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segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22477: (De)Caras (174): Carlos de Azeredo (1930-2021), um homem digno, nobre e corajoso (José Belo, Suécia)


Capa do livro de memórias de Carlos de Azeredo “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império” (Porto, Civilização Editora, 2004, 496 pp.): Sinopse: "Foi prisioneiro após a invasão do Estado português da Índia, seguir-se-ão três comissões, das duas na Guiné, por onde andou no Olossato, Aldeia Formosa e Bolama, regressará meses depois, a pedido de Spínola, para acompanhar os reordenamentos, envolveu-se no 25 de Abril, foi governante na Madeira, onde recebeu o Presidente da República e Presidente do Conselho depostos; será assessor militar de Sá Carneiro, Comandante da Região Militar Norte e Chefe da Casa Militar de Mário Soares. É intenso livro de memórias, o General Carlos de Azeredo é conhecido pela resposta pronta, pela língua afiada e pelo destemor." (*)


1. Mensagem de José Belo, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, que reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA). Foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia (Na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref. ; durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"): 


Data - 22 agosto 2021 13:38
Assunto - Carlos de Azeredo


Caro Luís: A notícia da morte do Sr. General Carlos de Azeredo (**), a quem me ligava profunda e respeitosa amizade pessoal, foi para mim um daqueles momentos em que uma catadupa de recordações foram dominantes.

Escrevi algumas “linhas” a título de comentário que se tornaram num texto longo para tal.
Vou enviar-te o texto que talvez tenha neste momento especial algum interesse para os Camaradas.

Um abraço, J.Belo


Carlos de Azeredo um Homem digno, nobre e corajoso (***)

por Joseph Belo

Data - 22 agosto 2021, 14:43

A citação do General Douglas McArthur aquando do seu discurso de despedida ao Congresso Norte Americano em 1951 bem se poderia aplicar à morte do Sr. General Carlos de Azeredo: “Old Soldiers never die;they just fade away” (Os velhos soldados nunca morrem simplesmente desaparecem)

Tendo servido em Aldeia Formosa e Mampata sob as ordens do então Major Carlos de Azeredo, fiquei a ele ligado por forte e respeitosa amizade pessoal.

Tive a honra de dar uma pequeníssima colaboração aquando da preparação do seu livro “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império” (**).

Já há muito a viver na Suécia, fui contactado por um dos seus filhos que então o apoiava na recolha de “histórias” relacionadas com a sua presença no teatro de guerra da Guiné. (Contacto facilitado pelo meu Amigo e Camarada José Teixeira).

Entre outros, os detalhes relacionados com a ataque a partir de Aldeia Formosa a importante base inimiga situada na proximidade, mas bem já dentro da República da Guiné-Conakri.

Os ataques com canhões sem recuo, morteiros 120 e mesmo foguetões 1122, tanto a Aldeia Formosa como aos Destacamentos de Mampatá e Chamarra, assim como as inúmeras emboscadas às colunas de abastecimento Buba-Aldeia Formosa-Gandembel, eram efectuados por forças inimigas desta base.

Num período em que os mesmos se estavam a intensificar, o Major Azeredo ordenou ao Capitão de Artilharia Ricardo Rei, então responsável por uma bateria de obuses 14 sediada em Aldeia Formosa para elaborar um plano de fogos para um ataque a esta base.

O Capitão Rei, que era um operacional bastante agressivo, tinha evidente vontade de cumprir a ordem. Lembrou no entanto ao seu superior que tal ataque viria certamente a causar “turbulências” tanto a nível do Quartel General de Bissau, como no Comando-Chefe e, não menos, entre os políticos em Lisboa pelas previsíveis consequências internacionais.

A resposta do Major Azeredo foi simples: "Precisamente!"

Depois de preparação cuidadosa, as granadas foram durante a mesma noite “enfiadas” na base inimiga, com as inerentes consequências provocadas por uma bateria de obuses 14 quando sob comando competente .

Não muitas horas passadas, Spinola desembarca do seu helicóptero em Aldeia Formosa. Trazia uma expressão facial que nada de bom indicava. Realmente as “turbulências” previstas estavam a surgir.

Depois de vívida troca de opiniões com o Major Azeredo, o Comandante-Chefe aparentou acalmar-se. Talvez (!) o respeito pela coragem da frontalidade de Carlos de Azeredo, então não muito habitual entre alguns dos responsáveis militares.

De qualquer modo, ao regressar ao helicóptero disse em voz bem audível: "Continue!"

Talvez (!) tivesse contribuído para a falta de consequências disciplinares, por muitos previstas,
o facto de tanto Spinola como Carlos de Azeredo serem oficiais da Arma da Cavalaria e o Comandante-Chefe sempre que, em conversa, se referia a Carlos de Azeredo, o apodar de um “Puro Sangue”. Talvez. (Spínola, nascido em 1910, era vinte anos mais velho que o Carlos de Azeredo.)

Recomenda-se a leitura do livro “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império” não só pelos acontecimentos relacionados com a Guiné mas, e principalmente, com tudo o relatado por vários testemunhos de outros militares quanto ao procedimento honroso do então Capitão Carlos de Azeredo. (***)

Um abraço do J.Belo

2. Nota do editor:

No CTIG, Carlos de Azeredo foi comandante da CCav 1616 / BCAV 1897 (Mansoa e Olossato, 1966 / 1968), do Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa / COP 1 (1968/69), e do Centro de Instrução Militar de Bolama (1969).

Fichas de unidades:

(i) CCav 1616 (Mansoa e Olossato, 1966 / 1968):

Cmdts: Cap Grad Cav Eduardo Manuel de Oliveira Trigo PerestreJo de Alarcão e Silva | Cap Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme

Partida: Embarque em 12Nov66, desembarque 18Nov66 | Regresso: Embarque em 02Ago68
Síntese da atividade opercaional

A CCav 1616 seguiu, em 28Nov66, para a região de Mansoa, a fim de efectuar a adaptação operacional sob orientação do BCaç 1857 e seguidamente ficar integrada no dispositivo e manobra do seu Batalhão, instalando a sede em Mansoa.

Actuou em operações nas regiões de Cubonge, Locher, Sarauol e Tambato, entre outras e na protecção a trabalhos de descapinagem da estrada Mansoa-Cutia, até 03Abr67.

Após ter tomado parte na operação "Fabíola", foi colocada, temporariamente, em Cutia, onde substituíu a CCaç 1421, de 26Abr67 a 07Mai67, com vista a assegurar a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Mansoa-Mansabá, então realizados na dependência do BCaç 1912.

Deixando ainda um pelotão em Cutia até 29Jun67, foi transferida em 07Mai67 para Mansabá, a fim de assumir a missão de intervenção e reserva do seu batalhão.

Em 02Ju167, rendendo a CArt 1486, assum iu a responsabilidade do subsector de Olossato, com um pelotão em Ponte Maqué, no sector do seu batalhão.

Em 29Ju168, foi rendida no subsector de Olossato pela CCaç 2367, ali colocada do antecedente em reforço da guarnição, até à chegada e final do treino operacional da CCaç 2406, seguindo depois para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - O BCAV 1997 (CCAV 1615, 1616 e 1617 ) tem História da Unidade (Caixa n." 78 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM). A CCav 1617 tem Breve Resumo da História da Unidade (Caixa n." 106 - 2* Div/4ª  Sec, do AHM).
 

(ii) Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa / Comando Operacional n.º 1

Identificação COSAF I COP 1
Cmdt: Maj Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme
Início: 12Jun68
Extinção: 15Jan69

Síntese da Actividade Operacional

Este comando operacional foi criado com vista a fazer face a um recrudescimento da actividade inimiga na região do Forreá-Contabane, efectuar o reordenamento de populações na área de Aldeia Formosa e facilitar a acção operacional do BArt 1896 - e depois do BCaç 2834 - na região de Buba.

Estabeleceu a sua sede em Aldeia Formosa. Dele fizeram parte a companhia e outros meios de apoio de combate ali sediados e mais duas subunidades de intervenção que lhe foram especificamente atribuídas.

Em 20Ago68, o COSAF passou a designar-se COP 1. Desenvolveu intensa actividade operacional na área, com a realização de patrulhamentos ofensivos, emboscadas e acções sobre as forças inimigas infiltradas na zona.

Em 15Jan69, foi extinto, passando a responsabilidade da área a ser assumida pelo BCaç 2834.

Observações - Não tem História da Unidade.
 

