos factos, as operações de desembarque com os respetivos quatro agrupamentos, carateriza os combates, lista os louvados, os abastecimentos, o material gasto na operação, as baixas e o texto intercetado de Nino a pedir reforços. A operação é classificada como inútil, como escreve: “Em 24 de Março, ao fim de 71 dias de campanha, o tenente-coronel Fernando Cavaleiro dá o assunto por encerrado, quatro dias antes, à noite, passeara triunfante com o grupo de comandos e o pelotão de paraquedistas pelas matas de Cauane, de Cassaca e de Cachil. Os guerrilheiros, incapazes de travar os ataques portugueses, estão em fuga".
Os combates custaram às nossas tropas 9 mortos e 47 feridos – além de 193 combatentes evacuados por doença. O tenente-coronel Fernando Cavaleiro escreveu no relatório final: “Mais uma vez se verificaram as extraordinárias qualidades dos nossos soldados. Apesar de pessimamente instalados em abrigos, vigilantes dia e noite, de terem tomado parte em inúmeras operações, de durante 23 dias se alimentarem exclusivamente da mesma ementa de ração de combate à base de conserva, de durante os restantes 48 dias apenas terem comido uma refeição quente, apesar da falta de água para beber – a tudo resistiram, mostrando assim um verdadeiro e inigualável poder de adaptação e espírito de sacrifício”. A operação “Tridente” foi das mais ingratas de toda a guerra colonial – um sacrifício inútil. Os guerrilheiros foram expulsos da região, mas o comandante-chefe que veio a seguir, general Arnaldo Schulz, retirou a guarnição que lá tinha ficado. Resultado: os guerrilheiros voltaram a ocupar as ilhas”.

A segunda brochura inclui os acontecimentos das operações “Grifo” (Abril de 1966) e “Ciclone II” (Fevereiro de 1968), sob o título “Para-quedistas no inferno de Guileje”. O autor destaca: “A partir de meados de 1964, a guerra sofre um sério agravamento na Guiné. A guerrilha, que tem as bases na vizinha Guiné-Conacri, cava na fronteira do Sul as principais linhas de infiltração. As tropas portuguesas vivem dificuldades crescentes no Sul do território – na zona de Guileje e em toda a península do Cantanhez. É em Guileje que os paraquedistas passam a grande provação. No dia 28 de Abril de 1966, um pelotão onde seguia o capitão Tinoco de Faria leva a cabo a operação “Grifo”. Objetivo: emboscar um grupo de guerrilheiros. O capitão morre em combate. Dois anos depois, em 25 de Fevereiro de 1968, os Páras executam com êxito a operação “Ciclone II”: tomam de assalto uma forte posição da guerrilha em Cafal-Cafine e infligem pesada derrota ao inimigo”. Encontramos na brochura a descrição da operação “Grifo” e o martírio do capitão Tinoco de Faria, bem como o assalto demolidor da “Ciclone II” que assim culmina “Os combates em Cafine, entre a Companhia 121, do capitão Mira Vaz e os guerrilheiros estavam a ser duros. É então que o comandante da operação manda a Companhia 122, comandada pelo capitão Manuel Lopes Morais, voltar a embarcar nos helicópteros em Cafal e seguir para Cafine. A luta é encarniçada. O inimigo acoitado na mata tenta conter a força de assalto. Os Páras enfrentam autênticas paredes de fogo. Mas sabem que não podem ficar ali: têm que correr em ziguezague, alcançar a mata e calar a metralha inimiga. Quando chegam à zona dos abrigos de onde os guerrilheiros disparam, atacam-nos pela retaguarda com granadas de mão. Os combates terminam pelas 3 da tarde. Uma hora depois, os paraquedistas retiram da zona. Sofreram 3 feridos graves e 2 ligeiros, mas dizimaram um bi-grupo do PAIGC e capturaram todo o material de guerra. Quarenta guerrilheiros foram mortos e dezanove foram feitos prisioneiros. A operação “Ciclone II” fora um êxito.

