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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24957: Facebook...ando (46): O professor Joaquim Costa, que era "inimigo das redes sociais", até ao dia em que também entrou na "romaria" (para não ficar "infoexcluído"...), com uma sábia autojustificação: "Não negues à partida uma 'ciência' que desconheces"...



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > s/l (Cumbijã > 1973 > "Escrevendo um aerograma, para casa, nas matas da Guiné em 1973"


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > s/l (Cumbijã > c. 1973/74 > Sem legenda... | 21 de setembro de 2023, 11:32


Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Joaquim Costa é "periquito" nas andanças do Facebook (*)... Entrou há coisa de um ano, já depois de se ter feito membro da nossa Tabanca Grande, onde se sentou à sombra no nosso poilão, no lugar nº 826, em 30/1/2021... E neste entretanto já escreveu e publicou um livro, "filho da pandemia"...

No Facebook, tem até ao momento 315 amigos (98 em comum com a Tabanca Grande Luís Graça). Na sua página tem partilhado alguns das coisas de que mais gosta: o Minho, o seu Porto (a cidade e o FCP), o seu rio Douro, a sua terra natal, Famalicão, a música (popular e erudita), as suas memórias de infância e adolescência, o seu passado como militar no TO da Guiné e, depois da "peluda", como professor (que andou de terra em terra até acabar a carreira como diretor do agrupamento de escolas de Gondomar, nº 1) (**)...

Não tem, infelizmente, muitas fotos do tempo da guerra... Nos sítios desgraçados pro onde andou, na guerra da Guiné, na região de Tombali, no sul, não havia muitos fotógrafos, nem máquinas fotográficas, e muito menos vontade de "tirar uma chapa",,, (Em contrapartida, havia bons barbeiros, a avaliar pelo foto nº1, que reprodizimos acima). 

Recorde-se que ele foi fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74). Tem já 7 dezenas de referências no blogue, boa parte das quais são postes da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)", de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022).

Esta série transformou-se, em boa hora,  em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp).

Ele deu-me a honra de lhe escrever uma pequena "nota final" no seu livro... Recordo aqui um excerto (***):

(...) "O Joaquim Costa é mais um talento literário que o nosso blogue veio revelar, com a particularidade de, sendo um bom minhoto, a sua prosa ter também belos nacos do português camiliano, a começar pela ironia, o humor e até o sarcasmo, tão bem patentes na reconstituição de algumas das suas memórias de infância e na evocação da sua família, bem como na descrição de cenas da vida castrense.

"Já tive ocasião de lho dizer, e agora passo a partilhá-lo com os seus futuros leitores: Joaquim, quisestes escrever um livro com uma parte da tua história de vida, que é também a de muitos de nós, e que quiseste dedicá-lo aos que te amam e estimam. A tua narrativa tem momentos portentosos sobre a epopeia de Cumbijã e de Nhacobá, os seus bravos e as suas vítimas. Um dia, quando fizermos uma antologia dos nossos melhores textos, o teu testemunho, na 1ª pessoa, sobre a Op Balanço Final (17-23 maio 1973), por exemplo, terá que lá figurar, com toda a justiça." (...)

2. Da sua página no Facebook, tomo entretanto a liberdade de lhe "retirar" duas fotos e a seguinte apresentação:

Professor do ensino secundário
Orientador Pedagógico - 3 anos
Diretor da E.S. Gondomar (AEG n.º 1) - 20 anos


Estudou em ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto

Andou na escola Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão

Vive em Rio Tinto, Porto, Portugal

De Vila Nova de Famalicão

Aqui fica também um apontamento da sua humildade e do seu sentido... de humor:

"Meus amigos!A todos vos escrevo, agradecendo as palavras amigas que me dirigiram. Estou num processo de aprendizagem nestas coisas das redes sociais.

Sempre as neguei, mas: “Não negues à partida uma 'ciência' que desconheces"...

Uma coisa é certa: Foi bom rever gente boa… e linda, que há muito não via.

Beijos e abraços.

Foto nº 1 (acima): Escrevendo um aerograma, para casa, nas matas da Guiné em 1973 | sábado, 7 de janeiro, 12:28 "

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24834: Facebook...ando (45): António Medina, um bravo nativo da ilha de Santo Antão, que foi fur mil na CART 527 (1963/65), trabalhou no BNU em Bissau (1967/74) e emigrou para os EUA, em 1980, fazendo hoje parte da grande diáspora lusófona - VI (e última) Parte

(**) Vd. poste de 15 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24956: E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) - Parte IV: Enfim, em casa!... Famalicão, a minha terra...

(***) Vd. poste de 31 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22861: Notas de leitura (1404): Joaquim Costa, "Memórias de guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina. Guiné: 1972/74", Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp. - Parte I: "E tudo isto, a guerra, para quê ? Não sei"...

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24358: Convívios (964): Rescaldo do 24.º Encontro dos Tigres - CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), levado a efeito no passado dia 29 de Abril em A-dos-Cunhados - Torres Vedras (Joaquim Costa, ex-Fur Mil)



24.º ENCONTRO DOS TIGRES

Após quatro anos de interregno devido à pandemia, Os Tigres reuniram-se de novo para conviver e relembrar aqueles dois anos que nos uniram como uma FAMÍLIA para toda a vida!

Devido a esta interrupção, a reunião só não correu mais brilhante porque houve muitas ausências relativamente aos que já era natural reunirem. Uns por motivos de doença, outros por outros compromissos já assumidos não puderam estar presentes.

Mesmo assim, juntámos 34 combatentes. Todos os ausentes foram por diversas vezes focados com saudade e com a certeza que para o ano seremos muitos mais!

A ausência mais sentida foi a do nosso Timoneiro e Capitão Vasco da Gama! Para o ano, Deus o permitindo nos reuniremos de novo!

Esteve também entre nós como convidado de honra, o nosso amigo Saido Baldé, filho da nossa Cumbijã e irmão do atual Chefe da Tabanca e Régulo de Cumbijã Sr Serifo Baldé.

Foi MUITO BOM estarmos juntos!

As mulheres dos Tigres
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24356: Convívios (963): Coimbra, 27mai2023, 50.º convívio da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime 1971/74): "Balada de Despedida", voz: Firmino Ribeiro

domingo, 18 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23891: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte I: A pomada milagrosa

Vila Nova de Famalicão  > c. meados dos anos de 1950 > A família Costa: da esquerda para a direita na fila de trás: José (pai) e Gracinda (Mãe), seguindo-se os irmãos: Maria, Avelino, Manuel (que esteve na Guiné), Eduardo (o columbófilo) e na fila da frente o João (o Don Juan da família) a Noémia e o Joaquim, o mais novo.

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022).

Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.


 1. Mensagem do Joaquim Costa, com data de 27 de novembro passado:

Bom dia, Luís: como vai essa perna? Espero que em plena recuperação.

