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quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23671: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte II: 1962, recruta em Bolama e instrução de especialidade no CICA / BAC, Bissau: o racismo primário do cmdt da CART 240


Guiné > Ilha de Bolama > Carta de Bolama (1952) > Escala 1/50 mil > Bolame, detalhe

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Continuamos a reproduzido, aqui no blogue, alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp.). O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua na nossa memória e nos nossos corações.

É um documento autobiográfico, único, sem paralelo (entre os militares guineenses do recrutamento local) , indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe, cmo outros combatentes. e nomeadamente os que serviram no Batalhão de Comandos da Guiné.

Membro da Tabanca Grande,. tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado em vida).

Em homenagem à memória do nosso camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue, nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui mais umas páginas do seu livro. 

O Amadu Djaló relata aqui as suas peripécias como recruta no CIM de Bolama )Jan / março de 1962) e depois na instrução de especialidade no CICA / BAC em BIssau.





Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



Recruta no CIM de Bolama e instrução de especialidade no CICA / BAC, em Bissau (1962)

por Amadau Bailo Djaló (*)



Recruta em Bolama no primeiro trimestre de 1962


Embarquei na 3ª feira, dia 9 de janeiro de 1962, rumo a Bolama, onde cheguei cerca das 13h30.

Ao atracar, o cobrador do barco, reconhecendo que era recruta, disse-me:

– Olha, vem ali o capitão.

Já no cais, dirigi-me ao capitão e entreguei a guia de marcha.

– Por que é que só vens agora?

Como fiquei calado, voltou a fazer a mesma pergunta. Mantive-me calado, não tinha nada para dizer.

– Apresenta-te no quartel – ordenou.

Fiquei tão receoso que nem perguntei para onde ficava o quartel. Foi uma mulher, com um filho ao colo, que me disse para cortar à esquerda, que logo o veria. Aproximei-me do portão e cumprimentei a sentinela.

– O que queres?

Que vinha para a tropa, respondi.

Chamou o cabo da guarda, que me fez idêntica pergunta:

– Que queres?

Dei a mesma resposta, que vinha para a tropa.

– Entra!

Fui atrás, apontou-me um banco comprido e mandou-me aguardar. Estava a pensar na minha Bafatá e nos meus pais quando ouvi um toque de uma corneta e o reboliço enorme de duzentos e cinquenta recrutas a saírem das casernas.

Entretanto, chegou junto de mim um sargento, que mais tarde vim a saber que era o 1º sargento Perdigão, que me mandou acompanhá-lo a uma arrecadação, onde estavam centenas de fardas empilhadas. Mandou tirar um fardo e levá-lo para a caserna, para me fardar. O peso era tanto que fui ajudado por um cabo, o 1º cabo José Maria. Na caserna, enquanto me fardava, chorava lágrimas de desespero, de tristeza e de saudade dos meus pais. E também, por pensar que ia estar fora de casa três anos, que era o tempo de serviço militar obrigatório.

Acabei de me fardar e fui à procura de um pelotão onde houvesse gente de Bafatá. Só encontrei duas pessoas conhecidas, o Molo Baldé, meu conhecido desde a infância, e outro rapaz de Bafatá. Não me deixaram ficar nesse pelotão, encaminharam-me para outro, o 5º, que era comandado por um 1º sargento, já com uma certa idade. No dia seguinte, destinaram-me outro pelotão, comandado pelo alferes Mendes.

Não jantei na minha primeira noite no quartel. A comida não cheirava bem, não tinha boa apresentação, com muitas moscas em cima dos pratos. O meu colega do lado segredou-me:

– Tens que aguentar. É assim, pouco a pouco a gente habitua-se.

Não conseguia tragar aquela comida com a facilidade que via nos outros. Comia para não passar fome.

Vinte e seis dias depois, chegaram de Bissau o capitão Bispo e o sargento Cruz para nos fazerem exames psicotécnicos.nNo fim dos testes, o capitão e o sargento regressaram a Bissau, e passados alguns dias, soubemos os resultados.

Dos sessenta e tal recrutas tínhamos sido aprovados vinte e cinco. Recebemos as guias de marcha com destino a Bissau, para frequentar a escola de condução. Foi uma viagem agradável, chegámos à tarde e apresentámo-nos no CICA [2] / BAC.


Em Bissau, no CICA / BAC, em março de 1962, 
para tirar a especialidade de condutor auto rodas


Os acontecimentos passavam a correr. Ainda há pouco tempo andava pelo Senegal com o meu primo e agora, um ano depois, já tinha feito a recruta e preparava-me para tirar a especialidade de condutor auto. A instrução na escola de condução iniciou-se no dia seguinte.

Depois de iniciarmos, em março de 1962, as aulas de código e de condução, chegou a altura dos exames, que duraram dois meses, agosto e setembro.

No primeiro exame, a 20 de agosto, éramos três, eu e mais um fomos aprovados, o outro ficou inapto. Durante este período fomos prestando serviços de guarda ao Palácio, polícia, faxinas, reforços e capinagens.

Estes trabalhos não eram de carácter definitivo, mas estávamos a ver o tempo passar, sempre a fazermos estes serviços, enquanto os colegas da BAC, também da mesma escola, já estavam a exercer as funções de condutores.

Porque estes serviços se estavam a prolongar e não víamos forma de exercermos a nossa função, em princípios de novembro de 1962, falei com os meus colegas que estavam nesse dia de faxina ao refeitório, e combinámos falar com o capitão Simões, da 4ª repartição do Quartel General. Abordámo-lo e coloquei-lhe o assunto:

– Meu capitão, nós somos condutores da 1º incorporação de 1962. Já fizemos exames em agosto e setembro. Estamos em princípios de novembro e só estamos a fazer serviços de guarda ao palácio, guarda à porta de armas, reforços, faxinas e capinagens. Viemos pedir ao meu capitão para nos colocar nas respectivas companhias.

– Já acabaram a instrução e já fizeram exame?

– Acabámos os exames em 20 de Setembro – respondi..

Na nossa frente, o capitão telefonou para o CICA., a fim de falar com o capitão Bispo, comandante deste destacamento, que na altura, não se encontrava no gabinete, mas já que estava a ligação feita, falou com o 1º sargento Cruz, a quem perguntou:

– Os homens da 1ª incorporação ainda não fizeram os exames?

