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quarta-feira, 22 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14914: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VIII: População: da Ponta Brandão a Cansamba




Foto nº 9 > Guiné > Zona leste > Galomaro >  Setembro de  1969) >  Foto tirada na tabanca em autodefesa de Cansamba. A  bajuda estava a bordar. Quando  me preparava para lhe tirar a foto,  pediu-me que esperasse um pouco e foi ao interior da morança. Pensava eu que ia tapar os seio mas não, foi pôr o lenço na cabeça.



Foto nº 1 > Bambadinca, setembro de 1969: as (e)ternas crianças



Foto nº 2 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (1)


Foto nº 3 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (2): a arte de rapar a cabeça



Foto nº 4 > Bambadinca, cais do rio Geba (1): lá como cá, "trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco", diz o provérbio popular


Foto nº 5 > Bambadinca, cais do rio Geba (2)


Foto nº 6 > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (1)


Foto nº 6 A > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (2)



Foto nº 7 > Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Amedalai, setembro de 1969: o pilão e o trabalho infantil



Foto nº 8 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Ponta Brandão,  fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2ª cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), na psico. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968/fevereiro de 1970):

[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]



II  Atividade operacional do Pel Rec Daimler 2046, agora ao serviço do BCAÇ 2852 

Novembro de 1968

Op Hálito

Iniciada em 11, às 5h00,  com a duração de 2 dias e com a finalidade de detectar elementos IN,  e efectuar uma coluna de reabastecimentos à xompanhia aquartelada no Xitole. Tomaram parte na Operação:

Cmdt – Cmdt BCAÇ 2852 [Bambadinca]

Dest A – CART 1746 a 2 Gr Comb  [Xime] + CART 2339 a 3 Gr Comb [Mansambo]

Dest B – CART 2413 a 2 Gr Comb [Xitole] +

PEL CAÇ NAT 53 [Bambadinca]

1 Gr Comb  Ref CMD AGR 1980 [Bafatá]

3 ESQ PEL REC DAIMLER 2046 [Bambadinca]

1 ESQ PEL MORT 1192 [Bambadinca]

1 SEC MIL

Consistiu esta Operação no Reabastecimento do Xitole  utilizando o itinerário Bambadinca / Mansambo / Xitole, fazendo-se a travessia do Rio Pulom,  utilizando uma jangada e 4 barcos de borracha.

Foi necessário desobstruir o itinerário das abatizes, fazendo-se a transposição dos reabastecimentos das 10h30 às 14h00. A esta hora iniciou-se a retirada sendo as NT emboscadas por duas vezes por um grupo de 40/50 elementos, sendo a primeira com accionamento de mina A/C, causando 1 morto 12 feridos às NT e 1 desaparecido além de uma viatura danificada.

Apesar de ser a primeira vez que os militares deste Pelotão tinham contacto com o IN,  demonstraram mesmo assim uma calma, uma presença de espírito e um controle de fogo dignos de assinalar.

As NT chegaram a Mansanbo pelas 19h00, donde recolheram a Bambadinca.

Ainda no mês de novembro de 1968, efectuou vários patrulhamentos em itinerários do regulado do Cossé [, setor de Galomaro,] onde se tinha manifestado uma violenta acção IN contra a tabanca de Mussa Iero a qual fora incendiada.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlad pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

 Havia uma outra, em Bambadinca (diz a história do BART 2917, mas eu nunca soube onde ficava exatamente). Os balantas adoravam aguardente de cana. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos 5 quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana e de uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).

Uma destas duas destilarias pertencia à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento; ao que parece, foi preso, torturado pela PIDE e condenado a dois anos de prisão (,era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências; conheci-o em Lisboa, em 2008, afastado da vida política; é uma pena se não escrever as suas memórias; tem um filho bancário). 

Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota que o foi visitar, à sua ponta, em Bambadinca, já depois da independênca (Carlos Frota: Guiné: turras e tugas. JTM - Jornal Tribuna de Macau, May 2, 2013), de que se cita o seguinte excerto:

" (...) Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida." (...)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).

