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sábado, 15 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22202: Casos: a verdade sobre ...(23): a data do atentado no Café Ronda, Bissau... Nem tudo o que parece, é... (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74)


Guiné > Bissau > Santa Luzia > QG / CTIG >"Cartão que nos foi distribuído para podermos circular no QG depois da bomba. Reparem nas datas de emissão e validade (parece que contavam comigo até ao fim da comissão)"..De facto,o cartão era válido de 27 de abril de 1974 a 27 de março de 1975... A bomba no QG/CTIG terá sido em 22 de fevereiro de 1974...

Foto (e legenda): © Abílio Magro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de ontem, enviada às 16h20 pelo Abílio Magro (ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74) (*), que não era Alberto, mas Valente... Mesmo com o nome errado, entrava e saía todos os dias do QG/CTIG, em Santa Luzia, com o cartão acima reproduzido...

Caro Luís, tudo bem contigo? Espero que sim e que já tenhas tomado as 2 (vacinas).

Realmente esta confusão de datas (*) é mesmo muito estranha.(**)

Tentando criar alguma luz sobre o assunto, resolvi escrever um texto que envio em anexo e que poderá servir de alerta para a verdade documentada, embora eu saiba bem que é essa que conta "para o totobola", mas factos são factos.

Permite-me que te dê a sugestão de, através do blog, convocares todos os "homens grandes" que estavam naquela data no local do "crime" para usar da palavra sobre o assunto e, se eu estiver enganado, lá terei de me apresentar junto de ti descalço e com a corda ao pescoço.

Abraço, AM

2. Casos: a verdade sobre a data do atentado no Café Ronda, Bissau... Nem tudo o que parece, é... (Abílio Magro)

Notas sobre as Conclusões do Seminário “Guerra de África – Portugal Militar em África 1961- 1974 – Atividade Militar” realizado no IESM em 12 e 13 de Abril de 2012 Por Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso

 http://www.cd25a.uc.pt/media/pdf/ConclusoesdocoloquioIESM.pdf --- x --- 1974

 (excerto) 

Janeiro, 21 - Primeira acção do PAIGC na cidade de Bissau, com lançamento de engenhos explosivos contra autocarros da Força Aérea, seguidos, uma semana depois, de dois outros engenhos do mesmo tipo num café da mesma cidade frequentado por militares portugueses 

Fevereiro, 26 - Atentado num café de Bissau. Este atentado seguiu-se a outros ataques a autocarros da Força Aérea. Duas granadas de mão defensivas com disparador de atraso explodiram no recinto do café Ronda, em Bissau, causando cinco feridos graves e 44 feridos ligeiros entre os militares e um morto e 13 feridos entre os civis.


A confusão continua: “uma semana depois” não nos leva a fevereiro, certo? E se foi em janeiro, ainda aceito com alguma relutância porque nessa altura o meu irmão Álvaro ainda por lá andava, mas continuo a pensar, como o Kalu (**), que foi por volta do mês de setembro e digo isto apenas pelo facto de nesse atentado ter sido gravemente ferido o Fur Mil Romão, chegado à Guiné um dia ou dois antes e que ia substituir na CSJD o meu camarada Costa que tenho ideia de ter acabado a sua comissão uns meses antes de janeiro de 1974. 

Mas, claro, com todas estas confusões, já começo a duvidar. O certo, certo é que eu estava no cinema UDIB (julgo que o rebentamento se deu pouco depois das 21h00) e o meu irmão Álvaro estava lá por perto, mas em 26/02/1974 já não estava na Guiné. 

Não deixa de ser estranho também que, tendo o atentado sido executado, segundo está escrito, por volta das 22h30, uma mensagem seja enviada no início da tarde do dia seguinte pelo Comando Chefe à Defesa Nacional já com referência a resultados de averiguações. 

Os historiadores, antigamente, socorriam-se das ‘verdades’ dos historiadores que os precederam e essa era a ‘verdade documentada’, estivesse correcta ou não. O historiador inglês Jack Lindley acrescentou à investigação, nos finais do século XX, o princípio da separação entre a ‘verdade documentada” e a ‘verdade aceitável’. E quando a ‘verdade’ documentada contém erros grosseiros, sou levado a aceitar a verdade sustentada na minha memória e na dos que por lá andavam na altura. 

Os erros grosseiros em documentos militares eram mais que muitos e nem sempre havia tempo ou pachorra para os ‘catar’ todos. A mim entregaram-me um cartão para acesso ao QG (depois da bomba) onde constava Abílio Alberto Lamares Magro quando o correcto é Abílio Valente Lamares Magro, mas como o nome do meu pai era Acácio Alberto Lamares Magro,  o erro deu-se compreensivelmente, mas eu nunca troquei o cartão porque o erro não me impedia de entrar no QG. 

Depois também temos os jornalistas e historiadores contemporâneos, alguns com uma falta de profissionalismo exasperante e, depois, há quem se sustente nas ‘bacoradas’ por estes proferidas/publicadas. 

Aqui há tempos, a propósito da morte do Marcelino da Mata, ouvi na TV o ‘historiador’ Fernando Rosas a desancar furiosamente naquele militar português apelidando-o de tudo e mais alguma coisa, chegando ao ponto de afirmar que o Marcelino foi o fundador dos Comandos africanos, e o maior responsável pela invasão da Guiné-Conacry. “Um país estrangeiro!” vociferava ele ... enfim. 

Esse ‘historiador’ também andou pela Guiné-Bissau aqui há uns anos a gravar uns episódios sobre a guerra e o PAIGC e, quando falou sobre a bomba no QG (Santa Luzia), estava em frente ao QG/ CCFAG (Amura),  apontando para este como tendo sido alvo daquela bomba. 

Como podemos dar crédito a tudo o que se escreve e diz nos órgãos de comunicação social?! Terá a data de 26/02/1974 sido erradamente colocada naquele documento oficial? Será que ninguém deu pelo erro e toca a aceitá-la como boa durante anos e talvez séculos? 

O facto de o meu irmão Álvaro ter assistido de perto a este acontecimento e de já não estar na Guiné em 26/02/1974, levam-me a estranhar estas divergências de datas e a entrar em conjecturas na tentativa de perceber o assunto. Conjecturando: será que o “evento” se deu a 21 de janeiro de 1974 e houve atraso/esquecimento em o comunicar à Defesa Nacional e houve que inventar uma data? 

Resta-me aceitar a “verdade” documentada (a oficial), mas … Pela verdade oficial eu tive duas irmãs gémeas (oficialmente e registado, nasceram no mesmo dia), mas pela verdade aceitável (a real) elas tinham dois anos de diferença. 

Siga para bingo! 

Abílio Magro
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11164: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (6): Regresso a Bissau

(**) Vd. poste de 10 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22191: Casos: a verdade sobre ...(22): A deflagração de um engenho explosivo no Café Ronda, em Bissau, em 26 de fevereiro de 1974 (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde)

domingo, 23 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21287: Controvérsias (142): Recebi algumas críticas e muitos insultos mas também muitas palavras de agradecimento de ex-combatentes, que se reviram no que está lá escrito, na minha tese de doutorammeto em antropologia sobre o uso de substâncias psicoativas durante a guerra colonial (Vasco Gil)




"Uma coisa é estudar a guerra, outra é viver a vida de um guerreiro". 