Por sugestão do nosso camarada Beja Santos envio partes do meu livro, no qual faço referência à família e infância, para caso de consideres pertinente o partilhares com os camaradas e amigos do blogue.

Sempre a considerar-te e um grande abraço. Joaquim Costa. 


2. Comentário do editor LG: 

Obrigado, Joaquim. São histórias dos primórdios do "Tigre Azul" e  "Furriel Pequenina", que complementam o teu  livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel pequenina".  É verdade, todos temos uma origem, uma mãe, e quase sempre um pai e, naquele tempo, um bando de irmãos... E, na maior parte dos casos, uma alcunha... A infância e a adolescência da geração que fez a guerra e a paz, não diferem muito de Norte a Sul, de Vila Nova de Famalicão à Lourinhã.  Estas memórias, que faziam parte do plano original do teu livro, têm todo o cabimento no nosso blogue.  Para mais, estão recheadas com o teu saudável e fino humor. Saúdo, por isso, a tua reaparição. E aproveito para te desejar, a ti e a toda a família, um Bom Natal e um Melhor Novo Ano de 2023. Em meu nome e dos demais editores e colaboradores permanentes do blogue. Eu, por cá, vou indo... Um alfabravo fraterno. LG
 

 Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte I:  A pomada milagrosa

O tigre azul ou tigre maltês (espécie muita rara), foi visto na província chinesa de Fujian. Eu asseguro que existiu uma família desta linda espécie em Vila Nova de Famalicão

Sendo o sétimo filho do José e da Gracinda, tendo em conta a época, nasci em berço de ouro,
o mesmo não podem dizer-se dos meus irmãos.

O pai Zé e a mãe Gracinda viveram a miséria dos tempos da primeira e da segunda guerras mundiais e da gripe espanhola, saindo destes conturbados acontecimentos sem esmorecerem, continuando a lutar, resilientes, por uma vida melhor para a família

O Zé, naquele contexto, trabalhou numa pedreira (de granito), mais escultor que pedreiro, tal a arte como trabalhava a pedra. Não tendo frequentado a escola, lia o jornal (devagar, devagarinho), e fazia contas como ninguém. Quase “bacharel”, na aldeia abriu uma pequena mercearia/taberna, que para além de melhorar as sua condição de vida, lhe deu estatuto social e garantia de eleitor, na União Nacional, claro! (manga de ronco).

A minha memória está cheia de memoráveis e ternurentas histórias vividas com o meu pai, mas a da ida ao médico...!!!

O meu pai andava há vários dias a queixar-se com dores nas costas, situação que não o deixava dormir nem fazer as suas lides diárias no amanho de um pequeno terreno. A minha mãe já não suportava tanto queixume, lembrando que também lhe doía um joelho e que não se queixava tanto. Contudo, sugeriu, para sossego dela e dele, que fosse ao médico, ao Dr. Cândido, proprietário de uma quinta na região, e grande produtor de vinho.

A insistência da minha Mãe acabou por o convencer. Vai daí, convidou-me para ir com ele ao dito médico. O percurso acidentado para a casa do médico foi feito em esforço, com paragens frequentes para dar descanso às costas do meu pai. As queixas eram tantas que até eu sentia as dores do Velho.

Chegados à casa senhorial do médico, depois de uma caminhada sofrida, demos dois puxões ao arame que acionava uma sineta de bronze, acordando os cães, que foram os primeiros a chegar ao portão. Logo de seguida chega a empregada, de avental branco de linho com “folhinhos” de renda, que lhe dava um ar angelical, nossa conhecida, que saúda o meu pai:

  Então, sr. José! Tudo bem lá em casa? O que o traz por cá? Coisa boa ou coisa má?... (coisa boa se vinha comprar vinho, coisa má se vinha por causa de alguma maleita.)

Respondeu o meu pai que gostaria de ser consultado pelo Doutor, sobre uma ligeira, mas incomodativo, dor de costas:

 Muito bem,  sr. José, entre e espere um pouco neste banco de pedra que eu vou chamar o patrão que está lá para baixo para o lameiro.

Passados uns bons minutos chega o Dr. Cândido, de galochas enlameadas, de enxada na mão, chapéu de palhinha na cabeça, camisa branca salpicada de suor, mancando ligeiramente:

  Boa tarde,  sr. José, desculpe a minha demora mas ultimamente tenho andado com umas dores nas costas que nem me deixa dormir nem fazer o que mais gosto que é as minhas caminhadas pelos campos. Mas não vale a pena a gente queixar-se Sr. José, tal como sabiamente dizem os homens na sua taberna, é o “PêDêI”, e quanto a isso nada há a fazer a não ser aligeirar esta maldita dor com a pomada da adega.

Fomos então encaminhados para a dita adega (o consultório) onde o bom homem e excelente médico (o nosso João Semana) partiu um pouco de pão de milho, ainda quente, acabado de sair do forno, e avantajadas fatias de presunto. Enquanto ia tirando o batoque da pipa para vazar vinho para uma caneca de barro, pergunta ele ao meu pai:

  Então o que o trás por cá, sr. José?

O meu pai ficou desarmado pelo desabafo do médico e já não teve coragem para dizer ao que vinha e começou a gaguejar, acabando por dizer que vinha saber se ainda tinha alguma pipa disponível para venda.

“Bucha” de pão e naco de presunto puxa pela pinga… a pinga puxa pelo pão e pelo naco de presunto e este pela pinga e assim sucessivamente até a conversar começar a tropeçar no arrastar das palavras.

Abruptamente, enquanto se sentia, ainda, algum discernimento, avançou-se para o negócio

Selou-se o mesmo com mais um brinde, e, já com as dores de costas atiradas para trás das costas, regressamos a casa, com o meu pai curado, dada a desenvoltura e alegria como caminhava, e ainda com uma garrafa de vinho no alforge oferecida pelo médico.

Chegados a casa, logo a Gracinda perguntou ao Zé:

  Então! e o médico, receitou-te alguma coisa para as costas?

  Deu-me lá uma pomada milagrosa que me limpou logo a dor.

  Ainda bem! E trouxeste mais dessa milagrosa pomada?

 
  Trouxe...

  Dá cá então para eu pôr também aqui no meu joelho a ver se me dá cabo desta dor malvada…

 
   Diacho de mulher!…     desabafa o Zé.

(Continua)

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sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23495: Notas de leitura (1471): "Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2022 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Joaquim Costa teve a amabilidade de me oferecer as suas memórias de Cumbijã, edição Lugar da Palavra Editora (telef 220994591/ telem 915416141), tocaram-me pela singularidade com que homenageia pais e irmãos, como faz a apologia da camaradagem sem precisar de bater as palmas e a discrição com que narra a criação de um quartel em terra de ninguém, tudo com o objetivo de procurar asfixiar a prazo a presença do PAIGC na região sul, designadamente naquelas reentrâncias da mata do Cantanhez. A epopeia dos homens ficou lavrada, mas em 1973, ali bem perto, no mês de maio, Guileje cedeu, nada ficaria como dantes, e a Operação Grande Empresa esmoreceu, o 25 de Abril foi a última gota. Foi bom que Joaquim Costa deixasse o seu testemunho, todo ele de emoção contida.

