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sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23655: Os bu...rakos onde vivemos (15): O destacamento da Ponta do Inglês que tinha um gerador que nunca funcionou e onde havia um poço a 700 metros do arame farpado, que servia três clientes: as NT, o IN e a população sob o seu controlo (e que, por isso, nunca foi envenenado) (António Vaz, 1936-2015, ex-cap mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)



Guiné > Região de Bafatá > Xime > Ponta do Inglês > O destacamento da Ponta do Inglês, um dos muitos "bu...rakos" onde viveu gente nossa, neste caso de dezembro de 1964 e outubro de 1968. Ilustrações de Vera Vaz (2012).


1. Houve muitos sítios "desgraçados" onde vivemos, ao longo da guerra da Guiné... Temos uma série a que chamámos "Os bu...rakos em que vivemos"... Publicaram-se 14 postes, em março e agosto de 2009. 

Pela amostra (*), vê-se que estamos longe de ter um painel representativo dos nossos aposentos "bunker...izados", sítios onde nem sequer havia geradores nem muito menos "climatizadores de pesadelos"... Muitos outros postes dos já 23 mil e tal que já publicámos, podiam caber nesta série...

Às vezes redescobrimos alguns e achamos que vale a pena "refrescá-los" e pô-los nesta série... Por uma razão ou outra. É o caso do poste P10009 (**), primorisamente escrito pelo nosso saudoso António Vaz (1936-2015) (***) e ilustrado pela sua filha (salvo erro) Vera Vaz. Eze topónimo, "Ponta do Inglês", tem mais de quatro dezenas de referências no nosso blogue.


O destacamento da Ponta do Inglês

por António Vaz (1936-2015) 
(ex-cap mil, CART 1746. Bissorã e Xime, 1967/69)

− Não tenho a certeza de ter aterrado no sítio certo… − disse, ao aterrar  [no seu heli] o brigadeiro Spínola. 

−  Saiba V. Exa. que está na Ponta do Inglês − respondeu o alf mil João Mata, da CART 1746,  que usava na ocasião calções, barba, tronco nu e uma extraordinária boina de cor verde alface com uma estrela de metal.

[É com este saboroso diálogo, entre o novo "homem grande de Bissau" e um oficial miliciano já completamente "apanhado do clima", que poderei  contar a história ou o resto da história do destacamento da Ponta do Inglês.]  A Cart 1746 saiu de Bissorã a 7 de janeiro de 1968,  seguindo de Bissau para o Xime via Bambadinca,  a bordo da barcaça Bor. Um grupo de combate seguiu directamente para a Ponta do Inglês onde rendeu o pessoal da CCAÇ 1550.

Este pelotão da Cart 1746 era comandado pelo alf mil Gilberto Madail [mais tarde, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, entre outros cargos], e que lá permaneceu [naquele bu...rako,] cerca de 4 meses, sendo substituído por outro, comandado pelo alf Mil João Guerra da Mata que lá esteve até outubro [de 19681], data em que este destacamento foi abandonado,[por ordem de Spínola] .

A Ponta do Inglês foi ocupada e os abrigos construídos em dezembro de 1964 na Op Farol pela CCAÇ 508,  comandada pelo malogrado capitão Torres de Meireles, morto em combate na Ponta Varela.

Não controlavam nada na foz do Corubal e nada podiam fazer em conjunto com o pessoal do Xime para manter aberto o itinerário Ponta do Inglês / Xime porque a Companhia do Xime ocupava também Samba Silate, Taibatá, Demba Taco e Galomaro. Assim o seu isolamento era, foi, praticamente total.

Os géneros só a Marinha os podia levar e o mesmo se pode dizer das munições, correio, tabaco, combustível, etc.

A chegada dos abastecimentos era motivo de alegria geral como se pode ver nas imagens que junto.

Por muito que o pessoal controlasse os gastos, a falta de quase tudo fazia-se sentir. Bem podia o Comando da Companhia pedir insistentemente pela vias normais a satisfação dos pedidos que não conseguíamos nada. Cheguei a tentar meter uma cunha directamente na Marinha, mas as prioridades eram outras. Como alguns géneros recebidos da Companhia que lá tínhamos rendido, estavam deteriorados, a situação ainda foi pior. Esta situação originou, a pedido do alf Madail, o Fado da Fome, que o Manuel Moreira ilustrou nas quadras populares da sua autoria.

O destacamento da Ponta do Inglês era a pequena distância da margem do Rio Corubal e tinha a forma quadrangular. A guarnição era formada por 1 Gr Comb + 1 Esq Pel Mort 1192 e pelo Pel Mil 105.

O destacamento era formado por 4 abrigos principais nos vértices para o pessoal, para a mecânica e rádio. O combustível e as munições ficavam na parte mais perto do rio Corubal; na parte central sob uma árvore frondosa (poilão?) um abrigo mais pequeno onde ficava o alferes, o enfermeiro e, logo ao lado, o forno do pão e uma cozinha, tudo muito rudimentar. Tinha o espaldão do morteiro na parte central. Não tinha, ao contrário do Xime, paliçada e apenas duas fiadas de arame farpado.

Os abrigos eram de troncos de palmeira com as indispensáveis chapas de bidão, terra e não eram enterrados. Uma saída na direcção do rio e outra no lado oposto para as idas à água e à lenha. No destacamento havia um Unimog para estas tarefas.

A água era tirada a balde de um poço existente a cerca de 700 metros do arame farpado que também era utilizado pela população, totalmente controlada pelo IN, e pelo próprio IN, sem nunca este ter aproveitado as nossas idas à água e à lenha para nos incomodar e vice-versa

Diz o Manuel  Moreira  [1945-2014]

O poço era um só,
Estava longe do abrigo,
Dava a água para nós
E também p’ro inimigo.

As noites eram passadas como se calcula, com as sentinelas nos quatro cantos do quadrado e a malta a ver e a ouvir os rebentamentos que vinham da direcção de Jabadá, de Tite, Porto Gole e do Xime, claro. Pode ser sinistro mas não é difícil pensar que muitos diriam.
Este destacamento teve sempre uma triste sina porque não tinha meios senão para... "estar". A dispersão de meios que encontramos no 
[sector] L1 a isso conduzia. Nunca serviu de nada a não ser castigar, sem culpa formada, as guarnições que para lá eram enviadas.

− Antes eles do que nós.

Como de costume, depois das tarefas de rotina, quando o calor era menos intenso seguia-se o eterno futebol com bolas dadas pelo MNF, de péssima qualidade, substituídas pelas tradicionais trapeiras. Num dos reabastecimentos que se fizeram, conseguimos levar para, além de gado mais miúdo, algumas vacas, que como sabemos, na Guiné são de pequeno porte. Como o futebol também farta, houve alguém que sugeriu tourear uma das vacas que ainda estava viva para tardios bifes.

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A vaca tísica... Ilustração de Vera Vaz (2012)

Foi uma festa com as peripécias inerentes à Festa Brava e todos os dias “a las cinco en punto de la tarde” soltava-se a vaca e era um corrupio de faenas com cornadas… incompetentes. O tempo foi passando e já só restava um dos pobres animais para animar os fins da tarde.

Como o reabastecimento nunca mais chegava e o atum com arroz já não se podia ver e muito menos comer, o alf Mata teve de decidir entre o partido pró-tourada e o partido pró-bife. Não foi fácil, mas acabou por vencer este último. Convocou-se o soldado condutor J. Viveiro Cabeceiras que também era padeiro, magarefe e pau para toda a obra, que procedeu à matança. Começando a esquartejar a rês, vai ter com o alferes e informa-o que a vaca estava tísica, pulmões quase desfeitos.

− Come-se a vaca... ou não se come a vaca?

Nova discussão e resolveu-se não aproveitar as vísceras e apenas o músculo. Assim se comeu carne assada sem problema de maior. Quando esta acabou voltou-se ao atum aos enlatados, tudo coisas que já escasseavam mas o pessoal andava triste com a falta dos fins de tarde taurinos. Então o Cabeceiras foi ter com o Alferes e disse-lhe:

− Meu alferes, a malta anda tão triste que se quiser e autorizar eu faço de vaca pois guardei os... cornos.

E assim de conseguiram mais uns fins de tarde…

Nunca percebi por que razão se fez o destacamento, afastado do único poço com água potável... Uma proposta de sã convivência? O caso é que resultou.

O que se passou nos tempos infindáveis em que o gerador esteve avariado, assunto já abordado neste Blogue, por quem o foi substituir, depois de aturados pedidos a Bissau sem que se resolvesse em tempo útil, é inenarrável. : [Em comnetário ao poste P7590 (****), o José Nunes, ex-1º cabo mec eletricidade, BENG 447, 1968/70; escreveu:  

(...) "O aquartelamento da Ponta do Inglês estava operacional em abril de 1968, quando aí nos deslocámos pra montar o grupo gerador, ficava junto ao rio e não havia cais, o Unimogue avançou rio dentro até da LDP [Lancha de Desembarque Pequena] de onde se descarregou o gerados a pulso. A iluminação era feita [, até então,] com garrafas de cerveja com uma mecha, cheias de combustível, e as havia a servir de alarme, havia muitos macacos na zona que causavam problemas, ao agarrar o arame farpado da zona de protecção. Foi uma permanência de horas por causa das marés." (...) 