– Não, meu capitão, ainda não, respondeu o sargento.

– Mas estão aqui a dizer que já acabaram os exames!

O 1º sargento disse que ia procurar saber o que se passava e, momentos depois, connosco ainda no gabinete, voltou a ligar.

– Meu capitão, só falta fazerem a adaptação a viaturas pesadas.

– Bom, podem retirar-se, que eu amanhã vou mandar viaturas para o CICA para se adaptarem.

Retirámo-nos mais satisfeitos.

No dia seguinte, a promessa estava cumprida, foram recebidas três viaturas pesadas, para nos adaptarmos durante uma semana, e no fim estacionámo-las no parque, depois de lavadas e arranjadas.

Os serviços é que continuaram, não tinha havido nenhuma alteração, tudo continuou na mesma até aos princípios de dezembro.



Lisboa > Museu Militar > 15/4/2010 >
Amadu Bailo Djalo, feliz,
 no lançamento do seu livro.
Foto: Luís Graça (2010)
 
Preto é como tartaruga (ou o primário rascismo do comandante da CART 240)


Quando estávamos no CICA/BAC, como adidos, com o exame já feito e à espera de colocação, aconteceu um episódio que nunca mais esqueci.

Nessa altura, estávamos a fazer serviços, sem direito a folgas: sentinela à porta de armas, guarda ao Palácio do Governador-Geral, reforços, faxinas ao refeitório, plantão à caserna. Em cada semana alinhávamos quatros dias e folgávamos três. Mas, nestes dias de folga chamavam-nos para fazer capinagens. Este serviço não tinha escala, quando acabavam de fazer a chamada para os outros serviços, os que não tinham sido chamados iam para a capinagem.

Num dia em que fiquei de folga, o 1º sargento ordenou-nos que fossemos atrás dele. Dirigimo-nos para a arrecadação, levantámos as catanas e, então o 1º sargento deu ordem para irmos capinar á volta da messe de oficiais de Santa Luzia. Mas que, antes de irmos capinar, devíamos ir ter com um capitão da CART 240, que queria falar connosco. 
 [3]

Fomos levados pelo 1º sargento ao gabinete do capitão. Quando a porta do gabinete se abriu, o capitão perguntou se algum de nós percebia português. Alguém apontou para mim e eu passei para a frente dos meus colegas com a função de traduzir as palavras do capitão. Não fui com muita vontade, mas não me podia esquivar. O capitão disse-me para ouvir bem para depois transmitir tudo aos nossos colegas que não entendessem.

– Vocês vão capinar para a messe de oficiais. Mas é para capinar, não é para brincar, ouviram? Vou passar de jipe várias vezes no local. Se vir algum de vocês de pé, leva um castigo a sério, ouviram bem?

E continuou:

Eu vim de Angola e sei muito bem o que é o preto! Vocês sabem o que é o preto?

Com todos calados, o capitão continuou:

– O preto é como a tartaruga. Só quando lhe chegamos fogo ao cu, é que tira a cabeça! Ouviram bem? Perceberam tudo?

– Sim, senhor, meu capitão..

Despachou-nos e saímos logo a correr para o local indicado, sem ser preciso traduzir a conversa. Todos tinham percebido, ninguém abriu a boca até perto da messe. Só quando lá chegámos, um colega disse:

– Este capitão é mesmo mau! 

Depois desta frase do colega, cada um de nós deu um nome diferente ao capitão. Pela minha parte, ele era um diabo, não era um ser humano. Um homem com tanta cultura, oficial do Exército Português, não deveria tratar deste modo os subordinados.

A gente não levou esta história muito a mal. Era apenas um capitão com menos competência, com uma consciência fraca. Conhecíamos outros oficiais e sargentos, falávamos todos os dias com militares europeus, e nunca ouvi nenhum a utilizar esta linguagem para uma pessoa com cor de pele diferente.


Tropa é tropa, e tu  vais para Bedanda  


Há um mês e tal que tínhamos feito a adaptação às viaturas pesadas, ainda estacionadas no parque, e nós continuávamos no serviços de guarda ao Palácio, a fazer faxinas, capinagens, reforços e nunca mais víamos a nossa situação definida. Num dia em que estava de faxina ao refeitório, decidimos voltar ao capitão Simões e fomos à 4ª repartição.

– Meu capitão, desculpe, voltar a incomodá-lo novamente, mas a nossa situação está na mesma, continuámos a fazer guardas, reforços, faxinas e capinagens, condução é que não.

– Já acabaram a adaptação?

– Há um mês e tal que terminou, meu capitão!

O capitão voltou a pegar no telefone e ligou para o CICA, para falar com o agora major Bispo, mas não o encontrou no gabinete. Falou com o 1º sargento Cruz a quem perguntou:

– Os condutores ainda não acabaram a adaptação?

– Não, meu capitão, ainda não acabaram!

– Mas, como é isso? Estão aqui à minha frente cinco soldados e – interrompendo, virou-se para mim – que números são os vossos?

- Somos o 25[1]/A, 13/A, 11/A, 15/A e 18/A.

Tomados os números de cada um de nós, o capitão retomou a conversa com o 1º sargento, e deu-lhe os nossos números.

– Meu capitão, vou já contactar com os instrutores – respondeu o sargento.

Ficamos a aguardar no gabinete. O 1º sargento, momentos depois ligou para o capitão.

– É verdade, meu capitão, esses soldados já acabaram a instrução.

– Bom, então, mande-me o relatório com os nomes e respectivos números para eu os colocar – respondeu o capitão.

– Podem ir embora e, muito brevemente, vocês vão ser colocados nas respectivas companhias.

Ficámos com receio de alguma reacção contra nós, pelo facto de termos voltado a contactar o capitão Simões e lembrei-me de dizer aos colegas que, ao sairmos do QG, o fizéssemos a correr para o refeitório, para não sermos identificados por alguém que estivesse à porta a espiar-nos. O que veio a acontecer. Quando cheguei ao refeitório, logo à primeira ordem de chamada ouvi:

– Amadu, o nosso 1º sargento Cruz mandou-te chamar!

– Não posso sair, estou a trabalhar respondi.