(iii) Centro de Instrução Militar

Identificação CIM

Cmdt:
Cap Inf José Manuel Severiano Teixeira
Cap Inf António Lopes de Figueiredo
Cap Inf António Ferreira Rodrigues Areia
Cap Inf Laurénio Felipe de Sousa Alves
Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares
Cap Inf João José Louro Rodrigues de Passos
Cap Inf Alcino Fernando Veiga dos Santos
Cap Inf António de Matos
Cap Art Samuel Matias do Amaral
Cap Inf Carlos Alberto Antunes Ferreira da Silva
Maj Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme
Maj Inf Carlos Alberto Idães Soares Fabião
Maj Inf Fernando Jorge Belém Santana Guapo
Maj Cav José Luís Jordão de Ornelas Monteiro
TCor Inf Octávio Hugo de Almeida e Vasconcelos Pimentel
TCor Cav Raúl Augusto Paixão Ribeiro
Cor Inf Carlos Emiliano Fernandes
Divisa:

Início: Anterior a OIJan61 | Extinção: 14Set74


Síntese da Actividade Operacional

Era uma unidade da guarnição normal, tendo sido criada inicialmente em Bissau no aquartelamento de Santa Luzia, a partir de 17Mar59, com a finalidade de ministrar instrução militar ao pessoal residente na Guiné e já recenseado
e com documentos de identificação nacionais.


Inicialmente, com a designação Centro de Instrução de Civilizados, passou, a partir de 24Nov59, a ter a designação de Centro de Instrução Militar, ministrando também instrução a praças I.

Em 20Mai61, foi transferido para Bolama, tendo assumido a responsabilidade do subsector respectivo, o qual englobava ainda as ilhas de Bijagós.

Para além da instrução básica e especial ministrada aos militares do recenseamento local para formação de diversas especialidades, efectuou ainda a IAO de unidades e subunidades metropolitanas, esta instrução especialmente a partir de meados de 1970, e estágios de Oficiais e Sargentos para enquadramento de unidades africanas da guarnição normal.

Efectuou também acções de patrulhamento e de contacto com as populações, garantindo ainda a segurança, protecção e controlo dos itinerários, dos aldeamentos e das populações, contribuindo para o seu desenvolvimento social, económico e cultural e superintendendo
no funcionamento do Centro de Licenças de Bolama.

Em 14Set74, na sequência do plano de retracção do dispositivo e após entrega do aquartelamento de Bolama ao PAIGC, o Centro foi desactivado e extinto.

Observações - Tem História da Unidade, referente a OlJan72 a 30Jun74 (Caixa n.º 117 - 2ª
Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte:  Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pp. 265, 487 e 601 e 683/684.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

1 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15693: Notas de leitura (804): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (1) (Mário Beja Santos)

5 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15708: Notas de leitura (805): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (2) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 21 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22474: In Memoriam (404): Gen Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme (1930-2021), falecido na cidade do Porto no passado dia 19 de Agosto de 2021... Entra para a Tabanca Grande, a título póstumo, sob o lugar nº 848

(***) Último poste da série > 15 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22283: (De)Caras (138): Pepito, o amigo sportinguista (Carlos Fortunato, ex-fur mil trms CCAÇ 13, "Os Leões Negros", Bissorã, 1969/71, e presidente da direção da ONGD Ajuda Amiga)

sábado, 21 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22474: In Memoriam (404): Gen Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme (1930-2021), falecido na cidade do Porto no passado dia 19 de Agosto de 2021... Entra para a Tabanca Grande, a título póstumo, sob o lugar nº 848

IN MEMORIAM

Gen Cav Carlos Manuel de Azeredo Pinto Melo e Leme
(Marco de Canaveses, 4 de Outubro de 1930 - Porto, 19 de Agosto de 2021)


Doente há já alguns anos, faleceu na passada quinta-feira, na cidade do Porto, o senhor General Carlos Azeredo.

Figura importante do 25 de Abril porque lhe foi incumbida a coordenação do Movimento no Norte do Pais, foi desde o tempo em que esteve prisioneiro na Índia, um militar ímpar e um exemplo para os seus superiores e subordinados. (*)

A propósito, lembro o P4043 - Falando do General Carlos Azeredo, de 17 de Março de 2009, onde o nosso camarada José Belo fala das qualidades, como militar, do então Capitão Carlos Azeredo que comandou na Guiné a CCAV 1616 / BCAV 1897 (Mansoa, Cutia, Mansabá e Olossato, 1966/68) e o COP 1, sediado em Aldeia Formosa, de 12 de Junho de 1968 até à sua extinção em 15 de Janeiro de 1969.

No mesmo Poste podemos também ler uma entrevista feita pelo Jornal Matosinhos Hoje Online ao senhor General Carlos Azeredo, aproveitando a sua presença no Convívio dos Combatentes do Concelho de Matosinhos, do mesmo ano.


Entre outras funções, foi depois do 25 de Abril Comandante-Chefe e Governador Militar da Madeira, Governador Civil do Distrito Autónomo do Funchal, 2.º Comandante da Região Militar do Norte e Chefe da Casa Civil do Presidente da República Mário Soares.

Escreveu o livro "Invasão do Norte - 1809 - A Campanha do General Silveira Contra o Marechal Soult" e uma autobiografia a que deu o título "Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império", que mereceu uma recenção do nosso camarada Mário Beja Santos.


Das presenças do senhor General Carlos Azevedo nos convívios dos Combatentes do Ultramar do Concelho de Matosinhos ficam aqui estes instantâneos:
Apesar de estar sempre presente na qualidade de convidado de honra, nada o demovia de pagar o seu almoço.
Fotografia de Família com o senhor Presdidente da Câmara, Dr Guilherme Pinto e alguns dos organizadores do Convívio
Momento de troca de algumas palavras com um Antigo Combatente
O senhor General Carlos Azeredo e o Dr. Guilherme Pinto, os nossos Convidados de Honra em 2009
O senhor General Carlos Azeredo durante a entrevista ao Jornal Matosinhos Hoje Online
Momento do corte do Bolo Comemorativo do III Convívio de 2009
António Maria, Fernando Silva e Gen Carlos Azeredo, três Antigos Combatentes da Guiné
Estará o senhor Gen Carlos Azeredo a dirigir-se às "Tropas em Parada", despedindo-se e prometendo voltar. Ele e o Dr. Guilherme Pinto fazem já parte dos amigos que da lei da morte se libertaram.

********************

À família do senhor General Carlos Azeredo, especialmente a sua esposa, filhos e netos, os Combatentes do Ultramar do Concelho de Matosinhos, a Tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, assim como o editores deste Blogue, endereçam as suas mais sentidas condolências pela perda do seu ente querido.  (**)

Por sugestão dos nossos editores Carlos Vinhal e Luís Graça, o Gen Carlos Azeredo, que tem 10 referências no nosso blogue e uma forte ligação à Guiné, passa a integrar a nossa Tabanca Grande, a título póstumo, sob o lugar nº 848. (***)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

17 DE MARÇO DE 2009 > Guiné 63/74 - P4043: Falando do General Carlos Azeredo (José Belo / Joaquim Queirós)

17 DE DEZEMBRO DE 2011 > Guiné 63/74 - P9217: Efemérides (80): O Gen Carlos de Azeredo recorda, em entrevista à TSF, a invasão de Goa (que faz hoje 50 anos)

1 DE FEVEREIRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P15693: Notas de leitura (804): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (1) (Mário Beja Santos)

5 DE FEVEREIRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P15708: Notas de leitura (805): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (2) (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22448: In Memoriam (403): João Dinis (1941-2021), ex-sold cond auto, CART 496 (Cacine e Cameconde, 1963/65), e empresário em Bafatá, há mais de meio século... Morreu ontem de Covid-19, em Bissau (Patrício Ribeiro)

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20988: 16 anos a blogar (13): Excursão à revolta do 25 de Abril: cosmopolita e elitista, em Lisboa; de oficiais e cavalheiros, no Porto; e a do dia 26, em Bissau, ou a pressa do MFA em se libertar da Guiné - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 13 de Maio de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto alusivo ao 25 de Abril em Lisboa e ao dia 26 em Bissau, de que se publica hoje a segunda e última parte.


Excursão à revolta do 25 de Abril: 
Cosmopolita e elitista, em Lisboa; de oficiais e cavalheiros, no Porto; e a do dia 26, em Bissau, ou a pressa do MFA em se libertar da Guiné. 


Parte II

Gen Carlos Azeredo
No Porto, o Tenente-Coronel Carlos Azeredo e a sua malta do MFA gastaram apenas 8 minutos a consumar o êxito do 25 de Abril em todo o Entre Minho e Douro - até o Covid-19 acha que o Norte é uma nação -, fizeram apenas duas prisões, o 2.º Comandante e o Comandante da Região Militar, e por menos de 24 horas, e decidiram não prender o seu General Comandante, sem dúvida pessoa importante, considerando que aquele Quartel General era a sua residência familiar, a sua filha estar de casamento marcado para o dia 27 e serviço da boda contratado para ser servido seu Salão Nobre.

Em Lisboa, o 25 de Abril foi feito à grande e à escala de Clausewitz; no Porto foi feito à “Português Suave” e à moda de D. Afonso Henriques, em Guimarães!