As garrafas de cerveja penduradas no arame farpado, cheias de combustível, tinham que ser continuamente acesas nas noites de chuva forte ou de vento. O risco que a malta corria nessas circunstâncias, sendo a única coisa iluminada na escuridão, tornando-se um alvo fácil, era enorme, embora, que me lembre, nunca tenha havido flagelações nessas alturas.

Flagelações houve muito poucas - seis - sem grandes consequências, a água do poço nunca foi envenenada e, mesmo sabendo que a resistência oferecida pelas NT, aquando dos ataques, fosse de nutrido fogo mantendo o IN em respeito, penso que este nunca empenhou efectivos suficientes e capazes para provocar danos consideráveis. No fundo o IN sabia que enquanto aquele pessoal ali estivesse enquistado, a tropa do Xime, com a dispersão acima referida, estaria muito menos apta a fazer operações complicadas.

As relações entre o pessoal podem considerar-se muito boas, não havendo atitudes condenáveis, que até seriam possíveis num ambiente concentracionário como aquele. A convivência com a milícia logo de início se mostrou muito favorável porque, abastecendo-se de géneros junto das NT, passaram a pagar muito menos do que anteriormente porque os preços eram os mesmos que nos eram debitados sem alcavalas de qualquer espécie.

Não me recordo da existência de familiares a viverem com o pessoal africano, mas, segundo o testemunho do tabanqueiro Manuel Moreira, uma mulher deu à luz na época em que lá esteve e foi o 1.º cabo aux enf Cordeiro Rodrigues, o "Palmela", ajudado por ele, que assistiu ao parto.

Com a falta de géneros tudo se aproveitava incluindo a caça, que se resumia a tiro de rajada para bandos de aves grandes, pernaltas (não sabemos quais) e, se caíam nas redondezas, eram o pitéu desse dia.

Felizmente com a redistribuição das Forças no terreno, iniciada pelo brig Spínola, foi a Ponta do Inglês evacuada sem problemas em 7/8 de Outubro de 1968, pondo-se fim ao disparate da sua existência.

Há uma enorme falta de informação (para mim) sobre a evacuação da Ponta do Inglês; nem na história do BART 1904, nem na da CART 1746, apenas é mencionada a data em que se efectuou. Tenho ideia que, para além do pelotão da 1746, Secção de Morteiros e Milícia, estiveram na Ponta do Inglês pessoal de outras unidades a montar segurança (mas quais?) enquanto o pessoal carregava a barcaça Bor de todo o material e bagagem da rapaziada. Estivemos nas imediações da Ponta Varela a assegurar a passagem da Bor a caminho de Bambadinca. Foi uma operação, para mim sem nome, que envolveu mais meios que não recordo.



Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala de 1/ 50 mil > Posição relativa da Ponta do Inglês, na maregm direita do Rio Corubal, fente à pensínsula de Gampará.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)


Segundo informação de oficiais do BART 1904, o brig Spínola com o respectivo séquito aterrou na Ponta do Inglês, já ia adiantado o carregamento da Bor, mandando evacuar a segurança, depois de se ter armadilhado o que estava determinado, e só depois reparou que já não havia segurança nenhuma e que ele e os outros oficiais que o acompanhavam tinham ficado, como hei-de dizer, abandonados na margem do Corubal com o pessoal do ou dos helis a chamá-los quando se aperceberam da situação.

O pelotão da Cart 1746 chegou ao Xime sem problemas e todos tivemos uma enorme alegria por voltarmos a estar juntos. ...E na verdade o que vos doi... É que não queremos ser heróis (Fausto).

António Vaz, ex cap mil

PS - Esta estória da Ponta do Inglês só foi possível com as recordações do Manuel Moreira (releiam o Fado da Fome), do João Guerra da Mata, o ex-Alferes – último comandante daquele destacamento, e de Vera Vaz nas interpretações desenhadas.

[ Revisão / fixação de texto / parênteses retos,  efeitos de publicação deste poste: LG ]


Leiria > Monte Real > Palace Hotel de Monte Real > VII Encontro Nacional da Tabanca Grande >  21 de Abril de 2012> O ex-alf mil João Mata (à esquerda) e o ex-cap mil António Vaz, à direita, ambos da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69). 

O João Guerra da Mata foi o último comandante do destacamento da Ponta do Inglês, um dos míticos topónimos da guerra da Guiné.  Julgo que vive em Évora. Infelizmente, não é membro da Tabanca Grande.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados   [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]
_________

Notas do editor:

 (*) Vd. postes de:

21 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4850: Os bu... rakos em que vivemos (14): O meu abrigo em Mampatá (Zé Teixeira)

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4632: Os bu... rakos em que vivemos (13): Sare Banda um dos bu…rakos em que morremos! (A. Marques Lopes)

8 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4481: Os bu...rakos em que vivemos (12): Cafal Balanta contribui para o desenvolvimento nacional (Manuel Maia)

18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4369: Os bu...rakos em que vivemos (11): Banjara City, capital do Oio (Fernando Chapouto, CCaç 1426, 1965/66)

14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4346: Os bu...rakos em que vivemos (10): Também havia um em Nova Lamego (Luís Dias)

11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4321: Os Bu...rakos em que vivemos (9): No Mato Cão, com o Ten-Cor Polidoro Monteiro, em finais de 1971 (Paulo Santiago)

11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu... rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)

27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4252: Os Bu... rakos em que vivemos (7): Destacamento de Rio Caium (Luís Borrega)

19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)

12 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4175: Os Bu...rakos em que vivemos (5): Guileje bem se podia considerar um hotel de 5***** (Manuel Reis)

10 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4168: Os Bu... rakos em que vivemos (4): Acampamentos de apoio à construção da estrada Mansabá/Farim (César Dias)
7 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4153: Os Bu... rakos em que vivemos (3): Acampamentos de apoio à construção da estrada T.Pinto/Cacheu (Jorge Picado/José Câmara)

5 de Abril de 2009 Guiné 63/74 - P4141: Os Bu... rakos em que vivemos (2): Bula, CCCAÇ 2790 (António Matos)

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu... rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)

(**) Vd. 7 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10009: Memória dos lugares (185): Saiba V. Excia que está na Ponta do Inglês!, disse o Alf Mil João Mata para o Brig Spínola (António Vaz, ex-cap mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)

(***) Vd. 30 de 20 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15553: In Memoriam (243): António [Gabriel Rodrigues] Vaz (1936-2015), ex-cap mil art, cmdt CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69); nosso saudoso grã-tabanqueiro nº 544, desde 2012

(****) Vd. poste de 11 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7590: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (13): Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20217: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte III




Foto 1 – Uma das duas GMC's da CCAÇ 423 (São João e Tite: de 22Abr1963 a 29Abr1965) danificadas por efeito do rebentamento de mina anticarro/fornilho colocada na estrada Nova Sintra – Fulacunda. A primeira, em 03 de Julho de 1963 (4.ª feira), no sítio de Bianga. A segunda, em 18 de Julho de 1963 (5.ª feira), no mesmo itinerário. Na sequência destas ocorrências, registaram-se, no total, oito baixas [Vd. quadro acima]




 O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
indigitado régulo da Tabanca de Almada; 
tem mais de 225 registos no nosso blogue.


ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA (PARTE III)





1. – INTRODUÇÃO


Continuamos a divulgar e a analisar os resultados apurados nesta investigação, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército, conforme demos conta no P20126, o primeiro desta séria.

No segundo – P20179 (*), para além da apresentação de mais quadros e gráficos estatísticos, incluímos os primeiros cinco "casos", escolhidos de forma aleatória, onde foram descritos os contextos e alguns dos factos que podem servir de explicação para cada um dos episódios. Como já referimos anteriormente, esta opção aleatória teve por critério de escolha: datas diferentes, bem como locais, épocas e missões, de modo a fazer-se, se possível, uma análise comparativa entre os acontecimentos.
Porque não o fizemos no fragmento anterior por razões de gestão do espaço, o que irá acontecer agora, retornamos às duas ocorrências (fotos 1) que ficaram na historiografia da guerra como tendo sido as primeiras, por efeito de rebentamento de minas/fornilhos, as quais originaram as oito mortes do quadro acima.

Para esse efeito, socorremo-nos das memórias do camarada Gabriel Moura, do Pel Mort 19, escritas no livro de 2002 - «Tite: 1961/1962/1963, Paz e Guerra» - de que é autor.