Estávamos atrasados no serviço. Veio outro soldado a quem dei a mesma resposta, que estava a trabalhar, que não podia sair daqui, ainda não tínhamos posto as mesas, que estávamos a lavar mais de duzentos pratos, centenas de colheres, facas, garfos, copos.

Quando estávamos a pôr as mesas voltou outro soldado, para eu ir falar ao 1º sargento.

– É pá, estou a trabalhar, não posso sair daqui agora, ainda nem acabamos de pôr as mesas!

– Amadu, o nosso 1º sargento está ali à porta, à tua espera – replicou.

Olhei, os olhares encontraram-se e vi o 1º sargento fazer-me sinal. Não tive outro remédio, dirigi-me ao seu encontro.

– Vocês é que foram ao capitão Simões?

– Sim, meu 1º..

– Aonde é que queres ser colocado?

– Em qualquer lado, meu 1º!

– Parece que terás pedido colocação em Bafatá ou Gabu, ou não?

– Não é bem assim. O tenente Carrasquinha é que tinha pedido para eu ser lá colocado, mas para mim tanto faz.

– Entendi – replicou o 1º sargento, e  despediu-se.

Voltei para o refeitório, praticamente com a certeza de que não iria ser colocado em Gabu. O tenente Carrasquinha tinha escrito uma carta, de que eu próprio fui portador, ao tenente António Silva, seu cunhado, em que pedia que me arranjasse colocação no Gabu.

Dez dias depois, salvo erro, estava de plantão na guarita sul, pelas 15h00, quando chegou junto de mim, um soldado que me disse que me vinha substituir. A hora a que eu terminava o serviço era às 18, e a razão de me vir substituir era que ia haver a concentração de todos os adidos na parada da guarda, frente ao gabinete do 2º comandante da BAC.

Aí, o tenente Trindade comunicou-nos as novas colocações. Eu, como os outros nove condutores, fui colocado na 4ª Companhia de Caçadores, em Bedanda, no sul. Uma surpresa que não foi muito grande para mim.

Terminada a leitura do comunicado, feitas as colocações nas respectivas companhias e dada ordem para dispersar, dirigi-me ao QG para saber das razões de ter sido colocado em Bedanda, quando havia um pedido para eu ser colocado no Gabu-

– Amadu, onde vais ? – interrompeu-me, o 1º sargento Cruz.

Que me queria despedir dos colegas, foi a minha resposta.

– Não vais – interferiu o tenente Trindade.

– Porquê?

– Porque não vais! E para aqui, imediatamente – salientando bem com um gesto.

Obedeci e calei-me. Entretanto, o tenente foi-se aproximando de mim. Fiquei tão atarantado que até me esqueci de me pôr em sentido. Deu-me um soco, com força, na barriga, que me obrigou a dobrar. Um alferes, de nome Garcia, que estava ali, quando eu me estava a dirigir para a caserna, chamou-me e aconselhou-me a ir para Bedanda e, dois ou três meses depois, que requeresse a transferência para onde quisesse. E que não ligasse ao que aconteceu. Mas eu estava incomodado, fui-me sentar na parada, junto às árvores, num canto.

Ao longe vi o tnente Trindade dirigir-se a mim. Quando se aproximou levantei-me e pus-me em sentido. Então ele perguntou-me:

– Então já sabes para onde vais?

– Sim, meu tenente!

– Para onde?

– Para Bedanda, meu tenente!

– Pois, é tropa!

______

Notas do autor ou do editor ("copydesk")_

[1] Na recruta foi-me atribuído o nº 251. 25/A, i.e. 25 de Adidos.

[2] CICA (Centro de Instrução de Condução Auto). BAC (Bateria Artilharia de Campanha). 

[3] A CART 240 (Bissau, jul 61 / out 63) teve dois comandantes, o cap art Manuel Fernando Ribeiro da Silva (1932-2021) e o cap mil inf António Gomes de Oliveira e Sousa. O primeiro  fez três comissões de serviço no ultramar, a primeira na Guiné e as duas a seguir em Moçambique  (1966/68 e 1969/71). O Amadu Djaló pode estar, involuntariamemte, a cometer alguma injustiça ao referir-se ao "capitão da CART 240", sem mencionar o seu nome... 

Esta subunidade foi mobilizada pelo GACA 2. Mas havi autra companhia de artilharia, a CART 250: mobilizada pelo RAP2, esteve na Guiné, sempre em Bissau, entre agosto de 1961 e novembro de 1963. Teve 3 comandantes: cap art José Maria Eusébio Alves; cap inf Manuel Viegas de Sousa Lopes; e  cap mil art António Francisco do Vale... (Não sabemos se algum deles era de Angola, ou estivera antes em Angola.)

Em 1962, não há nemhuma CART a chegar à Guiné. E são apenas quatro as unidades e subunidades: BCAÇ 356 (Bissau, Cufar, Catió, jan 1962/jan 1964); EREC 385 (Bafatá, jul 1962 / juk 1964)... e duas companhais de infantaria: a  CCAÇ 273 (mobilizada pelo BII 17, tendo estado em Bissau, Catió, Cacine e Cabedé)  e a CCAÇ 274 (mobilizada pelo BII 18, esteve em Bissau e Fulacunda)...Comandantes: cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar e cap inf Adérito Augusto Figueira, respetivamente.  (Nota de LG).

[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 22 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão

Vd. também postes de:

19 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23627: (In)citações (220): Homenageando os bravos do Batalhão de Comandos da Guiné (Raul Folques, em 15/4/2010, na sessão de lançamento do livro do Amadu Djaló, "Comando, Guineense, Português")

18 de setembro de 2022 > Guné 61/74 - P23625: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (12): A Op Ametista Real: o batalhão de comandos em Cumbamori, no Senegal, 19 de maio de 1973 (Amadu Bailo Djaló, alf graduado 'comando', 1940-2015)

14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23618: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte II: Testemunho de Jorge (ou George) Freire, ex-cap inf, comandante da 4ª CCAÇ , no período de novembro de 1962 a maio de 1963



Jorge Freire, ex-cap inf, que esteve na Guiné, em 1961/63, e desde então a viver nos EUA (aqui com a sua esposa), e onde é conhecido por George Freire, engenheiro e empresário. Desde julho de 2019, o seu blogue tem estado inativo. Esperamos que ele e a família estejam bem de saúde.