Um abraço do
Mário



Recordar Cumbijã, um dos pilares da Operação Grande Empresa

Mário Beja Santos

O livro de Joaquim Costa, largamente referenciado em textos do blogue, é credor da nossa elevada consideração, a diferentes níveis: a tocante homenagem que presta a pais e irmãos, se é certo que há testemunhos de arromba sobre estas memórias afetivas, inescapáveis, o que Joaquim Costa nos oferece é tocante como homenagem do seu coração. 

Não me recordo de tal texto ter aparecido no blogue, se não estou enganado, incito-o a dá-lo à estampa, a nossa assembleia merece; se é certo que ele nos vai dar um itinerário muito comum de recruta e especialidade, subidas e descidas por quartéis até à formação da unidade que irá partir para a Guiné, também aqui ficam uns pingos de camaradagem da melhor água, uma camaradagem que percorre transversalmente a sua narrativa; e para quem ainda não atendeu às diferentes facetas da Operação Grande Empresa, destinada a reocupar o Cantanhez, o testemunho de Joaquim Costa é vibrante quanto ao confronto com os grupos do PAIGC instalados na região, quase desde a primeira hora, Spínola intentava provocar um cerco a “lugares santos”, impedindo abastecimentos, circulação de pessoas, fuga de populações, foi uma operação de sangue, suor e lágrimas que não pôde completar-se devido aos acontecimentos que envolveram Guileje, Gadamael e Guidaje. O que se passou no Cumbijã foi uma pequena epopeia de que Joaquim Costa deixa um relato singelo.

Primeiro, a homenagem à família, ele é o sétimo filho de José e de Gracinda, um casal que viveu a miséria em tempos conturbados, o pai Zé trabalhou numa pedreira, abriu uma pequena mercearia/taberna, ele não esqueceu uma viagem que fez na sua companhia até Ermidas do Sado para ir visitar o irmão Manuel, que estivera na Guiné e regressara com uma grande pneumonia; a mãe Gracinda é a imagem da devoção maternal, levanta-se pela alva para preparar os comes, tudo sem um queixume. E fala-nos do mano mais velho, o Eduardo, da sua paixão pelos pombos, da Maria, a irmã mais velha, uma cúmplice deste furriel do Cumbijã. E deixo ao leitor a faculdade de saber mais sobre o Avelino, o Manuel, o João, a Noémia, o Joaquim, os sete manos vão aparecer em bela fotografia, há mesmo casacos e gravatas para se entender que o clã lutou pela vida para conhecer dias mais risonhos.

Segundo, a ficha curricular, com todas aquelas peripécias nos coube experimentar, no caso dele Caldas da Rainha, Tavira, é um sargento de armas pesadas que vai dar instrução a Chaves, segue-se Estremoz (que lhe deixou imensas saudades), já está delineada a CCAV 8351, os Tigres de Cumbijã, tendo como maestro Vasco Augusto Rodrigues da Gama, a quem tive a honra de dar instrução em Mafra e de descrever em sede própria que daria um competentíssimo comandante de companhia. 

Ainda há Portalegre pelo caminho, toma-se um avião, há uma curta passagem pelo Cumeré, segue-se a Aldeia Formosa depois de uma viagem até Buba. Festa de Natal com repasto de macaco-cão assado. Não são esquecidas as peripécias com lavadeiras e roupas dispersas.

Terceiro, cumprida a missão de proteger colunas para Buba e dar proteção ao grupo de Engenharia na construção da estrada Mampatá-Nhacobá, vamos ao âmago da história, toca a marchar para Cumbijã, o PAIGC não queria abrir mão de Nhacobá, não bastava a estrada a partir de Mampatá, havia que estender o cerco. Chega-se a Cumbijã e levantam-se cerca de 30 minas, assim vai começar o calvário dos estropiados e mortos, as imagens são eloquentes, faz-se um quartel de raiz, ele diz com simplicidade: 

“Ao mesmo tempo que avançava a construção para Nhacobá e os trabalhos da adaptação do Cumbijã para receber e unir definitivamente toda a família da CCAV 8351, ia-se criando, em cada um de nós, a sensação, agridoce, de que estávamos a construir a nossa modesta casinha, porventura no sítio menos aconselhável.” 

Alimentação a rações de combate, flagelações constantes, fazer tijolos e erguer casas. Visita de Spínola, apresenta-se a lista de reclamações, o Comandante-Chefe responde positivamente. Passa a haver segurança e mesmo casernas com conforto básico. Chega a hora da operação “Balanço Final”, o assalto a Nhacobá, encontrou-se gente, documentação, muito arroz, há tiroteios, Spínola chega a fazer uma visita relâmpago a Nhacobá, visita rápida, já que o rebentamento de uma mina provocada por uma máquina de Engenharia projetou uma enorme quantidade de terra que atingiu ao de leve o general. 

Se Cumbijã já era um descampado, preparar o terreno em Nhacobá para novo quartel não foi pequena a odisseia. Estamos nisto quando se dão os acontecimentos do ataque a Guileje, que Joaquim Costa esmiúça. Vem de férias e no regresso a Bissau tem más notícias do que se passa em Cumbijã e arredores. O autor aproveita um texto do nosso confrade António Murta, repescado do nosso blogue para se voltar à operação “Balanço Final”.

Assim se chegou ao 25 de Abril, é o regresso a casa, as durezas da adaptação. E há os acasos da sorte, Joaquim tem o filho a trabalhar na Guiné na construção da Ponte S. Vicente, é o regresso, a vida continua, o Cumbijã não lhe sai da memória, vai trabalhar como professor, orientador pedagógico e dirigente escolar. 

E assim aconteceu, talvez fruto da pandemia, o Furriel Pequenina deu à costa com as suas memórias de guerra, teve a gentileza de me contactar para me oferecer o seu livro, li-o de um só fôlego, confessei-lhe a admiração pelo modo como trata pais e irmãos, como hasteia a bandeira da camaradagem e é sóbrio descrever os episódios do Cumbijã. E muito contente fiquei quando descobri que ele e eu éramos devotos admiradores daquele Vasco da Gama que em vez de ir à Índia esteve brioso a comandar o que a ele dizia respeito ali perto do rio Cumbijã naquela operação tão promissora mas que já não tinha força para reverter os ventos da História.

O destacamento de Cumbijã, região de Tombali, em 1973. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Tabanca de Nhacobá, região de Tombali, ocupada num “golpe de mão” pela CCAV 8351 no dia 17 de maio 1973 na operação Balanço Final (17 a 23 maio 1973). Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali > Construção da estrada Mampatá / Cumbijã, no fim de mais um dia de trabalho. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali, Cumbijã > O capitão da CCAV 8351 (Os Tígres de Cumbijã) e o Sargento Redondeiro. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23480: Notas de leitura (1470): Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23465: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII: Em 1976, uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC


Itália > Veneza > 1976 >  De gôndola, com pose de turista



Países Baixos> Amesterdão > s/d > ... Numa outra viagem


Fotos (e legendas) © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor do ensino secundário 
(os últimos 20 anos em Gondomar).