A terceira brochura trata de uma operação que envolveu paraquedistas, a operação “Vulcano”, que se realizou em Março de 1969, e a seguir o texto, sem mais explicações, dá-nos um quadro abrangente do pensamento e ação de Spínola na Guiné. No caso da operação “Vulcano”, o BCP 12 foi encarregado de planear e executar uma ação com o objetivo de destruir o ninho de metralhadoras antiaéreas – as ZPU-4, que atuavam no Cantanhez. Duas companhias de paraquedistas tinham como missão atacar as posições do PAIGC em Cassebeche. Aviões Fiat, no início da operação, bombardearam os objetivos. No terreno, as coisas estão muito difíceis para os paraquedistas, os morteiros do PAIGC não deixam avançar. O comandante da operação manda retirar. Só uma grande capacidade de combate lhes permitiu retirar sem baixas. O texto que segue nada tem a ver com operações, alude ao isolamento diplomático, à caraterização de Spínola como cabo-de-guerra e o modo como procurou a reviravolta no plano político e militar. O texto vai de enfiada até à publicação do livro “Portugal e o futuro”.

A quarta brochura diz respeito à captura do capitão Peralta, em Novembro de 1969, e descreve a operação “Grande Empresa”, referente à ocupação do Cantanhez, em finais de 1972. No que toca ao capitão Peralta, havia a informação extraída a um prisioneiro de que uma importante coluna do PAIGC se preparava para atravessar o corredor de Guileje, nela seguiria Nino Vieira. Coube ao BCP 12 a missão de atacar a coluna, será a companhia 122 que irá emboscar no local. É a operação “Jove”: “Cerca das 10 horas da manhã de 18 de Novembro de 1969, os paraquedistas chegam ao ponto de emboscada – e procuram tomar as melhores posições no terreno. Ainda não estavam preparados, ouvem-se vozes ao longe. A coluna do PAIGC aproxima-se. Os soldados portugueses aguardam as ordens do comandante. Estala então violento tiroteio. Um dos homens da coluna foge para o interior da mata. O capitão João Bessa dá ordens para que o persigam. O fugitivo está ferido. O sargento Regageles corre com meia dúzia de Páras. Seguem o rasto de sangue. Encontram-no caído numa poça de sangue. Tem um braço quase arrancado pelas balas. Está entre a vida e a morte”. Aquele homem não é Nino Vieira, é o capitão do Exército de Cuba, Pedro Rodriguez Peralta. Os guerrilheiros acabam por retirar ao fim de quase meia hora de combate. Peralta receberá uma transfusão de sangue a caminho de Bissau, seguidamente será internado no Hospital Militar, mais tarde foi transferido para o hospital-prisão de Caxias. Será julgado no Tribunal Militar e condenado a 10 anos de cadeia. O episódio termina com um dado curioso: “Não chegou a cumprir a totalidade da pena. O embaixador americano em Lisboa, Frank Carlucci, interessa-se pelo caso. Um agente da CIA, Kirby Hunt, fora apanhado em Cuba e corria o risco de apodrecer numa cadeia de Havana pela acusação de espionagem. Os americanos negoceiam a troca de Peralta por Hunt. Fidel Castro aceita o negócio”.

 (Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9814: Notas de leitura (355): Manuel Pinto de Andrade, Amílcar Cabral e o PAIGC (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7024: Recortes de imprensa (29): A guerra do António Branco, CCAÇ 16, Bachile, 1972/74 (Correio da Manhã, 24 de Agosto de 2008)



1. Ainda há dias, a 16 do corrente, em comentário ao poste P6994 (**), o José Martins escreveu o seguinte:

"Sob o título A Minha Guerra, tem o Correio da Manhã editado, todos os Domingos, um texto baseado nos escritos enviados por combatentes.


"Esta, que considero a 2ª série, aparece mais cuidada, mas, como o espaço é pouco, é bastante reduzida, deixando de fora algumas passagens que o(s) autor(es) consideravam mais significativas.


"Sugiro, pois, aos editores que, em simultâneo com os resumos apresentados (e disponíveis na página do CM) sejam também publicados os textos que serviram de base ao trabalho da Maria Inês Almeida, e que os autores queiram disponibilizar.


"Nestes textos, poder-se-á observar diversas formas de encarar os mesmos acontecimentos e, no caso de unidades de recrutamento local (p.e. CCAÇ 5 - 6 participações) a sequência dos factos que foram ocorrendo" (...)


2. Comentário de L.G.:

Seguindo a sugestão do Zé Martins, lancei ao pessoal da Tabanca Grande, através do nosso correio interno, um desafio para que nos façam chegar os textos eventualmente entregues ao CM, para a série A Minha Guerra...(Naturalmente, os já publicados). E a seguir dizia que "nem sempre os jornalistas respeitam a letra e o espírito dos nossos depoimentos, entrevistas, etc. (Falo por experiência própria)"...