Foto: © George Freire (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 

 Vídeo (9' 56'') George Freire > Nov 62 / mar 63 > Vídeo 2/3 > Nova Lamego, Buruntuma, Bissau, Cacine, Bedanda, Chugué... Os primeiros sinais da guerra, no sul da Guiné, em março de 1963: O primeiro morto, o primeiro prisioneiro, as primeiras transferências de população, ... A farda amarela, a mauser...Fauna local: a hiena, o crocodilo... O Rio Cumbijã...

Inserido na conta do Virgínio Briote no You Tube / bra6567 (licar aqui, como alternativa, para visionar o filme)

1. Todas as guerras tem um começo, um desenvolvimento e um fim... É como um rio, que é alimentado, desde a nascente, por mil e um riachos, ribeiras e outros rios... A guerra pela independência na Guiné, levada a cabo pelo PAIGC,  era perfeitamente previsível... Só restava saber a data,  a hora e o local do primeiro tiro, como viria a acontecer em 23 de janeiro de 1963, em Tite, pelas 01h45.

Depois foi o jogo de xadrez... Nem sempre há xeque-mate, como foi o caso... Estupidamente, os dois contendores (e os seus estrategas, patrocinadores e  claques de apoio) deixaram a guerra / o jogo arrastar-se demasiado tempo, por onze (ou mais) longos anos. Acabou por se encontrar uma "solução política", esgotada a sorte das armas... que nem sempre protege os audazes.

Recuemos, pois,  ao princípio imediato, passando por cima das complexas condições antecedentes (causas próximas e remotas), que isso fica para os historiadores... 

Do lado português, é impressionante ver como uma  escassa força de algumas centenas de homens guarnecia, em agosto de 1962,  todo o sul da Guiné, compreendendo a região de Quínara (onde a guerra começou) e a região de Tombali, que era o celeiro da Guiné: Comando do BCAÇ 237 (Tite); CCAÇ 152 (Cacine, Gadamael Porto, Aldeia Formosa, Saltinho); CCAÇ 153 + Pel Caç 859 (Fulacunda);  1 Pel Caç / CCAÇ 84 (Empada e Cufat), 

ZA (Zona de Acção) de Tite - Abrangia o sul com fronteira com a República da Guiné (*):
  • Comando do BCaç 237 (Tite); 
  • CCaç 152 (- Pel e 1 Sec) (Buba);
  • 1 Pel Caç / CCaç 152 (Cacine) com 1 Sec Caç (Gadamael Porto); 
  • 1 Pe1 Caç (-)/CCaç 152 (Aldeia Formosa) com 1 Sec Caç (Saltinho);
  • CCaç 153 (-1 Pel) e Pel Caç 859 (Fulacunda); 
  • 1 Pel Caç/CCaç 84 (- 1 Sec) (Empada) com 1 Sec Caç (Cufar); 
  • 4ª CCaç (-1 Pel e 1 Sec) (Bedanda) com 1 Pel Caç (Tite); 
  • 1 Sec Caç (Cacine); 
  • CIM: 2 Pel Caç (I) (Bolama); 
  • Pel Mort 19 (Tite);
  • Destac Man Mat 245 (Tite).

Guiné > Dispositivo das NT em 8 de agosto de 1962.  Destaque para a ZA de Tite (que abrangia todo o sul, com fronteira com a Guiné-Conacri: umas escassas centenas de homens concentrados em Tite, Fulacunda, Bolama, Buba, Empada, Aldeia Formosa, Bedanda, Catió e Cacine:

Infografia: CECA (2014) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (2022)

Quatro meses depois, em 1 de janeiro de 1963, o  Sector Sul era guarnecido pelas seguinte forças,  parte delas do recrutamento local: 4ª CCAÇ + Pelotões de Caçadores Indígenas (*):
  • 1 Cmd BCaç, 1 Sec Caç Indígena (I) e 1 Pel Mort todos aquartelados em Tite;
  • 1 Pel Caç (+) em Aldeia Formosa
  • 2 CCaç (-2 Pel e 3 Sec) e 1 CCaç I (- 2 Pel e 4 Sec) em Bedanda
  • ClM, 1 Pel Caç (Pel Indígena - 1 Sec) em Bolama
  • 1 CCaç (-1 Pel) + 1 AMetr em Buba
  • 1 Cmd BCaç, 1 CCS (-1 Pel Rec Inf), 1 CCaç, 1 Sec Caç (Ind) e I Pel Mort todos aquartelados em Catió
  • 1 Pel Caç (1 Sec Ind) em Cabedú
  • 1 Pel Caç (l Sec Ind) em Caboxanque
  • 1 Pel Caç + 1 Sec Caç (Pel Ind) em Cacine
  • 1 Pel Rec Inf em Cufar
  • 1 CCaç (-3 Pel) + 1 Sec (1 Sec Ind) em Empada;
  • 1 CCaç + 1 Pel Caç + 1 AMetr em Fulacunda
  • 1 Pel Caç (-1 Sec), Pel Ind (- 2 Sec) em Chugué
  • 1 Pel Caç (1 Sec Ind) na Ilha das Galinhas.

2. Contemporâneo destes acontecimentos, temos o Amadu Bailo Djaló (**), ex-sold condutor auto, que esteve em Bedanda, na 4ª CCAÇ durante o 1º semestre de 1963, antes de se oferecer, em 1964, para os Comandos do CTIG. Do que viu não gostou, nem teve saudades de Bedanda.  

Verificamos agora que ele teve como comandante, nesse período, o ex-cap inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire (ou só George Freire, como é conhecido nos EUA, para onde emigrou logo em meados de 1963, e na nossa Tabanca Grande, onde ingressou em 29/12/2008).

Da leitura do diário da Guiné, de George Freire,  depreende-se que houve um rápido alinhamento da população local, com os fulas a mostrarem-se leais às autoridades portuguesas e os balantas (e outros: biafadas, nalus...) a ficarem do lado do PAIGC...  Ficamos a saber, por exemplo, que a população (fula) de Bedanda, em meados de 1965, ao tempo do cap inf Aurélio Manuel Trindade, era fundamentalmente oriunda do Cantanhez, e mais concretamemte de Iemberém (no nosso tempo, Jemberém).