Foto (e legenda): © Vasco Gil (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Recorte da edição do Público, 2 de agosto de 2020: Texto de Patrícia Carvalho e fotografia de Daniel Rocha. O artigo só está disponível para assinantes. (Excerto reproduzido com a devida vénia...)

1. Mensagem de Vasco Gil, doutorado em antropologia pelo ISCTE [ CALADO, Vasco Gil Ferreira - Drogas em combate: Usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2018. Tese de doutoramento. [Consult. 3 de agosto de 2020 ] Disponível em www: http://hdl.handle.net/10071/18841, técnico superior do SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependência, dependente do Ministério da Saúde; autor da entrevista ao "Público", de 2 de agosto de 2020:


Date: quarta, 6/08/2020 à(s) 13:54
Subject: Tese e entrevista sobre o uso de substâncias psicoativas na guerra colonial

Luís: Escrevi umas linhas. Se achar que faz sentido publicar, e que não será motivo de maior agitação no blogue, está à vontade para publicar: 


Deixo uma foto que poderá juntar. Vasco Gil
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Sou o autor da tese de doutoramento sobre o uso de substâncias psicoativas na guerra colonial e quero deixar alguns esclarecimentos sobre a entrevista dada ao "Público" [, edição de 2 de agosto de 2020] (*)

Em primeiro lugar, quero pedir desculpa pelo título e por algumas das fotos que ilustram a entrevista. A escolha não foi minha e admito que, quem não leu a entrevista, tenha ficado condicionado por algumas das fotos, que eventualmente passam uma imagem mais sensacionalista.

No entanto, quem leu com atenção constatou que o conteúdo não é esse. Nunca é dito que o consumo de drogas era generalizado ou mesmo a embriaguez. Pelo contrário, deixei bem claro que a descoberta da cannabis se deu numa fase mais tardia da guerra (no final do anos 60 e início da década de 70).

Este é um trabalho de Antropologia, pelo que não me preocupei em quantificar o uso desta substância. Deixei claro que apenas uma minoria teve contacto com a cannabis e a maior parte de quem consumiu fê-lo de uma forma experimental (uma ou outra vez, movido pela curiosidade). Mas houve alguns militares que passaram por Angola e Moçambique (na Guiné não existia cannabis) que descobriram a liamba e a suruma e usavam-na para alguns fins. Foi nesses que me foquei, mas sempre com o cuidado que ressalvar que a maioria nunca se apercebeu de nada.

Nunca uso o termo «drogados», que era um conceito desconhecido na altura. Mesmo «droga» não tinha o sentido que tem hoje. A maior parte dos militares que experimentaram fumar liamba e suruma durante a guerra não sabia bem de que se tratava, era apenas algo que viam outros fazer, nomeadamente os seus camaradas (brancos e pretos) de origem africana.

Devem ter sempre em mente que não há na tese ou na entrevista qualquer juízo de valor. Não entendo o uso de substâncias psicoativas como algo bom ou mau. O que me interessou foi perceber como é que num contexto de guerra era possível, mesmo que fosse pontual e não generalizado, o consumo de substâncias como álcool e cannabis.

E a minha conclusão foi que o uso de álcool e cannabis era um recurso terapêutico, isto é, algo que era consumido para ajudar a lidar com uma realidade muito, muito dura. De uma violência que eu não consigo sequer imaginar.

Na verdade, grande parte da tese é a explicar o quão dura foi a experiência de guerra para os militares que participaram na Guerra Colonial. E é essa violência que explica uma série de práticas. É essa a tese central.

Como tantos da minha geração, eu não conhecia nada sobre a Guerra Colonial. E descobri que foi muito mais dura e violenta do que eu supunha. Não sabia nada sobre o sofrimento, os traumas e a violência.

Tenho pena que não reconheçam que tentei fazer justiça a essa vossa experiência. Quando falo do uso de cannabis e dos episódios de embriaguez estou a criticar uma experiência de guerra tão dura ao ponto de alguns militares recorrerem a substâncias psicoativas para garantir um equilíbrio emocional (como recorriam a outros estratagemas, como o convívio, as cartas, a música, a fotografia, etc.). Não estou a criticar quem aumentou o consumo de álcool ou experimentou fumar cannabis.

Tudo o que disse atrás, aprendi com camaradas vossos, alguns que pertencem a esta comunidade. Não inventei nada, como é óbvio. Alguns trechos vêm de entrevistas, outros são citações de livros de memórias de guerra ou diários escritos na guerra (neste caso, qualquer um pode confirmar a veracidade do que é citado).

Eu aprendi como alguns de vós que os ex-combatentes se sentem muitas vezes injustiçados e pouco reconhecidos por tudo aquilo que foram obrigados a passar em África, mas não vejam em mim um inimigo. Pelo contrário, sou alguém que tentou trazer a lume mais um episódio da guerra que travaram.

Mesmo sabendo que o tema das drogas é um assunto delicado e tabu, ainda para mais para a vossa geração, acreditem que tentei fazer-vos justiça e dar a conhecer tudo aquilo que passaram.

Recebi algumas críticas e muitos insultos mas também muitas palavras de agradecimento de ex-combatentes, que se reviram no que está lá escrito.

Eu acredito que se lerem sem preconceitos e não virem nas minhas palavras um ataque à honra e uma qualquer motivação política, também se vão rever. (**)

Agradeço a todos aqueles que aceitaram colaborar com a minha investigação.

Vasco Gil
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(*) Vd. postes de:








segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20282: Controvérsias (141): o triângulo Jabicunda / Sonaco / Contuboel... Nunca foi atacado, porque tinha à volta uma série de zonas-tampão, Bafatá e a Geba, a sul e a oeste; Fajonquito, Sare Bacar, Pirada e Paunca, a norte e a leste... (Cherno Baldé)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de Dezembro de 2009 > O João Graça, médico e músico, posando ao lado do dignitário Braima Sissé. Por cima deste, a foto emodulrada de Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya [, islamismo sunita, seguido pela maior parte dos mandingas da Guiné; tem o seu centro de influência em Jabicunda, a sul de Contuboel; a outra confraria tidjanya, é seguida pela maior parte dos fulas].

O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [, presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].(*)

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Jabicunda (?) > C. 1975/76 > Em primeiro plano, sentado, mais do lado esquerdo,  está Fodé Irama Sissé. Em segundo plano, de pé, à direita, O Braima Sissé está à direita, de chapéu vermelho, ainda jovem; atrás de Fodé Irama Sissé, está Sissau Sissé (já falecido) e, "vestido à civil", Malan Sissé que foi quem em Bissau mostrou a fotografia ao nosso amigo, e membro da nossa Tabanca Grande, o antropólogo Eduardo Costa Dias, e lhe me deixou tirar "fotografia da fotografia". Entre Malan e Braima está Arafan Cont+e, aluno de Irama. Fotografia de fotografia, de autor desconhecido, datada provavelmente de 1975/76. 