Já saiu o seu livro de memórias (parte da história da sua  vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua (*): 
“Memórias de Guerra de um Tigre Azul” (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp)
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (**). 

O livro pode ser pedido diretamente ao autor, através do email jscosta68@gmail.com .
O valor é de 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro. Não esquecer de indicar o endereço postal.

 

Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII:  Em 1976,  uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC   



O encontro improvável, em Veneza, de três “Morcões” do Norte 
e  de um "Alfacinha", especialista em Matacanhas

  

Nos primeiro anos depois da Guiné vivi sofregamente os dias, “engasgando-me” aqui e ali na ânsia de agarrar o mundo todo num só dia. Fui à  procura de resgatar os três anos “roubados” da minha juventude, até hoje ainda não devolvidos.

No ano de 1976 , eu e mais dois companheiros, o Gil Marques, jovem empresário da indústria têxtil e o Miguel, professor de economia e contabilidade, decidimos, depois de mais uma noite de copos na tasca do “Pega”, hoje um restaurante com nome no “Evasões” e “Boa Cama Boa Mesa” (à nossa custa), decidimos aproveitar as férias (e espairecer um pouco da loucura do PREC ) numa viagem (de 30 dias) pela Europa, numa das nossas Dianes,

Num dia se decidiu e no outro abalamos (já tinha na minha posse o famoso “Salvo conduto” inexplicavelmente, já sem guerra e em democracia, ainda obrigatória para passar a fronteira) , com partida junto ao nosso café das tertúlias e “jogatanas” de bilhar diárias, o “Pica Pau” com todos os presentes e amigos desejando boa viagem, na Diane do Gil.

Lá consegui meter num pequeno saco umas peças de roupa, um mapa e uma tenda que nunca havia montado. Decidida a primeira paragem em Madrid, como pessoa mais sensata do grupo [???], lá fui pensando em programar minimamente o itinerário de toda a viagem até à capital espanhola.

Já em França, a caminho de Nice, com um amortecedor a queixar-se do peso, surgem na estrada muitos jovens a pedir boleia (muito comum na época em Portugal e em toda a Europa). Eis quando aparece uma jovem no meio do caminho, quase nos obrigando a parar, com o Miguel aos gritos, pára, pára ... mas o Gil não parou. Ficamos furiosos , mas ele, com a sua calma, de quem não foi à guerra e tem ainda toda a sua juventude pela frente (pois muitas mais lhe vão aparecer à frente), chama os dois “velhos” à razão:

−  Não vamos passar o tempo nisto! 

Dois dias já gastos (talvez ganhos ?) com as lindas catalãs (professoras primárias a trabalhar em Barcelona) desrespeitando o programa minuciosamente elaborado pelo Costa (apenas uma tarde em Madrid), e para além do mais o amortecedor não ia aguentar. 

 −  Oh Gil ! Aguenta, aguenta! 

Tanto insistimos que ele que deu a volta, passou novamente pelo local onde ainda se encontrava a miúda e lá paramos para dar boleia à donzela (que confirmava todos os atributos conhecidos do “mito urbano” sobre as Suecas!). Enquanto o Miguel abria gentilmente a porta, surge por detrás de um arbusto (estilo David Attenborough) um rapaz com dois metros de altura, com a miúda sorrindo dizendo: 

  Não se importam de levar também o meu namorado?     empurrando-o para dentro do carro antes que dissessemos que não.

Durante a viagem o Gil, preocupado com o amortecedor, passou o tempo a chamar nomes ao gigante Sueco, utilizando todo o vocabulário vernáculo do norte que tinha mais à mão, enquanto o rapaz olhava para ele, divertido, sempre com um sorriso nos lábios.

Este incidente foi motivo de conversa até Veneza, onde montámos (tentamos montar ), pela primeira vez,  a tenda num parque de campismo (até Veneza sempre dormimos ao relento apenas com o saco cama).

Começámos a montar a tenda mas não atinávamos com a quantidade de ferros. Já desesperados, diz o Gil:

 
  Não és tu engenheiro? Então trata tu disso,  que eu vou tomar banho. 

O Miguel aproveitou a deixa e fez o mesmo.

Ainda não refeitos da boleia dada ao gigante Sueco, durante o banho continuaram os insultos ao rapaz em

voz alta que se se ouviam em todo o parque. Até eu, que também não atinava com a tenda (ou faltava ferros ou faltava pano), estava a ficar incomodado com os palavrões (afinal sou professor,  “carago”...).

Entretanto, sinto uma mão no meu ombro, viro-me, e vejo um homem lourinho, de olhos claros dizendo, em bom português: já uma pessoa não pode estar com a família sossegada no parque de campismo, sem estar sujeita a ouvir este chorrilho de palavrões. 

Este lourinho era o grande amigo Caetano (Furriel enfermeiro da companhia), o mesmo que me tirou uma matacanha do dedo grande do pé (com a sua faca do mato?) no Cumbijã (Guiné) de boas e más memórias.

Queria eu fugir das lembranças da guerra, mas nem aqui, no norte de Itália estava a salvo... nem do PREC pois que na altura o PCI (Partido Comunista Italiano) e a DC (Democracia Cristã) mediam forças taco a taco, com governos que não duravam 1 mês... E sempre carregados com um saco de notas, pois só para pagar uma fatia de melancia era um molhe de notas (vinte e cinco mil liras!)

Foram umas belíssimas férias: baratas, com muita adrenalina, poucos banhos e ... ???

___________

Notas do editor:

(*) 8 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23336: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVII: O "meu" regresso à Guiné (3): Os Bijagós que muitos de nós nunca vimos - II (e última) Parte

(**) Vd. poste de 8 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23245: Agenda cultural (811): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, 11 de junho de 2022, sábado, 11h00: Luís Graça apresenta o livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul"

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23354: Agenda cultural (815): Tabanca dos Melros, 11 de junho de 2022: apresentação do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul" (2021) - Parte II: Palavras de agradecimento do autor


Foto 1 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 > Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”, de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp) > Mesa > Da esquerda para a direita: Carvalho de Mampatá, Carlos Machado (ex-Furriel da Ccav. 8351), Joaquim Costa (o autor) e João Carlos Brito representante da Editora. Tudo gente bem disposta.


Foto 2 >  Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 > Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”, de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp) > Os Tigres do Cumbijã > Da esquerda para a direita: Gouveia, Mendes, Carvalho de Mampatá, Joaquim Costa, Portilho, José Soares e Melo. (O Machado já tinha abalado para o seu Monte Alentejano).