E acrescentava: "Por outro lado, nem toda a gente lê o CM... O nosso blogue, por sua vez, pode chegar às 3 mil visualizações por dia (...). E o vosso nome fica na lista dos marcadores/descritores, logo mais facilmente pesquisável na Net" (...).

3. A primeira resposta que nos chegou foi a do nosso camarada António Branco, com data de 16 do corrente:

Amigos e camaradas: Aproveitando a sugestão de hoje, aqui estou de imediato disponível, a  partilhar com a Tabanca Grande o meu depoimento publicado no CM em 24-08-2008, na 1ª série de A minha Guerra.

Pessoalmente considero que o seu conteúdo é algo pobre, face ao que descrevi na entrevista, mas também compreendo que a visão jornalística, naturalmente,  não é coincidente com a nossa.

Devo referir igualmente que toda a descrição foi baseada apenas na minha memória visual, já que não possuía nenhum suporte escrito e por esse motivo, admito perfeitamente,  e apesar de ter tentado ser coerente, é passível de conter algumas pequenas imprecisões.

Um forte abraço

António Branco



Estes alguns dos recortes que ele nos mandou, e que reproduzimos aqui, com a devida vénia ao Correio da Manhã:



















guisse chegar ao morteiro e começar a resposta ao ataque com algumas granadas.  (...)  





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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 16 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6994: Recortes de imprensa (28): A fraternidade na guerra, segundo Mário Fitas (Correio da Manhã, 6 de Junho de 2010)


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3584: Recortes de Imprensa (10): Os ficheiros secretos de Coutinho e Lima, no Correio da Manhã, de 7/12/08

Capa da revista Domingo, suplemento do Correio da Manhã, edição nº 10 782, de 7 de Dezembro de 2008. Tema: Derrota à vista na Guiné. Reportagem do jornalista José Carlos Marques, o único jornalista da imprensa escrita portuguesa que acompanhou os trabalhos do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008), incluindo a visita dos participantes ao Cantanhez, no sul, na Região de Tombali (1 a 3 de Março de 2008) (*).

Imagem (digitalizada e editada por L.G.): Correio da Manhã (2008) (com a devida vénia...)



1. Eis alguns dos excertos do trabalho jornalístico do José Carlos Marques:

"Em 1973, a guerra na Guiné atinge um ponto crítico. A acta da reunião de Comandos de 15 de Maio mostra a descrença de Spínola e dos seus militares na hipótese de vitória.

"Encontramo-nos, indiscutivelmente, na entrada de um novo patamar da guerra. Bissau, 15 de Maio de 1973. O general Spínola, comandante militar e político da Guiné, fala perante os comandos militares, numa reunião convocada por si. A reunião de Comandos tinha por objectivo fazer o ponto de situação da guerra da Guiné. Spínola ouviu os seus homens repetir o que já sabia – o inimigo estava cada vez mais forte e as tropas portuguesas sentiam dificuldades crescentes em travar o avanço do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

(...) "Na acta da reunião, que recebeu o carimbo 'muito secreto', pode ler-se o diagnóstico do homem que liderava as tropas portuguesas na Guiné: 'Afiguram-se-nos manifestamente insuficientes os meios actuais face à evolução verificada, pois considero demonstrada à evidência a impossibilidade de alterar a manobra para economizar meios, sem grave compromisso da missão'.

"A 15 de Maio, o Norte da Guiné está a ferro e fogo. Desde o dia 8 desse mês que o quartel de Guidaje fica cercado pelo PAIGC, que fustiga a base militar com uma violência nunca vista. Os 200 homens da guarnição defendem-se de 700 guerrilheiros bem armados. O apoio aéreo é limitado pelos ataques com mísseis terra-ar Strella, de fabrico russo – o PAIGC abate aviões FIAT G-91, Dornier e helicópteros. O comando vê-se obrigado a deslocar para a região todos os reforços disponíveis, conseguindo impedir a queda da guarnição ao final de um sangrento mês de combates. Uma vitória provisória, só possível devido à operação ‘Ametista Real’, em que o corpo de comandos atacou a base da guerrilha em Cumbamori, no Senegal, cortando as linhas de abastecimento que possibilitavam o cerco a Guidaje. Mas o pior ainda estaria para vir, com a perda da guarnição de Guileje, no Sul da Guiné, a 22 de Maio.