O “vírus” do MFA surgiu na Guiné, em 1972, o General Spínola o seu profeta e os capitães “seus rapazes” da Spinolândia os seus apóstolos, no contexto da sua ambição de substituir o Almirante Américo Tomás no cargo de Presidente da República, para o que contava com a cumplicidade de Marcello Caetano; tendo-lhe este roído a corda, ao saber que diligenciava apoios políticos de Sá Carneiro, de Pinto Balsemão e da Ala Liberal e de Mário Soares, Salgado Zenha, da Acção Socialista Portuguesa, mantendo a cumplicidade com os seus capitães, como “barriga de aluguer” para a mudança. A influência do feitiço da Guiné e da dinâmica do pensamento e acção de Amílcar Cabral a contaminar militares e políticos portugueses, e, plausivelmente, a grande oportunidade perdida de dar um fim decente e justo às guerras ultramarinas.

Em 1972, o PAIGC estava na mó de baixo e o seu “balneário” de guineenses e cabo-verdianos era um saco de gatos. Foi quando Amílcar Cabral foi à Rússia implorar armamento da última geração. Ouvi Nino Vieira dizer na RTP que ele agitava o catálogo do míssil Strela enquanto implorava aos seus interlocutores: - A nossa luta está a morrer de sede; a União Soviética tem nesta arma a nossa salvação. Não nos deixem morrer de sede.

A União Soviética não se fez rogada e veio em seu socorro, redimensionou o armamento do PAIGC e, em Março de 1973, o seu semi-secreto míssil Strela chegava à Guiné e os seus operadores prontos para retirar a supremacia do seu céu aos pássaros metálicos de Base Aérea n.º 12, em Bissalanca.

Sendo a espinha dorsal do Exército, a classe dos Capitães é tradicionalmente refilona, qual espinha na garganta das hierarquias. No meu tempo já reclamavam contra as “violências do Ministério do Exército”. A revolta antecedente, o 28 de Maio de 1926, havia sido detonada por capitães (mas com hierarquia, o General Gomes da Costa o seu chefe) e foi a guerra do Ultramar que fez esgotar o prazo de validade dos quase 50 anos de centuriões e de convívio da classe com o regime do Estado Novo.

O 25 de Abril de 1974 foi detonado pela mesma classe dos Capitães, “rapazes da Guiné” na sua maioria, improvável, por ser um colectivo, e horizontal, sem chefe nem hierarquias. Uma revolta acéfala, quase perfeita, mas com consequências.

 Junta de Salvação Nacional

A operação “Viragem Histórica” não deixou cair o poder na rua, o MFA não quis o poder formal e personificou-o de imediato nos seus “padrinhos” Generais António de Spínola, Costa Gomes e na Junta de Salvação Nacional. Os seus actores regressaram aos seus quartéis, o Major Otelo, seu comandante operacional em Lisboa, voltou a instrutor na Academia Militar, o Tenente-Coronel Azeredo, seu comandante operacional no Porto, manteve-se sem comando nem comandados, a aguardar a Junta Médica do Hospital Militar, para o passar à reserva como “deficiente mental” e o Capitão Vasco Lourenço, o seu enfant terrible e locomotiva da revolta, protagonizou-o no seu desterro nos Açores.

A par da vitória do movimento em todo o universo português, da efectivação em Lisboa do poder político e da cadeia de comando militar, do Minho a Timor, na manhã do dia 26, o MFA de Bissau detonou a sua própria revolta, desnatou o Comando Militar na Guiné da sua cúpula, alardeando que o PAIGC e a Guiné eram a mesma coisa, os seus factores não eram arbitrários e começou a fazer o seu caminho, mais para se libertar e libertar Portugal da Guiné que libertar do seu povo. Com tão insano proceder num estado de guerra, o MFA da Guiné tornou-se em potencial vitorioso do PAIGC, e, sem ter legitimidade, subtraiu a Portugal o seu peso negocial.

Acontecera a primeira deriva do MFA. Não é preciso galões para saber que a melhor negociação é sempre conseguida a partir de posição de força e não com piedosas declarações de intenção da capitulação.

O MFA abriu avenidas a movimentos de opinião, legalizou 13 partidos políticos, 10 revolucionários de esquerda, apenas 3 moderados, decretou a proscrição dos movimentos da Direita e ele mesmo se dividiu em duas 2 facções político-militares: os spinolistas, representando cerca de 20%, tendenciais a um certo cesarismo, personificado pelo General Spínola e os “puros”, representando 80%., mais ou menos afectos à personalidade do General Costa Gomes.

Com o PREC (Processo Revolucionário em Curso), o MFA “empalmou” os spinolistas, passou a dividir o poder com a rua e a sua massa dos “puros” dividir-se-á em 3 facções: os moderados, da democracia por eleições justas e livres, respaldados no General Costa Gomes; os gonçalvistas, filo-comunistas ou engrenados nas suas estruturas partidárias, afectos ao General Vasco Gonçalves; e copconistas, os esquerdistas contestatários da democracia formal e os revolucionários da democracia directa, que converteram e alçaram a seu profeta Otelo Saraiva de Carvalho, ora graduado em Oficial-General.

As consequências da acefalia hierárquica do MFA começavam a vir ao de cima: o divisionismo resultou no PREC, no abandalhamento dos quartéis, que espantou o mundo e tanto maculou a honra castrense das FA Portuguesas, a tragédia da descolonização do Ultramar e a acelerada instalação do caos na organização económica da Sociedade portuguesa. O MFA que se portara à altura de todas as solicitações militares, parecia desconhecedor do seu próprio povo e da sua história.

Cap Salgueiro Maia
Os efeitos da sua acefalia e do seu colectivismo tiveram a sua evidência logo no seu primeiro momento vitorioso: aceitaram que Marcello Caetano, já rendido ao MFA e prisioneiro do Capitão Salgueiro Maia, lhes escolhesse o General Spínola para Presidente da Junta de Salvação Nacional/ Presidente da República de Portugal e, por inerência, Supremo Comandante das Forças Armadas!...

O MFA começou o seu desvario menos de 2 meses após o sucesso da sua revolta, ao tirar o tapete ao Prof. Palma Carlos e ao seu Governo, na sua falta de análise da discrepância da lógica civilista e de “estado de direito” do Governo com a lógica militar e voluntarista do seu Programa, e, enquanto noviços da democracia, sobrepuseram-se a democratas militantes, ajuizaram o valor da sua proposta ao Conselho de Estado, órgão composto por 12 militares e 7 civis, com poderes constituintes, escolhidos pelo MFA, como golpe conspirativo. Em última análise, propunha-se a busca de um “quadro jurídico”, pela troca da prioridade de Descolonizar, Democratizar e Desenvolver, pela de Democratizar, Descolonizar e Desenvolver, com começo na rápida eleição do Presidente da República e por um governo legítimo, empossado por ele.

Republicano e civilista, para o I Governo Provisório só o Povo legitimava o poder, uma cabeça um voto era urgente, um direito inalienável, daí a prioridade atribuída à democratização; para os “Capitães de Abril”, o poder residia no Programa do MFA, a sua legitimação residia no seu colectivo e no poder das suas armas, o controle político do Governo era uma prerrogativa revolucionária da Comissão Coordenadora, a descolonização tinha prioridade sobre a democracia formal.

E, enquanto considerou que, com a transferência da ditadura portuguesa para a ditadura dos seus partidos únicos e armados, sem permissão de outros partidos políticos nem quaisquer eleições, os povos do Ultramar ficariam automaticamente “livres”, o MFA procrastinou durante mais de 2 anos a democracia a Portugal, impôs-nos eleições constituintes, legislativas e presidenciais, e, após a instituição da nossa democracia pluralista, ainda a tutelou durante 7 anos com um Conselho da Revolução.

Gen Vasco Gonçalves
O MFA dos Capitães abrira-se às hierarquias, a Comissão Coordenadora alçou o seu presidente, Coronel Vasco Gonçalves à chefia do II Governo Provisório e começou a fazer o seu caminho para retirar o General Spínola de inquilino do Palácio de Belém, tecendo uma “teoria da conspiração”, ao embargar a manifestação em seu apoio, a ”Maioria Silenciosa”, segundo os seus promotores, coordenada pelo Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro, que havia comandado a “Operação Tridente” e derrotado o PAIGC nas ilhas do Como, Caiar e Catunco, ou a conspiração do “28 de Setembro”, segundo o MFA e políticos apoiantes, que o COPCON desmantelou, a prender organizadores e manifestantes, a dinamizar cortes das estradas, barricadas e a permitir que milícias populares molestassem e prendessem pessoas a eito, por impulsão do fogoso Capitão Vasco Lourenço, o que o popularizará como o Capitão “Melena e Pá”. Vasco Lourenço aqueceu o forno e Otelo Saraiva de Carvalho coseu o pão. Como esse poder na rua foi concessão do COPCON, o evento serviu para germinar a facção político-militar copconista ou revolucionária, a que ele dará o seu patrocínio.