PS - O Carlos Frota (, atual embaixador de Portugal na Indonésia,)  ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC,  e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

17 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14890: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: O edifício dos CTT de Bambadinca: c. 1968/70 e 2010 ... (Fotos completadas com as de Humberto Reis, ex-fur mil op esp., CCAÇ 12, 1969/71)

11 de julho 2015 > Guiné 63/74 - P14864: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: Mulheres e bajudas (III)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14851: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte V: Mulheres e bajudas (II): A Rosinha, a lavadeira de Bambadinca, 40 anos depois (em Bissau)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14847: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: Mulheres e bajudas de Bambadinca (I)

29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)



terça-feira, 14 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4683: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Cansamba II, o Serra e o Burro




Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > 2º Gr Comb da CART 2339 (Julho/Agosto de 1969) > Fotos Falantes II (9) e I (20) > Aspectos da vida do 2º Gr Comb, vindo de Mansambo, destacado em Julho/Agosto de 1969, para o reforço do subsector de Galomaro, incluindo as tabancas em autodefesa de Cansamba e Candamã. O Serra, guarda-costas do Alf Mil Torcato Mendonça, em cima, de toalha ao ombro na Tabanca de Candamã (FII, 9). Ou de T-Shirt, branca, num burrinho (Unimog 411), na picada Candamã-Áfia.

Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.


Estórias de Mansambo II

CANSAMBA – II > O SERRA E O BURRO (*)
por Torcato Mendonça

Há tempos, ao ver, no blogue, a foto de um burro do Saltinho (**) lembrei-me do Serra.

Na vida civil era negociante de gado. Só fez a 4ª classe na tropa. Contudo era, em cálculo mental, de uma agilidade prodigiosa. Contas com Notas – terminologia empregue nas feiras de gado – tinham resultado certo.

Quando tirou a especialidade em Évora não parecia vir a ser grande combatente. A sua parte física era fraca; estava perro, descoordenado. A saltar o muro, mesmo o mais baixo, dizia:

- Não me astrevo... - E ficava grudado ao chão.

Evoluiu com o avançar da instrução. Na Guiné foi excelente combatente e meu guarda-costas. As aparências enganam às vezes; mas só às vezes e raramente. Este caso foi a excepção à regra.

Estávamos em Cansamba e havia ou apareceu por lá um asno. Não me lembro como. Era raro aparecerem burros ou cavalos naquela terra quando, anos antes, havia bastantes. Há Lendas lindas sobre os feitos dos guerreiros, Fulas e Mandingas, com os seus cavalos. Diziam os velhos que o cheiro da gasolina os matou. Claro que não foi. Deve ter sido a febre equídea ou outra parecida.

O Serra descobriu o burro. A alegria foi enorme. Por força queria dar uma volta com o asno. O dono não estava pelos ajustes e, temendo qualquer contratempo, teve que ser convencido pelo dinheiro. Talvez cinquenta escudos. Parece muito dinheiro para aquele tempo. Não sei ao certo.

O que sei é que o Serra cavalgou o burro e ficou tremendamente feliz.

O dono, certamente a temer algo, desapareceu com o burro para desgosto no nosso feirante cavaleiro.

Voltei a encontrar o Serra, em Évora trinta e cinco anos depois mas não falámos em burros. Talvez um dia falemos.


Fá > Junho de 1968 > Carlos Marques Santos, o Costa (Furriel Vag.) e os burros - CART 2339

Foto: © Carlos Marques Santos (2009). Direitos reservados.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anteriore desta série >

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4633: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Bafatá, Amor e Ódio

(**) Vd. postes de:

1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2019: Álbum das Glórias (23): O mestre-escola do Saltinho (Joaquim Guimarães, CCAÇ 3490, 1972/74)

Vd. também poste de 6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2244: Cusa di nos terra (12): Ainda vi burros em Bafatá (Beja Santos)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4618: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Cansamba, subsector de Galomaro, 1 de Agosto de 1969

Guiné > Zona leste > Galomaro > 2º Gr Comb da CART 2339 (Julho/Agosto de 1969) > Fotos Falantes I (10, 11, 12) > Aspectos da vida do 2º Gr Comb, destacado em Julho/Agosto de 1969, para o reforço do subsector de Galomaro, incluindo a tabanca em autodefesa de Cansamba.


Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.




Estórias de Mansambo II > CANSAMBA I - O 1º de AGOSTO
por Torcato Mendonça (*)


Fotos Falantes I (10, 11, 12)


No dia 1 de Agosto de 69, fomos destacados para a Tabanca em autodefesa, de Cansamba [ subsector de Galomaro]. Mas como e porquê?

Façamos uma breve introdução.

A meio de Julho, dia 13, saímos de Candamã e Afia (**), tabancas em autodefesa, depois de uma estadia de um mês, e regressámos a Mansambo. Pouco descansámos, pois, dia 16 partimos em diligência para Galomaro em reforço da CCaç 2405 e do COP7.

Ficámos então dependentes da 2405, cerca de vinte e cinco militares do 2º Grupo e três ou quatro picadores. Trinta militares ou trinta e dois no total [vd. fotos].

Logo, no dia seguinte ou no outro, assistimos a uma operação, helitransportada, dos pára-quedistas. Efectivamente, era outra tropa. O treino, os meios, a autoconfiança. Isso e muito mais faziam a diferença.