"Os militares sabiam que não havia já condições para travar o PAIGC. Um dos participantes na reunião de 15 de Maio, o brigadeiro Alberto da Silva Benazol, Comandante Territorial Independente da Guiné, fala das dificuldades de retirar feridos e mortos do teatro de operações. 'Temos de encarar o aumento do número de mortos', diz, avisando ainda que 'há que estar-se preparado para a utilização de cemitérios de unidade e, portanto, haverão os familiares na Metrópole de estar preparados para aceitar que nem sempre será possível receberem os restos mortais dos seus heróis, em prazo curto e na forma em que se tem processado'.

"O brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional, admitia o risco da perda de várias guarnições: 'o inimigo está a preparar as necessárias condições para a conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de acesso (Guidaje, Buruntuma, Guileje e Gadamael) (...) isto já está ao alcance das suas possibilidades militares'. O mesmo militar avisa que 'não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa'.

(...) "Gauldino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, que já tinha descrito ao pormenor as extremas limitações de voo desde que as aeronaves começaram a ser abatidas por mísseis terra-ar, (...) numa única folha, listou os meios de que precisava: 8 aviões Skyvian, de transporte ligeiro, 5 helicópteros, 12 aviões Mirage ou de tipo semelhante, novos radares e mísseis terra-ar do tipo Red-eye (o PAIGC começava também a usar meios aéreos próprios). Na prática, isto queria dizer que praticamente toda a aviação seria substituída – um pedido que sabiam ser incomportável para Lisboa, agravado pelo facto de ser cada vez mais difícil a Portugal comprar armamento, devido à contestação internacional à guerra.

"O governo de Marcello Caetano estava informado do que se passava na Guiné, mas não foram enviados reforços (...).

"A perda de Guileje marca um ponto de viragem na guerra, mas o único comandante português que abandonou uma guarnição durante a Guerra Colonial não se arrepende de nada: 'Em consciência fiz o que devia ser feito', escreve Coutinho e Lima no livro ‘A Retirada de Guileje’, que vai ser lançado em Lisboa no próximo dia 13 de Dezembro.

"Trinta e cinco anos depois, o coronel de artilharia do Exército conta o que o levou a sair – com 200 soldados e 500 civis – de uma base crucial para cortar as linhas de abastecimento do PAIGC na Guiné-Conacri. A decisão valeu-lhe um ano de prisão preventiva em Bissau, por ordem do general Spínola, e um processo na justiça militar que se extinguiu com o arquivamento, após o 25 de Abril.

(...) "A ARMA QUE MUDOU O CURSO DA GUERRA

"Em 1972, o PAIGC recebeu uma prenda valiosa da União Soviética. O míssel terra-ar Strella acabou com a supremacia aérea dos portugueses. A arma é usada pela primeira vez em Março de 1973. Após dois sustos sem consequências, a 25 de Março o Fiat G-91, pilotado pelo tenente Pessoa, é abatido. Seguem-se uma série de tiros certeiros. O impacto dos Strella é brutal. Os soldados deixam de ter apoio aéreo e as operações helitransportadas ficam em xeque. Sem possibilidades de reabastecimentos e com dificuldades de retirada de mortos e feridos, a moral das tropas cai a pique.

"OFENSIVA EM TRÊS FRENTES DÁ VANTAGEM AO PAIGC

Maio de 1973 foi terrível para os militares portugueses na Guiné. Sedentos de vingar a morte de Amílcar Cabral – assassinado [em Conacri] em Março – os líderes do PAIGC planeiam uma grande operação no Norte e no Sul do território. Soube-se recentemente que os ataques deveriam ter ocorrido ao mesmo tempo, mas o cerco à base de Guidaje, no Norte da Guiné, começou mais cedo por os portugueses terem detectado movimentações da guerrilha. Guidaje esteve cercada entre 8 de Maio e 8 de Junho, obrigando o comandante-chefe a mobilizar para lá todos os reforços de que dispunha. Quando começa o assalto a Guileje, no Sul, não há tropas disponíveis para o apoio. Os ataques são liderados por Nino Vieira, comandante do PAIGC para a zona Sul. A operação Amílcar Cabral – designação escolhida em homenagem ao líder assassinado dois meses antes – começa no dia 18 de Maio e o quartel cai a 22, com dois mortos do lado português. Uma coluna de soldados e civis retira para Gadamael, que fica debaixo de fogo durante vários dias. Entre 31 de Maio e 2 de Junho caíram 700 granadas, fazendo 5 mortos.

