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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16758: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (1): Amílcar Cabral e os desertores portugueses: os casos dos 1ºs cabos Armando Correia Ribeiro e José Augusto Teixeira Mourão


Guiné  > Região Óio > PAIGC > Base de Sará > c. 1966 > É muito provável que os indivíduos, brancos, sentados, e assinalados por elipse a vermelho, sejam os desertores portugueses José Augusto Teixeira Mourão e Armando Correia Ribeiro. Tinham "livre trânsito"  nas bases do PAIGC mas provocaram alguns dissabores a Amílcar Cabral, antes do posterior envio para Argel... Desconhece-se o fim desta história...
Foto do Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, com a devida vénia. (JA)

Citação:

(1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC, base no interior da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43576 (2016-11-20).





Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona. Damos início a uma nova série, da sua autoria, "(D)o outro lado do combate".


1. Introdução 

Na elaboração da anterior narrativa [P16721] (*), a terceira relacionada com a entrevista ao médico-cirurgião Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), foram incluídas referências a casos de deserção de militares das NT, nomeadamente o dr. Mário Moutinho de Pádua, considerado o primeiro oficial desertor da história da Guerra do Ultramar, ocorrida em Outubro de 1961, em Angola [Alf Mi Médico do BCAÇ 88].

Decorridos seis anos após essa sua tomada de decisão, o dr. Mário Pádua acabaria por integrar uma equipa de clínicos cubanos em missão de apoio ao PAIGC, primeiro no Hospital Militar, em Boké, na Guiné-Conacri, durante os meses de julho e agosto de 1967, fixando-se depois no Hospital de Ziguinchor, no Senegal.

Referiram-se, ainda, os casos de David Ferreira de Jesus Costa [David Costa], soldado da CART 1660 (1967/1968), aquartelada em Mansoa, que em 17 de maio de 1967 foi aprisionado na mata circunvolvente ao quartel por grupo de guerrilheiros, e o de Manuel Fragata Francisco [Manuel Fragata], soldado da CART 1690 (1967/1969), sediada em Geba, que ao ficar ferido em combate na “Op Invisível”, realizada em 19 de dezembro de 1967, na mata do Oio, não lhe permitiu retirar-se do local por ausência de mobilidade própria, sendo igualmente aprisionado. Em ambos os casos os militares portugueses foram levados para a base [Lar/Hospital] de Ziguinchor.

Por lapso, associei o nome de David Costa ao de Daniel Alves [militar identificado com "dupla deserção"] e que fora noticiada por Amílcar Cabral [1924-1973] em nota, por si manuscrita, enviada aos seus camaradas no início de janeiro de 1969 [P16722] (**).

Da pesquisa realizada para encontrar alguma referência acerca do caso do Daniel Alves, fugido de Dacar no final do ano de 1968, tendo por fonte privilegiada a «Casa Comum – Fundação Mário Soares», ela não produziu qualquer resultado. Porém, tive acesso a outros documentos relacionados com o tema “deserções”, pelo que decidi partilhá-los convosco, elaborando, por ordem cronológica de acontecimentos, mais esta pequena narrativa.


2. OS casos de Armando Correia Ribeiro, da CCAV 789, e de José Augusto Teixeira Mourão [, unidade desconhecida] 

A referência a estes dois militares metropolitanos que decidiram desertar de unidades do exército português em missão no CTIG foi encontrada em documento, sem data, manuscrito por Amílcar Cabral, em francês,  e que abaixo reproduzimos. Os nomes referidos são:

(i) Armando Correia Ribeiro, 1º cabo  ["caporal"], n.º mecanográfico 1919/64, da CCAV 789, com 24 anos de idade, natural de Coimbra, e chegado a Bissau a 28 de abril de 1965. [Repare-se na subtileza do apontamento de Amílcar Cabral: "séjour dans notre pays depuis le 28 avril 1965", ou seja, "permanência do nosso país desde o dia 28 de abril de 1965"];

(ii) José Augusto Teixeira Mourão, 1º cabo, n.º mecanográfico 3426/64, unidade militar desconhecida, com 23 anos de idade, natural do Porto, e chegado a Bissau a 6 de abril de 1965.



