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sábado, 14 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15367: (De)caras (25): Fui, na manhã de 11/4/1968, de Sara Ganá em socorro a Cantacunda, com a minha secção do pelotão de morteiros e um pelotão da CART 1699... Quando chegámos, não havia nada nem ninguém, apenas o cadáver (mutilado) do bravo João Alves Aguiar, natural de Ponte de Lima, que tentou resistir ao ataque IN, de armas na mão (Carlos Valente, ex-1º cabo, Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69)


Foto nº 1



Foto nº 2


 Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Abril de 2006 > Regresso a Cantacunda: tabanca atual (foto nº 1), antigas instalações do pelotão (foto nº 2), estrada atual para Cantacunda (fotos nºs 3 e 4)


Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de ontem do Carlos Valente, o nosso mais recente membro da Tabanca Grande (ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69)

Assunto: ataque a Catacunda

Amigo Luís e Carlos, este recorte da notícia da fuga de Conacri...foi tirada do Primeiro de Janeiro, no dia a seguir que a notícia estalou na RTP e o sargento Lobato (piloto aviador) prestou declarações na TV (não me lembro quando foi isso, mas penso que se pode averiguar).




Título de caixa alta do Primeiro de Janeiro, de 29 ou 30 de novembro de 1970.
Cortesia do  Carlos Valente


Continuando com o tema do ataque a Catacunda [, de 10 para 11 de abril de 1968] (*) ...

Do nosso destacamento de Sare Gana, já bem entrada a noite, podíamos ouvir as explosões em Cantacunda, o qual indicava que a coisa estava séria. Com não podíamos abandonar o nosso destacamento de Sare Gana para dar apoio, saímos de manhã cedo para fazer um reconhecimento. 

Uma secção do meu Pelotão de Morteiros 2005, acompanhada por um pelotão da CART 1690, uns 45 homens, fomos os primeiros a chegar ao destacamento de Cantacunda. Quando chegamos, não havia ninguém, nem armamento nenhum. 

Demos uma volta ao destacamento, sem saber o que tinha acontecido ali, e encontramos a seguir o nosso camarada [João] Aguiar morto. Parece que ele durante o ataque foi um dos poucos que ofereceu resistência com metralhadora e com G3 desde o abrigo subterrâneo. Foi atingido por uma granada de mão atirada para dentro do abrigo. Mesmo ferido, o nosso camarada parece ter saído do subterrâneo. Foi então capturado e esfaqueado duas vezes dum lado, por baixo do braço. Queimaram-lhe a pera (barba) numa fogueira que os turras fizeram. Foi assim neste estado, com uma garrafa de cerveja na boca, que o encontramos. 

Mais tarde falava-se que dois dos nossos camaradas da CART 1690 foram levados feridos pelos turras e morreram pelo caminho.

Tomamos conta do destacamento e preparámo-nos para o pior, ate chegarem reforços. Aí ficamos instalados por duas semanas. Estávamos muito tensos e nervosos. Não pregávamos o olho durante toda a noite na expectativa de outro ataque, sem estarmos bem armados, sem morteiros e sem armamento pesado, só com G3. Finalmente, depois de duas semanas, chegou um pelotão de periquitos para tomar conta de Cantacunda.

Como e que que os "turras" conseguiram entrar no destacamento e levarem a malta?  (**) 

Comentava-se muita coisa, uma delas era que no dia do ataque a CART 1690 celebrava o primeiro aniversário de Guiné e tinha-se celebrado com umas cervejas. O pessoal estava descontraído e foram apanhados todos na caserna, sem terem tempo ou até nem estarem em condições para reagir ao ataque. Os turras estavam bem informados de tudo que se passava em todos os destacamentos, e os ataques em dias de celebrações era já um costume. Diz-se que o alferes do destacamento de Cantacunda não estava nessa noite. Que casualidade!

Dadas as precárias condições de quase todos os destacamentos (sem abrigos, alguns sem trincheiras, armamento pouco e pobre), por sorte ou destino, não ficamos lá todos porque o inimigo não quis. Sobrevivemos para contar o que passou.

Amigos, eu escrevo o que vi, ouvi e vivi, vocês vejam o que se pode e deve pô no blogue, cortem e corrijam o que vocês virem necessário. Tenho mais histórias, anedotas e fotos para outro dia.