Na obra citada, é referido que o Comando em Tite, na sequência do pedido urgente de socorro que lhe foi enviado por uma coluna militar que vinha de S. João, para patrulhar a zona de Buba e Fulacunda, faz sair um pelotão em seu auxílio.

O pedido de ajuda estava relacionado com a missão atribuída à força em trânsito [CCAÇ 423] onde "uma viatura com cerca de 20 militares foi apanhada por uma carga de explosivos [TNT] colocados no chão, projectando a viatura [GMC] a cerca de 30 metros, ficando curvada pela potência dos explosivos que detonou [Deve ser a de 18Jul63]. (…)

"A distância a que se encontravam do nosso aquartelamento [Tite] ainda era de umas dezenas de quilómetros e as restantes viaturas, que não foram apanhadas pela explosão da mina anticarro, não tinham condições de continuar uma vez que não sabiam se havia mais minas colocadas. A nossa missão era bater todo o caminho até lá, fazendo uma inspecção do chão e das margens no sentido de evitar qualquer ataque ou emboscada preparada. O barulho da detonação, apesar da hora a que se deu, era já noite, talvez cerca de 23 horas, foi ouvido em Tite como se de uma coisa próxima se tratasse, quando de facto era a uma distância considerável, tal era a potência do engenho." (pp 91-92).


2. – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)


Recordamos que a análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, foi feita a partir dos casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "Dados Oficiais", elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).




Para contextualizar a análise estatística desta narrativa, lembramos que no estudo foram apurados cento e noventa e um casos de mortes de "condutores auto rodas", do Exército, durante a guerra no CTIG (1963-1974).

Deste universo, as causas de morte foram estratificadas em três variáveis categóricas: combate - acidente - doença, em que na variável "combate" foram registados 112 (58.6%) casos; seguida pela variável "acidente", com 57 (29.9%) casos e, finalmente, a variável "doença", com 22 (11.5%) casos, conforme se indica no gráfico acima.

 



Quanto à variável categórica "combate", o estudo mostra que existem três causas principais (factores) para as mortes:  (i) "em combate" (operações/emboscadas); (ii)  "por minas" (explosivos); e  (iii) "por ataque ao quartel" (aquartelamentos/destacamentos/instalações militares).

Das 112 causas de morte "em combate" (58.6%), n=69 (61.6%) foram "por "contacto" com o IN; n=31 (27.7%) por engenho explosivo e n=12 (10.7%) por consequência de "ataque" IN ao quartel, conforme representação gráfica acima.


3. – MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERA

MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO
DE REBENTAMENTO DE "MINAS"



Neste ponto, continuamos a observar um dos principais objectivos deste trabalho, onde, para além dos números, se recuperam algumas memórias, sempre trágicas, quando estamos em presença de perdas humanas. Assim, e em homenagem a todos os camaradas que tombaram em campanha, apresentaremos, de seguida, mais quatro "casos" (do total de trinta e três), enquadrados pelos contextos conhecidos.

Como principal fonte de consulta, foi utilizado o espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.


3.6 - 03 DE JUNHO DE 1965: A SEGUNDA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA - O CASO DO SOLDADO DOMINGOS JOÃO DE OLIVEIRA CARDOSO, DA CCAÇ 508, ENTRE PONTA VARELA E O XIME



A segunda morte em "combate" de um condutor auto rodas do Exército, por efeito do rebentamento de uma mina ("bailarina") [categoria de "minas"], foi a do soldado Domingos João de Oliveira Cardoso, natural de São Cosme, Gondomar, ocorrida em 03 de Junho de 1965, 3.ª feira, no itinerário entre a Ponta Varela e o Xime. O soldado 'Car' Domingos Cardoso pertencia à CCAÇ 508, uma Unidade mobilizada pelo RI7, de Leiria, chegada a Bissau a 20Jul1963, sob o comando, interino, do Alferes Augusto Cardoso.

Durante a sua comissão de dois anos (20Jul63 a 07Ago65), o contingente da CCAÇ 508 cumpriu importantes missões em dez locais diferentes, como sejam: Bissorã (Ago63-Mai64 - treze meses - sendo substituída pela CART 643); Barro e Bigene (Ago63-Dez63), Olossato (Dez63-Mai64), Bissau e Quinhamel (Set64-Mar65), Bambadinca (Mar65-Abr65, sendo substituída pela CCAV 678) e Galomaro, Xime e Ponta do Inglês (Abr65-Ago65).

Porém, a sua última missão em zona operacional iniciou-se em Março de 1965, com dezoito meses de comissão, ao ser transferida para Bambadinca, onde ficou instalado o Comando, sob a liderança, desde Jul64, do Cap Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles, assumindo este a responsabilidade do respectivo subsector, com Gr Comb destacados em Xime e Galomaro e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697, designado a partir 11Jan65 por Sector L1, sediado, à época, em Fá Mandinga, sob o comando do Tenente-Coronel Mário Serra Dias da Costa Campos.

Em 16Abr65, a CCAÇ 508, ao ser substituída pela CCAV 678, foi deslocada para o Xime, tendo assumido a responsabilidade do respectivo subsector, criado nessa data, com grupos de combate destacados em Ponta do Inglês e Galomaro.



Recordo que o tema relacionado com os factos ocorridos em 03 de Junho de 1965, perto da Tabanca de Ponta Varela, na estrada Xime-Ponta do Inglês (infogravura acima), local onde se verificaram quatro baixas no contingente da CCAÇ 508, como consequência de ter sido accionado um engenho explosivo, já foi devidamente abordado em narrativas anteriores, estas associadas com a morte do Cap Francisco Meirelles (1938-1965), tendo como principal fonte de consulta e análise, o livro publicado em sua memória pela sua família (pp 8-11). [vidé P19597; P19613; P19640; P19656 e P19687].



Foto 2 – Ponta Varela (Xime), 03JUN1965. Momento antes da explosão que originou quatro mortes nos efectivos da CCAÇ 508. O Cap Francisco Meirelles (à esquerda) junto do Domingos Cardoso que, segundo julgo saber, era o seu condutor. [P19640]


Entretanto, neste contexto, é oportuno recuperar alguns factos que estiveram ligados às suas mortes, enquadrando-os na situação particular do camarada Domingos Cardoso.

Sabe-se hoje, pela literatura consultada, que a visita de uma equipa de reportagem da Radiotelevisão Portuguesa {RTP] ao Xime, constituída pelos técnicos Afonso Silva (operador) e Luís Miranda (realizador) tinha por objectivo principal recolher imagens e depoimentos sobre a detecção de minas. Tal interesse nascera do facto de naquela zona – Xime-Ponta Varela-Ponta do Inglês – ser muito frequente a colocação de engenhos explosivos por parte dos guerrilheiros do PAIGC, comprovado pelas cerca de quatro dezenas de minas detectadas e levantadas pelas NT, entre Março e Maio de 1965.

Coube essa particular missão ao capitão Francisco Meirelles, na qualidade de Cmdt da CCAÇ 508, ficando decidido que a mesma teria lugar no dia 03 de Junho de 1965, 3.ª feira. Como combinado, as forças destacadas para a missão, os repórteres da RTP e alguns oficiais superiores responsáveis pelo Sector L1 deram início ao compromisso assumido superiormente.

Logo ao 2.º km do Xime, o primeiro percalço: foi detectada uma mina anticarro  [mina A/C]  [foto 3, ao lado]. Como os trabalhos de levantamento da mina demorassem, o capitão Francisco Meirelles propôs ao major Abeilard Martins, 2.º Comandante do Batalhão 697 [BCAÇ 697], irem a pé até à tabanca de Ponta Varela, pois queria mostrar a conveniência da sua reocupação pelos nativos, em regime de auto-defesa, reocupando-se dessa forma uma região muito fértil. Ficariam assim os Comandos a dispor de mais um ponto de observação e de vigilância, e também dificultada a colocação de minas naquela zona.

A sugestão foi aceite. Partiram, então, aqueles oficiais, juntamente com o major Afonso, do Estado Maior do Comando Chefe, que acompanhava os operadores da TV, com o régulo da tabanca de Ponta Varela, com alguns pisteiros indígenas e com duas ou três secções que seguiam nos flancos. Percorridos os 4 ou 5 kms que distam de Ponta Varela, foi esta povoação observada minuciosamente bem como os pontos de defesa e apreciado o panorama do Canal do Geba e dos planos que o ladeiam.

Como fosse perto do meio-dia foi iniciado o caminho do regresso ao Xime. A umas centenas de metros da tabanca de Ponta Varela rebentou repentinamente uma mina antipessoal [, mina A/P], vulgo "bailarina". A mina ao rebentar ocasionou a morte instantânea do soldado condutor auto rodas Domingos João de Oliveira Cardoso, do 1.º cabo José Maria dos Santos Corbacho, natural de São Pedro e Santiago, Torres Vedras e o soldado indígena Braima Turé, natural do Xime. O capitão Francisco Meirelles ficou gravemente ferido na garganta e no tórax, vindo a falecer vinte minutos após a explosão.