Foto (e legenda): © Eduardo Costa Dias (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhes > Zona leste > O triàngulo Jabicunda, Sonaco e Contuboel.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)



Cherno Baldé, Bissau
1. Comentário do nosso assessor para as questões etnolinguísticas, Cherno Baldé (Bissau), ao poste P20267 (**):

Caros amigos,

Acabo de regressar de uma viagem (missão de serviço) à zona Leste, mais precisamente ao Sector de Boé, tendo visitado as localidades de Canjadude, Tchetche (Ché-Ché), Dandum e Beli onde funcionam centros de saúde para a população.

Depois, no regresso e na região de Bafatá,  visitamos Contuboel, Cambaju e Fajonquito. Todas estas localidades estão hoje irreconhecíveis, uma sombra do que foram, sem falar das cidades de Gabu e Bafatá que estão numa situação lastimosa. Entregaram o ouro aos bandidos e não se podia esperar melhor.

Sobre o tema do presente Poste (*), só tenho a dizer aliás a reiterar o que já tinha dito em tempos: Contuboel nunca foi atacada e, na minha modesta opinião, porque não fazia parte dos planos da guerrilha e porque tanto Contuboel como Sonaco estavam rodeados de postos militares que serviam de dissuasão a qualquer ataque (Geba e os seus destacamentos, Fajonquito e seus destacamentos, Saré-Bacar, Paunca, Pirada, entre outros, a servir de tampão).



Mesmo Fajonquito, a 20 km da fronteira e situado perto da região do Oio, só foi atacada em 1964
entre os meses de Agosto e Setembro e, nessa altura, foi muito pressionado com ataques prolongados e sucessivos como nos testemunhou o Diário do soldado Incio Maria Góis´,  da CCaç 674 (1964/66), mas com a resistência da companhia e a colaboração da população e autoridades tradicionais que recrutaram milicias, a guerrilha contentou-se com emboscadas e flagelações aos postos avançados. Na verdade, já tinham conseguido assegurar o isolamento do corredor de Sitató e uma vasta zona de infiltração para o Centro do país e para o  Morés.

Uma observação que queria deixar ao Luis Graça é que, para quem vem de Bambadinca e Bafatá, o trajecto para Sonaco faz-se por estrada a partir da localidade de Djabicunda, antes de Contuboel. Embora muito próximos, a ligação entre as duas localidades fazia-se via terrestre passando por Djabicunda por causa do rio Geba.

Com um abraço amigo.

Cherno Baldé

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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)



Foto nº 1 > A velha ponte de madeira, sobre o rio Geba (Estreito), em Contuboel


Foto nº 2 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... O Manuel Oliveira Pereira, à proa, à direita... É bom lembrar que ele foi um dos co-fundadores da famosa Companhia Terminal (Bissau,1973/74) (*) devendo ter feito várias viagens nos "barcos turras", com abastecimentos para o seu batalhão e outros do leste...


Foto nº 3 > No "barco turra", a navegar no rio Geba.. À direita, na margem direita do rio, no sentido Xime / Bamadinca, palmares típicos das margens do rio...


Foto nº 4 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... Não parece ser a mesma viagem, o "artista" vai de camuflado... 


Foto nº 5 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... O Manuel Oliveira Pereira, para onde iria, em farda nº 3 ?... 


Foto nº 6 > No "Barco turra", a navegar no rio Geba... Comendo a "ração de combate", que a viagem era longa... Adivinham a marca da lata de sumo de fruta...


Foto nº 7 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... Noutra viagem, de camuflado e de G3...

Guiné > Região de Bafatá > CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884 (Contuboel, 1972//74) > O Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, membro da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Fotos de álbum do Manuel Oliveira Pereira, cortesia da página do Facebook  da Companhia de Caçadores 3547 - Os Répteis de Contuboel, página criada em 2011.

Fotos (e legenda): © Manuel Oliveira Pereira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário do Manuel [Oliveira] Pereira,   ex-fur mil, CCAÇ 3547, "Os Répteis de Contuboel", (Contuboel 1972/74), subunidade que pertencia ao BCaç 3884 (Bafatá, 1972/74); hoje advogado, vive em Ponta de Lima (**)


Meu caro Zé Saúde, camarada e amigo. Como me sinto lisonjeado com as tuas palavras. Na verdade, estivemos tão perto (Nova Lamego e Madina Mandinga) e ao mesmo tempo nunca nos encontramos. Depois, já na vida civil, trabalhamos na mesma secção, tivemos cumplicidades múltiplas e viemos também a residir no mesmo prédio.

Foste ao meu casamento, os meus filhos tiveram, durante algum tempo, por "ama" uma tia tua e nesse tempo NUNCA abordámos,  e até julgo desconhecermos, a nossa situação de combatentes e percurso nas "fileiras". Foram precisos anos, muitos anos, para nos "reencontrarmo-nos"!...


Lido o teu texto, aqui vão algumas achegas: A minha Unidade Operacional pertencia ao BCaç 3884 sediado em Bafatá, e tinha por perímetro de acção o sector de Contuboel. Era a CCaç 3547,  conhecida por "Os Répteis de Contuboel" que, devido à sua localização e, não havendo "guerra", funcionava como Centro de Formação de Milícias. 

Assim os seus Grupos de Combate (Pelotões) [, da CCAÇ 3547,] andavam sempre destacados em reforço de outras unidades. Foi deste modo que a CCaç 3547 fez, nos seus quase 28 meses de Guiné,  um "périplo turístico" por Bafatá, Bambadinca Tabanca, Sonaco, Sare Bacar, Nova Lamego, Madina Mandinga, Galomaro e Dulombi. 

Outra curiosidade que também desconheces, talvez, o teu ex-cmdt de Batalhão,  ten-coronel Castelo e Silva, veio a ser meu cmdt, e de quem eu fui  (e continuo a ser) amigo. Vive actualmente em Valpaços. 

Como vez, muitas coincidências! Esqueci de referir que a partir do 3º mês de Guiné e, enquanto operacional, fui sempre Cmdt de Pelotão e em funções administrativas Delegado de Batalhão.

Um abraço. Manuel Oliveira Pereira, Fur Mil,  BCAÇ 3884/CCAÇ 3547.


2. Comentário de Valdemar Queiroz [, ex-fur mil, CART 11,
(Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) 
(**):

Contuboel, um caso interessante na guerra da Guiné.

De Fevereiro a Maio de 1969 estive em Contuboel e não houve o mínimo indício de guerra a não ser ruídos noturnos de outras tabancas a 'embrulhar' e também não tive conhecimento de anteriormente ter havido.

Depois, no resto do ano de 1969 e até Dezembro de 1970, quer em Nova Lamego ou em Paunca, nunca tivemos conhecimento de nenhum ataque a Contuboel.

Agora venho a saber que até 1974, ou seja, até ao final da guerra, Contuboel nunca foi atacada.