Cerca de meia hora depois, da primeira saída dos helis com tropas já, no regresso, traziam material apreendido. Até uma gazela que o IN estava a esfolar veio... Assim valia a pena. Tinham, em comum connosco o sermos feitos da mesma massa. Óptimos militares a merecerem o meu respeito. Pena nós não termos mais meios. Mesmo com o pouco íamos cumprindo. Curiosamente cumprimos e detesto o termo – tropa macaca – porque não nos sentíamos diferentes dos que eram apelidados de bons… E gostávamos de certas operações. Vidas!

O IN estava muito activo na zona, quer a Sul/Sudeste de Galomaro quer, mais longe, para oeste, à volta de Mansambo. Atacou várias vezes Mansambo, Candamã e Afiá e, naquela zona, atacou Cansamba, onde estava um Grupo, creio que de uma Companhia de periquitos e Madina Xaquili.

Tínhamos acompanhado a Companhia que para lá foi, em 22 de Julho [de 1969], para trazer as viaturas para Galomaro. Não gostámos daquela Tabanca… já tínhamos mais de dois terços de comissão e o cheiro da mata era sentido de forma mais forte. Creio que antes do regresso, o dissemos a um alferes ou furriel, T-shirt de Operações Especiais, a memória pode falhar. Certo é que o IN foi lá experimentar… hoje, tanto tempo depois, parece-me ter sido a CCaç 12.

O IN, com os corredores abertos, mostrava-se com certo à vontade. Na margem esquerda do Corubal (zona leste) onde não haviam aquartelamentos nossos. Na margem direita, vendo a Carta da Guiné, sabendo as nossas posições, é fácil compreender a progressão das forças do PAIGC, aproveitando a época das chuvas. E não só, não só…

No primeiro dia de Agosto, fomos mandados para Cansamba a substituir o Grupo que lá estava. Saíram de lá felizes, os piras.

Antes trocámos breves palavras, recebemos algum material e eles foram-se. A partir daí era connosco. Vimos que era forçoso haver mudanças rápidas. Era uma Tabanca enorme. A cerca de quinhentos metros estava uma outra pequena. A razão era que esta era habitada por futa-fulas. A grande tinha uma mesquita, simples ou humilde, e uma escola (madrassa). Era uma povoação com alguma importância, resultado da junção de várias tabancas.

Assim, demos início ao trabalho.

Os Furriéis (só dois, o Rei e o Sérgio) deram uma volta, falaram com a população, viram as defesas e o que observaram não os agradou. Eu via o material que tínhamos, esperava pelo regresso dos africanos que iam connosco, a passear pela tabanca na obtenção de informações e ia tomando apontamentos.

Depois todos juntos, estudámos rapidamente os elementos que dispúnhamos e estabelecemos uma estratégia. Para o imediato tínhamos que falar com o Chefe de Tabanca, ver o armamento que estava distribuído à população, organizar minimamente a defesa. Na segunda fase, para os dias seguintes, teriam que ser abertas mais valas, colocado mais arame farpado, organizada a defesa e tentar modificar aquilo. Assim, como estava, era um perigo. Num ataque forte entravam por ali adentro com facilidade.

Mandámos chamar o Chefe. Estranhámos a sua ausência e mais estranhámos a sua demora. Estávamos na zona das suas moranças e ele devia já ter aparecido. Demorou. Demorou tempo demais. Quando chegou vimos estar em presença de um homem que nos ia dar problemas. Talvez por isso a alegria da saída do Grupo de periquitos.

Para grandes males grandes remédios. Tivemos que lhe dizer que, a partir daquele momento quem mandava éramos nós. Compreendeu à segunda. Como? Bem… certamente porque não era parvo. Viria a ser, no futuro, um óptimo colaborador. Após ter compreendido porque estávamos ali, respondeu ao nosso primeiro pedido e rapidamente reuniu todos os homens com armas distribuídas. Era uma loucura ver tanta gente com Mausers, G3, dilagramas e muitas munições. Um bando. Nós, à volta de trinta…

Falamos àquele exército, o chefe traduzia e os picadores (milícias) confirmavam com sinais, olhares... nós percebíamos. A linguagem gestual ou por olhares é óptima…

A noite aproximava-se. Mandámos toda a gente em paz e já não fomos à tabanca dos futa-fulas.

Achámos melhor dividirmo-nos em três grupos, separados a uma distância prudente, com possibilidades de entreajuda. Tínhamos bolsa de enfermeiro mas não tínhamos enfermeiro. Tínhamos operador de rádio mas sem aparelho. Claro que estávamos desfalcados, os meios eram os possíveis. Assim se fazia a nossa guerra. A falta de meios, a normalidade.