Em função da violência da detonação, os corpos dos dois primeiros militares foram sepultados no Cemitério de Bafatá.


3.7 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ALBERTO TEIXEIRA SANTOS, DO PEL REC DAIMLER  1077, EM 28.OUT.1966, ENTRE CAMECONDE E CACINE


A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Alberto Teixeira dos Santos, natural de Vidago, Chaves, ocorreu no dia 28 de Outubro de 1966, 6.ª feira, durante a «Operação Renascença», por efeito do rebentamento de uma mina, no itinerário Cameconde-Cacine, quando as forças no terreno procediam ao socorro de alguns feridos provocados por outros engenhos explosivos, nomeadamente minas A/P, e depois de ter sido detectada e levantada na mesma zona uma mina A/C.

O soldado "CAR" Alberto Teixeira dos Santos pertencia ao Pelotão de Reconhecimento Daimler 1077 (Fev66 a Nov67), Unidade sem qualquer referência no blogue.

Daí que, para a elaboração deste fragmento foi utilizada, como principal fonte de consulta, a literatura Oficial publicada pelo Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo I, Guiné, Livro 1, 1.ª Edição, Lisboa (2014), p417, à qual adicionámos outras informações pontuais para alargar o âmbito temático.



 «OPERAÇÃO RENASCENÇA» - 28 DE OUTUBRO DE 1966


A operação em título foi programada pelo Batalhão de Caçadores 1861 (BCAÇ 1861) [18Ago65-17Abr67], sob a liderança do TCor Inf Alfredo Henriques Baeta, Unidade que sucedera ao BCAÇ 600, em 25Ago65, assumindo a partir desta data a responsabilidade do Sector Sul 2 [S2], com sede em Buba e abrangendo os subsectores de Aldeia Formosa, Guileje, Gadamael, Sangonhá, Cacine, (cuja sede passou para Cameconde no início de Dez66) e Buba. A partir de 23Out66, foi reforçado com uma companhia [CCAÇ 1477], que se instalou em Mejo.

A realização desta operação no dia 28Out66, no território de Quitafine, previa, sobretudo, acções ofensivas nas regiões de 'Cambeque' - 'Cassaprica' - 'Cabaz Balanta' - 'Cabaz Sosso' e 'Caboma', e outra acção secundária na direcção de 'Cabonepo', localidades indicadas na infografia abaixo.

Para cumprir esses objectivos, foram mobilizadas as seguintes forças:


► CCAÇ 779 (28Abr65-20Jan67) do Cap Inf José Manuel da Silva Viegas. Assumiu a responsabilidade do subsector de Cacine desde 10Jun65, por troca com a CART 496, com um destacamento em Cameconde, para onde já deslocara um Gr Comb em 08Jun65, e que seguidamente foi reforçado com um segundo Gr Comb. Ficou integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 600 e depois do BCAÇ 1861.

► CCAÇ 1477 (26Out65-27Jul67) do Cap Inf Waldemar Sesinando Monteiro Batista (1.º) e Cap Inf José Alberto Cardeira Rino (2.º). Assumiu a responsabilidade do subsector de Sangonhá desde 14Jan66, após a sobreposição com a CART 640, com dois Grs Comb em Sangonhá e Cacoca, respectivamente. Ficou integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1861 e depois do BART 1896.

► CCAÇ 1488 (26Out65-01Ago67) do Cap Inf António Manuel Rodrigues Cardoso. Em 12Out66, por rotação com a CCAÇ 1438, terminou o deslocamento para Colibuia, iniciado em 29Set66, com um Gr Comb destacado em Nhala, a fim de reforçar o BCAÇ 1861 na missão de execução de um plano de emboscadas continuadas no corredor de Guileje, em coordenação com outras subunidades.

► CCAÇ 1567 (13Mai66-17Jan68) do Cap Mil Inf João Renato de Moura Colmonero. Unidade de reforço na manobra do BCAÇ 1861.

► Para além das Unidades acima, participaram, ainda, o PSap do BCAÇ 1861 e o Pel Rec Daimler 1077, bem como os apoios de Artilharia, Aéreo e Naval.




Mapa da região de Quitafine, onde decorreu a «Operação Renascença»



Desenrolar das acções (síntese):


Em 28 de Outubro de 1966, 6.ª feira, deu-se início à «Operação Renascença». À saída de Tanene, o IN emboscou as NT, tendo retirado perante a reacção destas. Próximo de Cameconde, foi detectada uma mina A/P  de salto e fragmentação, que foi rebentada no local. A cerca de 1 km de Cabaz Balanta explodiram várias minas A/P que causaram às NT seis feridos.

Na progressão para Caboma, na sequência do contacto com o IN, foi-lhe capturada uma espingarda e material diverso, do qual resultou 1 morto e outras baixas prováveis. Na orla da bolanha de Caboma foram destruídas oito casas de mato. Quando seguiam para Cabaz Sosso, as NT foram emboscadas, sofrendo um morto (guia nativo) e cinco feridos. Na reacção, o IN sofreu um morto e a captura de duas granadas de mão.

A cerca de cinquenta metros para além de Caboxanquezinho foi detectada e levantada uma mina . Alguns metros depois as NT accionaram duas minas A/P  implantadas no meio da picada e simultaneamente, já no interior da mata, dois fornilhos causaram às NT quatro mortos e dez feridos. Os cinco mortos eram elementos da CCAÇ 799, de recrutamento local, a saber: Amadú Baldé e Sacamissa Quetá, de Fulacunda; Alfa Djaló, da Ilha Formosa; Gale Jaló, de Bafatá e Opa Colubali, de Catió.

Quando se socorriam os feridos foi accionada nova mina A/P , a poucos metros da mina mina A/C anteriormente levantada, sofrendo as NT mais um morto – o soldado condutor auto rodas Alberto Teixeira dos Santos, do Pel Rec Daimler 1077 – e mais dois feridos.

Depois desta narrativa, sempre muito difícil de descrever e mais ainda de comentar, importa agora dar conta de uma outra, esta bem mais interessante e relevante no contexto da guerra.

Embora não seja caso único, em função de experiência feita, o desenrolar da «Operação Renascença» permitiu sinalizar os valores da solidariedade, da camaradagem e do companheirismo, entre outros, em defesa da vida, que era uma das duas faces da mesma moeda naquele contexto.

A história é a do soldado condutor auto rodas José dos Santos Pedrosa, da CCAÇ 1567. Este, ao aperceber-se de que a sua Unidade tinha apenas um 1.º cabo "maqueiro", logo se ofereceu como voluntário para ajudar o seu camarada sempre que fosse preciso. Ao ter conhecimento da sua disponibilidade, o seu Cmdt - Capitão João Colmonero - concordou com a troca, deixando este de actuar como condutor.

Ora, em função do seu desempenho na «Operação Renascença», foi-lhe atribuída uma condecoração – a medalha de Mérito Militar, bem como concedido um louvor, cujo teor se transcreve:


"Louvado [José dos Santos Pedrosa] porque não sendo um elemento da especialidade de  enfermagem, mas possuindo alguns conhecimentos do mesmo ramo, graças à sua vontade e intuição para tal, foi no decurso da OPERAÇÃO RENASCENÇA um óptimo auxiliar do pessoal enfermeiro, acorrendo a todos os lugares onde era preciso, indiferente ao perigo que a sua constante movimentação o expunha; foi ainda já na viagem de regresso das NT, após a operação, o mesmo elemento incansável, indo buscar, no fundo do seu Ser energias quase impossíveis de admitir, para com a sua acção proceder à recuperação física dos elementos mais necessitados: demonstrou com este sublime exemplo a sua solidariedade para com os camaradas, sendo o soldado Pedrosa, já antecedentemente apontado como militar cumpridor e correcto, merecendo a estima de camaradas e superiores". - Ordem de Serviço 261 de 22/11/1966 do BCaç 1876/CCaç 1567 [cuja divisa era: "No exemplo estará nossa glória".]

Fonte: combatentesdeavintes.blogspot.com/2011/03/jose-dos-santos-pedrosa-guine.html


3.8 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL PINTO DE CASTRO, DA CART 1661, EM 16.SET.1967, ENTRE PORTO GOLE E MAMBONCÓ


A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel Pinto de Castro, natural de Lobão, Vila da Feira, a nona na "categoria de minas", verificou-se no dia 16 de Setembro de 1967, sábado, no cruzamento de Mansoa, na Estrada de Mamboncó-Porto Gole, por efeito do rebentamento de uma mina A/C, ocorrida no regresso de uma coluna realizada a Porto Gole visando, por um lado, deixar um graduado que estava em trânsito para cumprir o seu período de férias na metrópole, e, por outro, aproveitar essa oportunidade para transportar alguns géneros alimentícios e medicamentos para o destacamento de Bissá.