Citação:
(s.d.), "Informações relativas a dois militares do exército português", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41210 (2016-11-20)


Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07058.016.013
Título: Informações relativas a dois militares do exército português
Assunto: Informações relativas a dois militares do exército português: Armando Correia Ribeiro e José Augusto Teixeira Mourão.
Data: s.d.
Observações: Doc incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral 1961-1963
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos




Galhardete da CCAV 789

Uma vez que não existe no espólio do nosso blogue qualquer elemento historiográfico da CCAV 789, tendente a ajudar-nos a entender as razões ou as motivações que estiveram na origem da deserção do Armando Correia Ribeiro, avançámos para a elaboração do quadro de baixas em combate verificadas nesta unidade durante a sua comissão, com relevância para as respectivas datas
De referir que a CCAV 789, a terceira unidade operacional do BCAV 790, instalado em Bula, chegou a Bissau a 23 de abril de 1965 e o regresso à Metrópole verificou-se a 8 de fevereiro de 1967. As duas viagens foram realizadas a bordo do N/M Uíge. A CCAV 789 esteve aquartelada em Teixeira Pinto e Binar.

Quadro estatístico do autor - Fonte: http://ultramar.terraweb.biz/Convivios_Imagens/BCAV790/BCAv790_osmortos.pdf, (com a devida vénia).

Quanto ao caso do José Augusto Teixeira Mourão, desconhecem-se, igualmente, os antecedentes que o levaram a desertar do exército português, a que se adicionam todos os elementos relacionados com o seu currículo militar [a não ser que o nosso camarada e colaborador permanente do blogue, José Martins,  nos possa ajudar neste âmbito].

No entanto, a primeira referência de que há registo sobre José Augusto data de junho de 1966 e foi relatada pelo médico cubano Domingo Diaz Delgado no primeiro fragmento da sua entrevista [P16234] (***).
Recuperamos essa passagem: 

[…] Lilica Boal [...] levou-me a sua casa [em Dacar], aonde permaneci três ou quatro dias até que me dão a conhecer [junho de 1966] um desertor do exército português, de nome José Augusto [José Augusto Teixeira Mourão], e apresentam-me como admirador do Movimento e que queria participar na guerrilha contra o seu governo. A este ex-militar deram-lhe numerosos detalhes e dizem-lhe que sou cubano. 

Desde aquele momento não fiquei tranquilo e pedi que me mudassem de casa, pois não confiava naquele homem [, o José Augusto]. Mudam-me para outra moradia, onde fiquei mais um dia. […]

 O principal trabalho em Sará [base], durante esses meses [julho a dezembro de 1966], foi a extração de dentes. Tenho um caderno onde registei a quantidade de pessoas que tratei, incluindo o português desertor [José Augusto] que me apresentaram em Dacar, que depois se confirmou tratar-se de um agente da Inteligência portuguesa [PIDE]. Esse homem permaneceu preso no Norte da Guiné, convivendo connosco nesse acampamento. [...]

Creio que podemos validar, com elevada margem de segurança,
a hipótese de a imagem [, que encima este poste], ser referente à base de Sará, na região do Óio, e ao ano de 1966...

Observando-a com mais detalhe [, imagem à direita,] nela se vê um homem jovem , branco, [provavelmente um militar português] vestido “à civil”, com barba de duas semanas, calçando ténis... Ao seu lado é possível identificar a perna esquerda de um outro corpo, cuja situação deveria ser igual à sua.  Daí podermos considerá-los como sendo o José Augusto e o Armando Ribeiro, fazendo fé nas referências produzidas nos vários documentos a seguir identificados. 

Pelo nº mecanográfico, eram dois militares da incorporação de 1964, um com 24 anos o Armando) e outro com 23 (o José Augusto), na altura em que se entregaram ou foram capturados pelo PAIGC em 1967.  É bem possível que tenha havido, também aqui, razões do foro disciplinar para explicar a deserção. O José Augusto já estava, em Dakar,  com o PAIGC em agosto de  1966.