3. Comentário do editor LG:
Eu e o Renato Monteiro,
o "homem da piroga", no rio Geba,
com a ponte de madeira ao fundo...,
e que lhe ia seno fatal!

Foto (e legenda): Luís Grça (2005)

É verdade. Zé Saúde e Manel Pereira ? Trabalharam juntos, e nunca tinham falado da Guiné e da guerra , até se encontrarem em Monte Real, num Encontro Nacional da Tabanca Grande ? 

Manuel, Contuboel (, o quartel e a tabanca,)  nunca foi mesmo atacado ou flagelado pelo PAIGC em todos estes anos de guerra ?  Ou, pelo menos, no teu tempo ?

O Valdemar e eu estivemos lá, no 1º trimestre de 1969, na altura Contuboel era um CIM (Centro de Instrução Militar) e e eu descrevia como um "oásis de paz" a ponto de termos feito a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) nas suas imediações, em farda nº 3, com as nossas praças, do recrutamento local (, refiro-me à CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) apenas com balas de salva nas cartucheiras da G3... Só os graduados levavam bala real (***).

Contuboel era local de passagem para quem ia comprar vacas a Sonaco... Quem, da malta do leste, não foi pel menos uma vez a Sonaco ? De facto, também nunca me constou que o quartel tenha sido atacado ou flagelado pela guerrilha do PAIGC, tanto o de Contuboel como o de  Sonaco. É verdade ? (****)

Contuboel tem mais de noventa referências no nosso blogue.

Um abraço especial para o Manel, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora. Conhecemo-.nos no I Encontro Nacional da Tabanca Grande, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 14 de outubro de 2006, já vão 13 anos!...
_____________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 2 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3264: A Companhia Terminal , Bissau, 1973/74 (Manuel Oliveira Pereira)

(**) Vd. poste de 21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 – P20265: Memórias de Gabú (José Saúde) (88): Manel Pereira, um amigo. (José Saúde)

(***)  Vd. poste de 28 de junho de  2005 > Guiné 63/74 - P86: No oásis de paz de Contuboel (Junho de 1969) (Luís Graça)

(****) Último poste da série > 21 de setembro de  2019 >  Guiné 61/74 - P20165: Controvérsias (139): louvor, em ordem de serviço, do comando do BART 733 (Farim, 1964/66), aos seus militares, pelo pronto, abnegado e eficiente socorro prestado às vítimas do atentado terrorista de 1 de novembro de 1965 (João Parreira, ex-fur mil op esp, CART 730 / BART 733, Bissorã, 1964/65; ex-fur mil cmd, CTIG, Brá, 1965/66)

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20199: Controvérsias (139): As doenças sexualmente transmíveis: profilaxia e tratamento... Recordando o nosso saudoso camarada Armandino Alves (!944-2014), ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68)



Capa de uma brochura sobre higiene sexual, sem data [, 1954?],  publicada pela Direcção do Serviço de Saúde Militar, e com destino  essencialmente às praças do exército.

Reproduzida, com a devida vénia, da página da CCAÇ 3387, Escorpiões (Angola, 1971/73), mobilizada pelo RI 2  (Abrantes). bem como o excerto, abaixo ("ligeiros conselhos de higiene sexual").

Os nossos especiais agradecimentos ao Mário Ferreira da Silva, de Cacia, que criou e alimenta esta página, e a quem damos os nossos parabéns: era 1º cabo padeiro.



1. O documento aqui reproduzido é antecedido de uma pequena nota introdutória, da responsabilidade do editor da página da CCAÇ 3387:

Numa época em que um homem ainda podia ter relações sexuais sem o risco de apanhar doenças incuráveis, para as quais ainda não há qualquer hipótese de tratamento à vista [, referência  ao HIV/SIDA], o exército português, na segunda metade do século XIX [ou XX ?], tinha não apenas o cuidado de efectuar acções de sensibilização para os problemas das doenças venéreas, como também distribuía frequentemente documentação escrita, em forma de pequenas publicações num formato A5, na esperança de que os militares a lessem.

Volvidos mais de 30 anos após o término de um período em que os nossos homens eram obrigados a férias forçadas por terras distantes [, referência à guerra colonial],  vão-nos chegando verdadeiras relíquias documentais, que aqui arquivamos e damos a conhecer, após a devida conversão para um formato electrónico.

O presente documento é uma publicação da Direcção do Serviço de Saúde Militar, rigorosamente transcrito e do qual reproduzimos apenas a capa da publicação, num formato A5, tal como anteriormente dissemos.

O citado documento foi inserido em 1/7/2009, na página da CCAÇ 3387-


DIRECÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE MILITAR

LIGEIROS CONSELHOS DE HIGIENE SEXUAL


Segundo pesquisa que fizemos na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos, esta brochura ou folheto,  de 2 folhas, data de 1954: 

Título Profilaxia das doenças venéreas no Exército: ligeiros conselhos de higiene sexual
Publicação: [S.l. : s.n.], 1954 ( Lisboa:  Tip. Pap. Fernandes)
Descrição física: 2 fl; 11 cm.


De qualquer modo é de registar que o exército (ou o seu serviço de saúde militar), nessa época já distante, sete anos antes do início da guerra colonial,  era muito mais pragmático e muito menos hipócrita, em matéria de prevenção  e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis  do que a generalidade das outras instituições da sociedade portuguesa da época...

Recorde-se que a  ilegalização da prostituição e das casas de passe (ou de tolerância, ou casas toleradas, como a famosa Casa da Mariquinhas), com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1963, foi feita pelo Decreto-Lei nº. 44579, de 19 de setembro de 1962, emanado dos Ministérios do Interior e da Saúde e Assistência, do Governo de Salazar (**).

Claro que o documento não deixa de ser misógino, diabolizando a  prostituição feminina... O médico miitar, qie terá redigido os conselhos, esqueceu-se de acrescentar que em todos os tempo a prostituição segue a tropa... Muitas mulheres que trabalhavam nas casas depasse, em 1963, terão emigrado para Angola (**)...


LEMBRA-TE:

– Que depois de teres contacto sexual com mulher é obrigatório procurares o posto antivenéreo  [PAV] da tua unidade; e deves procurá-lo dentro de 3 horas, o máximo, depois desse contacto, para tirares resultado;

– Que tens no PAV a garantia da tua saúde; e sabes que a tua saúde é o melhor capital de que dispões;


– E que, não procurando o PAV, não te desinfectando, arruínas a tua saúde para sempre, contraindo doença venérea; e depois levas para casa mal ruim que pegarás à tua mulher e que transmites a teus filhos.


FICA SABENDO:

– Que essas doenças venéreas são a blenorragia (corrimento de pus pela uretra) e que aparece alguns dias depois do contacto sexual;

– As feridas no pénis e órgãos genitais e até na boca e no ânus (cavalos duros) podem aparecer só passadas algumas semanas, e que muitas vezes se não dá pelo aparecimento, porque podem não doer; e há outras fendas no pénis (cavalos moles) que dão muitas vezes inchaços nas virilhas (as mulas).