O soldado "CAR" Manuel Castro pertencia à CART 1661 (06Fev67 a 19Nov68) comandada pelo Cap Mil Luís Vassalo Namorado Rosa (1.º); Alf Mil Art Fernando António de Sá (2.º) e Cap Art Manuel Jorge Dias de Sousa Figueiredo (3.º).

Do ponto de vista da missão, esta Unidade deslocou-se para Fá Mandinga em 06Fev67, para substituir a CCAÇ 818 e realizar um curto período de adaptação operacional, sob a orientação do BCAÇ 1888, a ter lugar nas regiões do Xime, Enxalé e Xitole até 08Mar67.

Após rotação, por fracções, com a CCAÇ 1439, a CART 1661 assumiu em 03Abr67 a responsabilidade do subsector de Enxalé, com Gr Comb destacados em Missirá, Porto Gole e Bissá, mantendo-se integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1888 e a partir de 01Jul67 do BCAÇ 1912, por alteração dos limites dos sectores daqueles Batalhões.


Para historiar esta ocorrência foram importantes as consultas ao livro (Diário do autor) do camarada Abel de Jesus Carreira Rei «Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968», edição de autor. Lousa. 2002, conforme capa ao lado.

Analisados os apontamentos explícitos no diário (livro) do Abel Rei, redigidos no dia 16 de Setembro de 1967, sábado, em Bissá, retivemos alguns detalhes:

"Às nove e tal da manhã dava-se o primeiro grande "acidente" da companhia [CCaç 1661]. Balanço quatro mortos, sendo dois brancos e dois pretos, e mais treze feridos graves; uma viatura em pedaços; e diversos materiais estragados!"

Os mortos foram: soldado 'Car' Manuel Freitas de Castro, da CART 1661, natural de Lobão, Vila da Feira, e o furriel Álvaro Maria Valentim Antunes, do Pel Caç Nat 54, natural de São Lourenço, Portalegre, ambos continentais, e do recrutamento local, Mamadu Jamanca e Adulai Sissé, do Pel Caç Nat 54, ambos naturais de Bissorã.

Continua: "Uma viatura "pisava" a primeira mina. E íamos fazer oito meses, que nós andávamos a pisar estradas da Guiné! A coluna [foi] feita para levar o furriel "meu vizinho" à Metrópole, em férias – ou melhor, até Porto Gole, para daí seguir para Bissau – trazia-mos géneros e medicamentos, indo tudo pelos ares.

"Morreu o condutor de nome [Manuel Pinto de] Castro, bastante meu amigo e o comandante da coluna, e meu amigo também, furriel [Álvaro Maria Valentim] Antunes, que conhecia a Marinha Grande, tendo já lá trabalhado, pelo que me contou um dia. (…)

"De salientar o espírito de sacrifício com que andaram os sete quilómetros que faltavam até cá [Bissá], mesmo debaixo de fogo, trazendo a notícia de tão grave acontecimento, vindo um deles, o cabo nativo Ananias, com uma perna aberta e os ossos à mostra e um pulso partido, além de outros também bastante amassados, pois andaram pelos ares, e caíram de qualquer maneira, ficando ainda alguns debaixo da viatura que se virou ao contrário, ao lado do buraco, com mais de três metros de diâmetro, originado pela explosão da mina."

Sobre a possibilidade e interesse em publicar uma foto desta ocorrência, dos contactos realizados concluímos que dela não existem registos, o que se lamenta.

Sobre este acontecimento ver, também, o P4858.

 

3.9 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL DOS SANTOS CRAVO, DA CART 2340, EM 26.MAR.68, ENTRE JUMBEMBEM E CUNTIMA

 

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel dos Santos Cravo, natural de Febres, Cantanhede, ocorreu às 22h20 do dia 26 de Março de 1968, 3.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina A/C, no itinerário Jumbembem e Cuntima, durante o deslocamento da força militar que ia participar na «Operação Onça Parda - 26 e 27 de Março'68». Para além desta baixa, verificada na última viatura da coluna, ficaram feridos mais doze elementos dessa força, dos quais três considerados graves.

O Manuel Cravo pertencia à CART 2340, do Cap Mil Art Joaquim Lúcio Ferreira Neto, cuja comissão decorreu entre 15Jan68, chegada a Bissau, e 03Nov69, embarque para a Metrópole (Lisboa). Esta Unidade deu início à sua actividade operacional em 23Jan68, assumindo a responsabilidade do subsector de Canjambari, com dois Grs Comb no destacamento de Jumbembem, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1932 e depois do COP 3.

Para a elaboração deste ponto foram fundamentais os relatos publicados no P2075 «História da CART 2340» pelo seu Cmdt, ex-Cap Mil Joaquim Ferreira Neto, do qual retiramos a imagem abaixo.

 


Foto 4 - O Unimog da CART 2340 destruído por mina A/C, do P2705, 
com a devida vénia.

(Continua)


Fontes Consultadas:

 Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

28Set2019
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Nota do editor:

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19687: (De)Caras (128): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - V ( e última) Parte (Jorge Araújo)


Foto 1 – Bissorã (1964) - Grupo de militares da CCAÇ 508. [Foto do álbum de Cândido Paredes, com a devida vénia] in: http://lugardoreal.com/imaxe/candido-paredes-e-camaradas-6


Foto 2 – Bissorã (1964) - Grupo de militares da CCAÇ 508. [Foto do álbum de Cândido Paredes, com a devida vénia] in: http://lugardoreal.com/imaxe/candido-paredes-e-camaradas-5




 Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018


A COMPANHIA DE CAÇADORES 508 [CCAÇ 508] - (1963-1965) E A MORTE DO SEU CMDT CAP INF FRANCISCO MEIRELLES EM 03JUN1965 NA PONTA VARELA: A ÚNICA BAIXA EM COMBATE DE UM CAPITÃO NO XIME -  V (e última) Parte


1.  INTRODUÇÃO

Depois das narrativas dos P19597, P19613, P19640 e P19656, eis a última na qual se respeitam as mesmas questões de partida. Na primeira daremos a conhecer o que foi possível recuperar da história da CCAÇ 508, identificando factos, feitos e consequências da sua vasta e importante missão operacional desenvolvida ao longo dos dois anos da sua presença no CTIG (1963-1965), entre 20Jul63 e 07Ago65, e dos dez locais diferentes onde a mesma teve lugar.

Para além dos documentos consultados e das informações orais transmitidas, via telefone, por alguns
dos elementos desta Unidade, contámos com o precioso recurso ao álbum do condutor auto rodas da "508", Cândido Paredes, actualmente a residir em Ponte de Lima, do qual apresentaremos abaixo mais algumas imagens, e a quem nos cumpre agradecer.

Na segunda, por uma feliz coincidência, ter encontrado, num alfarrabista de São João da Madeira, um livro sobre a vida e a morte do Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles (1938-1965), esta ocorrida no Xime, em 3 de Junho de 1965, 5.ª feira, local mítico e muito familiar durante a minha presença na Guiné e do contingente da minha CART 3494 (1972-1974), elaborado em sua memória pela sua família e que, segundo creio, foi editado no âmbito do primeiro aniversário da sua morte.
Daí que, nesta última narrativa, recuperaremos algumas das diferentes missões do Capitão FranciscoMeirelles, e da sua CCAÇ 508, durante os seus últimos três meses, desde a chegada a Bambadinca, em Março de 1965, até ao fatídico dia da sua morte. Seguir-se-ão as descrições de alguns factos e dos ambientes que os envolveram, que tiveram como corolário a atribuição do seu nome à toponímia da Cidade do Porto. 

A origem dessa decisão teve por contexto a reunião ordinária da Câmara Municipal do Porto, realizada em 20 de Julho de 1965, onde foi aprovada por unanimidade, em cerimónia pública, a proposta dirigida à Comissão de Toponímia de dar o nome do Capitão Meirelles a uma das ruas ou praças da Foz do Douro. 


2. SUBSÍDIOS HISTÓRICOS DA COMPANHIA DE CAÇADORES 508 (BISSORÃ, BARRO, BIGENE, OLOSSATO, BISSAU, QUINHAMEL, BAMBADINCA, GALOMARO, PONTA DO INGLÊS E XIME, 1963-1965)


Quadro cronológico da presença da CCAÇ 508 por localidades


2.1. SÍNTESE DOS PRIMEIROS DEZOITO MESES

A CCAÇ 508 chega a Bissau a 20Jul1963, sábado, a bordo do cargueiro "Sofala", sob o comando, interino, do Alferes Augusto Teixeira Cardoso, onde se juntou o Cap Mil Inf João Henriques de Almeida, o seu 1.º Cmdt. Cinco meses após o início do conflito armado na região de Tite, a CCAÇ 508 assumiu a responsabilidade do subsector de Bissorã, então criado, com GrComb destacados em Barro, até 23Dez63, e Bigene, até 26Dez63, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 507 e, após remodelação daqueles sectores, no BCAÇ 512. Em 26Dez63, passou a ter um GrComb destacado em Olossato.