O Chefe ficava a dormir na sua morança (escolha dele, claro…) mas eu dormia lá também. Cá fora, no telheiro, dois homens, a revezarem-se. As sentinelas eram feitas pelos três grupos, aos pares. De preferência um picador e um soldado. Claro que os turnos cabiam a todos.

Comemos, arrumámos o material, montámos uma precária defesa e preparámos o descanso. De repente uma saída e começou o ataque. Vinham dar as boas vindas. As ordens eram responder o mais forte possível. Alguém já tinha montado a nossa pesada. Ou seja, um bidão aberto totalmente num lado e só metade no outro. Lá dentro uma simples G3 em rajadas curtas, mas a fazer um barulho dos diabos. Estava lá um 82, do IN, que funcionava com as nossas munições e as deles. Nessa noite foi a triplicar.

Mas o pior não foi o inimigo. O pior foi a população. Vinham á porta das moranças e disparavam as Mauser ou as G3. Gritávamos para virem para as valas, mas nada. Pedíamos ao Chefe, que estava ao nosso lado, entre dois militares, para mandar parar o fogo da população. Nada. Nós, no meio, à frente os inimigos, logo atrás os amigos, posição óptima.

Dois ou três militares levantaram o Chefe acima da vala e então, como estivesse a ser capado, berrou e bem. Calaram-se os amigos e pouco depois os inimigos, talvez a esperar melhor ocasião, fizeram o mesmo. Estavam dadas as boas vindas ou feito o teste aos recém-chegados. Por isso, logo no dia da chegada fomos recebidos assim. O nosso 1º de Agosto.

Um morto da população e um ferido. Disparar dilagramas com bala real era terrível. No outro dia começou a instrução, para a não repetição de situações daquelas e melhorar o uso e conservação do armamento. Além disso começámos a estudar onde e como abrir valas e abrigos. Antes visitámos a Tabanca dos Futa-Fulas. Tinham falta de munições e de outras coisas. Parece que tinham estado em Madina do Boé e vindo para a zona após a evacuação do aquartelamento. Gente habituada aos tiros. Se necessário podia contar com eles na protecção de um flanco. Assunto a ser tratado posteriormente.

Recebemos a meio da manhã a visita do Comandante do COP 7, creio que um Major Pára-quedista, porque em Galomaro ouviram o ataque. Não tinhamos rádio. Pusemo-lo ao corrente da situação e fizemos os pedidos de material.

Estivemos até ao dia quinze em Cansamba. Foram quinze dias óptimos. O apoio da 2405 foi excelente. Em Cansamba tivemos ocasião de contactar com a população, falar com Homem grande que ensinava árabe e o Corão aos miúdos. Era homem de grande sabedoria, talvez um marabú. Tive oportunidade e tempo, de falar com ele e assim aprender a compreender melhor aquele Povo e a sua religião. Eu tinha (tenho) o meu nome tatuado, em árabe, no braço esquerdo e sabia fazer as saudações ou cumprimentos. Isso fez com que a aproximação fosse mais fácil. Interrompida, infelizmente, porque estive dois ou três dias fora, em Galomaro, a curar o meu quinto ou sexto ataque de paludismo. Regressei e notei as benfeitorias.

Reforçou-se a auto defesa, a população teve melhor instrução militar, impedimos que a Administração, através de um Cipaio que por lá apareceu (em Galomaro estava um Chefe de Posto), interferisse com a população… perceberam… e foram-se. Certamente causava-lhes prejuízo a população não pagar o imposto!

Quase nos considerávamos em férias. Recebemos nova ordem: apresentar em Bambadinca no Batalhão. Assim foi. Reunião e saída para Candamã.

Missão: procurar onde era o acampamento do Bi-Grupo, reforçado com artilharia que tinha feito tantos ataques na zona em tão pouco tempo. O Comandante, Mamadu Indjai. Descobrimos a acampamento, os Paras destruíram-no e militares da 2339 (3º Grupo) emboscaram-nos fazendo dois ou três mortos e vários feridos, entre eles o Mamadu Indjai.

O Coronel Hélio Felgas não teve razão com a ameaça – só saiem de lá depois de os encontrar… Enganou-se. Pena foi ter-se acabado Galomaro e o sossego de Cansamba. Um mês bem passado, metade em Galomaro, a outra em Camsamba.