TOMA CUIDADO:

– Com as mulheres que se dizem muito sérias e saudáveis e em geral são mais perigosas do que as outras. E procura não ter relações sexuais com mulher que tenha feridas, caroços nas virilhas ou no pescoço, rouquidão, aftas, purgação ou qualquer corrimento, que tenha as roupas manchadas, ainda que para isso te dê qualquer desculpa e que diga não ter isso importância alguma.


PROCURA:

– Fazer uma completa e boa desinfecção e para isso segue as regras que estão afixadas no PAV e assim:

– Urina com força (pois que, urinando, fazes uma boa lavagem da uretra) e baixando as roupas convenientemente utiliza o mictório,  cavalgando com a face voltada para a parede e ensaboa, com o sabão desinfectante, durante um minuto, tudo o que esteve em contacto com as partes genitais da mulher, lava bem tudo com bastante água e, a seguir, repete a lavagem com mais sabão e durante 2 a 3 minutos.

ATENÇÃO:

– Nunca te fies na experiência apregoada das praças velhas e procura sempre o PAV, nunca te esquecendo que o tens de fazer dentro de 3 horas, o máximo, pois que, mais tarde, a desinfecção já não tem efeito; e mais, sempre que tenhas qualquer suspeita de doença venérea, consulta sempre o médico da tua unidade.


[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]


2. O nosso saudoso camarada, do Porto,  Armandino Alves (1944-2014),  ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem, CCAÇ 1589 (, Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68)  (*), escreveu a propósito deste documento o seguinte em 2009 (**)

(...) "Recebi o o teu e-mail e fiquei admirado com a existência do referido Livro. Nem na recruta nem no Ultramar foi distribuído tal livro ao serviço de saúde para ser entregue aos militares .

Mas pelo que depreendo deve ter sido para a Guerra de 1940/45 [, o documento é posterior, é de 1954]. E digo isto porque em 1960 [, mais exatamente em 1963] Salazar acabou com a prostituição. Isto diziam eles. Como deves saber até essa data havia as chamadas casas de tia e vários cafés especializados nisso (no Porto havia o Derby, o Royal, o Moderno e o Portuense onde elas estavam sentadas nas mesas e era só escolher)." (...)


E acrescentava sobre as práticas sanitárias da época:

(...) "Nessa altura elas possuíam um livrinho, tipo Boletim de Vacinas, onde era anotado pelo Médico o estado delas. Se fossem apanhadas pela Polícia com o livrinho com a inspecção fora da validade dava 3 anos de cadeia. No Porto essas inspecções eram feitas num anexo nas traseiras da Biblioteca Municipal do Porto .

"Ora como na teoria tinha acabado a prostituição para quê mandar editar esses opúsculos ?" (...)

E focando-se no seu tempo, enquanto militar:

(...) "A verdade é que o que existia nos postos médicos das unidades (e nem em todos) era umas caixinhas com umas bisnagas com um produto que eu nem me lembro do nome, que o soldado solicitava quando queria ir às putas, mas tinha que se anotar o nome, dia e hora a que era solicitado. Claro que ninguém ia buscar o dito tubinho.

"E foi assim que, quando a minha Companhia regressou do mato a Bissau e os soldados se sentiram livres, apareceu-me passados dias em vários soldados os sintomas da blenorragia.

Ora isto tinha que ser comunicado ao Médico que por sua vez informava o Comando da Companhia que por sua vez agraciava o infractor com cinco dias de detenção. Ora detidos já tinhamos estado nós no mato durante um ano e, como eu já sabia que o médico ia receitar Penicilina na dose mais forte, foi o tratamento que eu lhes prescrevi e para estarem na enfermaria a X horas para ser eu a aplicar as referidas injecções. Só que para meu azar um dos atingidos, por motivos de serviço não pôde estar no horário previsto e foi ter com o Cabo Enfermeiro de Dia para que lhe desse a injecção. Como ele não sabia de nada,  comunicou ao Médico,  que comunicou ao meu Comandante e este chamou o soldado que lhe disse que tinha sido eu que o mediquei.

Claro que fui chamado ao Comandante que me ameaçou com os referidos 5 dias de detenção. Eu então perguntei-lhe se fosse no mato o tratamento era o mesmo... Felizmente o Comandante, atendendo aos bons serviços prestados durante toda a Comissão, rasgou a participação do Médico e ficou tudo em águas de bacalhau."

E concluindo:

(...) "O que as brochuras dizem não é bem o que se passa no terreno a nível prático. A gente vai-se desenrascando conforme pode e sabe e isso às vezes salvava vidas." (***)

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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20151: Controvérsias (139): o atentado terrorista de 1/11/1965, em Farim e a versão da PIDE sobre o "dinheiro sujo"... os alegados 14 contos a pagar pelo crime eram, na época, uma pequena fortuna, era quanto o Júlio Pereira, gerente da sucursal da Ultramarina, pagaria a um camponês de Farim por 14 toneladas de mancarra (!)



Não chegaram a ser pagas as 140 notas de 100 pesos que alegadamente o Júlio [Lopes] Pereira, gerente da sucursal da casa Ultramarina, terá prometido ao renegado milícia Issufo Mané para cometer o hediondo crime de 1 de novembro de 1965... E se tudo não passou de uma falsa confissão, arrancada pela PIDE sob tortura ?  14 contos, na época, na Guiné, era uma pequena fortuna, o equivalente á produção de mancarra... num campo de 23 hectares, 46 campos de futebol...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)






Citação:

(1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35160 (2019-9-12)
Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Assunto: Dificuldades na fronteira Norte (Senegal) apresentadas pelo Responsável Lourenço Gomes.
Remetente: Lourenço Gomes
Destinatário: Luís Cabral
Data: Quarta, 3 de Março de 1965
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios IV 1963-1965.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondencia

(Reproduzido com a devida vénia...)


1. Voltamos a publicar esta carta, datilografada, a duas páginas,  com data de 3 de março de 1965, dirigida por Lourenço Gomes, representante do PAIGC, em Samine, Casamansa, Senegal, ao Luís Cabral, da Direção do Partido, em Conacri (*)... 

Através dela, podemos ficar com uma ideia, bastante clara, das grandes dificuldades, nomeadamente financeiras,  por que passavam os responsáveis e os militantes do PAIGC a viver no Senegal... 

Lourenço Gomes é o responsável de "toda a fronteira norte", dede 1964, está sozinho, cansado, esgotado, sem meios para resolver todos os problemas que lhe surgem: não tem dinheiro para pagar os "fiados" na farmácia local, não tem medicamentos nem material médico-cirúrgico para socorrer os feridos que vêm da frente Norte, não tem dinheiro para meter gasolina no carro e levar 10 camaradas até Dacar, de acordo com instruções recebidas superiormente.... 

Lourenço Gomes admite mesmo a hipótese de, inclusive, pedir a substituição no cargo por  se sentir impotente para continuar a desempenhar a sua missão, que, no fundo, é a do "bombeiro" que é chamado para apagar todos os fogos... Compara a sua situação, desesperante, com a da fronteira sul, onde há pelo menos 3 responsáveis de zona: em Koundara, em Gaoual, em Boké...