Em meados de Julho de 1964, chega a esta Companhia Independente o Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles [1938-02-21/1965-06-03], em rendição do anterior Cmdt, Capitão João Almeida. Em 04Set64, 6.ª feira, já então na dependência do BART 645, e depois da chegada da CART 566, a CCAÇ 508 foi substituída no subsector de Bissorã pela CART 643, do antecedente ali colocada em reforço, tendo seguido para o sector de Bissau, a fim de se integrar no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área, com um GrComb destacado em Quinhamel, ficando na dependência do BCAÇ 600.

No início de Março de 1965, com dezoito meses já contabilizados no tempo da sua comissão ultramarina, a Companhia do Capitão Francisco Meirelles foi de novo transferida para uma zona operacional.


2.2. SÍNTESE OPERACIONAL DO CAPITÃO MEIRELES DURANTE OS SEUS ÚLTIMOS TRÊS MESES

Recebida a ordem para uma nova actividade operacional, agora no Leste, a CCAÇ 508 deslocou-se em 07 e 23Mar65, por grupos, para Bambadinca, por troca com a CCAÇ 526, onde aí ficou instalado o Comando da Companhia, assumindo este a responsabilidade do respectivo subsector, com grupos de combate destacados em Xime e Galomaro e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697, sediado em Fá Mandinga, sob o comando do TCor Mário Serra Dias da Costa Campos.

Porém, antes da sua chegada a Bambadinca, cujo sector passou a designar-se por «Sector L1» a partir de 11Jan65, o BCAÇ 697, para desenvolver a intensa actividade operacional, recorria às subunidades do sector e a outras que lhe eram atribuídas como reforço, pois era constituída somente por Comando e CCS.

Uma das primeiras acções planeadas pelo BCAÇ 697, do início de 1965, tinha por objectivo a ocupação seguida da instalação de um aquartelamento na Ponta do Inglês. Essa missão, baptizada de «Operação Farol», foi agendada para os dias 19 e 20Jan65, envolvendo forças da CCAÇ 526, CCAV 678 e Pel AMetr "Daimler" 809, onde, depois, ficou instalada a Companhia de Cavalaria para, a partir de 16Abr65, data em que foi criado o subsector do Xime, ficar reduzida a nível de grupo de combate.

Durante o decorrer desta operação, as NT foram emboscadas, no primeiro dia, pelos guerrilheiros do PAIGC, tendo este sofrido algumas baixas não estimadas e onde foi capturado algum material de guerra, nomeadamente granadas de mão e de RPG. No dia seguinte, forças da CCAÇ 526 e CCAV 678, durante a sua actividade de segurança à distância e por efeito de um reconhecimento na área da Ponta do Inglês-Buruntoni, destruíram um acampamento IN com 15 casas a cerca de 600 mts a sul da antiga tabanca da Ponta do Inglês, tendo capturado mais munições diversas, onde foram encontrados alguns abrigos no lado sul da Ponta do Inglês-Xime, no local da emboscada do dia anterior, onde foram destruídas mais duas casas, a leste da Ponta do Inglês.

Em 16Abr65, com a criação do novo subsector do Xime, a CCAÇ 508 seria substituída em Bambadinca pela CCAV 678 (que se encontrava na Ponta do Inglês), deslocando-se, então, para o Xime, onde assumiu a responsabilidade deste subsector, com GrComb destacados em Ponta do Inglês e Galomaro.

Em 20Abr65, quatro dias após a instalação do GrComb da CCAÇ 508 na Ponta do Inglês, um GrComb de Paraquedistas (CCP 121), durante a «Operação Coelho» na zona de Galo Corubal, destruiu 12 casas, abateu um guerrilheiro e fez dois prisioneiros. Forças da CCAÇ 510, vindas do Xitole, destruíram várias casas na região de Silibalde e apreenderam granadas de mão ofensivas e defensivas.

Uma semana depois, em 03Jun65, na estrada Xime-Ponta do Inglês, na região de Ponta Varela, a CCAÇ 508 tem mais quatro baixas em combate, sendo uma a do seu Cmdt, o Capitão Francisco Meirelles, por efeito do rebentamento de uma mina "bailarina".


Foto 3 – (Xime; 03JUN65). Estrada Xime-Ponta do Inglês. Início da operação onde se encontrava o Cap Meirelles [foto gentilmente cedida pelo Cor Morais da Silva].


Foto 4 – (Xime; 03JUN65). Forças da CCaç 508 na zona de Ponta Varela, onde se encontrava o Cap Meirelles [foto gentilmente cedida pelo Cor Morais da Silva].

Recordam-se alguns antecedentes que marcaram este fatídico dia 03Jun65, 5.ª feira.

O Capitão Francisco Meirelles fora incumbido de mostrar a uma equipa de enviados especiais da RTP à Guiné – Afonso Silva (operador) e Luís Miranda (realizador) – como se fazia a detecção de minas, muito frequentes naquela zona [Xime-Ponta Varela], pois em menos de três meses tinham sido levantadas mais de 40. Perto do meio-dia, a umas centenas de metros da tabanca de Ponta Varela, rebentou repentinamente uma mina ("bailarina") dando origem à morte do capitão Francisco Meirelles e de mais três militares da CCAÇ 508. Os operadores da RTP, que ficaram ilesos, começaram a filmar a cena poucos momentos após a explosão, havendo um documentário fotográfico da operação e das consequências do rebentamento. Parte dessa reportagem filmada foi transmitida pela RTP em 16 de Setembro desse ano, como, aliás, já foi referido em narrativas anteriores.

Na madrugada de 04Jun65, os corpos foram levados para Bafatá, onde ficaram sepultados o 1.º cabo [José Maria dos Santos Corbacho] e os soldados [Domingos João de Oliveira Cardoso e Braima Turé], e onde um avião foi buscar o corpo do Capitão Meirelles.

Trazido para Bissau, ficou depositado na capela militar de Santa Luzia. No dia seguinte, pelas 10 horas, houve missa de corpo presente, celebrada pelo Tenente-Capelão Padre Nazário, finda a qual o cortejo fúnebre dirigiu-se para a capelinha do cemitério onde o caixão permaneceu até ser removido para a Metrópole. Aqui chegou no vapor «Manuel Alfredo» na madrugada de 18Jul65, precisamente quando se perfazia um ano depois da partida para a Guiné (Op. Cit. pp10-11).


3.  O CAPITÃO FRANCISCO MEIRELLES TEM O SEU NOME NA TOPONÍMIA DA CIDADE DO PORTO, NA ZONA DA FOZ DO DOURO

Após a chegada do seu corpo a Lisboa, o Governador Militar de Lisboa, General Amadeu Buceta Martins quis tributar uma derradeira homenagem a quem foi seu dedicadíssimo ajudante e ordenou que lhe fossem prestadas honras fúnebres, nas quais se dignou tomar parte, assim como o Brigadeiro Couceiro Neto, 2.º Comandante do Governo Militar de Lisboa. Até à 1 hora da madrugada do dia 19, hora em que partiu para o Porto, houve turnos compostos por um oficial, um sargento e quatro praças. Antes, havia sido celebrada missa, às 14 horas, pelo capelão Padre José Maria Braula Reis (1922-), mandada dizer pela Direcção da Arma de Infantaria, e às 19 horas missa celebrada pelo Ver. Padre Júlio Marinho S. J., a pedido da família.

À uma da manhã seguiu, então, o corpo do Capitão Meirelles num armão do Exército, cedido pelo Quartel-General de Lisboa, em direcção ao Porto, onde na Igreja paroquial da Foz do Douro houve missa de corpo presente celebrada pelo Padre Fernando Leite S. J. que já presidira ao seu casamento. Lançou a absolvição final o pároco da Freguesia, Padre Manuel Dias da Costa, que também presidira à sua Profissão de Fé e que pronunciou algumas comovidas palavras ao ver na sua Igreja Paroquial, antes de baixar à sepultura, quem, tantas vezes e tão devotamente, a frequentava.

Tanto na Igreja, como no cemitério, estavam alguns milhares de pessoas, algumas em representação oficial de entidades públicas e privadas, e, entre elas, muitas das mais destacadas figuras da vida intelectual, social, militar e política da cidade.

À porta do cemitério do Prado do Repouso,
Foto 5 > Porto, cemitério do Prado Repouso
situado na zona oriental da cidade do Porto (foto 5; ao lado), uma companhia de atiradores deu as salvas do estilo e outra companhia prestou a guarda de honra. E juntos ao jazigo de seus Bisavós, ficou finalmente sepultado. […]

No dia 20 de Julho de 1965, a Câmara Municipal do Porto, na sua reunião ordinária, aprovou por unanimidade as intervenções que, a propósito do falecimento do Capitão Francisco Meirelles, foram proferidas respectivamente pela vereadora Senhora Dona Maria José Novais e pelo Senhor Presidente da Câmara.