Foto 3 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 > Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”, de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp) >  Vista geral da sala (aproximadamente 70 pessoas)


Foto 4 >  Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 > Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”, de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp) >  Em primeiro plano os escritores,  Carvalho e Lomba, nas entradas no magnífico espaço, debaixo da ramada com as uvas já a picarem.


Foto 5 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 > Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”, de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp) >  As entradas: mesa farta... As senhoras  também gostam!!


Foto 6  >  Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 > Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”, de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp) > A almoço muito bem servido da responsabilidade do piloto, não strelado, Gil: Mesas dos Tigres.


Foto 7 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 > Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”, de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp) >  As mesas dos habituais Melros nos segundos sábados de cada mês e da família do autor.

Foto ( e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Palavras do autor, de agradecimento aos presentes:

Meus caros companheiros da mesa:

João Carlos, que reproduzo aqui o que lhe escrevi no livro que lhe ofereci: “o meu muito obrigado pelo excelente trabalho de “parteira” no nascimento deste meu “terceiro filho”

 Ao camarada e amigo, Carlos Machado (para mim será sempre o amigo Machadão), que comigo passou as passas do Algarve entre Cumbijã e Nhacobá, o meu muito obrigado. Fazer 700 Km para estar aqui presente junto do seu amigo, é obra!

Foi este homem que me pegou o vício do tabaco e o alimentou durante 2 anos.

O amigo Carvalho das Medas vs Carvalho de Mampatá – Pisamos as mesmas picadas minadas na Guiné, com certeza várias vezes  bebemos juntos cerveja fresca no seu pacato e simpático destacamento de Mampatá, debaixo do imponente mangeiro, mas só aqui nos conhecemos.

O grande ausente, mas sempre presente: Camarada e grande amigo Dr. Luís Graça que por razões de saúde não pode estar presente delegando no amigo Carvalho a leitura da apresentação do livro.

Meus caros camaradas ex-combatentes e meus amigos aqui presentes . Obrigado por terem vindo.

Permitam que as minhas primeiras palavras sejam dirigidas aos meus camaradas Tigres do Cumbijã que me honraram com a sua presença:

Para além do Carlos Machado, ao nosso enfermeiro Portilho e à sua  simpática esposa (que vieram de metro), ao Mendes e a sua inseparável esposa (que vieram da Serra da Estrela), ao José Soares (que tal como o Portilho veio de metro= e ao Cripto da companhia o camarada Melo e a sua, também solidária, esposa que presenteou a minha esposa com duas caixinhas dos ovos moles da lindíssima Veneza portuguesa e que já várias vezes regressou à Guiné em missões solidárias, ao amigo Gouveia, para mim será sempre o Alcaide de Almeida, pela viagem solitária de Almeida a Gondomar, para estar com o seu amigo.

Aos amigos, de outras guerras, que vieram de Lisboa, Aveiro, Castelo Branco, Monção, Guimarães, Barcelos, Vila do Conde, Famalicão, de Gaia, Matosinhos e imaginem! até de Gondomar!!!

Aos amigos e amigas, que me aturaram ao longo de vários anos na Escola Secundária de Gondomar e depois Agrupamento de Escolas n.º 1 de Gondomar, aqui presentes e muitos que não puderam vir mas me telefonaram e enviaram mensagens, “ternurentas”.

Aos amigos da Bola das Terças e Sextas, que também me honraram com a sua presença, capitaneados pelo “dono da bola”, o Sr. Paulo… Enfim… muitas guerras, umas boas outras nem tanto (sim também há guerras boas!!!)

Que mais posso eu desejar: rodeado dos netos: O João (o Joanito), o Artur (o Arturito) e a princesa Martinha); dos filhos (Tiago e Ricardo);  das noras (Joana e Sara), da minha irmã Noémia e dos amigos. Só por isto valeu a pena ter escrito estas minhas memórias. Como muitas vezes diz a minha mulher: “Os Amigos são Flores que florescem no Jardim da Vida”. Estou a ficar um pouco lamechas, não estou?

Quarenta anos de ensino, 7 escolas, múltiplas funções e tarefas, mas foram os 3 anos de tropa, dois dos quais na Guiné, que foi objeto das minhas (primeiras!) memórias.

Compreendo que para muitos de vocês aqui presentes, que viveram comigo momentos de grande cumplicidade e de felicidade no ensino não entendem esta opção. Só estas cabeças grisalhas dos camaradas ex-combatentes me compreenderão.

Todos os anos esta gente se reúne num agradável convívio,  contando pela enésima vez as mesmas histórias passadas na Guiné, que odiamos e hoje muito amamos, mas  sempre com o entusiasmo como se fosse a primeira vez. Depois de lerem o livro, compreenderão, espero eu, o que acabo de dizer.

 Os meus últimos agradecimentos:

Ao Gil, o verdadeiro “Dono disto tudo”, que voou muitas vezes por cima das nossas cabeças, em momentos de aflição, pilotando o seu caça bombardeiro T6, já peça de museu na altura, disponibilizando o espaço da sua Quinta (Choupal dos Melros) e ter servido umas excelentes entradas e um belo almoço.

Ao Régulo da Tabanca dos Melros, o amigo Carlos Silva, que também já publicou um livro sobre a sua guerra na Guiné, que adorei ler, pela a ajuda na organização desta apresentação

Ao amigo Luís Costa, autor da capa do livro, sempre disponível para dar cor e qualidade estética às minhas ideias, por vezes estapafúrdias.

Por fim, aproveitem para passar no nosso pequeno museu, sobre a guerra colonial, construído com a ajuda dos muitos ex-combatentes que regularmente aqui se reúnem, já com o modesto contributo do meu livro, entregue na pessoa do Régulo da Tabanca.

Mas hoje não é dia para discurso, hoje é dia para desfrutar os amigos      

Obrigado a todos   

Joaquim Costa
_________

Nota do editor:

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23345: Humor de caserna (55): O anedotário da Spinolândia: no Cumbijã ouvi o nosso general a utilizar mais do que uma vez "a palavra que imortalizou Cambronne", para recriminar um oficial superior (Vasco da Gama, ex-cap mil cav, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > Da direita: para a esquerda, o cap mil  cav Vasco da Gama, o general Spínola, o cap inf José Malheiro,  da CCaç 3399, de Aldeia Formosa, e o  comandante do BCaç 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73). Spínola visitiu três vezes a CCAV 8351 (em Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá). 

Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2009). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É uma boa história, um bom naco de humor de caserna, que nos ajuda a compreender melhor  a personalidade e a conduta do gen Spínola enquanto foi comandante-chefe e governador geral da Guiné, entre meados de 1968 e meados de 1973.

Foi contada aqui há mais de 13 anos pelo comandante dos Tigres do Cumbijã, cap mil cav  Vasco da Gama, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), os bravo de Nhacobá. 