Até ao fim da comissão foi sempre a andar…

[Continua]

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4435: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Bissau, a caminho de Fá

4 de Junho de 2009 Guiné 63/74 - P4459: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mussá Ieró, tabanca fula em autodefesa, destruída em 24/11/68

(**) Vd. poste de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4459: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mussá Ieró, tabanca fula em autodefesa, destruída em 24/11/68







Guiné > Mansambo > CART 2339 (1968 / 69) > Fotos Falantes III (de cima para baixo, 6, 27, 24, 31, 30) > Por não ter aqui à mão a lista com as legendas das fotos, não posso dar mais pormenores. De qualquer modo, as fotos falam por si: o Torcato junto ao obus 10.5 em Mansambo; aspectos da vida de uma ou mais tabancas fulas em autodefesa, do regulado do Corubal ou de Bengacia (Duas Fontes), vida essa que se tornou, de meados de 1968 para meados de 1969, cada vez mais complicada, com o cerco do PAIGC ao chão fula.


Alguma destas tabancas podia ser Candamã ou Afiá ou Camará (vd, carta de Bengacia), sítios por onde andei em Agosto de 1969... Também podia ser a da pacata Mussá Ieró, pacata até ao dia em que foi destruída e abandonada, em 24 de Novembro de 1968... A Mussá Ieró não chegava os velhos obuses de Mansambo, sede do subsector e da CART 2339... (LG)


Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Todos os direitos reservados.




1. Mensagem do Torcato Mendonça, ex-Alf Mil, CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/69)... Meio alentejano, meio algarvio, português dos quatro costados, beirão, camarada, amigo, mebro do nosso blogue desde Maio de 2006 e, agora, avô babado de um neto, creio que o primeiro, de nome Martim, um nome arcaico mas bem lusitano...


(No dia 29 de Maio, tinha-me escrito o seguinte: Um abraço do Fundão até ao Porto para ti ,meu caro Luis, e para todos do [BCAÇ] 2852 e da [CCAÇ] 12. Lembro-me de alguns. Igualmente para a malta do Norte, um abração. O Carlos Marques dos Santos da [CART] 2339 virou polaco e deve Varsoviar e não só os dias.... Não fui a 23 ao convívio,e devia ter ido, da 2339... Nasceu nessa madrugada o meu Martim, Vidas!)...


Estimados Editores deste Sítio:


Já há tempos que nada envio. Hoje, através do nosso camarada Tertuliano Ten-Coronel José Borrego, consegui falar com o meu terceiro Comandante de Companhia, Cor Moura Soares e ter noticias do quarto Comandante. Fiquei contente. Passados quarenta anos voltamos a falar e a reviver o passado.


Tem razão o Jorge Cabral, este sitio faz com que aconteçam coisas destas...e gostamos até do que não gostamos. É um síítio de afectos...não é? Giro. Devido á idade das peças não convém agitar muito.Pois!


No meu tempo (BART 1904 e BCAÇ 2852) haveria Abades em Bambadinca? Creio que só em Bafatá. Rezaram missa na inauguração de Mansambo, em Janeiro de 1969 e aniversário da Companhia. Não vi, pois estava em Portugal. Pela altura da Páscoa de 1969, como os militares eram crentes (gente do Norte) pediram e eu falei, creio que em Bafatá, a uns Sacerdotes, da possibilidade de irem dizer uma missa. Concordaram. Quando disse que era em Mansambo...oh...eu ainda disse que seriam protegidos lá do alto...


Ainda não havia o Padre Puim e não houve missa. Como depois de o Payne ter saído, também nunca mais apareceu médico por lá. Até se vivia bem em Mansambo. Feitios. Bons ares e Turismo Rural...


Mas anexo Mussa Iéro em versão light. Logo envio outros escritos.


Abraços do Torcato


2. Estórias de Mansambo II > MUSSA IÉRO


por Torcato Mendonça




Era uma vez… Sim, era uma vez uma Tabanca, não muito grande, que, num passado não muito distante, tinha sido bem maior.


Teria agora uma população reduzida a uma dúzia de famílias. Nem tantas.


Muitos já tinham partido para Candamã, a noroeste, ou para nordeste onde estava Dulo Gengelê e Galomaro. Alguns migraram mesmo até Bafatá.


Ficaram poucos, não por teimosia, talvez por amor ao chão, apego à memória dos antepassados, talvez por algo mais ou, por tudo isso, resistiam e adiavam a partida. O perigo aumentava, os avisos dos militares eram mais insistentes. Adiavam. Talvez assim se sentissem mais felizes.


Naquela noite, ainda menina, ainda de olhos não fechados à claridade, sentiram a bestialidade da guerra, a violência gratuita, o ódio fratricida a abater-se sobre eles. Homens, ou simplesmente seres a destilarem ódio, bestas de uma guerra num país que diziam querer libertar, comandados por outros de outras terras ou, se comandados por guineenses, treinados em países longínquos. Só assim se compreende o modo como espalharam o terror, o ódio, a morte e a destruição sobre gente indefesa.