Nesta sessão pública e no uso da palavra, a vereadora enalteceu a memória do saudoso e heroico Capitão Francisco Meirelles, por motivo da chegada do seu corpo à Cidade do Porto e dos ofícios fúnebres, traduzidos numa grandiosa manifestação de dor a que comovidos todos assistiram na Igreja paroquial de S. João Baptista da Foz do Douro, associando-se a autarquia à dor daquela família. Ao lembrar o Soldado Desconhecido, fez também questão de recordar com viva emoção, todos quantos deram a vida para dignificar a farda, a Pátria e a Família.

Acrescentando: 

"Hoje, pelo contrário, vamos relembrar todos os nossos Heróis, num oficial distinto, que viveu junto de nós [desde 1939, quando veio viver com os seus pais para o Largo de Cadouços, 37], que é portanto muito nosso, e de quem guardamos profunda saudade. O Alferes Francisco Xavier de Meirelles, serviu exemplarmente em Angola, durante dois anos, [com início logo após os acontecimentos de Fevereiro de 1961. Seguiu no primeiro avião com reforços da sua 66.ª Companhia
que, depois, foi a 5.ª de Caçadores Especiais do Regimento de Infantaria de Luanda. Depois de tomar parte na sua missão em Luanda e subúrbios foi enviado para Malanje, onde na zona algodoeira houvera um levantamento e onde a sua Companhia ficou adstrita ao Batalhão comandado pelo então Major Camilo Augusto de Miranda Rebocho Vaz (1920-1998). A 15Mar61 foi a sua Companhia retirada inesperadamente de Malanje e enviada para os Dembos, onde se tinham verificado actos de terrorismo. Durante alguns dias a coluna progrediu por Caxito, Quicabo, Nambuangongo e mais além. Instalado, depois, no Caxito o comando da Companhia, foi o seu pelotão destacado para a defesa de algumas localidades, onde esteve com intermitências, como sejam, Úcua, Mabubas, Tabi e Lifune, e mandado auxiliar a defesa de Ambriz, quando do grande ataque a essa povoação. Finda a comissão, regressou no vapor "UÍGE", tendo chegado a Lisboa em 29 de Março de 1963].

Foi promovido a tenente em 1 de Dezembro de 1962, sendo colocado, após o seu regresso ao Continente, na Região de Tomar. Promovido a capitão em 16 de Junho de 1964 foi novamente mobilizado, desta vez para a Guiné, para onde partiu com outros camaradas a 17 Julho de 1964, no barco de carga «António Carlos».


Continuou a vereadora: 

"Partiu, deixando sua mulher e dois filhinhos de tenra idade [dois rapazes; um nascido em Abril/1963, o outro em Junho/1964]. Foi nessas longínquas paragens, que soube morrer aos vinte e sete anos, depois de ter sido um magnífico exemplo das mais nobres virtudes morais e cristãs, a ponto de generosamente sacrificar o amor da própria família, que sempre subordinou aos altos interesses da Nação. […] Estas palavras são um apelo à Nação; um apelo a todos nós; para que respeitando tanto sacrifício saibamos honrar e merecer os nossos queridos mortos vivendo com dignidade o momento que passa".

Partindo dos considerandos supra, a vereadora apresentou uma proposta/pedido dirigido ao Presidente da Câmara solicitando "que a digna Comissão de Toponímia, promovesse no sentido de dar o nome do heroico Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles a uma das ruas ou praças da Foz do Douro, para que ficasse a perpetuar a lembrança dos seus actos de valentia".

A proposta foi aprovada por unanimidade, passando o «Largo de Cadouços» a chamar-se, a partir de 1966, «Largo do Capitão Pinheiro Torres de Meirelles», conforme se dá conta nas imagens abaixo.


Fotos 5 e 6 (Largo do Capitão Pinheiro Torres de Meirelles, Foz do Douro, em 18Mar2019, antigo

Largo do Cadouços) do camarada Virgílio Teixeira, na sequência do meu apelo formulado no P19597 (parte I, deste tema) a quem agradeço publicamente. 


F I M

Fontes consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); p195.

Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (s/d). Braga, Editora Pax.
 Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

16Abr2019.
_____________


Vd. postes anteriores:

1 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19640: (De)Caras (103): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte III (Jorge Araújo)

1 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19640: (De)Caras (103): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte III (Jorge Araújo)

18 de maro de 2019 > Guiné 61/74 - P19597: (De)Caras (101): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte I (Jorge Araújo)

segunda-feira, 18 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19597: (De)Caras (123): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte I (Jorge Araújo)



Foto 1 - Xime (1965) – O Capitão Francisco Meirelles rodeado de “Homens Grandes” da região. O 3.º da esquerda era, em 1972, o Chefe de Tabanca do Xime, cujo nome já não me recordo. (Foto retirada, com a devida vénia, do livro "Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles"  (Braga: Editora Pax, s/d, p30),

Alguém de ‘boa vontade’ que saiba o  nome do Chefe da Tabanca do Xime… faça o favor de informar. Obrigado!




Foto 2 - Xime (1972) – Ao meu lado, o Chefe de Tabanca do Xime, sete anos depois da imagem anterior.

Foto (e legenda): © Jorge Araújo  (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018



A COMPANHIA DE CAÇADORES 508 (1963-1965) E A MORTE DO SEU CMDT CAP INF FRANCISCO MEIRELLES EM 3JUN1965 NA PONTA VARELA

- A ÚNICA BAIXA EM COMBATE DE UM CAPITÃO NO XIME - PARTE I



1. INTRODUÇÃO

A presente narrativa tem na sua génese a recuperação de algumas memórias da história colectiva da Companhia de Caçadores 508 [CCAÇ 508] durante a sua presença no CTIG, entre 20Jul1963, chegada a Bissau, e 07Ago1965, data do embarque de regresso à metrópole.

 Nela relataremos, também, o contexto que originou a morte do seu Cmdt - o capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (1938-1965), imagem ao lado - ocorrida na Ponta Varela (Xime), no dia 3 de Junho de 1965, 5.ª feira, narrado no livro elaborado em sua memória pela sua família, e por mim adquirido a um alfarrabista de São João da Madeira, cruzando-o com a versão oficial publicada pela CECA [Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974)].

Acrescento, a propósito, que este texto já estava alinhavado e alinhado desde Dezembro último, data em que foi postado o trabalho relacionado com a elaboração da lista, corrigida e aumentada, dos camaradas «Capitães» que tombaram durante a guerra na Guiné – P19315 (22.12.18) – cujas causas de morte foram agrupadas em acidente, combate e doença.

A fonte a que recorremos, para o efeito supra, foi a base de dados da «Academia Militar», sítio: https://academiamilitar.pt/filhos-da-escola-do-exercito-e-da-academia-militar.html, de onde retirámos os elementos necessários para a organização daquele trabalho.

Dessa lista de doze nomes (mortes em combate) foi sinalizado, desde logo, o do Capitão Francisco Meirelles, uma vez que a sua morte aconteceu num local mítico e muito familiar para o contingente da minha CART 3494, no qual me incluo, naturalmente, ainda que entre cada caso, ou período nele vivido, exista uma diferença temporal de sete anos (1965/1972), conforme fotos nº 1 e nº 2 (acima).

Por razão relacionada com o início da publicação, no blogue da «Tabanca Grande», do trabalho de pesquisa elaborado pelo camarada cor art ref António Carlos Morais da Silva (o nosso primeiro gã-tabanqueiro do ano em curso; que saúdo), na série: «In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-1975) – P19378 (07.01.19) – fiquei a aguardar pela postagem dos dados do malogrado Capitão Francisco Meirelles que agora aconteceu – P19579.

2. SUBSÍDIOS HISTÓRICOS DA COMPANHIA DE CAÇADORES 508  (BISSORÃ,  BARRO - BIGENE, OLOSSATO, BISSAU, QUINHAMEL - PONTA DO INGLÊS, GALOMARO E XIME, 1963-1965)


2.1. A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 7 [RI 7], de Leiria, a Companhia de Caçadores 508 (CCAÇ 508) embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 14 de Julho de 1963, domingo, sob o comando, interino, do Alferes Cardoso, seguindo viagem a bordo do N/M Índia,  rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 20 do mesmo mês, sábado.

2.2. SÍNTESE OPERACIONAL

Dez dias após a sua chegada a Bissau, ou seja, em 01 de Agosto de 1963, a CCAÇ 508 assumiu a responsabilidade do subsector de Bissorã, então criado, com grupos de combate (pelotões) destacados em Barro, até 23 de Dezembro de 1963, e Bigene, até 26 de Dezembro de 1963, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 507 e, após remodelação daqueles sectores, no BCAÇ 512. Em 26 de Dezembro de 1963, passou a ter um grupo de combate destacado em Olossato.

Dez dias após ter iniciado a sua actividade operacional, ou seja, em 11 de Agosto de 1963, a CCAÇ 508 tem a sua primeira baixa, com a morte, por acidente com arma de fogo, do camarada:

● António Rodrigues Teixeira de Jesus; 1.º Cabo; natural de Avões, Lamego; solteiro.