Houve seguramente terror e contraterror nestas ações de ambos os lados, nos primeiros tempos da guerra. Mas repare-se que os prisioneiros feitos pela 4ª CCAÇ eram  entregues ao batalhão (o George Freire não o identifica, claramente, mas seria o BCAÇ 356). 

Por outro lado, um dos alvos privilegiados da ação da guerrilha são as casas comerciais, a Ultramarina (ligada ao BNU) e à Gouveia (pertencente à CUF)... O PAIGC apropriara-se, em Cafine, em 25 de março de 1963, do navio "Mirandela", pertencente da casa à Gouveia,  e do navio "Arouca",  da casa Brandão (serão depois utilizados  para transporte de pessoal e material em águas da Guiné-Conacri).

A produção de arroz vai decrescer drasticamente nos anos seguintes. A importação de arroz mais do que triplica de 1962 (c. 9 mil toneladas) para 1964 (c. 30 mil toneladas). A Guiné nunca mais será a mais a mesma, depois do ataque de Tite, em 23 de janeiro de 1963. As comunicações (por terra e por rio), em particular, tornaram-se impossíveis ou difíceis.

(...) A situação no Sul piorava. O inimigo actuava então em quase todo o sector, aproveitando o facto de serem muito escassos os efectivos militares. As deslocações destes tornaram-se cada vez mais difíceis, em face das obstruções das principais estradas da região. Em 2/3Abr, o ln atacou por três vezes o aquartelamento do Destacamento do Chugué; assassinou nativos e régulos que resistiam ao aliciamento; no dia 07, atacou elementos militares em reconhecimento na região de S. Miguel Balanta; em 21, numeroso grupo inimigo opôs forte reacção à CCaç 414, nas ilhas de Caiar e Como. Em 22, o ln atacou por duas vezes forças militares que actuavam em Jabadá.

Esta actividade do ln levava a admitir que, no Sul da Província, só estavam efectivamente sob controlo das autoridades as populações que viviam próximo das guarnições militares; as mais afastadas consideravam-se sujeitas à pressão do ln, como é natural em guerra subversiva" (Fonte_ CECA, 2014, pág. 92).

Todos estes topónimos, citados pelo George Freire, no seu diário, são-nos familiares, para muitos de nós: Bedanda, Cabedu, Caboxanque, Cacine, Cadique, Cafal, Cafine, Catió, Chugué, Jemberem, Mejo, Salancaur...  Ainda não se falava de Guileje nem de Gadamael... Repare-se que há tabancas que vão ser logo de imediato abandonadas (caso de Jemberém, cuja população fula é transferida então pela 4ª CCAÇ  para Bedanda), 

Achámos oportuno voltar a publicar este documento que, a par do testemunho escrito do Amadu Djaló, nos ajuda a perceber a rápida degradação da situação mlitar no sul da Guiné, nos primeiros seis meses de 1963.

2. O testemunho de George Freire [ex-cap inf Jorge Freire, da CCAÇ 153, da 3ª CCAÇ e da 4ª CCaç, Fulacunda, Nova Lamego, Bissau, Bedanda, 1961/63; hoje engenheiro, a viver desde agosto de 1963 nos EUA]

(...) "Durante o Natal de 1961 a minha mulher veio passar um mês a Bissau onde eu estava na altura a comandar uma companhia de nativos. 

Em Julho de 1962 a minha mulher voltou para a Guiné e passou quase 3 meses no Gabu (Nova Lamego), onde eu comandei uma companhia mista [3ª CCAÇ, futura CCAÇ 5, "Gatos Prertos", a partir de 1/4/1967, Canjadude, 1967/1974]. 

Do Gabu fui transferido para Bedanda   [4ª CCAÇ, futura CCAÇ 6, "Onças Negras", a partir de 1/4/1967, Bedanda, 1967/1974], onde ela ainda passou quase um mês, mas nos fins de Dezembro tive que a mandar de volta a Portugal pois as coisas começaram a aquecer demais. (...) 


O meu Diário da Guiné
 
por George Freire

Como história, transcrevo partes de um diário que encontrei no meio de papelada antiga numa gaveta da minha secretária. A primeira entrada no diário foi no dia 31 de janeiro de 1963 e a última, no dia 28 de maio do mesmo ano. Aqui vai:

31/1/63:

Ataque de terroristas aos Fulas de Jemberem 
[no original, Emberém, hoje Iemberém]. Mataram o chefe da tabanca e outros 6 Fulas.

2/2/63:

Acção em Boche Falace pelas minhas forças de Emberém. Um grupo de terroristas balantas em fuga deixou grande quantidade de arroz cozido (!).

6/2/63:

O nosso destacamento em Salancaur foi atacado às 00:30. Tivemos baixas: um furriel e um soldado foram mortos do nosso lado e vários terroristas foram abatidos. 
[O furriel foi o José do Rego Rebelo, açoriano de Ponta Delgada, CCAÇ 274 / BCAÇ 237; foi o segundo  furriel miliciano a morrer no TO da Guiné].

Nesta mesma noite, também atacaram o nosso destacamento em Cacine, mas felizmente não houve baixas a assinalar.

8/2/63:

Fui a Bissau tratar de vários assuntos da Companhia [4ª CCaç].

9/2/63:

Volta de Bissau. Manga de trabalho em atraso devido as acções dos últimos dias. Recebemos informação de que vários terroristas passaram ao largo, vindo de Catió para a zona de Cacine. As instalações da Ultramarina foram assaltadas e o encarregado europeu foi morto.

10/2/63:

Lista de material extraviado em combate: 1 capacete em Chugué, 1 espingarda Mauser e 1 pistola-metralhadora em Jemberem.

Esta madrugada as instalações da Gouveia em Salancaur foram atacadas. Os terroristas levaram cerca de 10 toneladas de arroz e outros géneros de comida.

11/2/63:

Efectuámos acções em Jemberem, Salancaur e Cadique. 

Vários elementos terroristas que tinham tomado parte no assalto aos Fulas de Jemberem foram aprisionados e enviados para a sede do Batalhão.