O ataque durou pouco, as granadas foram poupadas e o saque, a bestialidade, os gritos, os gemidos, os risos de feras certamente encheram a noite.


Depois o silêncio que só na morte ou no deserto se pode encontrar. De repente foi quebrado, talvez pelo choro de uma criança a que outros lamentos, outros choros se seguiram.


Não muito longe, em Candamã, uns quantos militares, cerca de vinte, picadores e população, ouviram o ataque e sentiram a impotência do auxílio. Só no dia seguinte e por isso, além de redobrarem os cuidados defensivos, rápido prepararam a saída para a madrugada ainda a demorar. O relógio luminoso foi consultado com mais frequência, as armas ficaram mais perto, o sono foi de sobressalto e, ainda a noite não acabara, estavam preparados. Os guias, alguns elementos da população, picadores e cerca de metade dos militares saíram. Não pela picada mas por um trilho que os guias conheciam. O pouco ruído era abafado pela chuva fraca que teimava em cair.


Pouco depois uma paragem, uma breve conversa a informarem que Mussa Iéro estava perto. Depois o sinal a indicar o ouvido mas, para os militares, demoraria um pouco mais a captação de sons.


De repente a Tabanca estava ali à frente. Ouvem-se vozes; param e esperam um pouco. Avançam com cuidado e logo à entrada uma visão macabra: um corpo, talvez devido a uma roquetada, espalhado em destroços. Um dos picadores aproxima-se e informa ser um milícia da Moricanhe. De facto haviam bocados do corpo coberto pelo camuflado e outras, não cobertas, a chuva tornara-as brancas.


As armas foram mais apertadas, os olhares endureceram, o ódio ia surgindo e os músculos estavam mais tensos. A transformação já se dera naqueles rapazes soldados. Acontecimentos como aquele só os endureciam mais e geravam maior ódio pela violência. Quem eram eles agora?

No centro da Tabanca estavam os feridos e os mortos. O enfermeiro tentou tratá-los o melhor possível. A população esperava ajuda de Dulo Gengelê. Combinou-se então o que fazer. Reunião difícil, longa, demasiado longo para alguns feridos graves.


Finalmente o consenso: os mortos, salvo erro dois ou três, seriam enterrados em Mussa Iéro e o choro ficava para depois, os feridos e a maior parte da população iam para Dulo onde já os esperavam. Outros, a maioria mulheres e crianças, vinham connosco para Candamã.


O regresso foi pela picada e mais rápido. Picadores à frente, militares a seguir e população atrás.


Mussa Iéro tinha ficado para trás. Acabara no dia 24 de Novembro de 1968. Em breve seria invadida pela mata e os homens dela se afastariam.


Meses depois, em Julho e Agosto do ano seguinte, na zona, não longe da antiga Tabanca, o inimigo construiu uma base. Dali saíram fortes ataques às Tabancas em autodefesa de Afiá, Candamã e Camará.


Estávamos em Galomaro (COP 7), mais propriamente em Nova Cansamba, e mandaram-nos regressar. A missão era descobrir a base inimiga. Com o caçador e guia Lhavo localizamos o santuário. Foi bonito vê-los e nada fazer.


Dois dias depois, a 18 de Agosto [de 1969], tropas pára-quedistas assaltaram, destruíram, causaram baixas e fizeram pelo menos um prisioneiro [ Malan Mané]. Acabara a base inimiga e os sobreviventes puseram-se em fuga. Passaram certamente perto de nós sem serem detectados. Caíriam e sofreriam mais baixas, mortos e feridos, numa emboscada montada pelo 3º Grupo de Combate da CART 2339, talvez quinze quilómetros depois na estrada Bambadinca/Xitole, próximo de Mansambo.


Um dos feridos graves foi Mamadu Injai, o Comandante da Zona. À noite a rádio IN pedia auxilio. Os Irãs, apesar de Mussa Iéro ser Tabanca Fula, tinham-se vingado.


O desgaste daqueles dias passou, assim, mais rápido e, pelo menos em mim, apareceu um sorriso e talvez tenha saudado os Irãs.


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Nota de L.G.:


(*) Vd. último poste da série > 29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4435: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Bissau, a caminho de Fá

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3104: Álbum fotográfico do Joaquim Guimarães (2): Saltinho



Joaquim Guimarães
Ex-Soldado
CCAÇ 3490/BCAÇ 3872
Saltinho
1971/74


1. Vamos dar continuidade ao álbum fotográfico do nosso camarada Joaquim Guimarães, que nos enviou algumas fotografias do Saltinho (1).