3. Reunião com os desertores portugueses em 31 de agosto de 1967: 

Por decisão de Amílcar Cabral foi realizada, na data em título, uma reunião com os dois desertores portugueses, onde foram abordados os seguintes pontos [resumo]:

– Desculpa-se de só agora os ter podido ouvir [, aos desertorres].

– Fala do significado da deserção. Refere os cuidados que nós [PAIGC] devemos ter também com os desertores. Referiu o caso de um desertor que levado até Dacar fugiu e hoje se encontra em Bissau [será o caso do David Costa ?]. 

Apesar da nossa boa vontade, dos nossos princípios de humanidade, do nosso bom coração, temos de estar vigilantes. Refere os casos de tentativa de fuga, de um deles lá dentro [?] e de outro, de fuga em Dacar, onde se juntou. Diz ainda que os Relatórios mostram contradições nas suas afirmações.

- Mourão (José Augusto) – Chegou a Dacar. Esteve três dias preso. Liberto, foi para o Lar [Ziguinchor?!]. Dois dias depois foi beber uma cerveja com um camarada nosso (Joaquim), numa taberna de um tal Lima (que é Pide). Este pediu-lhe para o ajudar no seu trabalho. Mais tarde conheceu um tal Germano Monteiro (Pide) que o levou à freira. Conversaram na embaixada e fizeram-lhe perguntas. As suas respostas eram comunicadas ao telefone ao embaixador da Suíça. Depois comunicam com a Lilica [Boal] que, segundo afirma, lhe disse que se quisesse ir para Lisboa esta lhe obteria os papéis [documentos oficiais].

- Amílcar – Esclarece que Lisboa começa mesmo em Dacar com qualquer Pide. Esta pode matar em sua casa o desertor, pode fazer desaparecer o corpo e enviá-lo para Lisboa. Pode também liquidá-lo mesmo na Embaixada ou obrigá-lo à força a sair para Lisboa.


- Lilica Boal  [, Maria da Luz Freira de Andrade, n. 1934, Tarrafal, Santiago, Cabo Verde]– esclarece que é falso o que diz e o que se passou foi o seguinte: afirmou-lhe que se quisesse ir para Lisboa o liquidariam.



Nota: O texto acima corresponde à transcrição da página 1, abaixo reproduzida.



- Fala Armando [Ribeiro] (desertor) – Conta que foi com dois camaradas nossos longe do Sará [base] para ir beber e que se embebedou. Voltou à base e começou a falar sozinho. Depois, porque estava a dizer coisas sem nexo, um camarada criticou-o pelo que disse. O José Augusto começou a provocá-lo e depois jogaram à pancada. 

Em consequência disso, aborrecido, saiu da base à noite e depois encontrou um grupo de guerrilheiros que o conduziu à base. Ia às vezes caçar, mesmo sozinho. Outra vez afastou-se para uma Tabanca, tendo depois sido acusado de tentativa de fuga.

- Pergunta de Fidelis (a José Augusto) – Porque mostrou a figura de Amílcar e de outros responsáveis do Partido a um desconhecido que estava numa taberna, cerca da C.R.P. [Casa de Reclusão do Partido?].

- José Augusto – Explicou a coisa.

- Amílcar – Diz que se tratará o problema da melhor maneira possível. Damos-vos comida, tratamo-los bem, damos-lhes dinheiro. Devem ter toda a confiança. Irão conversar com os camaradas Fidelis, Araújo, Vasco e talvez Armando [Ramos]. Diz que podem comunicar com a família.

- PRESENTES – Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, Fidelis Almada, Armando Ramos, Joseph Turpin, Nino Vieira e Lilica Boal.


Nota: O texto acima corresponde à transcrição da página 2, abaixo reproduzida.