Enfim, a carta é mais um dos seus  "desabafos",  dirigido à pessoa do Luís Cabral, mas ao mesmo tempo é uma crítica velada ao Aristides Pereira e à sua incapacidade para compreender e minimizar as dificuldades por que ele, Lourenço Gomes, estava a passar. O dinheiro, desde dezembro de 1964, chegava tarde e a conta gotas à delegação do PAIGC em Samine...

Face ao teor desta carta,  o mínimo que se pode dizer é que o PAIGC, na época, no 1º trimestre de 1965, dois anos após o início  da  "luta armada", tinha grandes "dificuldades de tesouraria" (, para além de graves problemas de logística na área da assistência médico-hospitalar)... 

Diríamos mesmo, em linguagem de caserna, que não tinha dinheiro para cantar um cego (ou, por outras palavras, e com mais propriedade, para mandar cantar um "didjiu").

2. Pode por isso pôr-se em causa alguns detalhes (importantes) da versão que a PIDE de Farim mandou para Lisboa, através de mensagem rádio (e de que existe cópia no Arquivo Oliveira Salazar, 1908-1974 - Arquivo Nacional Torre do Tombo) (**), a propósito do "atentado terrorista" de 1 de novembro de 1965:

(...) "No dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, [foi] lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

"Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC (AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642)."
[Citado por Dalila Cabrita Mateus] (**)


A versão que consta da história do BART 733,(***)  é ligeiramente diferente no que toca, nomeadamente, à proveniência do "dinheiro sujo":

(...)" O engenho foi fabricado com o fim de ser lançado num batuque ou ajuntamento festivo por um nativo que prestava serviço na Companhia de Milícias [nº 5] [, o soldado Issufe Mané], e que se prontificou a fazer tal trabalho a troco de 14.000$00.

"Foram apreendidos pela PIDE 18500$00, destinados ao PAIGC, donde sairiam os 14000$00 para o autor do lançamento que não [os] chegou a receber porque após o incidente [sic] foram as prisões dos indivíduos suspeitos." (...)


2. Quatorze contos é  equivalente hoje, de acordc com o conversor da Pordata,  a 5.485,20 € (ou tratando-se de escudos da Guiné, 4936,68 €, dada a diferença cambial real de 10%, na época,  entre o escudo da metrópole e o "peso" local)...

Donde terão vindo, então, os tais 14 contos (!) que alegadamente o Júlio Pereira teria recebido, diretamente de Conacri, para subornar o soldado milícia da Companhia de Milícia nº 5, o Issufe Mané ? Dos cofres do PAIGC ou, eventualmente, de coleta feita entre os militantes e simpatizantes do PAIGC de Farim ou até do próprio bolso do "autor moral do atentado" ?...


Em qualquer dos casos, temos de reconhecer que 14 contos era, na época (1965), uma pequena fortuna...Será que o agente da PIDE de Farim tinha a noção do ridículo ? Será que o homem conhecia a realidade da economia local, os preços do mercado, e todas essas coisas elementares que qualquer "agente das secretas" tem a obrigação de conhecer ?

Em 1965, 14 contos era quanto o Júlio Pereira, gerente da sucursal da Sociedade Comercial Ultramarina, do BNU, pagaria a um camponês de Farim por 14 toneladas (!) de mancarra, ou sejam, 14 mil quilos, 140 sacos de 100 quilos, a 1 escudo, 1 peso, por quilo! (***)

Em 1965, a Guiné exportou 15,2 mil toneladas de mancarra, a 4,23 contos por tonelada (contra 40,0 mil em 1961, a 3,17 contos por tonelada)... o que dá uma ideia da margem de lucro dos intermediários (comerciantes locais, casas comerciais, exportadores), a par do dramático decréscimo da produção e da produtividade na primeira metade da década de 1960, na sequência do início e agravamento da guerra...

Em meados da década de 1960, a área cultivada pelos produtores de mancarra atingia os 100 mil hectares, ou seja, um 1/4 do total da área cultivada da província, comprometendo a segurança alimentar da população!... A produtividade, em contrapartida,  era muito baixa: 600 kg / ha (2 mil kg /ha em casos excecionais)(****) 


O camponês de Farim para ganhar 14 contos, de rendimento bruto, precisava de cultivar mais de 23 hectares de mancarra!... O milícia Issufe Mané, se tivesse chegado a receber os "trinta dinheiros" da sua safadeza, ou sejam, os 14 contos, teria ficado rico!... 

14 contos era o valor que um soldado meu, da CCAÇ 12, recebia,  em dois anos de guerra, entre meados de 1969 e meados de 1971, no meu tempo: um soldado de 2ª classe, do recrutamento local, ganhava, de pré, 600 escudos (pesos), por mês... 

Independentemente do apuramento da verdade sobre os factos ocorridos nesse trágico dia 1 de novembro de 1965, e sobre a autoria moral, política e material do atentado, a "narrativa" da PIDE e do comando do BART 733 continua a merecer-nos todas as reservas (*****)... 

Oxalá, Inshallah, Enxalé!... que apareçam outros testemunhos, credíveis, sobre o que o se passou nesses dias de terror e contraterror em Farim,  bem como sobre o antes e o depois...Sabemos que houve mais prisões na Região nesse mês de novembro de 1965, não só em Farim, como em Bigene e Cuntima (aqui, o comerciante César de Ramos Fonseca, por exemplo, foi detido e entregue, em Farim, pela CART 732) ... Estes acontecimentos (, incluindo as prisões em massa,) marcaram indelevelmente a história da vila de Farim e das suas gentes...  (LG)

PS - Pela exploração do Arquivo Amílcar Cabral (ou do que resta dele), disponível "on line", no portal Casa Comum, desenvolvido em bora hora pela Fundação Mário Soares, não há "indícios" que apontem para a filiação, como militante do PAIGC, do Júlio Lopes Pereira, genro de um dos maiores "colonos" da Guiné, o Benjamim Correia... Nem do Nelson Lima Miranda, antigo utente da Casa dos Estudantes do Império...  Eles pertenciam à "pequena burguesia" do território da Guiné, na sua maioria com aspirações e simpatias "nacionalistas", ligados ao comércio e às principais casas comerciais... donde, de resto, vieram alguns dos dirigentes, mais políticos do que operacionais, do PAIGC: Luís Cabral, Aristides Pereira, Elisée Turpin... Muitos destes homens (e mulheres) não eram militantes do PAIGC, eram considerados "reviralistas e comunizantes"...
_____________


Notas do editor:

(*) Vd. poste 
de 23 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19224: (D)o outro lado do combate (38): Carta de Lourenço Gomes, datada de Samine, 3 de março de 1965, dirigida a Luís Cabral, expondo a dramática situação da farmácia do PAIGC (Jorge Araújo)

Vd. também poste de 25 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19232: PAIGC - Quem foi quem (11): Lourenço Gomes, era uma espécie de "bombeiro" para situações difíceis ... A seguir à independência era um homem temido, ligado ao aparelho de segurança do Estado (Cherno Baldé, Bissau)

(**) Vd. poste de 18 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14): o testemunho de Pedro Pinto Pereira. "Memórias do Colonialismo e da Guerra", de Dalila Cabrita Mateus (Virgínio Briote)

(***) Vd. poste de 10 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20140: Controvérsias (135): as duas noites de terror, em Farim, as de 1 e 2 de novembro de 1965, para as vítímas (mais de uma centena) do atentado terrorista, e para os indivíduos (mais de sessenta, o grosso da elite económica local) detidos e interrogados pela tropa pela PIDE, por "suspeita de cumplicidade"...