O Primeiro-ministro Vasco Gonçalves ascendeu ao generalato, formou e chefiou mais 3 governos provisórios mas populistas, o germe da facção político-militar gonçalvista, e, sem mandato do povo e na ausência de qualquer quadro político democrático, mudou profunda, embora provisoriamente, a nossa organização económica, com não raros atropelos à nossa realidade de 3.º país mais antigo do mundo, o respeito merecido pelos 900 anos de independência, de instituições governamentais e de história e, no referido à descolonização, os deveres e responsabilidades contraídos por Portugal para com os seus povos, ao longo de 500 anos da sua soberania ultramarina.

Em 11 de Março de 1975, eclodiu em Lisboa uma esquisita tentativa de golpe de Estado, anti-MFA, por terra e pelo ar, com o pretexto de prevenir o massacre de largas dezenas de militares e civis sob o nome código de “Matança da Páscoa”, a perpetrar por revolucionários naturais e internacionais (até constava haver tupamaros aboletados no Ralis!…), segundo informações do governo franquista de Madrid. O MFA superou-o e aproveitou para retirou a facção spinolista da circulação, catrafilando-a e a muitos civis na cadeia; os escapados à captura foram conspirar para a Espanha, organizaram-se no MDLP, e, por ironia do destino, constituirão o potencial estratégico dos moderados do 25 de Novembro, que meter na cadeia os gonçalvistas e os copconistas

11 de Março de 1975

Senti revolta, quando proeminentes Capitães de Abril não tiveram pejo em ir a Cuba pavonear-se de revolucionários e reverenciar Fidel Castro, apenas um ano era passado sobre a crise dos 3 G´s, planeada e comandada por oficiais do exército regular cubano, destacados para o PAIGC, que ajudaram a matar 63 e a ferir gravemente em combate 269 seus e nossos camaradas de armas, o preço do nosso sangue desses eventos bélicos; e o MFA não teve pejo em disponibilizar o aeroporto da ilha de Santa Maria, Açores, a Cuba, para escala técnica do trânsito do exército cubano, a substituir-se a Portugal em Angola, a ajudar o MPLA a espoliar os bens e na expulsão de centenas de milhares de portugueses, muitos com apenas a roupa do corpo (os Retornados).

É a memória que faz a História e não o contrário. Um facto não comentado e quase desconhecido: em 1973, a agenda de Marcello Caetano passara a inscrever a autodeterminação do Ultramar africano. Os Estados Unidos e a União Soviética “estiveram” na operação “viragem Histórica”?

Em 25 de Abril de 1974, a esquadra da NATO da operação “Daw Patrol” estava fundeada no Tejo e o MFA sabia - o então Comandante Rosa Coutinho estava de serviço ao “quarto da noite” no Comiberlant, em Oeiras, - que não dispararia sobre os revoltosos, não obstante a fragata canadiana Huran apontar os seus canhões ao Terreiro do Paço. Quando do 11 de Março de 1975, a informação da “Matança da Páscoa” teve origem em Moscovo e o evento coincidiu com a operação “Intex 75” da NATO, com passagem por Lisboa.

A prioridade civilista “democratização” não vingou sobre a prioridade militar “descolonização”. Na afirmativa, será plausível os contactos preliminares bilaterais terem passado a negociações sérias, prevenidos o êxodo ou o milhão de retornados do Ultramar, os mais de dois milhões de mortos das guerras civis subsequentes e o empobrecimento de colonizador e de colonizados e até os legítimos interesses dos 500 anos de soberania portuguesa salvaguardados.

A FNLA e o MPLA tinham perdido a guerra de Angola por falta de comparência, as negociações da sua autodeterminação estavam praticamente concluídas com Jonas Savimbi e a UNITA, a conceder em 1975, trabalho começado pelos Generais Costa Gomes e Bettencourt Rodrigues e levado a bom porto pelo Eng.º Santos e Castro e os Generais Soares Carneiro e Passos Ramos (irmão do major homónimo assassinado no Pelundo-Guiné). No respeitante a Moçambique, havia negociações conduzidas pelo Eng.º Jorge Jardim. A Guiné era o nosso calcanhar de Aquiles, mas havia contactos com o PAIGC, do Comandante Alpoim Calvão e Luís Cabral.

Começar a descolonização pela Guiné e não por Angola terá sido o maior erro estratégico do MFA ou da descolonização portuguesa. O Programa do MFA inscrevia-a, mas nem a discutira nem a planeara, houve navegação à bolina, não se olhou para as origens das ondas e foi liquidada com a acelerada retracção militar, sem equidade, pelo abandono, para espanto do mundo - e Portugal ficará sob o protectorado do FMI, Fundo Monetário Internacional.

Portugal foi a única potência que fez a descolonização, a empobrecer colonizador e descolonizados.

Eleições Legislativas de 1975

Na sua curta era, o MFA garantiu-nos as eleições constituintes e legislativas e fez outras coisas notáveis, como o Recenseamento Eleitoral, a organização do regresso de centena de milhares de refugiados e a instituição do IARN, que realizou a sua integração plena.

A coragem e a generosidade são fontes do erro e foram apanágio dos “Capitães de Abril”. Mas o seu maior legado é a nossa Democracia.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20984: 16 anos a blogar (12): Excursão à revolta do 25 de Abril: cosmopolita e elitista, em Lisboa; de oficiais e cavalheiros, no Porto; e a do dia 26, em Bissau, ou a pressa do MFA em se libertar da Guiné - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

terça-feira, 28 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20914: 16 anos a blogar (6): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (2) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 27 de Abril de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos a II parte de Os dias de Abril, mês "de águas mil"


Os dias de Abril, mês de “Águas mil”, de Constituições, de Revoltas, de Revoluções, dos… das Celebrações, Grupos de Risco e do Cofinamento, que mudaram Portugal - Parte II

(Continuado)

Em meados de Abril de 1974, feitas 6 reuniões plenárias à escala dos 3 Ramos das FA, a última em Cascais, mobilizadora de cerca de 200 conjurados, e um mês passado sobre a falhada “Revolta das Caldas”, a Comissão Coordenadora do MFA tinha acelerado e terminado o seu trabalho de casa – a máquina conspirativa estava montada e bem oleada.

A malta conspiradora das Caldas havia-se precipitado. À data da sua saída, a inter-relação dos conjurados limitava-se à ligação, não havia nem plano de acção militar nem programa político, mas apenas um rascunho de cariz político-militar, da autoria do Major do SAM Moreira de Azevedo e o Movimento dos Capitães/Movimento das Forças Armadas encontrava-se neste pé: logo que fossem muitos, entregariam ao Chefe seu elegido (General Spínola) um ultimato para ele apresentar ao Chefe do Governo (Marcello Caetano). Se este o aceitasse, tudo bem; se o recusasse, meteria o General Spínola “dentro”, na Trafaria (com o amparo do livro Portugal e o Futuro) e então eles accionariam o seu chefe profissional, General Costa Gomes.

Uma evidência da falta de equidade de funções, peculiar à comunidade militar. Os generais não substituiriam os capitães e os capitães a tratar de substituir os generais…

Ernesto Melo Antunes
Em 23 de Abril de 1974, o MFA iniciou a acção directa. A participação de oficiais da Marinha, da Força Aérea, as adesões dos seus camaradas milicianos (os espúrios) e de uma proporção significativa de oficiais superiores estavam consolidadas, havia o Programa político, elaborado por uma comissão coordenada pelo açoriano Major de Art.ª Melo Antunes e, também, o Plano da operação militar com o código de “Viragem Histórica”, elaborado por uma comissão coordenada pelo natural moçambicano Major de Art.ª Otelo Saraiva de Carvalho.

Escolhido o dia 25 de Abril para seu dia D e a 1H00 para sua hora H, efeméride da queda do Fascismo na Itália, inspirador do nosso regime do Estado Novo, a sua equipa operacional, comandada pelo Major Otelo, dedicou esse dia a entregar rádios, códigos e senhas aos conjurados, e, em simultâneo, o Major Melo Antunes, numa discriminação positiva ao Partido Comunista e ignorando o Partido Socialista e a Ala Liberal, entregava ao casal Carlos Brito e Zita Seabra, responsáveis da DROL (Direcção Regional da Organização de Lisboa) do PCP, cópias do Plano da operação militar e do Programa Político do MFA – as únicas cópias saídas da intimidade dos conspiradores.

A participação do Povo no êxito do 25 de Abril incruento é facto acontecimental; a participação do povo logo na alvorada da sua manobra militar é um mito.

Ao começo da madrugada de 1 de Abril de 1974, Zeca Afonso encerrou o seu espectáculo do Coliseu dos Recreios com a canção Grândola, vila morena, que havia lançado na Galiza, o Major Otelo estava na plateia, o seu ouvido reteve-a e será a elegida para senha da hora H – a Rádio Renascença transmitiu-a aos 20 minutos da madrugada de 25 de Abril.

O primeiro conspirador a mostrar serviço ao Posto de Comando do MFA, na Pontinha, foi o Capitão Teófilo Bento: ouvida a cantiga do Zeca Afonso, ele, o Tenente Manuel Geraldes e a sua malta da Escola da Administração Militar, especialistas de “apontadores da Bic” e não de apontadores da G3, acabavam de ocupar o Mónaco, nome de código da sua vizinha a RTP.