12/2/63:

Um alfaiate mandinga, Mamude Djassi, que tinha sido aprisionado em Chacual pelos terroristas e que passou vários dias num dos seus acampamentos, conseguiu fugir e apresentou-se ao nosso destacamento do Chugué. Foi transportado para o nosso quartel em Bedanda. Enviei um rádio para o Batalhão para que este Mandinga possa ser aproveitado como guia na acção que está a ser preparada pelo Batalhão.

13/2/63:

Enviei um pelotão para Salancaur para proteger o embarque de arroz da Ultramarina e da Gouveia.

14/2/63:

Patrulhamento feito em Jemberem e Cadique. Nesta última povoação tivemos contacto com terroristas Balantas que puseram alguma resistência mas acabaram por fugir. Três foram abatidos.

15/2/63:

O nosso quartel em Bedanda foi visitado por 3 directores da CUF, procurando informações do que se está a passar na região. 

Nessa mesma altura, terroristas rebentaram um pontão na estrada de Catió junto de Timbo

Houve também grande tiroteio em Chugué e algumas explosões na estrada próxima da área. 

Os 3 directores ficaram bem informados do que se está a passar...

16/2/63:

Chegou o Pelotão de acompanhamento da Companhia 273. Uma patrulha das nossas forças do Chugué foi atacada por um grupo armado de pistolas-metralhadoras. Não sofremos baixas mas 2 terroristas foram abatidos.

Regressou à base o Pelotão destacado em Salancaur. Foi rendida por novas forças a Secção que se encontrava destacada em Emberém.

17/2/63:

Continuaram a chegar mais elementos da companhia 273.

18/2/63:

Reconhecimentos feitos a Salancaur, Jemberem e Cadique

Aprisionámos alguns dos elementos que tinham atacado o nosso destacamento de Salancaur.

22/2/63:

Fomos visitados aqui em Bedanda pelo Comandante Militar e pelo Major Mira Dores, durante a altura em que tínhamos começado uma acção no mato de (Nhairom?), com 2 pelotões da CCaç 273 e 1 Pelotão da minha Companhia.

23/2/63:

Regresso da acção. Pobres resultados. Foram encontrados vários acampamentos terroristas, abandonados mas com indícios de terem sido ocupados recentemente. 

Foi rendida a secção de Jemberem.

25/2/63:

Reconhecimento feito em Salancaur e Mejo. O Capitão Delfino, Comandante da Companhia que substituiu a CCaç 74, visitou-nos, para discutirmos colaboração.

26/2/63:

Outra visita pelo Comandante Militar e o Comandante da Força Aérea, para discussão sobre a colaboração da FA na próxima operação que iremos executar. Pormenores foram discutidos em detalhe.

27/2/63:

O Capitão Relvas veio da sede do Batalhão visitar-nos em Bedanda. Aparentemente, o Comandante do Batalhão está chateado por não ter sido consultado nos detalhes de apoio pela FA. e tomou a decisão de fazer a operação sem esse apoio. (Incompreensível!).

A acção começará esta noite a partir das 00:04.

A acção terminou pelas 15:00 do dia 28/2/63. Os resultados que poderiam ter sido bastante satisfatórios, foram praticamente nulos, pois vários grupos de terroristas conseguiram, (devido a configuração e extensão do terreno de acção), fugir e dispersar. Se a FA tivesse colaborado os resultados teriam sido tremendos, pois o número de terroristas que conseguiram infiltrar-se entre as nossos forças foi considerável. (Esta foi a opinião de todos os comandantes de pelotão directamente envolvidos na acção. Na área onde a minha companhia actuou, notamos exactamente os mesmos resultados).

É evidente que os terroristas foram avisados da operação a tempo de poderem debandar. Nada me admira, pois temos um número considerável de soldados nativos, incluindo Balantas...


1/3/63:

Hoje pela 09:30 e mais tarde pelas 14:30, pessoal do pelotão do Cabedú sofreu emboscadas respectivamente entre Cafal e Cafine e no cruzamento de Cabante. Na segunda emboscada sofremos um morto e um ferido. Uma viatura Chaimite 
[lapso: talvez Daimler ou Fox ou White, não havia Chaimites em 1963], foi destruída na primeira emboscada. Seguiram dois pelotões reforçados para os locais das emboscadas.

Em Impungueda uma patrulha da CCaç 859 travou contacto com os terroristas e feriu alguns e os outros conseguiram fugir.

2/3/63:

Durante parte do dia de ontem e durante todo o dia de hoje as nossas forças percorreram todo o terreno nas zonas das emboscadas. Encontraram vestígios dos atacantes, fizeram um prisioneiro que tinha tomado parte numa das emboscadas, mas nada mais. O soldado ferido seguiu de avião para Bissau e o morto foi enterrado no cemitério de Bedanda.

O prisioneiro foi interrogado mas poucas informações conseguimos. Foi enviado para o Batalhão para ser interrogado.

3/3/63:


O Comandante Militar veio cá hoje de avião com o segundo Comandante do Batalhão 356. Depois de informados dos acontecimentos dos últimos dias, seguiram para Catió.

4/3/63:

Recebemos informação do Batalhão de um possível ataque planeado pelos terroristas a Caboxanque e Jemberem.

Enviei dois pelotões para Jemberem e Cadique, ponto de onde, segundo a informação, os terroristas se estavam a organizar para os ataques. Em Caboxanque executámos acções por um pelotão da minha companhia e outro da CCaç 273.

6/3/63:

Fizemos um reconhecimento à zona de Jemberem. O Alferes Gonçalves encarregou-se de falar aos chefes Fulas de Jemberem e discutir a possível mudança das suas tabancas para Bedanda. Há toda a vantagem dessas mudanças para incrementar a protecção da população Fula. Poderemos também formar aqui e em Bedanda um pelotão de uns 40 Fulas, o que nos poderá ajudar substancialmente na segurança da área e aliviar as nossas forças. Os chefes Fulas aceitaram a nossa oferta de braços abertos.

7/3/63:

Começámos o transporte da população Fula de Jemberem. Usámos 10 viaturas neste movimento. Calculamos que serão necessárias 3 mais viagens semelhantes.

8/3/63:

Continuação do transporte dos Fulas. Seguiram dois pelotões da CCaç 273 para a região de Salancur.

9/3/63:

Continuação do transporte dos Fulas. Os pelotões da CCaç 273 continuaram a operar na região de Salancur.