Visita do General Spínola a Cumbijã em 14 de abril de 1973

por Vasco da Gama


Vasco da Gama
(...) Terminei o último capítulo da história da minha Companhia com o relato de um ataque ao arame no dia 9 de Abril de 1973, a um arremedo de aquartelamento que era o Cumbijã: duas fiadas de arame farpado, quinze ou vinte tendas de campanha, valas para protecção de eventuais ataques e uma cozinha de campanha. (...)

No dia 14 de Abril de 1973, mais uma vez recebemos a visita do General Spínola.

Parei este texto neste parágrafo, vai para mais de quinze dias. Problemas da vida pessoal, mas fundamentalmente o medo de não saber expressar, ou fazê-lo de forma menos correcta, os sentimentos acerca do General Spínola, homem controverso que suscitou, e pelos vistos continua a suscitar, sentimentos de amor e desamor, tão depressa acusado como louvado, que na guerra tentava encontrar soluções ou pela via diplomática junto de Senghor, ou invadindo países vizinhos, como aconteceu com a Operação Mar Verde, autor de "Portugal e o Futuro" (mais vale tarde que nunca), abandonando o Guileje ou pelo menos não lhe dando hipóteses de uma defesa racional, recusando o convite de Marcello Caetano para ministro do Ultramar em finais de 1973, recusando-se também e juntamente com o General Costa Gomes a fazer parte da Brigada do Reumático que foi prestar vassalagem a Caetano. 

Este homem, que foi também o primeiro Presidente da República,  após o dia da libertação – 25 de Abril de 1974  , este homem heterodoxo, será no decurso da história que vou escrevinhando acerca da minha Companhia, analisado apenas e só através de um discurso substantivo que se limitará a descrever a vivência que os Tigres do Cumbijã com ele tiveram.

No dia 14 de Abril de 1973 recebemos então a visita do General Spínola. Recordo-me da primeira pergunta que me fez:

−É do quadro ou miliciano?

Recordo-me da resposta imediata e eventualmente atrevida que lhe dei:

− Neste buraco?… Sou miliciano.

Vi nele o esboço de um sorriso, seguido de nova questão:

− Falta-lhe alguma coisa?

− Tudo |

− Tudo, o quê?

Seria fastidioso continuar esta conversa em discurso directo, pelo que os meus camaradas e amigos que são conhecedores das condições desumanas em que vivíamos, facilmente adivinharão o que durante alguns minutos lhe fui solicitando: 
  • cimento para construirmos casernas;
  • chapas de bidão cortadas;
  • apoio da Engenharia para que as coisas andassem mais rapidamente;
  • arcas frigoríficas a petróleo, pois não tínhamos direito a uma cerveja fresca;
  • um gerador;
  • e obuses, já que o apoio da artilharia quando éramos atacados nos era dado ou por Mampatá ou Aldeia Formosa, não tenho a certeza. 

A sua resposta ficou célebre entre os Tigres:

− Terá tudo isso na próxima LDG. Os obuses já estão tratados, o resto, repito, chega a Buba na próxima LDG, incluindo as arcas frigoríficas, nem que tenha de as ir buscar à messe dos oficiais de Bissau.

A parte final da frase obviamente era escusada, mas não imaginam a alegria que todos os soldados, e não só, sentiram ao ouvi-la. 

O General Spínola era exímio neste tipo de tiradas e nunca o ouvi a recriminar nenhum soldado, mas vi-o zangado com um grande do quadro, utilizando por várias vezes no seu discurso a palavra que imortalizou Cambronne (***), apesar da minha presença. 

Visitar-nos-ia ainda em Nhacobá, mas aí não houve tempo para discursos.

Só quero acrescentar que na LDG seguinte o prometido chegou! (...)

[ Seleção / revisão e fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG]
___________

Notas do editor:


(***) Pierre Jacques Étienne Cambronne (1770 – 1842), francês, general de brigada do Primeiro Império, 1º Visconde de Cambrone, ficou célebre pelas palavras que terá  proferido na batalha de Waterloo, em 1815, à frente dos granadeiros da Velha Guarda de Napoleão.  Em inferioridade numérica,  cercado pelas pelas tropas do general inglês Charles Colville,  quando instado a render-se, com honra, ficou na história com a sua réplica: "La Garde meurt et ne se rend pas!" (A Guarda morre e não se rende!)... E terá acrescentado:  "Merde!", um típico vocábulo vernáculo dos gauleses... 

A expressão "a palavra que imortalizou Cambronne" (neste caso, "merde")  é um eufemismo, um figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáveis ou as palavars grosseiras por meio de expressões ou palavaras  mais suaves...

domingo, 12 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23344: Agenda cultural (814): Tabanca dos Melros, 11 de junho de 2022: apresentação do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul" (2021) - Parte I: Intervenção de Luís Graça, representado pelo escritor António Carvalho, ex-fur mil enf, CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74)


Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 >  
Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”,  de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp). Teve uma assistência na casa das 7 dezenas de pessoas. Da esquerda para a direita, na mesa (*), 

(i) António Carvalho (ex-fur mil enf, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá", Mampatá, (1972/74), escritor, autor de "Um caminho de Quatro Passos", Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora,2021, 218 pp.,  vive em Medas, Gondomar; representou o nosso editor Luís Graça, de quem leu um texto de apresentação do livro do Joaquim Costa; 

(ii) Carlos Machado, engenheiro técnico, a viver em Lisboa, e ex-furriel dos Tigres do Cumbijã, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74);

(iii) Joaquim Costa, o autor do livro;

(iv) João Carlos Brito, professor, bibliotecário e escritor, em representação da Editora: Lugar da Palavra. com sede em Rio Tinto, Gondomar.

Foto ( e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Os Tigres do Cumbijã 
e os trabalhos de Sísifo

por Luís Graça


Começo por saudar o nosso novo escritor, o talentoso Joaquim Costa, que nos honra a todos, antigos combatentes da Guiné, e em especial a Tabanca Grande, a que ele pertence, com mais 861 camaradas e amigos da Guiné, entre vivos e mortos. E saúdo naturalmente a Tabanca dos Melros que, generosamente, abriu as suas portas para este evento, na pessoa de um dos seus régulos, e nosso anfitrião, o Gil Moutinho.

Uma saudação muito especial para a família do Joaquim, de que ele muito se orgulha (os filhos Ricardo e Tiago, a “minha maior obra”, como ele diz, bem como a sua heroína Isabel e os seus netos).

Um alfabravo (ABraço) para os Tigres do Cumbijã, alguns aqui presentes, a sua “família da guerra”, os seus irmãos de “sangue, suor e lágrimas”, que vieram com o corpo e a alma tatuados com topónimos guineenses que levarão para a cova: Cumbijã, Nhacobá, Colibuía, Aldeia Formosa (hoje Quebo), Buba, Mampatá… 

 Ele é capaz ainda hoje de se lembrar de boa parte dos seus nomes ou alcunhas… Destaque para o Carlos Machado, que veio propositadamente de Lisboa, e que tem algumas divertidas e elogiosas referências no livro, não só pelos preciosos mapas, que levava consigo no mato, para eventuais pedidos de apoio de artilharia (do 2º Pel Art, que tinha 3 obuses 10,5 em Cumbijã), como pelo seu famoso bigode que era um autêntico sensor, capaz de farejar e detetar à distância a presença de inimigos nas redondezas.