Jaime Neves
O segundo a sair terá sido o Major Jaime Neves e a sua malta dos Comandos; será recorrente na afirmação de que, quando chegou ao Terreiro Paço, por volta das 6H00 da manhã, com a missão de ocupar os ministérios militares e de prender os respectivos ministros, já havia massas trabalhadoras, vindas da Outra Banda e com palavras de ordem, de apoio à “revolução”. Desconfiado de estar a protagonizar uma revolução comunista, “a coisa era tão secreta e chegara a esse nível”, em vez de apresentar serviço na Pontinha, exigiu explicações ao Posto de Comando, o Major Otelo sossegou-o, e só não desistiu, porque o Capitão Salgueiro Maia e a sua malta da EPC de Santarém começaram a chegar.

A sua perplexidade permitiu que os chefes militares tivessem escapado (momentaneamente) à prisão, derrotando com os machados de guerra dos guerreiros da sua decoração a parede de tijolo, divisória entre o Ministério do Exército e o Ministério da Marinha, apanharam o autocarro e foram parar ao Regimento da PM, à Calçada da Ajuda, onde montaram o Posto de Comando da contra-revolta. Integrou-se activamente na manobra do Salgueiro Maia, foi negociador decisivo, na Ribeira das Naus, na contenção dos blindados Patton que os chefes que não prendera mandaram contra eles, vindos da mesma Calçada, originários do RC7. E ainda efectuará a prisão o General Louro de Sousa, Quartel-Mestre General, - o Comandante do CTIG da Guiné da “Operação Tridente”, à ilha do Como, em princípios de 1964.

O que o Posto de Comando do MFA e o notável soldado e futuro Brigadeiro Comando Jaime Neves não sabiam – este terá partido sem saber – que a sua colisão mental com o surgimento daquela malta, madrugadora e animada, era circunstancial a essa a manobra “secreta” do Major Melo Antunes, que pusera o Carlos Brito a mobilizar a massa trabalhadora da Cintura Industrial de Lisboa para o Terreiro do Paço e pusera a Zita Seabra a mobilizar a massa estudantil (a UEC) a apoiar todo o militar da revolta que encontrasse na rua.

E essas massas desempenharam-se eficazmente; foram o “fermento” que levedou a massa de adesão do Povo.

Se o Capitão Teófilo Bento e a sua malta do SAM foram meteóricos na ocupação da RTP, objectivo não armado, o MFA de Lisboa, não obstante o seu poderio de homens e de fogo, demorou 17 horas a tomar o poder em Lisboa, encheu o Forte da Trafaria de presos, enquanto ao MFA do Norte, enformado por 60 militares, divididos em 5 grupos, comandado pelo então Tenente-Coronel Carlos Azeredo, bastaram 8 minutos para cumprir todas as missões e tomar o poder no Porto – e não meteu ninguém na cadeia.

Às 14H02 entraram em acção e às 14H10 já tinham libertado toda a região de Entre Minho e Douro.

A primeira fractura do MFA também se deu no Norte.

Carlos de Azeredo
O Tenente-Coronel de Cav.ª Carlos Azeredo planeara e executara o 25 de Abril nortenho em parceria com os Majores Eurico Corvacho, Gonçalves Borges e o Capitão Nogueira de Albuquerque, não poderia comandar a Região Militar, por não exercer o comando de unidade, havia requerido a demissão do Exército (o ministro tencionava deferi-la, sob o pretexto de ser paciente de “de doença mental”), mas recusou cumprir a ordem do Posto de Comando na Pontinha, de sair da cena e deixar o comando para o Major Corvacho; no seu entender, os chefes do MFA eram os Generais Spínola e Costa Gomes.

Em corolário a tantas horas de indecisão, a partir do meio-dia desse dia libertador emergiram no Porto não as massas populares de apoio, mas a turbamulta. Molestava-se pessoas, montava-se cercos aos quartéis da GNR, apedreja-se as esquadras da PSP e outras instituições do Estado, incendiavam-se carros, partia-se montras e assaltava-se lojas. Presenciei a Eng.ª Civil Virgínia Moura, que havia conhecido no contexto das obras da Ponte da Arrábida, como autora do projecto do nó e do viaduto de Sto. Ovídeo, em Gaia, a incitar a multidão e a alçar-se ao seu comando, para a temeridade de cercar e assaltar a PIDE – negligenciando o seu armamento.

Foi quando entrou em cena outro oficial também já fora da tropa e também Eng.º Civil – o Coronel Mário da Ponte (que me honrou com a sua amizade, durante mais de 40 anos). Foi para o Quartel-General, puxou dos galões, pôs a PM e a tropa na rua, a restaurar e a manter ordem pública, desmobilizou o cerco à PIDE, no dia seguinte mandou para casa o seu pessoal secundário e o seu pessoal estrutural foi largado no Alto da Carriça, na estrada de Braga, postura que manteve enquanto o Coronel de Inf.ª Passos Esmeriz, que comandava o RI 6, na Senhora da Hora, não foi assumir esse posto, por vontade da maioria dos oficiais dessa Região Militar.

Mário Soares e Álvaro Cunhal
Com o regresso de dois políticos, o optimista e exilado Mário Soares, vindo de Paris, que se apeou na Estação de S. Apolónia, no dia 28, e o céptico e fugitivo Álvaro Cunhal, vindo de Praga, que, no dia 30, desembarcou no Aeroporto da Portela, a revolta passou a tridimensional - os “capitães de Abril” e mais esses dois, como os corifeus do Socialismo…

Há camaradas da Tabanca Grande participantes na operação “Viragem Histórica”? Eu, no 25 de Abril, não pequei por omissão: voluntariei-me e fui recusado.

Naquele dia inicial inteiro e limpo (Sophia), estacionei o carro na Praça da República (então trabalhava no cimo da Rua do Almada) e dirigi-me ao camarada furriel que vi a comandar uma secção em posição de fogo, nos cruzamentos da Rua João da Regras e da Rua da Boavista. Admitindo tratar-se de exercício citadino, comentei o seu realismo e ele disse-me que não era exercício, era uma revolta para derrubar o Governo. Alertei-o do perigo do RC 6, ali tão perto, e ofereci-me a ir para a torre da Igreja da Lapa e fazer a vigilância aérea dos eixos de aproximação dos seus blindados, e ele desarmou a minha disponibilidade, dizendo-me que toda a tropa do Porto estava alinhada com a revolta. Eram 8H30 da manhã…

Naquele tempo também me sentia rebelde, ofereci os meus préstimos (intempestivos), o 25 de Abril recusou-os, mas, modéstia aparte, não deixou de me obsequiar: os Trabalhadores honram o 1.º de Maio como o seu dia e eu não só, mas também - é o dia do meu aniversário!

A celebração desta efeméride, via skype, por aquela meia dúzia de velhotes e “Capitães de Abril” sobrevivos, a cujo grupo etário pertenço, cercados por todos os lados pelo vírus Covid-19, a sua nostalgia de combatentes, no Ultramar e na Metrópole, ao serviço do seu Povo, ora em distanciamento social e em confinamento por um inimigo invisível, a sua exortação aos médicos, enfermeiros e demais pessoal do SNS, para personificarem os “capitães de Abril” da sua derrota, comoveram-me às lágrimas.

E, parafraseando o Almirante Pinheiro de Azevedo, protagonista de dois 25´s, o de Abril e o de Novembro: Não gosto de confinamento; chateia-me estar confinado.

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OBS:- Escolha e edição das fotos da responsabilidade do editor
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Notas do editor

Poste anterior de 25 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20902: 16 anos a blogar (4): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (1) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

Último poste da série de 27 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20912: 16 anos a blogar (5): O barbeiro dos bifes (António Carvalho, ex-Fur Mil Enf)

domingo, 18 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17484: Tabanca Grande (439): João Cerina, ex-Fur Mil da CCAV 1615/BCAV 1897, passou à disponibilidade em 1972 como Segundo-Sargento Miliciano, vive na Guiné-Bissau e é o 746.º Grã-Tabanqueiro da nossa tertúlia

1. Mensagem do nosso camarada João Correia Cerina, ex-Fur Mil da CCAV 1615/BCAV 1897, Olossato, 1967/68, com data de 4 de Fevereiro de 2017:

Sou João Correia Cerina, ex-furriel miliciano da CCAV 1615 - BCAV 1897 (Olossato) chegado à Guiné em 25.07.1967 (rendição individual).
Após regresso do batalhão a Portugal fiquei em Bissau na Chefia de Intendência.

Por razões de ordem sentimental (falecimento da minha mãe em Janeiro de 1969) continuei no serviço militar até Dezembro de 1972, data em que passei à disponibilidade com o posto de segundo-sargento.

Até á presente data encontro-me na Guiné-Bissau.