Em Fevereiro de 1964, com seis meses de comissão, a CCAÇ 508 regista mais duas baixas, estas em combate, em Maqué (Região do Óio), na sequência da sua intensa actividade operacional.



Foto 3 - Olossato (1964) – Unimog destruído por mina anti-carro. Esta viatura foi conduzida pelo condutor da CCAÇ 508, Cândido Paredes, natural de Favaios, Vila Real. (Foto do próprio publicada em http://lugardoreal.com/imaxe/unimog-destruido, com a devida vénia).


Destaca-se, neste contexto, as seguintes:

(i) em 03Fev64, 1 Gr Comb, pernoitando em Missirá, reagiu a um ataque IN, pondo em fuga;

(ii) vinco dias depois (08Fev64) rebentou uma mina [anti-carro] na estrada Mansabá-Farim, provocando quatro feridos em 2 Gr Comb, que reagiram, provocando baixas ao IN;

(iii) Em 12Fev64, 4.ª feira, 1 Gr Comb levantou 42 abatises, em Maqué, sofrendo uma emboscada de que resultaram dois mortos e quatro feridos nas forças da CCAÇ 508, sendo os mortos os seguintes camaradas:

● António Fernando Teixeira Vilela; soldado; natural de Rio Tinto, Gondomar; solteiro. Foi sepultado no Cemitério de Bissau (Campa 692).

● José Paulo Fonseca; soldado; natural de Aljubarrota, Alcobaça, solteiro. Foi sepultado no Cemitério de Bissau (Campa 692).

Entretanto, decorrido um ano de comissão do contingente da CCAÇ 508, chega a esta Unidade Independente o Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles [1938-02-21/1965-06-03] para a comandar. A sua viagem iniciou-se em Lisboa a 17 de Julho de 1964, a bordo do barco de carga «António Carlos», rumando a Bissorã, região do Oio, onde o seu contingente se encontrava instalado.

Em 04Set64, 6.ª feira, já então na dependência do BART 645, e depois da chegada da CART 566, a CCAÇ 508 foi substituída no subsector de Bissorã pela CART 643, do antecedente ali colocada em reforço, tendo seguido para o sector de Bissau, a fim de se integrar no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área, com um grupo de combate destacado em Quinhamel, ficando na dependência do BCAÇ 600.

Em 15Nov64, domingo, a CCAÇ 508 regista a quarta baixa, com a morte, por afogamento no Rio Geba, em Bafatá, do camarada:

● António Coutinho Nobre; Soldado; natural das Caldas da Rainha; solteiro.

Em 08Fev65, 2.ª feira, um ano após terem accionado uma mina na estrada Mansabá-Farim [imagem acima] a CCAÇ 508, contabiliza mais uma baixa, a quinta, desta vez provocada pelo levantamento de uma mina em Jabadá, verificando-se a morte do camarada:

● João Francisco Serrão; Soldado; natural de Coruche; solteiro.

É de referir que a transferência para Bissau ficou a dever-se ao facto da Companhia estar muito debilitada pela longa permanência no mato e por ter sofrido algumas baixas.

Porém, em princípio de Março de 1965, a CCAÇ 508 foi novamente mandada para uma zona operacional. Em 7 e 23 de Março de 1965, por troca com a CCAÇ 526, a CCAÇ 508 deslocou-se, por fracções para Bambadinca, assumindo a responsabilidade do respectivo subsector, com grupos de combate [pelotões] destacados em Xime e Galomaro e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697, sob o comando do Tenente-Coronel Mário Serra Dias da Costa Campos, sediado em Bambadinca.

Em 16Abril65, 6.ª feira, a CCAÇ 508 foi substituída pela CCAV 678, sendo deslocada para o Xime, onde  assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, então criado, com grupos de combate destacados em Ponta do Inglês e Galomaro.

Em 27Mai65, 5.ª feira, a CCAÇ 508 regista mais uma baixa no seu efectivo, a sexta, com a morte em combate, no Xime, do camarada:

● José Ferreira Clemente; Soldado Auto Rodas; natural de Milagres, Leiria; solteiro. Foi sepultado no Cemitério de Bissau (Campa 1812).

Em 03Jun65, 5.ª feira, a CCAÇ 508 perde mais quatro unidades em combate, na Ponta Varela (Xime), sendo um o seu comandante, o Capitão Francisco Meirelles, em consequência do rebentamento de uma mina. Eis os seus nomes:

● Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles; Capitão de Infantaria QP; natural de Castelões de Cepeda, Paredes; casado.

● José Maria dos Santos Corbacho; 1.º Cabo; natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, solteiro.

● Domingos João de Oliveira Cardoso; Soldado Auto Rodas; natural de São Cosme, Gondomar; solteiro.

● Braima Turé; Caçador Nativo (guia), natural do Xime, Bambadinca.

[Nota: Nas diferentes fontes consultadas, não existe concordância quanto aos locais onde foram sepultados os últimos três corpos referidos acima. Na Parte II, daremos conta do que consta em cada uma delas (fontes)].

Entretanto, em 06 de Agosto de 1965, após a chegada da CCAÇ 1439 para treino operacional, a CCAÇ 508 foi rendida no subsector do Xime por forças da CCAV 678, recolhendo imediatamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso ao Continente, após dois anos de comissão. A viagem de regresso iniciou-se a 07 de Agosto de 1965, sábado, a bordo do vapor «Alfredo da Silva» com a chegada ao cais de Alcântara, Lisboa, a ter lugar no dia 14 do mesmo mês, sábado.



3. A MORTE DO CAPITÃO FRANCISCO MEIRELLES EM 03JUN1965 – DESCRIÇÃO





Tendo por principal fonte de investigação o livro publicado em sua memória pela sua família que, segundo creio, aconteceu a propósito do primeiro aniversário da sua morte, pela dedicatória que nele consta, tomei a liberdade de o citar, como elemento historiográfico, particularmente no que concerne aos antecedentes e a alguns detalhes relacionados com o desenrolar das acções que ditaram a sua morte e de mais três elementos da sua CCAÇ 508.



Mapa da Região do Xime, indicando os pontos mais problemáticos da actividade operacional das NT.



[…] O Xime, enquanto zona especialmente perigosa, era visitado pelos repórteres militares. […]

"Em 3 de Junho de 1965, foi [o capitão Francisco Meirelles] incumbido de mostrar aos operadores da R.T.P. como se fazia a detecção de minas, muito frequentes naquela zona, pois em menos de três meses tinham sido levantadas mais de 40. Logo a 2 kms do Xime foi detectada uma mina anti-carro. Como os trabalhos de levantamento da mina demorassem, o capitão Meirelles propôs ao major Abeilard Martins, 2.º Comandante do Batalhão 697, irem a pé até à tabanca de Ponta Varela, pois queria mostrar a conveniência da sua reocupação pelos nativos, em regime de auto-defesa, reocupando-se dessa forma uma região muito fértil. Ficariam assim os comandos a dispor de mais um ponto de observação e de vigilância, e também dificultada a colocação de minas naquela zona.

Aceite a sugestão, partiram aqueles oficiais, juntamente com o major Afonso, do Estado Maior do Comando Chefe, que acompanhava os operadores da TV, com o régulo da tabanca de Ponta Varela, com alguns pisteiros indígenas e com duas ou três secções que seguiam nos flancos. Percorridos os 4 ou 5 kms que distam de Ponta Varela, foi esta povoação observada minuciosamente bem como os pontos de defesa e apreciado o panorama do Canal do Geba e dos planos que o ladeiam. […]

Como fosse perto do meio-dia, comeram-se algumas frutas e iniciado o caminho do regresso, a umas centenas de metros da tabanca rebentou repentinamente uma mina antipessoal que tudo leva a crer fosse armadilhada depois da primeira passagem pelo local ou então comandada á distância.

A mina ao rebentar esfacelou o 1.º cabo João Maria [dos Santos] Corbacho, o soldado Domingos João de Oliveira Cardoso e o soldado indígena Braine [Braima Turé], que morreram instantaneamente e feriu gravemente na garganta e tórax o capitão Meirelles, que veio a falecer uns vinte minutos após a explosão. Ficaram feridos os majores Abeilard Martins (este com bastante gravidade) e Afonso e mais 4 soldados.

Com um sangue-frio impressionante, os operadores da TV Afonso Silva e Luís Miranda, que ficaram ilesos, começaram a filmar a cena, poucos momentos após a explosão, havendo assim, além das testemunhas sobreviventes, um documentário fotográfico da operação e das consequências do rebentamento". […] Op.cit. pp10-11.

Continua…




Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); p195.

Ø Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (s/d). Editora Pax, Braga.

Ø http://ultramar.terreweb.biz/index_MortosGuerraUltramar.htm (com a devida vénia)

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

14MAR2019.

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Nota do editor: