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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9945: Notas de leitura (363): "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", por Idálio Reis (Belarmino Sardinha)

Monte Real, 21 de Abril de 2012 > VII Encontro da Tabanca Grande > Idálio Reis dedica mais um exemplar do seu livro, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", a um dos camaradas presentes.
© Foto de Juvenal Amado


Em mensagem do dia 24 de Maio de 2012, o nosso camarada Belarmino Sardinha (foto à direita) (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), faz a sua apreciação ao livro "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", de autoria do nosso camarada Idálio Reis, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, 1968/69.
Como é sabido, este livro, edição de autor, foi autografado e oferecido aos presentes no último Encontro da Tabanca Grande.


Não vou fazer nenhuma crítica, não sou especialista na área e hoje até começo a ter dúvidas se ainda sei alguma coisa e quando acho que sei, interrogo-me se me lembro…

Quando compro um livro sinto-me na obrigação de o ler, gastei dinheiro, é o mínimo que posso fazer, mas quando alguém se propõe oferecer-me um livro e eu, de pronto e voluntariamente, aguardo para o receber, tenho a obrigação não só de o ler como dizer ao seu autor o que achei…

No caso concreto do livro escrito pelo Idálio Reis, não só devo dar-lhe conhecimento a ele, mas torná-lo público, razão para escrever estas linhas que mais não são que a minha opinião pessoal, pese o que pesar, sobre o que retirei da sua escrita.

Começo por agradecer-lhe o gesto e mais ainda por me considerar seu amigo, espero estar à altura de tal distinção.

Há muito que estava à espera deste livro, fui-me apercebendo pelos escritos no Blogue Luís Graça… ou Tabanca Grande, como preferirem, que coisas interessantes estariam para ser reveladas, não me enganei.

Comecei por verificar não se tratar de um livro de um eu, mas de, um nós. Coisa estranha e diferente dos demais, a particularidade como tudo é relatado, um envolvimento coletivo onde todos foram importantes e onde todos, sem exceção, são referidos pelos seus nomes e assim ficarão lembrados/imortalizados.

A forma como nos introduz naquele espaço de nome Guiné e nos faz a abordagem do povo que ali habita e do circundante, possibilitando a qualquer pessoa, mesmo a quem nada sabia ou sabe sobre aquela gente, como funcionavam as coisas no período mencionado. A forma como estruturou a sua narrativa, diferenciando os diferentes períodos e movimentos de meios no terreno em cada data e situação.

Depois, no descrever propriamente dito dos acontecimentos, a lembrança de todos que nos deixaram, quer por efeitos diretos da guerra, quer por acidentes motivados por esta. A forma como enaltece e reconhece o apoio e o trabalho, além do esforço de todos aqueles que marcaram presença naquele espaço no tempo a que se refere.

A crítica de como eram tratados os militares enviados para aquela terra e como eram de certa forma abandonados, sem uma preparação e apoio devidos, ficando apenas sujeitos ao desenrasca ou ao bom senso de um qualquer superior melhor preparado intelectualmente e por quem eram assumidas as responsabilidades e consequências, morais e patrimoniais.

Chega ao fim do livro sem nunca falar no eu, sempre nós, os militares, despido de qualquer vaidade ou protagonismo que só os grandes homens conseguem ter.

Por tudo que me ofereceu esta leitura, através do livro que irá ajudar a preservar a memória sobre estes homens e sobre tudo que passaram, aqui deixo o meu agradecimento ao autor do livro, que faz o favor de ser meu amigo, só possível por nos termos encontrado neste espaço onde escrevo estas linhas.

O meu obrigado ao Idálio Reis e a todos que não deixam esquecer este período da nossa história vivida, ajudando, sempre, a lembrar os que perderam a vida.
Belarmino Sardinha

Gandembel - Aquartelamento construído de raiz pelos militares da CCAÇ 2317
© Foto de Idálio Reis
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8385: Parabéns a você (270): Agradecimento de Belarmino Sardinha, aniversariante no dia 5 de Junho

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9944: Notas de leitura (362): "O Fardo do Homem Negro", de Basil Davidson (Mário Beja Santos)

sábado, 21 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9778: O Cancioneiro de Gandembel (8): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VIII): Nova Lamego e Cansissé, a " Ilha dos Amores" do pessoal da CCAÇ 2317 (Idálio Reis)






Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Mais fotos do álbum de Idálio Reis: Uns dias antes do abandono de Gandembel / Balana, Spínola também por lá, pela segunda vez, para se despedir... NO seu livro, Idálio Reis mostra uma grande gratidão á FAP e ao BCP 12. Os pára-quedistas foram parte integrante  da epopeia de Gandembel, infligindo pesadas baixas à tropa de 'Nino' Vieira... 