Envio algumas fotografias que consegui guardar pois a minha companheira, aquando do 25 de Abril, queimou tudo que eu tinha, fardas militares, fotos etc., com receio de represálias por parte do PAIGC.
João Cerina

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2. Mensagem do co-editor CV enviada ao camarada Cerina em 19 de Fevereiro

Caro camarada e amigo João

Desculpa só agora estar a responder.

Julgo ser tua intenção aderires à tertúlia do nosso Blogue. Para seres apresentado devidamente, precisava que me enviasses uma foto actual. Pode ser?

As tuas fotos estão uma lástima. Vou tentar recuperar minimamente algumas delas, mas outras nem as publicarei. Queria que na 30004, onde estais à mesa com a farda número 2, me dissesses qual deles és tu.

Aquela viatura (foto 239) quase destruída, em que situação ficou assim e em que estrada?

Se puderes acrescentar algo mais ao facto de teres ficado em Bissau, seria bom para satisfazeres a nossa curiosidade. Que fazes (ou fizeste aí) e se tencionas voltar a Portugal.

Ficamos a aguardar ansiosamente as tuas notícias mais pormenorizadas.

Abraço em nome dos editores e da tertúlia do nosso Blogue.

O amigo e camarada
Carlos Vinhal

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3. Mensagem  de João Cerina com data de 5 de Junho de 2017:

- Foto 30004 - eu sou o primeiro à esquerda.

- Foto 239 - a viatura sofreu o impacto do rebentamento (fornilho) à frente do lado directo. O pessoal que seguia em cima do carregamento (géneros) foi projectado havendo a registar um soldado morto por esmagamento (roda da frente do lado esquerdo). Eu seguia na primeira viatura Unimog com a minha secção. A viatura atingida foi a segunda.

A coluna seguia de Bissau para o Olossato, e o rebentamento deu-se a seguir ao aquartelamento de Nhacra, a caminho de Mansoa.

Após falecimento da minha mãe, decidi ficar em Bissau, só passei à disponibilidade em Dezembro de 1972. Em 1973 arranjei colocação na sucursal das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, em Bissau, onde trabalhei até Abril 1974 (fui pago até Outubro), data em que procurei novo emprego, tendo começado a trabalhar no Grande Hotel em Bissau, no dia 01 de Novembro de 1974, até 31 de Maio de 1979.

No dia 01 de Junho de 1979 comecei a trabalhar na TAP (Aeroporto) até Maio de 2006 (data em que fui despedido com a invocação de justa causa, acusado dum crime que não cometi, tendo posteriormente ganho a questão em tribunal local e recebido indemnização, que não cobriu os danos morais a que fui sujeito.)

Em principio, não tenciono voltar em Portugal pois nada tenho (nem família próxima, nem bens de qualquer espécie).´

Tinha uma hipótese remota de partilhas em Vila Real de Santo António, de onde sou natural, mas por falta de acordo duma cunhada, tudo foi por água abaixo! Azares da vida!

Abraco para a tertúlia
João Cerina.

P.S.- Não sei se será possível obter contacto do General na Reserva Carlos Azeredo - ex. CMDT da CCAV 1616?!

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4. Comentário do editor

Caríssimo João

Muito obrigado por te juntares a nós, és o primeiro camarada da CCAV 1615 a apresentar-se à tertúlia.

Vê se gostas das fotos, tive que rejeitar duas delas que estavam mesmo em mau estado, o que não admira pela idade delas e por estarem sujeitas a esse clima húmido.

Pelo que nos dizes, és um dos resistentes que ficaram na Guiné-Bissau e apostam em ajudar o país que já é vosso. As tuas raízes aqui serão já ténues, aí terás a tua vida familiar e profissional organizadas pelo que não é de estranhar a tua opção. Com certeza conhecerás imensos portugueses que fizeram da Guiné-Bissau a sua primeira pátria.

Poderás, se quiseres, falar-nos das tuas memórias enquanto militar e da tua actividade enquanto civil, experiências únicas, tanto mais que até prolongaste a tua vida militar até Dezembro de 1972. Acabei por ser teu contemporâneo, já que estive na Guiné entre Abril de 1970 e Março de 1972, 23 meses portanto, dos quais 22 passados em Mansabá, que conhecerás muito bem.

Foste tu e muitos camaradas do teu tempo que fizeram segurança aos trabalhos de asfaltagem do troço final da estrada Mansoa-Mansabá, que mesmo assim não evitou que se continuasse a morrer por ali, principalmente na zona de Mamboncó.

Quanto ao contacto do senhor General Carlos Azeredo, não acho que o devas contactar porque ele está com muita idade e já bastante debilitado. Costumava aparecer aos convívios dos Combatentes do Concelho de Matosinhos, mas há muito declinou os nossos convites. [Tem meia dúzia de referências no nosso blogue; nascido em Marco de Canaveses, vai fazer,  em outubro,  87 anos; não temos o seu contacto].

João, fico ao teu dispor para qualquer esclarecimento. Vai dando notícias e envia-nos material escrito ou outras fotos para publicação. Por falar em fotos, se quiseres acrescentar legendas às agora publicadas manda que eu acrescento. Podes identificar os camaradas, os locais, datas, etc.

Por agora deixo-te o abraço de boas-vindas em meu nome pessoal, dos restantes editores e da tertúlia.
CV
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17432: Tabanca Grande (438): Ernesto Marques, leiriense de Ancião, vive no Cartaxo, foi Soldado TRMS Inf, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)... Novo grã-tabanqueiro n.º 745

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15708: Notas de leitura (805): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Temos agora o General Carlos de Azeredo como comandante em Bolama, uma cidade decadente que ele descreve com uma certa nostalgia e lembranças de Goa.
Cerca de um ano depois de regressar, Spínola pede-lhe para regressar à Guiné como coordenador dos projetos de reordenamentos e das tabancas em autodefesa, atividade que lhe deu imensa satisfação e faz um balanço positivo das infraestruturas deixadas no interior da Guiné, incluindo poços, escolas e postos sanitários.
Sempre mordaz, refere que a mesma URSS que armava solidamente o PAIGC vendeu-nos o armamento que foi utilizado na operação "Mar Verde". A guerra tem destas coisas que passam pelo puro cinismo de não olhar a quem para escoar a mercadoria mortífera...

Um abraço do
Mário


Trabalhos e dias de um soldado do Império (2)

Beja Santos

“Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Civilização Editora, 2004, é um vasto reportório de lembranças de um oficial-general acerca do seu percurso militar, a sua passagem pela política e pelos cargos que exerceu como assessor militar de Sá Carneiro, na Casa Militar de Mário Soares e como autarca do Porto.
No texto anterior, Carlos Azeredo relata a sua passagem pela região do Morés, no Olossato e mais tarde em Aldeia Formosa, vemo-lo agora como comandante do Centro de Instrução Militar de Bolama. Descreve o ocaso da antiga capital da colónia:
“A cidade, situada na ponte oriental da ilha, num local aberto e em parte no declive para o porto e cais no canal de S. João, devia ter sido muito pitoresca no seu velho estilo colonial do século XIX. Com aspetos que faziam lembrar as cidades de Goa.
Com exceção do aquartelamento, do hospital, da velha câmara com o seu frontão e colunas no estilo helénico, o hotel, o antigo Palácio do Governador e as poucas casas que ainda estavam habitadas, o resto da cidade era uma ruína onde todos os meses desabavam uma ou duas casas. De notável havia em Bolama dois monumentos: a estátua do Presidente Ulisses Grant, que arbitrou a célebre questão de Bolama entre Portugal e a Grã-Bretanha, estátua esta situada no jardim central em frente do quartel, e o monumento erguido pelo governo italiano de Mussolini, de mármore, em memória dos dois aviadores italianos que, numa tentativa de volta aérea ao mundo, ali morreram num desastre com o seu avião”.

Durante os sete meses que esteve em Bolama morreram dois soldados guinéus com uma mina implantada na estrada a poente da cidade, foi esta a única atividade do PAIGC na ilha. Em contrapartida, S. João e o seu aquartelamento eram atacados periodicamente.