Um abraço para todos os presentes nesta sessão, homens e mulheres de boa vontade, que aqui comparecem, e que tomam as necessárias precauções, não baixando a guarda face à maldita Covid que não desarma e continua por aí a fazer estragos.

Um Oscarbravo (OBrigado) ao António Carvalho, outro dos nossos escritores, vizinho do Joaquim, de Mampatá, que aceitou a ingrata mas solidária tarefa de me dar voz, nessa sessão, e de me representar nesta mesa: ainda com um mês de pós-operatório (fiz uma artroplastia total do joelho), e ainda a andar a quatro patas, ser-me-ia muito penoso fazer mais de 600 quilómetros, num só dia, para poder estar nesta festa. 

Recordo que no passado dia 11 de setembro de 2021 tive a honra de estar presente, na Tabanca dos Melros, entre os convidados que apresentaram o livro de memórias do António, “Um caminho de quatro passos”. Amor com amor se paga…

Mas também é com muita pena que não posso estar desta vez, para mais em dia de festa… E começo por recordar e agradecer as palavras calorosas que o Joaquim escreveu na dedicatória autografada no exemplar do livro que me mandou para casa. Cito-o textualmente:

“Para o ‘Pai’ putativo do meu (nosso) livro de memórias de guerra, amigo recente mas já sentado na primeira fila das pessoas que mais prezo. O meu obrigado pelo contributo decisivo no nascimento do meu terceiro ‘filho’, bem como da ‘nota final’. Joaquim Costa, s/d.”

Joaquim: faço aqui uma “declaração de interesses”, não vá qualquer sombra de dúvida ficar a pairar sob o céu da Tabanca dos Melros: a paternidade e a maternidade deste teu “terceiro filho” são todas tuas… Se quiseres ser generoso comigo, aceito ficar na fotografia como uma das várias parteiras-aparadeiras que te ajudaram a ter um parto eutócico, normalíssimo, feliz, não obstante as contrariedades da pandemia de Covid-19.

O livro saiu em dezembro de 2021, sob a chancela da editora Lugar da Palavra, aqui de Rio Tinto, tem 179 páginas, 30 capítulos, e é ilustrado com cerca de nove dezenas de fotos. Felicito o editor, ou representante da editora, João Carlos Brito, aqui presente também. 

E o preço de capa, meus amigos e camaradas, são dois maços de cigarros. A vantagem é que o livro faz bem à alma e os cigarros fazem mal à saúde. A mortalidade atribuível ao tabaco, num só ano, é superior à mortalidade por todas as causas (combate, acidente e doença) devida à guerra colonial, nos longos 13 anos em que decorreu (10 mil mortos, nos vários teatros de operações).

Em boa hora, e ainda em plena pandemia de Covid-19, o Joaquim começou a pré-publicar alguns excertos (mais de 2 dezenas) do livro que deu à estampa no fim do ano de 2021. Demos um título à série, “Paz & Guerra: Memórias de um Tigre do Cumbijã”… Publicaram-se até à data 27 postes, desde 2 de fevereiro de 2022. (**)

A série publicada no blogue e a versão final, agora dada à estampa sob o título definitivo, não são exatamente iguais. Todos ficámos a ganhar, a começar pelo autor, que, ao expor-se à crítica dos leitores, muitos deles antigos combatentes, receberia em troca cerca de duas centenas de comentários “a quente”.

E mais: teve mais de 3700 visualizações diretas, isto é, leitores, que propositadamente carregaram num ou mais mais links dos postes da série… O que quer dizer que o seu livro já foi lido, “on line”, por algumas centenas de pessoas…

Interessante este “making of” do livro… O que seguramente ajudou a melhorar a sua versão final.

Cabe-me enquanto fundador e editor do nosso blogue, saudar e engradecer este livro de memórias que vem enriquecer o património literário e documental da Tabanca Grande, que é uma tertúlia virtual centrada na experiência de uma guerra, a guerra colonial (1961/74), e em particular a da Guiné, sendo porventura a maior tertúlia do género, em português, quer pelo número de visualizações do blogue (cerca de 13,5 milhões, desde 2004, fora a página do Facebook) quer pelo número dos seus membros registados (= 862) quer ainda pelo volume de memórias partilhadas (mais de 23300 postes). Memórias mas também afetos. E este livro do Joaquim é sobretudo um livro de afetos.

O Joaquim Costa é mais um talento literário que o nosso blogue veio revelar, com a particularidade de, sendo um bom minhoto,  natural de Vila Nova de Famalicão, a terra adotiva do autor de “A Brasileira de Prazins”, a sua prosa ter também belos nacos do português camiliano, a começar pela ironia, o pícaro, o humor e até o sarcasmo, tão bem patentes na reconstituição de algumas das suas memórias de infância e na evocação da sua família, bem como na descrição de cenas da vida castrense (a tropa e depois a guerra), cenas por que passámos muitos de nós, antigos combatentes aqui presentes, e que vivemos tão intensamente, das Caldas da Rainha até Bissau.

Perpassa pelo livro um subtil mas corrosivo humor de caserna que funcionou, na Guiné, durante a guerra colonial, em todo o lado, e sobretudo nos piores momentos... Ajudou muitos de nós a sobreviver ao Suplício de Sísifo que foi aquela estúpida, penosa, absurda e inútil guerra que nos obrigaram a manter, durante anos, sem solução, militar e sobretudo política, à vista… Até que se chega à tarde do dia 26 de Abril de 1974… 

Os rumores de um golpe de Estado em Lisboa, já transmitidos pela “Maria Turra” (a voz mais famosa, e quase familiar, da Rádio Libertação, do PAIGC, que emitia a partir de Conacri), são confirmados por um camarada. Escreveu o Joaquim:

“ (…) Na tarde do dia 26, vinha eu com a minha cerveja e o meu Norte Desportivo na mão, quando o Martins se vira para mim e me diz, de forma perentória: Costa!, há mesmo ‘merda’ em Lisboa” (…) (pág. 154 )….

Com tanta excitação, o autor só se viria a lembrar do seu 24º aniversário (que foi a 27 de abril de 1974), uns dias depois, já nos princípios de maio…

O aquartelamento do Cumbijã (antiga tabanca abandonada nos primórdios da guerra), como muitos outros pela Guiné fora, do Cachil à Ponta do Inglês, de Gandembel a Mansambo, foi construído, a pá e a pica, a enxada e a motosserra, sem ajuda de máquinas e homens da Engenharia Militar… num esforço hercúleo, sobre-humano, um verdadeira epopeia que noutro país qualquer daria uma fabuloso filme...