Agradeço muito a vossa amabilidade e amizade, bem hajam. Parabéns pelo vosso trabalho. Nem que seja só em honra dos que ficaram nessas terras, dando a sua vida por uma causa justa ou não, vale a pena o que vocês estão a fazer.

Um grande abraço,
Carlos Valente


Guiné > Mapa geral da provcíncia (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Geba, Sara Gana e Cantacunda, na zona leste

Infogravura Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 5 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14972: (De)caras (24); o meu retrato, pintado em 1970 pelo Leão Lopes, do BENG 447 (Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

(**) Vd. poste de 18 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)

(...) Ataque a Catacunda. 10/11 de Abril de 1968. Desenrolar da acção:

"No dia 10 do corrente cerca das 00h00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN.

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado: uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento.

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e [João] Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar).

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto.

"Possíveis causas do insucesso das NT:

- O poder de fogo do IN;

-O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;

-A violência com que o ataque foi desencadeado;

-A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;

-O comando eficaz do grupo IN;

-A falta de iluminação existente no destacamento;

-Possível insuficiência de abrigos;

-As proximidades da mata do arame farpado;

-As proximidades da tabanca do arame farpado;

-O reduzido efectivo das NT;

-Possível abrandamento das condições de segurança;

-Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)" (..:)

Comentários [AML]:

Posteriormente veio a saber-se, por declarações de alguns milícias e elementos da população civil detidos para averiguações, que o ataque teve a conivência do próprio Comandante da milícia e de elementos da população [local]. Todos os elementos que [o IN] precisava, tais como distâncias para colocar as armas pesadas, local da entrada no destacamento e vias de acesso ao mesmo, foram fornecidos por eles."

(...) O soldado Aguiar (João Alves Aguiar) foi o único que tentou resistir com a G3 à boca do abrigo e morreu, por isso. Onze foram capturados, entre eles o furriel que comandava o destacamento, o Vaz. Foram libertados, depois, aquando da tentativa de invasão na Guiné-Conakri (Operação Mar Verde). Menos o Armindo Correia Paulino e o Luís dos Santos Marques, que morreram lá de cólera. Apesar das péssimas condições e dos fracos efectivos, é evidente (e sei que foi assim, porque me contaram) que houve desleixo e facilitismo em excesso. Se não tivesse havido, não tenho dúvidas que as coisas não teriam sido tão fáceis para os atacantes.

(...) Militares retidos pelo IN (#)

Fur. Mil.  João N. Vaz
1º Cabo José S. Morais
1º Cabo  José M. M. Duarte
Soldado  Armindo C. Paulino (##)
Soldado  Francisco G. Silva
Soldado  Luís S.A. A. Vieira
Soldado  António A. Duarte
Soldado  José S. Teixeira
Soldado  Domingos N. Costa
Soldado  David N. G. Pedras
Soldado  Luís S. Marques (##)
Soldado  João C. Sousa

(#) O termo "retido pelo IN" era um eufemismo. O Governo Português não reconhecia o PAIGC como inimigo, face à convenção de Genebra. Oficialmente, não havia "prisioneiros".

(##) Morreram de cólera durante o cativeiro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15351: Tabanca Grande (476): Carlos Valente, ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005 (Guiné, 1968/69), 705.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Carlos Valente (ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69), com data de 29 de Novembro de 2015:

Camarada Carlos Vinhal:
Obrigado por contactar-se comigo e poder assim reviver memórias de outros tempos, nem todas boas, mas também nem todas más.
Aqui vai uma historia das muitas que todos temos.

Que bom seria saber alguma coisa de velhos camaradas. O nosso Pelotão (Pelotão de Morteiros 2005), composto de 48 homens (1 Alferes, 1 Sargento e 2 Furriéis) embarcou no Uíge em Lisboa no dia 10 de Janeiro de 1968, com destino a Bafatá.

O nosso Pelotão era independente e estava dividido em Esquadras compostas por um cabo e dois municiadores que ofereciam apoio aos vários destacamentos, tais como: Banjara, Cambajú, Sumbundo, Sare Ganá, Cantacunda e Sare Banda, que rodavam a cada dois meses, regressando a Bafatá.