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

























Guiné > Região de Tombali (Gandembel) e Região de Quínara (Buba) > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Mais fotos do álbum de Idálio Reis: depois do abandono de Gandembel, a 28 de janeiro de 1969, o pessoal da CART 2317 fica 3 meses em Buba, até 14 de maio, integrando as forças que montavam segurança aos trabalhos de construção da nova estrada Buba - Aldeia Formosa. O problema mais grave eram  as minas A/P. Na altura, o major Carlos Fabião comandava o COP 4.Todos os dias aterrava um T 6 em Buba. Um dia houve um que aterrou mal...

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




1. Resposta do Idálio Reis, a um pedido de esclarecimento meu, com data de 17 do corrente ["Idálio: Como se chama (ou chamava...) o furriel, professor primário,  que, com o João Barge, compôs Os Gandembeis ?...Queres e podes revelar ? Há mais detalhes sobre o "making of" desta magnífica peça ? ... Abraços, Até Monte Real. Luis] (*)


Caro Luís


Torna-se demasiado evidente que a Ilha dos Amores [, Canto IX, Os Lusíadas, de Luís de Camões], tem nesta fase final uma emulação muito mais forte. E não poderia ser doutra forma, porquanto a nossa guerra de Nova Lamego também não tinha cotejo com a de tempos anteriores.


Há uma forte razão para que entre um certo sentimento de lascívia neste poiso. A grande generalidade da Companhia, antes de chegar a Nova Lamego, não tinha visto uma qualquer mulher. A guerra tinha facetas pérfidas.


Em Gandembel, não havia população, e a visão de um rosto feminino só era propiciado aquando de alguma evacuação, onde ia sempre uma enfermeira pára-quedista. Grotescamente, lembro que quando havia evacuações em que o pessoal sentia que o evacuado era um ferido ligeiro, tal até era motivo para que surgisse um maior aglomerado em torno do helicóptero, para bem visualizar a doce face da enfermeira.


Depois a tabanca de Buba era pequena, e atendendo à muita tropa que por lá andava, tudo estava sob controlo apertado. E um dia Spínola, a queixas do malogrado Fabião que lhe foi dizer que havia elementos da população que prestava informações ao IN., o que até era verdade, fez um discurso inflamado à população traidora, e manda vir uma LDG, despachando-a rumo aos Bijagós. O nosso sueco Belo, com mais tempo do que eu em Buba, talvez saiba melhor contar o enredo de tudo isto.


E depois a Companhia arriba a Nova Lamego, e houve forrobodó. Eu não fui com a Companhia para Nova Lamego, pois fiquei em Buba na entrega do material. Fi-lo voluntariamente, porquanto Carlos Fabião era um homem/militar excepcional; a sua conduta no PREC, revela essa sua faceta humanista, e vem a acabar por ser postergado.


Fiquei talvez duas semanas em Buba, mais uma em Bissalanca nos Páras (foram as minhas férias), e quando arribo a Nova Lamego, a primeira notícia que recebo, é a seguinte:
- Meu alferes, metade da Companhia apanhou a venérea!


Os cuidados médicos lá foram sarando essas feridas. Sei de um que teve de ser evacuado para Bissau, e que de imediato foi recambiado para Lisboa. Como foi um homem que nunca mais deu notícias, não sabemos o que lhe aconteceu.


Mas Nova Lamego recuperou energias, aumentou consideravelmente a nossa auto-estima, éramos gaiatos felizes. E as narrativas que impendem sobre aquela vila, tem forçosamente de conter essa situação de jovens, com pouco mais de 20 anos, a enlear-se com o sexo oposto, após 15/16 meses sem essa benesse. E nos nossos convívios, vem sempre uma história de uma bajuda.



 Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Mesmo junto à parte oriental da povoação, situava-se a fonte de Cam - Sissé (Semba Uala), com data de construção de 1959. Era conhecida vulgarmente pela Fonte dos Fulas, como se constata no celebérrimo banho à fula que estas duas bajudas estão a tomar.


Foto: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




(ii) Quanto ao ajudante do Barge na elaboração dos Gandembéis, o furriel que o ajudou na escrita - tinha de ser um das origens [da Companhia e do início da epopeia de Gandembel] -, e que inclusive já te aflorei o nome num dos últimos e-mails, diz-me que não se lembra dessa sua acção de colaboração. Os Gandembéis são obra de 2 humildes anónimos. 


E se não foi o tal professor primário, quem seria então? O Barge tinha, no seu grupo, um furriel donde brotou uma forte amizade, e que até foi ao seu funeral, e poderá ser esse: um amigo e conterrâneo do JERO [, natural de Alcobaça]. Mas terei que indagar. E se souber, dir-te-ei.


Luís, naquilo que escrevo, peço-te para usares a tua censura, no que julgares como importuno.


Até breve. Um caloroso abraço do Idálio Reis


_________________


Nota do editor:


(*) Último poste da série > Guiné 63/74 - P9754: O Cancioneiro de Gandembel (7): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VII)

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9754: O Cancioneiro de Gandembel (7): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VII) (Idálio Reis)



Guiné >  CCAÇ 2317 (1968/69) > Ponte Balana > "O pequeno destacamento foi um bastião na defesa de uma ponte que a engenharia militar recuperaria, mas que também acabaria por ruir" > Álbum fotográfico de Idálio Reis > Foto 422 > "Aproveitando os restos da antiga ponte, davam-se belos mergulhos para banhos retemperadores"











Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) >  Mais fotos do álbum de Idálio Reis (**)...  

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Última parte (Canto IV) de "Os Gandembéis", poema de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, que retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana (*), recolhido e reproduzido pelo nosso camarada e amigo Idálio Reis [, foto atual, à esquerda], engenheiro agrónomo reformado, residente em Cantanhede, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317, no seu livro A CCAÇ 2317 na guerra da Guiné: Balana / Ponte Balana, edição de autor, 2012 (il, 256 pp.). 

 Este livro é mais uma peça (fundamental) para a historiografia da guerra colonial na Guiné; o seu lançamento será feito no Palace Hotel, no próximo dia 21, no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande. 



Sinopse: Depois de sair de receber ordens para abandonar Gandembel, em 28 de janeiro de 1969, a CCAÇ 2317 passa por Aldeia Formosa e fixa-se em Buba, sede do COP 4 (comandado na altura pelo major Carlos Fabião). Em 14 de maio de 1969,  deixa Buba e segue, de avião, para Nova Lamego, região do Gabu, onde irá terminar a sua comissão sete meses depois. Ali foram, finalmente, "gente feliz, sem lágrimas"... E ai tiveram tempo e talento para escrever Os Gandembéis.


(...) "A Companhia sai para a Guiné, com 158 homens: 5 oficiais, 17 sargentos, 35 cabos e 101 soldados. A bordo do Uíge, a 10 de Dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial [, o Alf Mil Idálio Reis,] , chegam à unidade mobilizadora, o RI 15 de Tomar, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados; ficaram na Guiné, para a entrega do material, 1 alferes e 3 sargentos" (...).

Balanço das baixas: (...) "Há as perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa (7 feridos graves, 5 por doença e 6 feridos menos graves), e 4 não regressam por mudança de Companhia. Há ainda 2 elementos, que saem antecipadamente: 1 cabo — o nosso Lamego — e o Comandante de Companhia, para continuar a sua carreira militar como oficial superior de Infantaria" (...)" [Os feridos evacuados para o HM 241, em Bissau, ao longo de 23 meses de comissão, são estimados em cerca de 40].