Foto 1 > Vista do Saltinho

Foto 2 > Ponte Nova do Saltinho

Foto 3 > Cansamba > 1974 > O Augusto e eu

Foto 4 > Jardim da Escola

Foto 5 > Entrada do Saltinho

Foto 6 > Entrada Principal

Foto 7 > Cozinha do Saltinho

Foto 8 > Comando

Foto 9 > As caminhadas do Saltinho

Fotos (e legendas): © Joaquim Guimarães (2008). Direitos reservados.

OBS: - Peço desculpa ao nosso camarada Joaquim Guimarães por ter transformado algumas das suas fotos a cores em preto e branco, mas a qualidade das mesmas não permitia uma boa edição.

(Continua)

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Nota de CV

(1) - Vd. poste de 28 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3097: Álbum fotográfico do Joaquim Guimarães (1): Saltinho

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3097: Álbum fotográfico do Joaquim Guimarães (1): Saltinho



Joaquim Guimarães
Ex-Soldado
CCAÇ 3490/BCAÇ 3872
Saltinho
1971/74


1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Guimarães, com data de 16 de Maio de 2007, enviando fotos.

Olá Luis e companheiros de tertúlia. Saúde a todos

Aqui te envio essas fotos. Tu deciderás quais as mais apropriadas para a tertúlia. Tenho mais mas vai levar algum tempo.

Quero também agradecer ao Paulo Santiago pela maneira como descreveu a passagem do Quirafo, com honestidade, sem dramatizar ou exagerar. Prestou a devida homenagem aos meus companheiros, alguns dos quais não tive grande contacto, mas como dizia respeitou a memoria de "eles" e quem sabe dos seus familiares e em particular a minha.

Eu pessoalmente ainda não tive a coragem de me mostrar. Neste momento ando numa luta com os meus companheiros de Companhia mas ninguém se quer envolver ou comentar. Mais de que nunca penso na minha na nossa culpabilidade do Quirafo.

Num dos blogs refere-se em comemtário a questão da recuperação dos corpos. Eu penso que esse permonor deve ser excluído, não importa como foi o importante e que tudo foi feito com amor com respeito e muita dor mas foram dignificados em todo o processo

Um abraço a todos
J.Guimarães



Foto 1 > Bissau 24 de Dezembro de 1971

Foto 2 > Shower in Cansamba

Foto 3 > Sempre a descansar em Galomaro

Foto 4 > Com a Anita no Saltinho

Foto 5 > Salão mata-saudades

Foto 6 > Não tenho ideia alguma

Foto 7 > Farinha aos meus pés

Foto 8 > Bater a zona para Aldeia Formosa

Foto 9 > Posto Escolar do Saltinho

Foto 10 > Alunas do Posto Escolar do Saltinho

Fotos (e legendas): © Joaquim Guimarães (2008). Direitos reservados.

(Continua)


2. Comentário de CV

O nosso camarada Joaquim Guimarães foi Soldado, pertenceu à CCAÇ 3490/BCAÇ 3872 e esteve no Saltinho.

É natural da linda cidade de Viana do Castelo, capital do Alto Minho, e vive nos Estados Unidos da América.

Em 21 de Fevereiro de 2007, aquando do seu primeiro contacto com o Blogue, Joaquim Guimarães, que foi professor no Saltinho, disse que tinha histórias que nos queria contar, mas até hoje o seu silêncio foi total. Tínhamos as suas fotos guardadas para acompanhar essas estórias, mas face à ausência de qualquer escrito, decidimos publicá-las como álbum fotográfico.

Não tendo as fotos coloridas grande qualidade, resolvemos depois de tentar corrigi-las, apresentá-las, mesmo assim, nas cores originais.

Esperemos que a publicação destas fotografias incentive o Joaquim a escrever para nós.
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Nota de CV:

Vd. poste de 1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2019: Álbum das Glórias (23): O mestre-escola do Saltinho (Joaquim Guimarães, CCAÇ 3490, 1972/74)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2635: Estórias do Juvenal Amado (6): O Falé e o burro do mato (Juvenal Amado)


Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74


1. Mensagem do camarada Juvenal Amado, em 27 de Fevereiro de 2008:


Caros camaradas:

Mais uma pequena estória que envolveu uma mina, desta vez sem tanta gravidade, felizmente.
Juvenal Amado




Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro> CCS / BCAÇ 3872 (1972/74) > Juvenal Amado num dos Postos avançados


Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro> CCS/ BCAÇ 3872 (1972/74) > Juvenal Amado junto ao Unimog do Falé que caiu na mina da picada de Cansamba

Fotos: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados


Estórias do Juvenal Amado > O Falé e o Burro do mato (2)

A explosão ouviu-se no quartel. Uma pequena coluna havia saído de Galomaro há pouco mais de meia hora, em direcção de Cansamba.