"Sem abrigos eficazes, centenas de soldados fogem para a selva, e só a chegada de novos comandantes e, no dia 12, de reforços, salvam Gadamael de sofrer o mesmo destino da guarnição de Guileje.

"As fragilidades das tropas portuguesas são evidentes. Só o 25 de Abril permite evitar uma derrota militar na guerra da Guiné". (...)

Guiné-Bissau > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Depois de um excelente almoço, de carne e peixe, na praia piscatória de Cananime, os visitantes deram um salto, de barco a motor, à outra margem do Rio Cacine, justamente para visitar a povoação de Cacine. O jornalista do Correio da Manhã, José Carlos Marques, foi um dos privilegiados elementos desse grupo... Ei-lo aqui de regresso ao barco... Conheci-o nessa altura, da minha viagem de regresso à Guiné. Sempre atento, discreto e afável.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Coutinho e Lima, depois de ser homenageado pela antiga população de Guileje (que hoje vive em Mero), deixa-se fotografar no recinto do antigo aquartelamento, com o traje de home sábio, a chabadora, que lhe impuseram...
Segundo ele me confidenciou na altura, a população de Guileje estava relutante em abandonar os seus haveres, a sua tabanca, as suas moranças... A verdade é que, ao fim de cinco dias a viver nos abrigos, a população local (cerca de meio milhar de pessoas) e os militares portugueses (c. 200), sem água, sem transmissões, sem apoio aéreo, com um morto, e com a artilharia a acertar em cheio nas instalações de superfície, dificilmente poderia resistir muito mais tenpo...
Foi talvez uma das decisões mais difíceis da sua vida e, ao tomá-la, o então major, comandante do COP5 , sabia que punha fim à sua carreira militar, como aqui confessa na entrevista ao jornalista do Correio da Manhã. Ao escrever o livro A retirada de Guileje: a verdade dosfactos (que será apresentado no próximo sábado, dia 13, no auditório da Academia Militar, na Amadora), o actual coronel de artilharia reformado seguiu a máxima do nosso blogue, de que é membro: "Não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti"...

Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



2. Entrevista de Coutinho e Lima ao jornalista José Carlos Marques

(...) "O que o levou a escrever um livro sobre a retirada de Guileje? (**)

"A minha prioridade foi dar a conhecer aos meus filhos e netos e a toda a gente o que se passou naquela odisseia de Maio de 1973 em Guileje. Quis que essa história ficasse escrita.

"Guarda algum sentimento de injustiça em relação ao que se passou?

"É evidente que sim. A quente, até posso compreender a decisão do general Spínola de me mandar prender, mas depois não quiseram ter a capacidade de estudar racionalmente a situação e verem que a retirada foi a melhor solução para toda a gente, até para o comandante-chefe, que não tinha possibilidades de resolver o problema.

"Nunca se arrependeu da decisão de abandonar Guileje?

"Não, nunca duvidei. Não havia hipótese de defesa, se tivéssemos lá ficado seríamos todos mortos.

"Sabia das consequências que ia sofrer?

"Quando saí, disse aos meus homens que a minha carreira militar tinha chegado ao fim. Pus a carreira de lado perante as centenas de pessoas que dependiam de mim".

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2674: Recortes de imprensa (3): José Carlos Marques, do Correio da Manhã, em Gandembel e Guileje, embeded nas NT

Vd. últimpo poste desta série > 4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3404: Recortes de imprensa (9): Em Gandembel - O adeus à Guerra (José Teixeira/César da Silva)

(**) Vd. poste de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3527: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (1): Lançamento do livro, 13/12/08, 17h, na Academia Militar, Amadora


(...)O livro A RETIRADA DE GUILEJE, edição de autor, não estará à venda nas livrarias; Coutinho e Lima está disponível para o enviar, pelo correio, para qualquer parte do Mundo. Aqui ficam os seus contactos:

- Rua TOMÁS FIGUEIREDO, nº. 2 - 2º. Esq. 1500 – 599 LISBOA
- Telefone: 217608243
- Telemóvel: 917931226
- Email: icoutinholima@gmail.com