2. Sobre a autoria desta genial paródia aos Lusíadas, o Idálio já nos revelou aqui um segredo, no 1º poste desta série: (...) "É uma obra que o apaziguador tempo de Nova Lamego proporcionou. Os seus autores, são anónimos e humildes. De todo o modo, faço-te a revelação: um deles, foi o malogrado e inesquecível João Barge (***), um filólogo de escol, e que decerto seria a única pessoa capaz de emprestar tanta arte e sensibilidade à sua pena. Ainda que tivesse surgido em Gandembel, nos finais de outubro/princípios de novembro [de 1968], e num período em que se vivia já numa situação de mais alívio, teve a ajuda de um dos pioneiros da Companhia, um ex-furriel que ao tempo já era professor primário"... Falta-nos, a ele, Idálio, revelar o nome do segundo autor, o furriel da CCAÇ 2317 que já na altura era professor primário... (LG)


Canto IV

I
Deixando Buba, enfim, do doce rio
E tomando a mala já arrumada
Fizemos desta terra certo desvio.
E para evitar qualquer cilada
O Dakota tomámos, suave e frio,
Fazendo boa viagem e descansada:
Melhor é fazer uma viagem de avião
Que andar a pé de arma na mão.
II
Gabú se chama a terra aonde o trato
De melhor alimento mais florescia
De que tinha proveito grande e grato
O soldado que esse reino possuía.
Daqui à Metrópole, por contrato,
Não falta muito tempo à Companhia.
Por toda a parte um grito se apregoa:
“D´ora a sete meses estamos em Lisboa”.
III
Aqui, sublime, o descanso estava em cima,
Que a nenhuma parte se sustinha;
Daqui o fim da guerra sempre anima
O soldado que Nino, furtado tinha.
Logo após ele leve se sublima
A feliz mudança, que mais azinha
Tomou lugar junto do Batalhão
Mas continuamos a dormir no chão.
IV
Fulas são todos, mas parece
Que com gente melhor comunicavam:
Palavra alguma dele se conhece
Entre a linguagem sua que falavam,
E com pano delgado, que se tece
De algodão, as cabeças apertavam;
Com outro que de várias cores se tinge,
Cada um as vergonhosas partes cinge.
V
Já néscios, já da guerra desistindo
Uma noite, de amor prometida,
Nos aparece de longe o gesto lindo
Da negra Bajuda, única, despida.
Como doidos corremos, de longe abrindo
Os braços para aquela que era vida
Deste corpo, e começámos os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.
VI
Formosas são algumas e outras feias
Segundo a qualidade for das chagas,
Que o veneno espalhado pelas veias
Curam-no às vezes ásperas triagas.
Ao pescoço e nos braços trazem cadeias
De contas feitas com sábias magas.
Elas, que vão do doce amor vencidas,
Estão a seu conselho oferecidas.
VII
Alguns, por outra parte, vão topar
Com bajudas despidas que se lavam;
Elas começam súbito a gritar,
Como que assalto tal não esperavam.
Umas, fingindo menos estimar
A vergonha que a força, se lançavam
Nuas por entre o mato, aos olhos dando
O que às mãos cobiçosas vão negando.
VIII
Todas de correr cansam, bajuda pura,
Rendendo-se à vontade do inimigo;
Tu de mim foges para a mata escura?
Quem te disse que eu era o que te digo?
Deixa-me ir contigo nesta aventura
E no capim vem sentar-te comigo.
Já que desta vida te concedo a palma
Espera um corpo de quem levas a alma.
IX
Já não foge a bela bajuda tanto,
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas mágoas que dizia.
Volvendo o rosto já sereno e santo,
Toda banhada em riso e alegria,
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.
X
Oh! Que famintos beijinhos na testa,
E que mimoso choro que suava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que amor com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
XI
Ao fim de tanto amor e falsas guerras
Finalmente chegou a hora desejada;
Das gentes nos despedimos e destas terras
Com furiosos gritos e alegria desusada,
Por voltarmos às metropolitanas serras,
Pois temos a comissão terminada.
Não se indigne o herói nem a Pátria querida
Que por seu nome, aqui muitos deram a VIDA.




Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 (Gandembel, Ponte Balana, Buba e Nova Lamego, 1968/69) > Julho de 1969 > Foto do álbum de Idálio Reis: "Foi na fonte de Semba Uala, que os nossos corpos se retemperaram de energias abaladas. Também, com exasperados desejos, se buscavam encontros de encantos (...)  Junto à parte oriental da povoação, situava-se a fonte de Cam-Sissé (Semba Uala), com data de construção de 1959. Era conhecida vulgarmente pela Fonte dos Fulas. (...)" (****)

 Foto (e legenda): © Idálio Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

_______________

Notas do editor:


(*) Vd. último poste da série > 12 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9735: O Cancioneiro de Gandembel (6): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VI) (Idálio Reis)


(**) 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim) 

(...) Vd. postes anteriores desta série (Fotobiografia da CCAÇ 2317):

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá.

(...) A CCAÇ 2317 chega a Bissau a 24 de Janeiro de 1968. Uma aclimatação de 2 meses, o quanto bastou para enveredar por um sinuoso rumo, a uma fatídica zona do Sul da Província. Aí, num local estranho da região do Forreá e apenas no efémero prazo de 11 meses, houve lugar às facetas mais pérfidas da guerra, em que do mito e do mistério sobrou só o nome: Gandembel/Ponte Balana (...).

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

(...) Após o Treino Operacional, a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana Em Guileje, a guerra não se fez esperar, e dolosamente começou a insinuar as suas facetas mais pérfidas, com as ocultas ciladas montadas na vastidão dos nossos olhares e a espreitarem o horror a todo o instante (...).

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel.

(...) Em Gandembel, vinga a insensatez, a obrigarem-nos a penar um inextinguível tempo de arrastados sacrifícios. Do período mediado entre o início da construção do aquartelamento e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio (...) O dia 8 de Abril de 1968 alvoreceu para um conjunto de homens inquietamente sós, desunidos de um futuro confiante, porque, por mais que se procurasse predizer, não lhes era possível reconhecer se se podia atingir. Um imenso manto de silêncio ali estava especado, com secretas sombras negras a envolver-nos (...).

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras.

(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel. Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968 (...).

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel.

(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel (continuação) > Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968 (...).

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.

(...) A generosidade de um punhado de gente jovem, onde os ecos dos seus ais de desespero e dor, não ressoavam para além da região do Forreá. Gandembel/Ponte Balana, de 9 de Maio a 4 de Agosto. (...) A época plena das chuvas aproximava-se, começava a fazer surtir os seus benéficos efeitos, o que para nós incidia muito especificamente na água que o rio Balana pudesse debitar. Este, logo que retomasse alguma capacidade de vazão, significaria que a tão ansiada água já abundaria, e as restrições ao consumo que tinham prevalecido até então, evolavam-se no tempo (...).

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28.

(...) Os ataques e flagelações mantinham-se a um ritmo praticamente diário, a que nos íamos habituando, pois que a generalidade das detonações era resultado da acção de morteiros 82, e a maioria das granadas continuava a deflagrar na periferia. Os morteiros ainda não estariam devidamente assestados, e tornava-se necessário e urgente ter que acabar as obras do aquartelamento, com condições mínimas de segurança (...).

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968.

(...) Uma longa vida em Gandembel suspensa da decisão do Comandante-Chefe. E ante tantas adversidades, num ápice tudo se esfuma da forma mais indigna: o abandono. Gandembel/Ponte Balana, de 4 de Agosto às vesperas do Natal de 1968. (...) A catástrofe de 4 de Agosto foi demasiado punitiva e voraz, criando um profundo sentimento de perda. E, atendendo às circunstâncias com que nos deparávamos no quotidiano, reconheci na pungente dor do luto, que a Companhia perdia temperamento e vivacidade, com as vontades a fenecerem. (...) A deslocalização de um permanente efectivo de pára-quedistas foi fundamental para o surgimento de uma fase de muita maior tranquilidade, que resultou numa acentuada diminuição belicista por parte do PAIGC (...).

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

(...) Seria uma lembrança do Natal, que se aproximava? Não o foi, pois que até lá não recordo qualquer confronto, mínimo que seja. Pelo Natal, dada a solenidade do dia, chegam 2 helicópteros: um trazendo o bispo de Madarsuma, vigário castrense das Forças Armadas e um repórter do extinto Diário Popular, de nome César da Silva; outro, com Spínola e elementos do Movimento Nacional Feminino. (...) À alvorada do dia 28 [de Janeiro de 1969], o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que partimos em definitivo de Gandembel, passámos por Ponte Balana (ali ao lado) a buscar o grupo que aí estava e seguimos para Aldeia Formosa. (...)

18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

(...) As colunas de reabastecimento para Gandembel / Ponte Balana. Tanta ousadia cerceada no passo incerto, e a folha fustigada pelo sopro de um fornilho, já não encontra outro sítio para cair, senão em corpos dilacerados (...).

(...) As colunas de reabastecimento que se contextualizam com Gandembel, ficaram gravadas nos caminhos do desalento, do pesadelo e horror. E por isso, procuravam protelar-se até soar o grito da clemência, pois os bens essenciais estavam a esgotar-se, e o espectro da fome, em forma de um tipo de alimentação quase intragável, pairou algumas vezes em Gandembel.E esta desapiedada e frustrante sensação de um forçado isolamento, também contribuiu em muito para o alquebramento das forças físicas e morais, tão vitais para ousar enfrentar com denodo as vicissitudes que se nos deparavam quotidianamente.

(...) Restar-me-á apenas tentar alinhavar o último capítulo, que se prende com a permanência da Companhia em Buba, e que se prolongou até 14 de Maio de 1969 (...).


(***) Sobre o nosso camarada João [Paiva Rodrigues] Barge (Aveiro, 2/4/1944-Leiria, 5/12/2010) sabíamos pouco:




(i) Aveirense de nascimento, já tinha publicado em 1964 o livro de poesia "Para lá do teu silêncio" (Aveiro, Livraria Borges, 54 pp).


(ii) Foi professor efetivo da Esc Sec Francisco Rodrigues Lobo, em Leiria;


(iii) Foi também docente, da área de Ciências Sociais, na Escola Superior de Educação / Instituto Politécnico de Leiria;


(iv) Vi algures por aí também um outro título, de poesia, "A Gramática do Sossego" (desconheço o ano de edição, e a editora);


(v) É autor de "Registos", juntamente com Miguel Homem e Orlando Cardoso (Leiria, Gato Preto, 1981).

Vd. também poste de 7/12/2010, P7399 [ Guiné 63/74 - P7399: In Memoriam (66): A morte dolorosa de um dos últimos homens a chegar a Gandembel, o ex-Alf Mil João Barge (1944-2010)]
(****) Vd. postes sobre a estadia do grupo de combate do Idálio Reis, em Cansissé, no Gabu:


12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio R
2317, Julho de 1969)

2 de agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969) 

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9735: O Cancioneiro de Gandembel (6): Do Hino de Ganbembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VI) (Idálio Reis)
















Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Aspetos da dura vida quotidiano dos  homens-toupeira, que tiveram de construir de raíz e defender, num curto espaço de tempo (inferior a nove meses), dois  aquartelamentos, Gandembel e Ponte Balana. Total de ataques e flagelações: 372. Fotos do notável álbum de Idálio Reis, editadas por L.G.

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Pedido de esclarecimento, enviado a 10 do corrente,  ao Idálio Reis, a propósito de mais algumas passagens de Os Gandembéis:


Idálio: Espero que tenhas tido umas boas (e santas) páscoas. Mando-te mais um poste, relativo ao canto II de Os Gandembeis... Decifra-me as estrofes V e VI... O 'magriço' (o capitão Moura ?) que vai para Bissau, tentar "mexer os seus cordelinhos" (referência á deusa 'Cunha')... É sibilino, para os de fora da tua companhia... Um abração... Luis


2. Resposta do Idálio, com data de 11 do corrente:


Meu caro Luís

Porque teria de estar hoje em Coimbra, cheguei ontem de umas pequenas férias, deambulando por sítios do acaso, em rotas isentas de portagens.

E logo atentei no correio virtual. O Blogue dá a conhecer a morte do teu pai. Ainda que sentisses que a definitiva separação se aproximava, há sempre um sentimento de perda, um pesar profundo.

Quanto ao Cancioneiro, lá o vais divulgando, e os nossos poetas têm gostado.


O Canto II continua a narrar a odisseia de Gandembel, e lembra o 4 de Agosto, o trágico dia do Changue-Iaia.