Cansamba era um pequeno destacamento que albergava um pelotão do Saltinho e que servia de posto avançado entre Dulombi, Cancolim e Galomaro. Distava nove quilómetros da Sede do Batalhão.

Os soldados destes postos de guarda avançada viviam em condições muito precárias. Não tinham luz eléctrica, os abrigos eram toscos de terra batida, pouco arejados e nada cómodos.

Em matéria de capacidade de defesa também era muito fraca. Para além de um morteiro 60 mm, tinham uns dilagramas (*), granadas de mão, uma bazuca que dificilmente funcionava, uma metralhadora pesada HK (**) e por último as G3.

Era um armamento de defesa que, como é bom de ver, dificilmente resistiria a um ataque, mesmo de média escala. Como não tinham luz eléctrica, penduravam-se garrafas de cerveja duas a duas, para que se alguém tocasse no arame farpado, elas tilintavam, denunciando assim os intrusos.

A primeira vez que flagelaram Cansamba, estávamos há poucos dias em Galomaro. Nessa noite eu estava num posto avançado do lado da bolanha. O fogachal começou deviam ser 19 horas. Nessa altura ainda estavam os velhinhos connosco e aquilo foi mais uma operação de boas vindas do que um ataque.

Os guerrilheiros também tinham a consciência de que era fácil para eles entrarem na zona, mas depois para saírem todos os destacamentos do perímetro lhes tentariam cortar a retirada.
Em todo o caso aqueles 9km, eram uma distância bastante significativa para que nós fôssemos em seu auxíio com rapidez, caso se tratasse de um grande ataque.

Por vezes o PAIGC usava como estratégia fazer ataques ao mesmo tempo que emboscava e punha minas às colunas de ajuda. Era pois uma operação muito perigosa e de progressão muito lenta no terreno.

A CCS fazia os reabastecimentos de géneros todas as semanas. À frente seguia uma Berliet carregada de sacos de areia. Não me recordo de quem a conduzia, mas logo de seguida vinha o Falé no seu burro do mato.

O pelotão de sapadores fazia a picagem, tomando por referência as marcas dos rodados das viaturas que ainda eram visíveis desde do último abastecimento. Os rodados das Berliet que lá passavam regularmente marcavam o terreno que os sapadores picavam à frente dos pés.

O Falé conduzia o seu Unimog com o acelerador de mão, sentado nas costas do banco e os pés no assento onde normalmente se sentava.

De repente o Unimog pisa uma mina, vai pelos ares e fica literalmente em cima de uma árvore. O nosso camarada é encontrado dentro do mato, a alguns metros de distância inanimado. Tem a farda camuflada em farrapos, está todo preto, sujo e com algumas escoriações. Felizmente está vivo e é levado para Galomaro, onde lhe são prestados os primeiros socorros.

Foi pedida a evacuação. O heli leva o nosso camarada para o Hospital Militar de Bissau, de seguida, após algumas semanas, já livre de perigo, é enviado para a Metrópole, onde acaba a sua comissão.

A explicação para que a mina, não rebentasse no rodado da Berliet, é que o rodado desta é mais largo que o do pequeno Unimog. Tinha sido posta para apanhar um carro mais pequeno e assim foi plantada por dentro dos rodados bem marcados que já lá estavam.

Podia ter sido mais uma tragédia irreparável, mas felizmente não era a hora do nosso camarada Falé, que voltei a abraçar no nosso convívio em Beja, passados 23 ou 24 anos. Vivo e de boa saúde.

Juvenal Amado
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Notas do autor do texto:

(*) Dilagrama. É uma granada de mão defensiva que mercê de um dispositivo é disparada pela G3. A munição é especial e a sua troca inadvertidamente por outra, provocou acidentes gravíssimos.

(**) HK. É uma metralhadora pesada calibre 7,62 mm. Parecida com a G3, é muito maior, pode-se troca os canos e usam-se as munições em fita ou carregadores vulgares. Estas armas equipavam também as Chaimites. A qualidade das nossas fitas de munições deixavam muito a desejar, uma vez que encravavam constantemente. Quando passavam pára-quedistas nas nossas unidades, já de regresso das suas operações, nós pedíamos-lhes as fitas deles. As ditas eram formadas por elos que se desmanchavam à medida que a arma fazia fogo. As que eram fornecidas às unidades de tropas regulares eram em lona ou em metal nas quais não nos podíamos fiar.
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Nota dos editores:

(1) - Vd. último post da série de 3 de Março de 2008>
Guiné 63/74 - P2606: Estórias de Juvenal Amado (5): Uma estória de amor