(****) 31 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (64): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100 kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)

(*****) Último poste da série > 15 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20149: Controvérsias (138): Ainda o atentado terrorista de 1 de Novembro 1965, em Morcunda ou Morocunda, Farim: "pessoal bandido não gostava de fulas e mandingas", era o que se ouvia dizer na época... Vi a "cara amassada" do Júiio Pereira... Infelizmente queimaram-me, em Bissau, o rolo de fotografias que tirei, onde estavam os suspeitos, detidos num campo vedado a arame farpado (António Bastos, testemunha dos acontecimentos)

domingo, 15 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20149: Controvérsias (138): Ainda o atentado terrorista de 1 de Novembro 1965, em Morcunda ou Morocunda, Farim: "pessoal bandido não gostava de fulas e mandingas", era o que se ouvia dizer na época... Vi a "cara amassada" do Júlio Pereira... Infelizmente queimaram-me, em Bissau, o rolo de fotografias que tirei, onde estavam os suspeitos, detidos num campo vedado a arame farpado (António Bastos, testemunha dos acontecimentos)


Guiné- Bissau > Região de Oio > Farim > Março de 2008 > Cádi ou Cati, uma sobrevivente dos trágicos acontecimentos de 1 de novembro de 1965. O António Paulo Bastos conheceu-a,  na Missão Católica, na altura da sua 3ª viagem à Guiné-Bissau.

Foto (e legenda): © António Paulo Bastos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso camarada António [Paulo] Bastos (ex-1.º cabo, nº 371/64, do Pel Caç Ind 953, Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66; esteve adido ao BCAV 790 e ao BART 733):

Data: sábado, 14/09/2019 à(s) 12:04
Assunto: 1 de Novembro 1965.

Bom dia, Luís e camaradas da Tabanca Grande:

Luís, mais uma vez vou falar sobre esse dia pois eu estava em Farim  [, nesse fatídico dia 1 de novembro de 1965, pelas 21:30, estava eu de passagem por Farim esperando transporte para Canjambari], quando se deu o rebentamento... Não estava na Morcunda [ou Morocunda] mas estava à porta da caserna do Pelotão de Morteiros, claro peguei logo na arma e esperei o pior (um ataque de  morteiros do Oio).(*)

Logo no outro dia,  fui a Morcunda ver onde rebentou a granada, ainda se via sangue e muitas coisas pessoais pelo chão.

Também ouvia os familíares [das vítima] dizerem que "pessoal bandido não gostava de Fulas e Mandingas".

Também em 2008, quando estive novamente em Farim, ao falar com o Gibril Candé e com a Kati, onde lhe tirei as fotos, foram unânime em dizer que foi o Júlio [Pereira] da Ultramarina [, o responsável pelo atentado]. (**)

Também fui à1ª Companhia [, a CART 730, que estava em Nema, Farim], a   ver os presos que já lá estavam onde vi o Júlio [Pereira] com a cara toda amassada e outros mais.

Tenho pena de,  em Bissau,   me terem queimado as fotos que eu tirei onde estavam os presos no campo vedado a arame [farpado]

Também li há dias o que o jornal 'O Democrata' dizia e não estou de acordo que tivesse sido a PIDE (***), que mandou lançar a granada, se bem que eles muito competentes de fazer isso e muito mais. 


Um abraço

A. Paulo do Pelotão Caçadores 953. (***)
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


1 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7205: Efemérides (54): O fatídico dia 1 de Novembro de 1965 (António Bastos)

(**) Último poste da série > 12 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20144: Controvérsias (137): Craveiro Lopes em Bolama, em visita de Estado... Era presidente da câmara municipal o Júlio [Lopes] Pereira, que passa, em dez anos, de cidadão respeitável a proscrito social... (Recorte de imprensa: "Diário Popular", Lisboa, 6 de maio de 1955)

Vd. também postes anteriores:

11 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20142: Controvérsias (136): Não consta que o Amílcar Cabral, o "pai da Pátria", tenha reivindicado a autoria (moral e política) do "atentado terrorista" de 1 de novembro de 1965, em Morocunda, Farim, e muito menos denunciado ou condenado esse ato monstruoso... Pelo contrário, até lhe convinha, para memória futura, que as criancinhas de Farim continuassem a repetir, em coro, estes anos todos, na escola, que esse ato foi obra maquiavélica e tenebrosa dos "colonialistas portugueses"...

10 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20140: Controvérsias (135): as duas noites de terror, em Farim, as de 1 e 2 de novembro de 1965, para as vítímas (mais de uma centena) do atentado terrorista, e para os indivíduos (mais de sessenta, o grosso da elite económica local) detidos e interrogados pela tropa pela PIDE, por "suspeita de cumplicidade"...

9 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20135: Controvérsias (134): os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, em 1 de novembro de 1965: a memória das vítimas e o risco de falsificação da história... Excertos de reportagem do jornal "O Democrata", Bissau, 13/11/2014

7 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves
(***) Vd. poste de 18 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14) : o testemunho de Pedro Pinto Pereira. "Memórias do Colonialismo e da Guerra", de Dalila Cabrita Mateus (Virgínio Briote)

(...) Que assistira ao fabrico de uma bomba. Quando eles (PIDE) é que tinham deitado uma bomba em Farim, onde mataram muita gente,

(...) (quem lançou a bomba?) Foi a PIDE que mandou, tenho a certeza disso. Lançou a bomba para depois dizer que nós até matávamos africanos. Ali não havia quartéis, só havia casas comerciais, onde era fácil lançar bombas e fugir. Porque é que não lançavam as bombas nos quiosques, frequentados pelos militares portugueses? E iam deitar onde só estava a população? Queriam arranjar pretexto para fazer prisões. Havia, então, uma festa numa tabanca e morreram mais de cem pessoas. Isto passou-se no dia 1 de Novembro de 1965. (...)

(...) Nota da historiadora Dalila Cabrita Mateus: 


Confirmado o incidente, a PIDE, em mensagem por rádio existente nos arquivos de Salazar [, Arquivo Oliveira Salazar, 1908-1974, Torre do Tombo],  afirma que, no dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, fora lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC.

(AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642).