Em Setembro de 1969 regressa a Lisboa. No ano seguinte, o General Spínola pede-lhe para regressar à Guiné, para coordenar os diferentes projetos do reordenamento das populações, Carlos de Azeredo aceita, regressa em Outubro desse ano, é colocado no Quartel General do Comando-Chefe a dirigir toda a atividade da construção dos reordenamentos e da implantação de autodefesas da Guiné, em substituição do Major Eduardo Matos Guerra. Comenta favoravelmente o trabalho do seu antecessor e adianta:
“Se no controlo dos materiais e das técnicas de construção pouco ou nada alterei, já no que se refere aos planos do aldeamentos e sua urbanização foram introduzidas várias modificações em que trabalharam arquitetos e engenheiros militares. Mas foi sobretudo no que se refere à localização dos novos aldeamentos que os métodos de escolha e definição da sua situação no terreno foram alterados”. Escolhido o novo local, entrava em conversações com os homens grandes, era um laborioso processo de tomada de decisão, visitava o novo local com os notáveis do presumível novo reordenamento, atendia às razões dos autóctones. Mas havia um problema adicional:
“Vezes houve em que as localizações escolhidas recaíram em áreas onde a guerrilha atuava com uma certa frequência, o que levantava dificuldades e punha problemas de segurança, já que o pessoal que maioritariamente trabalhava na construção das casas eram praças europeias retiradas de várias unidades operacionais da Guiné, com profissões na vida civil de pedreiros, carpinteiros e trolhas. Por isso houve casos em que foi necessário deslocar uma companhia operacional para a área de construção”. E faz o balanço:
“À minha saída da Guiné em 1972, tinham sido construídas pelo Exército 1600 casas, 74 postos sanitários e 92 escolas, tudo coberto de zinco, realização que só foi possível pelo grande espírito de sacrifício, muito trabalho e dedicação de anónimos soldados, sargentos e oficiais, que se empenharam com entusiasmo nesta tarefa quase faraónica”.
Mas Carlos Azeredo também tinha o cometimento da instalação das autodefesas. Ia falar com os notáveis da tabanca, fazia-se o cômputo dos homens em condição de usar armas, combinava-se a instrução e a construção de uma muito rudimentar organização defensiva constituída por valas e parapeitos para atirador, com troncos de palmeira e terra, tudo protegido por uma rede de arame farpado.

Considera que só por uma verdadeira lealdade é que foram pouquíssimas as armas desviadas e entregues ao PAIGC. Considera que essa lealdade era tão forte que levou ao clima de terror e aos fuzilamentos praticados. Conheceu casos das nossas tropas em que houve uma total falta de ética militar e exemplifica com uma companhia aquartelada a Norte de Farim, Nema, comandada por um oficial do quadro permanente, figura célebre pela façanha de durante um patrulhamento ter perdido os seus homens. Acontece que a guerrilha do PAIGC atacou a povoação de Farim e o aquartelamento de Nema, o capitão português suspeitando que o régulo local tinha ligações com inimigo, submeteu-o, auxiliado por um sargento, a um interrogatório brutal, e o pobre velho, que afinal era lealíssimo, veio a morrer. Spínola mandou proceder de imediato a um auto de inquérito e o capitão salvou-se porque o comanda de batalhão assumiu a responsabilidade de uma ocorrência acontecida numa sua unidade, Spínola retirou-lhe o comando do batalhão, a despeito desta atitude corajosa.

Fala ainda da operação “Mar Verde” em que uma empresa de Lisboa, a Norte Importadora, comprou armamento à União Soviética, foram a Kalachinkovs, morteiros 82 e RPG 7, tudo comprado a um custo total de 4.500 contos, que foram levados pelos Comandos Africanos. Na parte final deste seu depoimento acerca da segunda comissão na Guiné, e depois de ter enaltecido o trabalho de Spínola faz a seguinte apreciação:
“A guerra tendia, ano a ano, para uma derrota, já que o governo de Lisboa não aceitava o facto de ter de aumentar as despesas com novo reequipamento e armamento para se poder fazer face aos novos meios que a guerrilha cada vez mais tinha ao seu dispor, isto conjugado com uma opinião internacional cada vez mais hostil à política de Salazar, e a paralisia na atuação política de Lisboa face ao problema do Ultramar. Quer na Índia quer depois em África, tínhamos inferioridade de armamento e de meios em relação ao adversário, inferioridade que se foi agravando com o decorrer do tempo. E penso que não foi por toneladas de ouro mas por tacanhez de mentalidade na gestão dos nossos meios financeiros que tal circunstância se verificou”.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15693: Notas de leitura (804): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15693: Notas de leitura (804): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Foi prisioneiro após a invasão do Estado português da Índia, seguir-se-ão três comissões, das duas na Guiné, por onde andou no Olossato, Aldeia Formosa e Bolama, regressará meses depois, a pedido de Spínola, para acompanhar os reordenamentos, envolveu-se no 25 de Abril, foi governante na Madeira, onde recebeu o Presidente da República e Presidente do Conselho depostos; será assessor militar de Sá Carneiro, Comandante da Região Militar Norte e Chefe da Casa Militar de Mário Soares.
É intenso livro de memórias, o General Carlos de Azeredo é conhecido pela resposta pronta, pela língua afiada e pelo destemor. Vale a pena lê-lo do princípio ao fim.

Um abraço do
Mário


Trabalhos e Dias de um Soldado do Império (1)

Beja Santos

“Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004, é um livro de memórias de alguém que cumpriu 5 comissões na Índia, Angola e Guiné, dirigiu o planeamento e comandou a execução do movimento militar do 25 de Abril para o Norte de Portugal, foi o último Governador Civil do Funchal, Presidente da Junta Governativa da Madeira, Assessor Militar de Sá Carneiro e Chefe da Casa Militar de Mário Soares. Neste volume de quase 500 páginas, extraímos as considerações produzidas às suas duas comissões na Guiné.

Chegou à Guiné em finais de Agosto de 1967, vai comandar a CCAV 1616, no Olossato. Esta Companhia bem como a CCAV 1615 pertenciam ao BCAV 1897, sediado em Mansabá. Encontrou o pessoal moralizado. “A minha primeira preocupação foi a de incutir no espírito dos meus homens que não éramos terroristas mas militares e que o inimigo, uma vez vencido, seria respeitado como uma pessoa humana. Sevícias ou maus tratos seriam severamente punidos". O que nos relata sobre o assalto a Iracunda, no Oio, prende a atenção. Não era a primeira vez que se procurava assaltar esta base a cerca de mil metros a poente do Morés. Repetiam-se sempre os mesmos erros, aparecia sempre o DO cerca das 9h30, seguiam-se sempre os mesmos itinerários. Decidiu quebrar a rotina, deteve-se atentamente na carta militar e decidiu que ali chegariam por terra firme que percorria o Istmo a Sul. Mandou formar a tropa ao fim da tarde e saíram pelas 22 horas. Afastados da povoação, expôs a operação, definiu missões aos grupos de combate, determinou absoluto silêncio rádio. Perto das 5 horas atingiram o extremo sul do Istmo e no carreiro que vinha do Morés deixou um grupo de combate emboscado, bem como outro a umas centenas de metros à frente, de reserva nas imediações da base. Aproximaram-se do objetivo, uma sentinela inimiga detetou-os, lançaram-se ao assalto, ninguém reagiu, abandonaram precipitadamente a base. Nas moranças encontraram armas, munições e documentos. Após algumas buscas encontraram um depósito de material. Apanharam cerca de seis toneladas de armamento pesado e ligeiro. Da direção do Morés, começaram a ser alvejados com fogo morteiro, retiraram e é na retirada que lhes infligem uma emboscada, ripostaram e minutos depois o inimigo levantou emboscada. Carlos de Azeredo é bem conhecido por ser intempestivo e cortante nas suas respostas. Quando o Dornier apareceu pelas 9h30, respondeu que marchavam de regresso ao Olossato. O comandante quis saber o que se passava com o cumprimento da missão e ele respondeu: “A base de Iracunda foi tomada e destruída e deve estar ainda a arder”. Pediu ao comandante que chamasse helicópteros para levar os feridos e parte do material.

Como bom oficial de Cavalaria, detesta os burocratas e oficiais do Estado-Maior e conta-nos uma história macabra. Em resposta a um ataque noturno ao Olossato, uma granada de morteiro caíra numa posição dos atacantes. Feito o reconhecimento encontraram vários restos de corpos humanos (dedos de mãos, miolos, um maxilar inferior, etc) foi tudo guardado num grande frasco com álcool. Semanas depois, anunciou-se a visita, com almoço, do Brigadeiro Comandante-Militar ao Olossato, oficial que nas reuniões dava sempre conselho sobre o modo de fazer a guerra. Para esse dia, Carlos de Azeredo escolheu uma ementa com carne de vaca. “Chegado o dia da visita, mandei colocar num tabuleiro um frasco com os restos dos pobres guerrilheiros, nadando num álcool já acastanhado, e cobrir tudo com um pano. Ao almoço, falou-se das atividades operacionais e eu levantei a questão da feracidade dos dados incluídos nos relatórios sobre as baixas causadas ao inimigo e que, para evitar dúvidas sobre a sua veracidade, eu procurava sempre que possível testemunhos fotográficos ou provas das baixas do adversário. Perguntou-me o Comandante Militar que provas eram essas. Fiz o sinal combinado ao soldado impedido na messe que se aproximou com o tabuleiro e, retirado o pano, descobriu os frascos com as provas. O Brigadeiro perdeu a cor e o apetite e nós vimo-nos assim libertos de mais perorações eruditas sobre o modo de fazer a guerra”. Recorda com saudade gente do Olossato, caso do Balanta Nhinté, o Fula Fogá e o Mandinga Braima.