Ao chegar a Bafatá, logo no primeiro dia, a minha Esquadra (eu, o André - rapaz de Alcobaça - e o Gaspar) fomos destacados para Banjara com as seguintes indicações do nosso Alferes Piçarra:
- Quando chegares a Banjara tens que ver as condições do armamento e das munições. Se por acaso uma das granadas não sair, diriges-te ao Alferes do pelotão (Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba), já que ele tem um Furriel especializado em minas e armadilhas que se encarregará de tirar a granada do morteiro.

Lá fomos e quando chegámos  fizemos o que nos mandou o Alferes Piçarra. Experimentámos um morteiro de 81 com uma granada de grande potência, e tivemos má sorte, a maldita não saiu, um problema geralmente causado pela humidade no cartuxo da granada.

Dirigi-me ao Alferes e expliquei-lhe a situação. Este desentendeu-se do problema e não quis envolver ninguém no assunto. Perante esta resposta tive eu que resolver o problema.

Eu tinha sido treinado, no Batalhão de Caçadores 10 em Chaves, para desenrascar casos como este, mas nunca esperava ter que o resolver. Eu estava bem consciente de que esta operação era perigosa, mas quando reparei que o Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, ao ver-me a mim e ao André resolvidos a desalojar a granada do morteiro, começarem a distanciar-se a uns duzentos metros do morteiro e a esconderem-se por detrás das árvores, é que eu vi que o caso era mais complicado do que imaginava. Certamente pensavam: “Estes periquitos vão já voar”.
Graças a Deus, e ao treino que recebi, conseguimos desarmar o morteiro.


Ironicamente, o mesmo Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, que se salvou da nossa intervenção, não teve a mesma sorte em Cantacunda em Abril de 1968(1), estando eu e a minha Esquadra em Sare Ganá. Parte deste Pelotão foi capturado pelos “turras”, salvando-se só 5 o 6 que conseguiram fugir do quartel. O ataque, e as explosões de morteiro, ouviam-se no destacamento de Sare Ganá. Quando chegámos a Cantacunda a cena que encontrámos foi triste.
Esta é uma historia para outro dia.

Os prisioneiros estiveram em Conacri (República ex-francesa, ao sul da Guiné), e só dois anos depois, em 1970, é que foram resgatados.

(Clicar nas imagens para mais fácil leitura)

Fico hoje por aqui amigo, as fotos seguem.
Qualquer pergunta, estou às ordens.

Um abraço,
Carlos Valente
1.º Cabo do Pelotão de Morteiros 2005
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Nota do editor:

(1) - Vd. poste do nosso camarada Marques Lopes, ex-Alf Mil da CART 1690:

Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)

"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN."
 

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado: uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento."
 

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar)."

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto."


"Possíveis causas do insucesso das NT:
- O poder de fogo do IN;
- O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;
- A violência com que o ataque foi desencadeado;
- A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;
- O comando eficaz do grupo IN;
- A falta de iluminação existente no destacamento;
- Possível insuficiência de abrigos;
- As proximidades da mata do arame farpado;
- As proximidades da tabanca do arame farpado;
- O reduzido efectivo das NT;
- Possível abrandamento das condições de segurança;
- Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)"

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2. Comentário do editor:

Caro amigo Carlos, bem-vindo à nossa Tabanca.
Muitos parabéns porque és o primeiro combatente do Pel Mort 2005 a juntar-se a esta comunidade de combatentes da Guiné, que nesta tertúlia têm a nobre missão de deixar um registo de memórias escritas e em imagens, tendo estas a forma de fotografias ou documentos da época, já desclassificados, que ficarão a fazer parte de um espólio público, acessível a outros camaradas, estudiosos, etc.

Estás desde já ciente da tua responsabilidade enquanto elemento único da tua Unidade. Fotos que guardes, memórias quase esquecidas, é o que esperamos de ti para melhor conhecermos o percurso do Pel Mort 2005 por terras da Guiné.

Estamos ao teu dispor para qualquer dificuldade ou dúvida.

Para acabar, fica aqui um abraço da tertúlia e dos editores deste Blogue, com a certeza de que a partir de hoje estás mais rico, porque aderiste a um grupo de amigos que está disposto a ouvir-te e a partilhar aquela amizade que só os combatentes da Guiné sentem uns pelos outros.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15287: Tabanca Grande (475): Armando Ferreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 8353 (Cumeré, Bula e Pete, 1973/74)