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20144: Controvérsias (137): Craveiro Lopes em Bolama, em visita de Estado... Era presidente da câmara municipal o Júlio [Lopes] Pereira, que passa, em dez anos, de cidadão respeitável a proscrito social... (Recorte de imprensa: "Diário Popular", Lisboa, 6 de maio de 1955)















Notícia do "Diário Popular", de 6 de maio de 1955, relativa à viagem do Chefe de Estado,  general Craveiro Lopes, à Guiné, com passagem por Bissau e Bolama e depois visita ao interior. Em Bolama, era presidente da Câmara o Júlio Lopes Pereira, colono e comerciante em Bolama, condecorado em 1947, ao tempo do governador Sarmento Rodrigues,  com o grau de Cavaleiro da Ordem do Mérito - Classe de Mérito Industrial. (Decreto de concessão publicado em D.G. de 29 de abril de 1947). Já nos anos 30 estava radicado em Bolama.


1. Presumimos que seja o mesmo Júlio [Lopes] Pereira, morto em novembro de 1965, em Farim... Foi acusado pela PIDE e pelas autoridades militares de Farim (comando do BART 733) de ser o "autor moral" do atentado terrorista de 1 de novembro de 1965, em Farim.

A tratar-se da mesma pessoa, o Júlio [Lopes] Pereira,  radicado em Bolama,  desde os anos  30 e depois em Farim (nos anos 60), seria o pai da jornalista Ana Emília Pereira (,"Milocas" Pereira, para os amigos), jornalista e docente universitária da Guiné-Bissau, a viver em Luanda desde 2004 e entretanto desaparecida, "misteriosamente", em 2012.

A tratar-se da mesma pessoa, verifica-se terá passado de cidadão respeitável a "proscrito social", tendo sido morto às mãos da PIDE em Farim, na sequência do "atentado terrorista" de 1 de novembro de 1965. cuja autoria nunca foi reivindicada.(*)

As circunstâncias da morte do Júlio [Lopes] Pereira, de Farim, já aqui foi relatada por Carlos Domingos Gomes, "Cadogo Pai" (n. 1929), seu amigo (**):

(...) "Em 1964, requeri terreno onde se encontram as minhas actuais instalações e iniciei as obras. Então o número de contactos aumentou. Concentrávamo-nos frente às minhas obras, com o perigo a aumentar passamos a organizar jantares e mais festas. O grupo engrossou, com Júlio Pereira (que vinha de Farim), Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Ferreira, Duarte Vieira, Aguinaldo Paquete, eu, Carlos Domingos Gomes, etc.

Estes encontros organizavam-se sempre que o Júlio Pereira vinha de Farim para nos trazer as notícias da evolução da luta, que já estava muito avançada. Tudo estava sob perigo, sob vigilância da PIDE.

(...) Como uma bomba soou-nos a notícia da prisão de Júlio Pereira em Farim, na sequência de uma granada atirada a um ajuntamenmto numa festa de tambor em Farim. Foi sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte.

Eu era vereador da Câmara Municipal de Bissau, com o velho companheiro Benjamim Correio, Dr. Armando Pereira e Lauride Bela. Ninguém me fazia acreditar que seria preso, dada a forma isolada como actuava durante a distribuição de arroz. Atendia tudo e todos, até às pessoas que desmaiavam oferecia arroz, punha no meu carro e levava-as a suas casas, mas sempre de cara amarada (sic), porque sabia que a minha actividade estava sendo vigiada.


(...) Com a morte de Júlio Pereira, a raiva que gerou,  atingiu-nos a todos, Benjamim Correia que era meu colega, também vereador da Câmara [de Bissau], todos muito vigiados, colocou-me os anseio da filha, Luisa Pereira, esposa do  Júlio Pereira, de pedir o corpo do marido. 

Dirigi.me ao gerente da casa onde trabalhava, a Ultramarina, de nome Figueiredo, a transmitir-lhe a mensagem de Benjamim Correia e da filha. Telefonou para o director da PIDE, e este para me perguntar quem nos informou da morte. Situação que aumentou ainda mais as suspeitas da minha atuação, isto já no decorrer dos anos 1965/66. Esta onda passou." (...)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá >  Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general da FAP Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu (1894) e morreu (1964), aos 70 anos.  Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás). Não morria de amores por Salazar.

Como se pode ler na página do Museu da Presidência da República:

(...)  Após a eleição de Américo Tomás para a Presidência, em 1958, Craveiro Lopes é, em Novembro desse ano, promovido a marechal.

Apesar da promoção, torna-se progressivamente crítico do regime. Logo em 1959, alguns militares que lhe são próximos, participam activamente no "golpe da Sé", movimento militar revolucionário, promovido por oficiais ligados a Humberto Delgado, desmantelado pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Esta mesma polícia não deixará de o manter sob apertada vigilância, controlando todos os seus movimentos até ao final da sua vida. É com total envolvimento que o vamos encontrar ligado à chamada "Abrilada" de 1961 ("golpe de Botelho Moniz"). Craveiro Lopes é um dos militares presentes no plenário dos comandantes militares, na Cova da Moura, convocado por Botelho Moniz. O plano delineado previa que Craveiro Lopes voltasse a ocupar a chefia do Estado, e que Marcelo Caetano pudesse vir a tornar-se chefe do Governo. Considerando a situação irremediavelmente perdida, e perante a desistência dos outros implicados na conspiração, o marechal é um dos poucos que defende a desobediência e o confronto militar com as forças fiéis ao regime.

(...) O seu ressentimento em relação a Salazar e a certas figuras do regime será (...),  até ao fim da sua vida, profundo e irremediável. (...) As suas últimas intervenções com peso político dão-se em 196[2]: o prefácio que aceita fazer ao opúsculo da autoria de Manuel José Homem de Mello "Portugal.  o Ultramar e o Futuro", no qual defende a necessidade de se encontrar uma "solução verdadeiramente nacional" e promover uma "livre discussão", para o que uma maior liberdade de imprensa constituía factor fundamental; a entrevista que concede, meses depois, ao Diário de Lisboa, publicada na edição de 10 de Agosto, onde leva as suas críticas mais longe, defendendo a livre discussão dos principais problemas do país, "a evolução gradual do regime", a abolição da censura" e a "liberdade de expressão e discussão", apelando ainda à "coragem" e ao "bom senso", no âmbito da política ultramarina, a fim de que se reconheçam "as realidades da hora presente". (...)

Foto: © Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20142: Controvérsias (136): Não consta que o Amílcar Cabral, o "pai da Pátria", tenha reivindicado a autoria (moral e política) do "atentado terrorista" de 1 de novembro de 1965, em Morocunda, Farim, e muito menos denunciado ou condenado esse ato monstruoso... Pelo contrário, até lhe convinha, para memória futura, que as criancinhas de Farim continuassem a repetir, em coro, estes anos todos, na escola, que esse ato foi obra maquiavélica e tenebrosa dos "colonialistas portugueses"...

(**) Vd. poste de  10 de agosto de  2010 > Guiné 63/74 - P6843: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (5): Júlio Pereira, preso, torturado e morto na prisão pela PIDE, suspeito de estar por detrás dos graves acontecimentos de Farim, em 1/11/1965