Chega Spínola à Guiné e nomeia-o para comandar um setor operacional com base em Aldeia Formosa. Logo descobriu que o moral dos homens era muito baixo, pôs em marcha um plano urgente em obras de defesa, fala detalhadamente dos Cherno Rachid Djaló, com quem estabeleceu uma excelente relação. Elaborou um plano de concentração das povoações dos povos do Forriá. Os ataques mais poderosos vinham da povoação de Kansembel, na Guiné Conacri, as unidades do PAIGC traziam o armamento e a cerca de 600 metros tinham Aldeia Formosa ao seu alcance. Como estes ataques se iam multiplicando, Carlos de Azeredo pediu ao oficial artilheiro que introduzisse nos obuses os elementos de tiro para bombardear Kansembel. Aldeia Formosa fora bombardeada pelas 20 horas, pelas 22 mandou fazer fogo com os três obuses de campanha, despachou para cima de Kansembel nove granadas de 14. Preveniram o Comandante-Chefe da ocorrência, Spínola apresentou-se pelas 8 horas, vinha de má catadura. Percorreu a povoação onde ainda fumegavam restos de algumas casas, visitaram um cemitério onde se enterravam os mortos deitados de lado e virados para Meca. À despedida, disse ao Comandante Azeredo: “Lixe-os!”. Três dias depois, novo ataque violento, mandou responder com os obuses, foram disparadas 60 granadas sobre Kansembel. Veio a ser informado que a população de Kansembel já ameaçava o PAIGC de os expulsar da área. Cerca de um mês depois, nova flagelação sobre Aldeia Formosa. Duas noites depois, os obuses funcionaram entre as 4 e as 8 horas, sobre Kansembel. Nunca mais houve flagelações, as autoridades de Kansembel tinham proibido aos guerrilheiros um novo ataque à Aldeia Formosa.

Refere-nos as colunas logísticas para Ponte Balana e Gandembel, um verdadeiro Inferno. Em Fevereiro de 1969 assumiu o comando do CIME em Bolama.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15692: Notas de leitura (803): "Cartas de Amor de Amílcar Cabral a Maria Helena: a outra face do Homem" (António Graça de Abreu / Márcia Souto, da editora Rosa de Porcelana)

terça-feira, 3 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9695: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte III) (Idálio Reis)



Guiné > Região de Tombali > Março de 1968 > CCAÇ 2317 (1968/69) > Após o Treino Operacional na região do Oio (Olossato e Mansabá), a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana A primeira etapa foi por via fluvial e até Cacine, a bordo de uma LDG, aonde aportam a 19 de março de 1968.





Guiné > Região de Tombali >
Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) > Março de 1968 > Durante a permanência em Guileje, foi-se recolhendo algum material para a construção de Gandembel/Ponte Balana. É o caso do aproveitamento de palmeiras, de cujos espiques se extraíam os cibes Na foto, um aspecto do abate das palmeiras.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) > Março de 1968 > Na fase de carregamento dos cibes.


Fotos (e legendas): © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos Direitos reservados.


1. Continuação do texto da autoria de Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69):


Os Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte III) (*) (**)


(...) Já se torna bastante diferente, a narrativa seguinte, que os autores apelidaram de “Os Gandembéis”. É escrita em circunstâncias inteiramente distintas das do Hino, onde o último local de permanência, em Nova Lamego, ofertava um clima de paz, de sossego e tranquilidade.



A sua leitura, feita nos dias de hoje, parece trazer uma inefável doçura, dada a exemplar ilustração da história da nossa Companhia.


Trata-se de um texto, composto e adaptado por ‘2 humildes anónimos’ [, um deles o saudoso João Barge (1944-2010), foto à esquerda, no nosso V Encontro Nacional, em 2010, uns meses antes de morrer],  que procurou fundamentalmente narrar a acção (épica), que um punhado de homens que então compuseram a CCAÇ 2317, tiveram que passar em terras da Guiné, mas onde prevalece pelas razões invocadas nestas memórias, os sítios contíguos ao rio Balana.








OS GANDEMBÉIS > Canto I


I
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por sítios nunca dantes penetrados
Passaram ainda além do Rio Balana,
E em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
Entre gente remota edificaram
Novo Reino que depois abandonaram;


II
E também as memórias gloriosas
Daqueles heróis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
Do Olossato e Mansabá andaram conquistando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar engenho e arte.


III
Cessem do Corvacho e do Azeredo
As conquistas grandes que fizeram;
Cale-se do Hipólito e do Loredo (#)
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto os que não tiveram medo
A quem Nino e Cabral obedeceram.
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que a dois três dezassete mais alto s’ alevanta.


IV
Por estes vos darei um Maia fero,
Que fez ao Moura e ao Calças tal serviço.
Um Nunes e um Dom Veiga (##), que de Homero
A Cítara para eles só cobiço;
Pois pelos Dois pares dar-vos quero
Os de Gandembel e o seu Magriço;
Dou-vos também o ilustre Goulart,
Que para si em Minas não tem par.


V
E, enquanto eu estes canto, e a vós não posso,
Bigodes Reis, que não me atrevo a tanto, (###)
Tomai as rédeas vós, do Grupo vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Começai a sentir o peso grosso
(Que pela Guiné toda faça espanto)
De RDMs e recusas singulares
De Gandembel as terras e do Carreiro os ares.(####) 


VI
E, o que a tudo, enfim, me obriga
É não poder mentir no que disser,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me há-de ficar ainda por dizer.
Mas, porque nisto a ordem leva e siga,
Segundo o que desejais de saber,
Primeiro tratarei da larga terra
Depois direi da sanguinosa guerra.


VII
Partiu-se de manhã, c’o a Companhia,(#####)
De Guileje o Moura despedido,
Com enganosa e grande cortesia,
Com gesto ledo a todos e fingido.
Cortam as viaturas a longa via
Das bandas do Carreiro, no sentido
De ir construir um quartel
Na inóspita e deshabitada Gandembel.


VIII
Já na estrada os homens caminhavam,
O intenso capim apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Nas viaturas as minas rebentando;
Da negra missão os soldados se mostravam
Decididos; e os aviões vão apoiando
A coluna com muita acrobacia
Porque no mais não passa de «fantasia.


IX
As roquetadas vêm do turra e juntamente
As granadas mortíferas e tão danosas;
Porém a reacção não consente
Que dêem fogo às hostes temerosas;
Porque o generoso ânimo e valente,
Entre gentes tão poucas e medrosas,
Não mostra quanto pode, e com razão:
Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.


X
Da bolanha escondida, o grão rebanho,
Que pela mata foi aparecido,
Olhando o ajuntamento lusitano
Ao soldado foi molesto e aborrecido;
No pensamento cuida um falso engano,
Com que seja de todo destruído.
E, enquanto isto no espírito projectava,
Já com morteiros e canhões atacava.


XI
E uma noite se passou nesta rota
Com estranha emoção e não cuidada
Por acharem da terra tão remota
Nova de tanto tempo desejada.
Qualquer então consigo cuida e nota
No inimigo e na maneira desusada,
E como os que na errada missão creram
Tanto por toda a Guiné se estenderam.

(Continua)

Notas de L.G.:

(#) Cap Eurico Corvalho, comandante da CART 1613 (Guileje, 1967/68), falecido a 22/12/2011.  Cap Carlos Azeredo, cmdt da CCAV 1616(BCAV 1879, que esteve no Olossato. Quanto ao Hipólito e ao Loredo, pede-se ao idálio Reis para identificar estes dois comandantes de companhia que, presume-se, andaram pela região do Oio, e devem ter pertencido ao BCAV 1879, 1966/68 (que, além da CCAV 1616, tinha ainda a CCAV 1615 e a CCAV 1617).

(##)  Cap Inf Jorge Barroso de Moura, cmdt da CCAÇ 2313 (hoje general reformado); Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia; Fur Mil At Viriato Martins Veiga; Sold apont metralhadora Jerónimo Botelheiro Nunes (a confirmar), cujo municiador morreu a 28/3/1968, nas imediações de Guileje

(###) Alf Mil At Inf Idálio Rodrigues F. Reis (hoje, eng agron ref, membro da nossa Tabanca Grande, residente  em Cantanhede); Fur Mil At Inf Mário Manuel Goulart.

(####) Carreiro= Corredor de Guileje, corredor da morte...

(#####) Depois de passar, na IAO,  por Mansabá e Olossato (de 15/2 a 15/3/1968), a CCAÇ 2313 seguiu de LDG para Cacine, e esteve em Guileje por pouco tempo (aí fazendo colunas logísticas para Gadamael e cortando cibes). A 8 de Abril de 1968 foi destacada para Gandembel, com a missão de construir um aquartelamento de raíz. Mas a 28 de março, tem os seus dois primeiros mortos, o Domingos Costa (Olival/vIla Nova de Gaia) e Manuel Meireles Ferreira (Pópulo / Alijó). A 8 de abril participa na Op Bola de Fogo...


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Notas do editor:


(*) Últinmo poste da série > 29 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9676: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte II) (Idálio Reis)


(**) Fonte: REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 201-204. [Livro a lançar no dia 21 de Abril de 2012, em Monte Real, no nosso VII Encontro Nacional; um exemplar será oferecido pelo autor aos camaradas inscritos].