O [hoje] tenente-general Jorge (Barroso) de Moura, para quem crê que a Cunha o favorece... Este militar era um homem inteligente, não o podemos negar. Foi um dos melhores alunos do seu curso da Academia, que o distinguia dos restantes pares. E,  para além de uma óbvia amizade que tinha com o Almeida Bruno, sempre encontrou,  nos estados-maiores de Schulz e de Spínola, alguém que tivesse sido seu professor.

Quanto ao Maia, já te referi quem era. Com poucos meses de comissão, dos alferes da origem da Companhia, restámos ambos. E sempre nos considerámos, e jamais tivemos uma qualquer quezília, mínima que seja.  Mas considero que o forte Capitão soube bem aproveitar-se do subalterno mais antigo, e este até por vezes se sentia envaidecido.


Há um facto curioso, sobre o qual nunca me referi, porque totalmente urdido e parabenizado pelos militares ditos de eleição, e que tem a ver com os condecorados da guerra colonial. Do que sei, na minha Companhia só houve uma cruz de guerra da 3ª ou 4ª classe, que foi atribuída ao Maia. Mas este assunto é tabu, sobre o qual não gosto de me pronunciar, porque no geral fere susceptibilidades.

A estrofe V, com o magriço a entrar rapidamente no helicóptero... É verdade que Barroso de Moura teve um problema na mão, pois inclusivamente viria a se operado no Hospital de Bissau, já a Companhia tinha abandonado Bissau. Agora o que originou tal traumatismo, não sei. E aqui a voz da caserna até pode ser maliciosa [...].


De todo o modo, as consequências do acidente em trabalho, foram morosas na sua cura, pelo que até creio que o homem poderia necessitar de mezinhas especiais, e que...tornar a Bissau lhe convinha.

                                                                  
V
Mas o magriço, que já então lhe convinha
Tornar a Bissau, acostumado,
Que tempo concertado e ventos tinha,
Para ir buscar o descanso desejado.
Recebendo o piloto que lhe vinha
Foi dele alegremente agasalhado;
Rapidamente no helicóptero entrou
E, sadicamente, c´o a mão ligada acenou.

VI
Jorge de Moura, o forte Capitão
Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e altivo coração,
A quem a Cunha sempre favorece,
Para aqui se deter não vê razão,
Que sequiosa a terra lhe parece
Por diante passar determinava
E assim lhe sucedeu como cuidava.


Mais 3 notas:  (i) o furriel Abel Simões, morto no Changue-Iaia, era natural do concelho de Montemor-o-Velho, e não Novo; 

(ii) o posicionamento de Gandembel, era ali bem próximo ao pontão do rio Balanazinho, não mais de 50 metros; 


(iiii) o aparecimento de um gandembelense, o ex-furriel Júlio Madaleno, que ali apareceu para render o Magalhães Alves, gravemente ferido a 15 de Maio na pesquisa de água no Balana. 


Já lhe escrevi [ao Júlio Madaleno], mas não há quaisquer lembranças quanto à presença deste homem connosco. Fiz-lhe um convite para estar na confraternização da Companhia. Mas como pode ser possível que não tenha guardado a mínima recordação de um graduado que ainda esteve algum tempo em Gandembel? 


E, para mim, à falta de melhores desculpas, só encontro uma explicação. Em Gandembel, tudo rodava à volta do grupo de combate, indistintamente. A busca perseverante de se acabar com os trabalhos, não nos dava tréguas. E à noite, o bando aninhava-se, em que os graduados tinham a benesse de não fazerem os postos de sentinela fixos, porque neste aspecto da vigilância a sua função era de maior abrangência, de calcorrear os postos e despertar os mais exaustos.


E por agora é tudo. O Lema Santos, uma figura que muito admiro, também me deu a conhecer a sua satisfação por estar presente em Monte Real.


Um cordial abraço do Idálio Reis    


3. O Júlio Madaleno deixou o seguinte comentário, com data de 10 do corrente,  ao poste P9726 (*):


Velhos companheiros: Certamente não vos lembrais de mim porque fiz uma efémera passagem pela [CCAÇ] 2317 quando quis o destino que fosse substituír o fur mil Alves devido à infelicidade que o vitimou. O meu nome é Júlio Madaleno e operei o tal morteiro 120 que lá foi colocado e estava instalado na parte de trás do abrigo da Browning. Pelas frequentes consultas que faço ao blogue estou informado do livro do amigo Idálio Reis e do almoço programado para 9 de junho [, data do convívio do pessoal da CCAÇ 2317, em Paredes ],  onde vou tentar estar presente para rever antigos camaradas de armas. 

 Um grande abraço do ex-fur mil J M
juliomadaleno@gmail.com  
(No facebook identificável em foto com guitarra).

4. Continuação da publicação de "Os Gandembéis", poema  de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, que retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana (*), recolhido e reproduzido pelo nosso  camarada e amigo Idálio Reis, engenheiro agrónomo reformado, residente em Cantanhede, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317, no seu livro A CCAÇ 2317 na guerra da Guiné: Balana / Ponte Balana, edição de autor, 2012 (il, 256 pp.).

Recorde-se o que aqui tem sido dito:  este livro  é uma peça fundamental para a historiografia da guerra colonial na Guiné; o seu lançamento será feito no Palace Hotel, no próximo dia 21, no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande.  




Canto III

I
Estas sentenças tais o velho honrado
Dizendo estava, quando abrimos
As malas e as fizemos ao sossegado
Vento, e do quartel temido nos partimos. (#)
E, como é já na guerra costume usado
A bandeira desfraldando, o céu ferimos
Dizendo: “Boa viagem”. E logo as viaturas
Fizeram as usadas roncaduras.
II
Passámos à Formosa Aldeia
Que das muitas bajudas assim se chama;
Das que nós passamos a primeira
Mais célebre por nome que por fama,
Mas nem por ser a derradeira
Se lhe avantajam quantas o Moura ama.
Ali tomámos todos um bom assento
Por tomarmos das terra mantimento.
III
Por Nhala passámos, povoada
De gente amiga, que ali vivia;
E de luz total sendo privada
Mesmo assim do turra se defendia.
Novamente nos lançámos à estrada
P’ra chegar a Buba, ainda de dia,
Onde ainda a Companhia não sabe
Se irá haver descanso ou a guerra acabe.
IV
Contar-vos longamente as perigosas
Cousas da estrada, que os homens não entendem.
Súbitas emboscadas temerosas,
Morteiradas que o capim em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de canhões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho que grande erro
Ainda que tivesse a voz de ferro.
V
Casos vi em que os rudes fuzileiros
Que têm por mestra a longa experiência
Não acreditarem casos certos e verdadeiros,
Mas julgando as cousas só pela aparência.
E os Comandos, com fama de guerrilheiros,
Só por puro engenho e por ciência
Se distinguiam quando formavam,
Porque nas armas aos demais se igualavam.
VI
Daqui fomos cortando muitos dias
Entre tormentas tristes e bonanças,
Na larga mata fazendo novas vias, (##)
Só conduzidos de árduas esperanças.
Com o turra tempo andamos em porfias
Que, como tudo nele são mudanças,
Poder nele achamos tão possante
Que passar não deixava por diante.
VII
Era maior a força em demasia
Segundo para trás nos obrigava,
Da estrada que contra nós ali se abria
Pelo poder da máquina que trabalhava.
Ó malvado Nino da porfia,
Que sempre estás onde a gente estava!
Em vão os tiros esforças iradamente
Pois nós não tememos a tua gente.
VIII
Desta parte descanso algum tomamos
E do rio fresca água, mas contudo
Nenhum sinal aqui da paz achamos
No povo, com nós outros quase mudo.
Ora vejam em que tamanha guerra andamos
Sem sair nunca deste viver rudo,
Sem vermos nunca nova nem sinal
Da nossa tão desejada terra Natal.
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Notas de L.G.:

(#) Abandono do aquartelamento de Gandembel (e do destacamento de Ponte Balana)  em 28/1/1969 e partida para Aldeia Formosa.

(##) Transferência para Buba, em 8/2/1969 onde a CCAÇ 2317  ficou, até 14/5/1969, a fazer segurança aos trabalhos de renovação da velha estrada Buba-Aldeia Formosa.

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Nota do editor:


(*) Vd. último poste da série > 10 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9726: O Cancioneiro de Gandembel (5): Do Hino de Ganbembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte V) (Idálio Reis)