Elementos Fulas de Emberem conseguiram aprisionar um nativo que sabiam estava ligado ao movimento terrorista. Quando este nativo (Balanta) foi interrogado aqui na Companhia, deu-nos a informação de que elementos terroristas estão no mato de Boche Falace a prepararem um ataque àquela povoação. Enviámos um pelotão da CCaç 273 para a área.

Recebemos também informação, por elementos do Chugué, que um grupo de terroristas bem armado estava concentrado do outro lado da fronteira com a Guiné Francesa, perto da zona de Banta-Sida.

Mais informações recebidas do pelotão de Emberem: cerca de 300 elementos terroristas estavam a preparar um ataque à nossa companhia em Bedanda na madrugada de amanhã.
Dei ordens para que todo o nosso pessoal, (estávamos um pouco desfalcados pois tínhamos 2 pelotões em operações longe de Bedanda), estar em alerta em posições defensivas, já há muito preparadas para eventualidades semelhantes. Foi uma longa noite de nervos, mas o ataque nunca se deu.

10 e 11/3/63:

Acabámos o transporte dos Fulas de Emberem para Bedanda, contudo ainda teremos que transportar abastecimentos e víveres que ainda lá ficaram, em especial uma grande quantidade de arroz. 

Os Fulas fizeram um outro prisioneiro que, após interrogado, nos deu boas informações sobre o grupo terrorista que tem actuado na zona de Boche Falace: nomes de comandantes, armamentos e locais aproximados do grupo. Este prisioneiro foi enviado para o batalhão.

13/3/63:

Recebemos novas informações sobre um outro possível ataque ao nosso aquartelamento no dia 16 ou 17.

O Benfica venceu o Dukla de Praga para a Taça dos Campeões Europeus. Ouvimos o relato no rádio.

15/3/63:

Chegou um pelotão da CCaç 417 que seguirá para Caboxanque. Enviei uma grande coluna de 10 viaturas para Jemberem para trazer o resto dos víveres pertencentes aos Fulas.

16/3/63:

O pelotão da CCaç 417 seguiu para Caboxanque para render o Pelotão 859.

18/3/63:

Chegou o Pelotão 859 que seguirá para Bafatá. A CCaç 273 partiu para Jemberem em operações, não se sabendo por quantos dias.

19/3/63:

Visita do Major Pina para discutir os pormenores do movimento dos Pelotões 859, 870 e 871 para Bafatá. Eu irei a comandar a coluna e voltarei para Bedanda de avião.

20/3/63:

O Alferes Mendes seguiu com um pelotão para o Chugué dentro do novo plano de ordenamento dos dispositivos.

22/3/63:

Cabedú enviou uma mensagem informando que os terroristas estavam a planear uma emboscada às viaturas da CCaç 273 que se tinham deslocado para a região de Darsalame. Enviei imediatamente um rádio para o Capitão Gaspar com todos os detalhes da informação.

23/3/63:

Chegou outro pelotão da CCaç 417. Seguirá amanhã para Cabedú para render o Pelotão 871, que virá para Bedanda e depois para Bafatá na minha coluna.

(...) O meu diário, cobrindo os acontecimentos que se passaram entre a minha partida para Bafatá com a coluna, a minha vinda de retorno a Bedanda e as semanas até ao dia 18 de Maio, extraviou-se, infelizmente.

Lembro-me de alguns detalhes de possíveis ataques a Bedanda que, felizmente, nunca se concretizaram. Nós estávamos muito bem preparados, com todo o terreno à volta do aquartelamento (cerca de uns 150 metros), completamente limpo de arvoredo e vegetação.

Tínhamos os morteiros de 60 todos treinados nas áreas prováveis de ataque, além de explosivos enterrados e comandados à distância. Bem no fundo, eu estava com esperança de que os terroristas tentassem um ataque, pois seriam totalmente aniquilados, mas nunca aconteceu, possivelmente porque eles sabiam que tal acção seria muito difícil e arriscada.

No dia 18 de maio, o Capitão Nelson (meu colega de curso) (****) veio render-me. Durante os 4 dias seguintes fiz a entrega da 4ª CCaç ao Nelson e no dia 21 de maio segui de avião para Bissau.

Ai estive à espera de transporte e finalmente no dia 27 de maio parti de volta a Portugal no navio da CUF “Ana Mafalda”.




Curso finalista da Escola do Exército (hoje, Academia Militar) do ano de 1955, do qual faziam parte (além do George Freire, com 75 anos de idda em 2008, residente nos EUA, antigo comandante da 4ª CCAÇ - Fulacunda, Bissau, Nova Lamego Bedanda, Maio de 1961/ Maio de 1963),  os seguintes oficiais reformados do exército português: generais Hugo dos Santos, António Rodrigues Areia, Adelino Coelho e António Caetano; coronéis João Soares, Costa Martinho e Maurício Silva, entre tantos outros.  O capitão José Manuel Carreto Curto, ex-cap inf, CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63) era "do curso um ano mais velho do que o meu". (Faleceu em 18/11/2018, com ten gen ref.)

Foto (e legendagem): © George Freire (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Fonte: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6.º volume: Aspectos da Actividade Operacional. Tomo II: Guiné. Livro I. Lisboa: 2014, pp. 62 e 88.


(***) Vd. poste de 27 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11011: Efemérides (119): Diário de George Freire, ex-comandante da 4ª CCAÇ (Bedanda, 1962/63): o início da guerra no sul do CTIG (jan / mar 1963)...Recordando topónimos que nos são familiares: Cabedu, Caboxanque, Cacine, Cadique, Cafal, Cafine, Catió, Chugué, Jemberém, Mejo, Salancaur...