Não é gratuito evocar-se aqui os trabalhos de Sísifo. Recorde-se que, segundo a mitologia grega, os deuses condenaram Sísifo a fazer rolar uma grande pedra de mármore, com suas próprias mãos,  até ao alto de uma montanha.... Uma vez alcançado o cume, a pedra rolava novamente pela encosta abaixo até ao ponto de partida, movida por uma misteriosa força irresistível. Tratava-se de uma condenação até à... eternidade!...

Por essa razão se diz que todas as tarefas que envolvem esforços gratuitos, inúteis e absurdos são trabalhos de Sísifo... A estrada (asfaltada) de Mampatá a Nhacobá, e que vinha de Buba e devia chegar a Mejo, fundamental para neutralizar a “corredor da morte” ou “corredor de Guileje” (também chamado, pelo outro lado, “caminho do povo”, “caminho da liberdade”) não chegou a ser concluída, com o fim da guerra… Foi um verdadeiro trabalho de Sísifo, tal com a ocupação de Cumbijã, Colibuía e Nhacobá….

O Joaquim escreveu um livro com uma parte da sua história de vida, dos seus verdes anos, história que é também a de muitos de nós, e fez questão dedicá-lo aos que o amam e o estimam. A sua narrativa tem momentos portentosos sobre a epopeia de Cumbijã e de Nhacobá, os seus bravos e as suas vítimas, os seus momentos mais dramáticos e trágicos.

Um dia, quando fizermos uma antologia dos nossos melhores textos, o seu testemunho, na 1ª pessoa, sobre a Op Balanço Final, a conquista e a ocupação de Nhacobá (17-23 maio 1973), por exemplo, terá que lá figurar, com toda a justiça.

A historiografia militar, a começar pelos livros da CECA – Comissão para o Estudo das Campanhas de África, pode, em meia dúzia de linhas secas, telegráficas, resumir aquela “guerra de baixa intensidade”, num contexto, altamente desfavorável a Portugal e às nossas forças armadas, contexto diplomático e geopolítico marcado pela guerra fria e o fim dos impérios, mas também pela crise económica de 1973 e a crescente contestação do Estado Novo, com o fim expectável do marcelismo. Não foi, em todo o uma guerra para “meninos de coro”, como todas as guerras...

Faltará sempre, à escrita do historiador, o nosso "sangue, suor e lágrimas", que no nosso tempo, na Guiné, não foi uma figura de retórica. E é bom que os nossos filhos e netos saibam, por fim, que ali não fizemos só a guerra mas também a paz. E que nenhum de nós escapou ao terrível dilema de matar ou morrer, incluindo os problemas de consciência que a violência armada impõe a qualquer ser humano.

Também, este livro tem belos apontamentos de grande lirismo em que o autor consegue abstrair-se da guerra e dos seus horrores ( as minas, as emboscadas, as flagelações, os ataques, o sofrimento físico e psíquico…), e ver beleza naquela terra e naquela gente, a começar pelas as lavadeiras (obrigatório ler e reler o cap. 11, “as nossas lavadeiras… e o furriel Pequenina, pp. 75 e seguintes).

Sem poder esquecer as intermináveis noites em que ficou emboscado na frente dos trabalhos de construção da estrada para Nhacobá, o Joaquim soube tirar algum prazer e encantamento da fruição da natureza. Vou citá-lo (vd. pág. 83):

  • “as noites escuras com o fresco do cacimbo limpando o suor dos 40º do dia, deixando-nos inebriar pelos sons da floresta húmida, ouvido os macacos ao longe e o ‘piar’ de uma ou outra ave;
  • “as noites de trovoada contínua, que nem nas festa da Sra. da Agonia, fazendo-se dia com as descargas elétricas violentas, de uma beleza indescritível;
  • “as noites de luar, lindas e quase românticas…, sublimando os pensamentos nas nossas namoradas ou madrinhas de guerra;
  • “as noites das primeiras chuvas que nos limpavam o corpo e a alma com o agradável cheiro a terra africana”…

Apesar de se sentirem permanentemente vigiados pelo inimigo, aos “Tigres do Cumbijã” ninguém lhes podia roubar aquele momento inefável da manhã: “ de manhãzinha, com banho tomado e roupa lavada e já seca, não disfarçávamos a alegria, ao vermos chegar a coluna com os dois grupos de combate que nos vinham substituir” (pág. 83).

Estamos gratos ao Joaquim por dar voz a muitos combatentes, não só do nosso lado, mas até do outro lado, que nunca tiveram nem terão oportunidade de escrever, e muito menos de publicar, sob chancela editorial, as suas “vivências” e “memórias doridas” (e algumas até boas) daquela guerra e daquela terra (que, estranhamente, acabou por ficar no nosso coração, contagiando até os nossos filhos, o Tiago Costa, o João Graça, e tantos outros).

E o problema é que muitas memórias vão morrer connosco...E por cada um de nós que morre, é um livro que não se escreveu…

Não quero acabar esta nota de apresentação sem referir os sucessivos “murros no estômago” que, metaforicamente falando, o autor evoca no seu livro, a começar pelo inevitável batismo de fogo, as primeiras minas e emboscadas, o primeiro morto...

Na realidade, aqueles de nós (e fomos muitos) que passámos por essa dura, trágica, traumática experiência, sabe dar valor às palavras do Joaquim onde há raiva e impotência mas também coragem e dignidade, quando ele fala do primeiro camarada que morre ao seu lado.

O batismo de fogo era sempre uma situação-limite... E cedo aprendíamos que um homem não pode uma guerra sem odiar ...Depois, era como tudo: a guerra (e a morte) banalizava-se, tornava-se uma certa rotina... Mas os "embrulhanços" eram sempre temidos, de um lado e do outro... As balas e os estilhaços das granada ou o sopro das minas (antipessoais e anticarro) não tinham código postal... Era a roleta russa...

Diga-se, por fim, que não é um livro panfletário. Mas, mesmo sem querer fazer juízos de valor sobre a legitimidade, a condução e o desfecho daquela guerra, o autor acaba por nos mostrar, com fino mas cáustico humor, que às vezes acontecia sentirmo-nos como um bando de cegos, comandados por outros cegos, à beira de um precipício.

Felizmente o Joaquim voltou, “são e salvo”, para escrever este livro, o seu “terceiro filho”, e dar mais valor e força à liberdade, à justiça, à paz e à solidariedade.

Joaquim, hoje é um dia importante na tua vida. E seguramente tens motivos de orgulho ao apresentar, oficialmente, na Tabanca dos Melros, o teu livro (que, diga-se de passagem merece uma segunda edição, revista, aumentada e melhorada).

Luís Graça, sociólogo, editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. (**)
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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 4 de junho de 2022> Guiné 61/74 - P23325: Agenda cultural (813): Afroencontro: fusão euroafricana de sonoridades... Camones CineBar, Bairro da Graça, Lisboa, sábado, 4 de junho, 21h00: Mamadu Baio, Avito Nanque, Sanassi de Gongoma e João Graça