Citação:
(1967), "Reunião com os desertores portugueses", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41297 (2016-11-20)



Instituição:  Fundação Mário Soares
Pasta: 07072.125.007
Título: Reunião com desertores portugueses
Assunto: Apontamentos da reunião com os desertores portugueses. Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, Fidelis Cabral de Almada, Armando Ramos, Joseph Turpin, Nino Vieira e Lilica Boal.
Data: Quinta, 31 de Agosto de 1967
Observações: Doc incluído no dossier intitulado Relatórios VI 1962-1971.
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos


2.2. Pedido de autorização ao Ministro das Forças Armadas da República da Guiné, com data de  5 de setembro de 1967, para envio dos dois desertores do exército português para Argel:

Cinco dias após a realização  desta reunião com os dois desertores portugueses – Armando Ribeiro e José Augusto Mourão – ,  Amílcar Cabral, procurando resolver o problema conforme prometera, solicita, em carta enviada ao Ministro das Forças Armadas da República da Guiné-Conacri [General Lansana Diané (1920-1985)], autorização para o envio daqueles militares para Argel.

Eis a sua transcrição na íntegra [, tradução nossa, do francês para português].

Conacri, 5 de Setembro de 1967

Senhor Ministro das Forças Armadas e do Serviço Cívico 

Conacri

Senhor Ministro e caro companheiro de luta.

Depois de termos desencadeado a nossa luta armada de libertação nacional, vários militares portugueses e africanos desertaram das fileiras das tropas coloniais para se juntarem às nossas forças, abandonando, assim, a guerra colonial. A maioria dos desertores portugueses, dos quais obtivemos o melhor acolhimento, juntaram-se com a nossa ajuda aos movimentos antifascistas de Portugal, após terem passado pela República da Guiné. Outros passaram através do Senegal.

Dois militares portugueses, 1º cabo, n.º 1919/64, Armando Correia Ribeiro, e  1ºcabo n.º 3426/64, José A. [Augusto] Teixeira Mourão, que desertaram das tropas coloniais no Norte do país, foram transferidos para o Sul, encontrando-se presentemente em Conacri. Sujeitos às medidas de segurança necessárias, estes desertores forneceram-nos uma série de informações que considerámos interessantes.

Como os anteriores, gostaríamos de os enviar para a Argélia para inclusão num dos movimentos antifascistas portugueses mais representativo, com o qual temos boas relações [, Frente Patriótica de Libertação Nacional].

É por isso que tenho a honra de lhe solicitar nos conceda, por favor, as autorizações necessárias às suas viagens para Argel.

Aceite, Senhor Ministro e caro companheiro de luta, a expressão dos nossos sentimentos de elevada e fraternal consideração.

P’ Bureau Político do P.A.I.G.C.

Amílcar Cabral
Secretário-Geral

 
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Citação:
(1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35016 (2016-11-16)


Instituição:  Fundação Mário Soares
Pasta: 04606.045.134
Assunto: Solicita autorização junto das autoridades de Conakry para enviar dois desertores do exército português para Argel.
Remetente: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC.
Destinatário: Ministro das Forças Armadas e do Serviço Cívico, Conakry
Data: Terça, 5 de Setembro de 1967
Observações: Doc incluído no dossier intitulado Cartas e textos dactilografados enviados por Amílcar Cabral 1960-1967
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência

Para além do escrutínio aos documentos supra, nada mais relevante foi encontrado, pelo que continuará incógnito o que terá acontecido, a partir de 5 de setembro de 1967, na vida de cada um dos nossos dois camaradas, a não ser que, entretanto, surjam novos desenvolvimentos.

Vamos acreditar que tal possa acontecer.  Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
21nov2016.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de novembro de 2016~> Guiné 63/74 - P16721: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [III]: o encontro, em Boké,com o médico português Mário Pádua (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 15 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16722: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (22): Quem terá sido o Daniel Alves, "duplamente desertor" ? Primeiro, fugiu das nossas fileiras, possivelmente em 1967, e depois das fileiras do PAIGC... Amilcar Cabral, traído e preocupado, escreveu: "O Daniel Alves conseguiu enganar a malta (sic) e fugiu em Dacar. É um facto banal numa luta (deserção ou traição), mas pode complicar-nos muito a vida em relação aos amigos"....

(***) Vd. poste de 24 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16234: Notas de leitura (852): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte II: a vida dura nas base de
Sara, na região do Oio (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)