Vd. também poste de 24 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P10996: Efemérides (117): O início da guerra no CTIG há 50 anos: Nova Lamego, Bissau, Bedanda... O paraíso... perdido (set 62/mai 63): filme de George Freire, ex-cap inf QP, a viver nos EUA há meio século (Virgínio Briote / Luís Graça)

(****) Comandantes da 4ª CCAÇ (Bolama, Buba e Bedanda, 1958/67): Cap Inf Manuel Dias Freixo | Cap Inf António Ferreira Rodrigues Areia | Cap Inf António Lopes Figueiredo | Cap Inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire (membro da Tabanca Grande, onde é conhecido como George Freire)| Cap Inf Nelson João dos Santos | Cap Mil Inf João Henriques de Almeida | Cap Inf Alcides José Sacramento Marques | Cap Inf João José Louro Rodrigues de Passos | Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares | Cap Inf Aurélio Manuel Trindade 

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20801: Fichas de unidade (12): CCAÇ 414 (1963/64), do cap Manuel Dias Freixo (Jorge Araújo)


Foto 1 - Março de 1963. Grupo de Sargentos da CCAÇ 414, no N/M "Ana Mafalda", a caminho da Guiné. Foto do camarada Manuel Castro (ex-Fur Enf da CCAÇ 414) – P12687, com a devida vénia.




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); um homem das Arábias... doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; autor da série "(D)o outro lado do combate"; nosso coeditor.

 A COMPANHIA DE CAÇADORES 414 [CCAÇ 414] - (1963/64) DO CAPITÃO DE INFANTARIA MANUEL DIAS FREIXO
- SUBSÍDIO HISTÓRICO -

1.   - INTRODUÇÃO

As duas condecorações e uma foto sem identificação adquiridas num leilão pelo nosso amigo Carlos Mota Ribeiro, e divulgadas no P20680, levou-o a solicitar ao colectivo da «Tabanca» o eventual reconhecimento da figura de um capitão de infantaria com uma "Cruz de Guerra" ao peito. 

Sobre o seu pedido de ajuda foram avançadas algumas sugestões, nomeadamente através do camarada José Martins (P20702). Manuel Castro, ex-Fur Enf da CCAÇ 414, em comentário ao mesmo poste, afirma que "a fotografia é do sr. Capitão Manuel Dias Freixo, falecido com a patente de coronel. Como capitão foi comandante da Companhia de Caçadores 414, que serviu agregada ao BCAÇ 356, com sede em Catió. Foi meu comandante nessa companhia e conheci de muito perto os seus extraordinários dotes (…)". 
Eu próprio, em resultado de consultas bibliográficas, sugeri o nome do Cap Inf Manuel Francisco da Silva (1933-2015), comandante da CCAÇ 1681 (P20736). O conjunto de informações recolhidas acabaram por serem úteis, pois permitiram elaborar um pequeno subsídio Histórico desta Unidade.

Entretanto, a propósito dos comentários bem-vindos e oportunos do nosso camarada Manuel Castro, cuja Unidade não tem História escrita (Ceca; p 316), decidi dar o meu contributo, elaborando a presente resenha histórica, para memória futura.

2.   SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 414 =
CATIÓ - ILHA DE COMO - EMPADA - FULACUNDA - TITE - NOVA SINTRA - SÃO JOÃO - ALDEIA FORMOSA - BUBA - CACINE - XITOLE - BEDANDA - QUINHAMEL - PORTO GOLE - NHACRA - MANSOA E BISSAU (1963-1964) E CABO VERDE (ILHA DO SAL) (1964-1965)


2.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG


Mobilizada pelo Batalhão de Caçadores 10 [BC 10], de Chaves, para servir na província ultramarina de Moçambique, foi a Companhia de Caçadores 414 (CCAÇ 414) desviada para o CTIG, tendo embarcado em Lisboa, no Cais da Rocha, em 21 de Março de 1963, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Inf Manuel Dias Freixo, seguindo viagem a bordo do N/M "Ana Mafalda" rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 27 do mesmo mês, 4.ª feira.

2.2 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414

A CCAÇ 414, após o desembarque em Bissau, foi integrada nas forças de intervenção e reserva do comando militar, fazendo parte do BCAÇ 356 (Comando e CCS), [23Jan62-17Jan64, do TCor Inf João Maria da Silva Delgado], tendo seguindo, em 01Abr63 e 23Abr63, por fracções, para Catió, a partir de onde tomou parte em várias operações realizadas nas Ilhas de Caiar e Como, de 24 a 27Abr63, e nas regiões de Fulacunda, de 09 a 13Mai63, do Quinara, de 01 a 27Jun63, e de Ganjola, de 17 a 20Set63. 

A partir de 02Ago63, após a remodelação do dispositivo então verificada, assumiu a responsabilidade do subsector de Catió, conjuntamente com a missão de intervenção no Sector Sul, continuando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 356 e depois do BCAÇ 619 [15Jan64-09Fev66, do TCor Inf Narsélio Fernandes Matias], tendo um Gr Comb sido deslocado para Ganjola em 15Dez63, onde substituiu a CART 494 [22Jul63-24Ago65, do Cap Art Alexandre da Costa Coutinho e Lima], e ali permaneceu até finais de Fev64.

Em 01Mar64, foi rendida, por troca, pela CCAÇ 617 [15Jan64-09Fev66, do Cap Inf António Marques Alexandre], tendo sido colocada em Bissau, e integrada no dispositivo do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65, do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], com vista à segurança e protecção das instalações e das populações. 

Em 28Jul64, foi substituída pela CART 566, por troca [vinda de Cabo Verde em 28Jul64-regresso a 27Out65, do Cap Art Adriano de Albuquerque Nogueira], embarcando para Cabo Verde (Ilha do Sal), para continuação (conclusão) da sua comissão de serviço.


Geografia da região de Quinara e Tombali (Sector Sul) com a indicação de alguns dos locais por onde palmilhou, entre Abr63 e Fev64, o contingente da CCAÇ 414 (com outras Unidades), cumprindo as diferentes missões definidas nas Directivas elaboradas pelo Comandante-Chefe, conforme se dá conta no ponto abaixo.



2.3 – SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414

A actividade operacional da CCAÇ 414 teve início três semanas depois da sua chegada ao CTIG, num tempo em que o conflito armado contabilizava, apenas, três meses de actividades subversivas.

► A sua primeira missão decorre no âmbito da Directiva n.º 1 do Cmdt-Chefe, datada de 16Abr1963, onde incluía a participação de forças dos três ramos das Forças Armadas, cuja "ideia de manobra", para a 1.ª fase de operações no Sector Sul, apontava para a actuação simultânea a norte e sul deste Sector, nos pontos de provável localização IN, a fim de o detectar e capturar ou aniquilar.

Uma segunda "ideia" era colher informações necessárias para localizar os grupos IN e explorá-las, prosseguindo na acção até estabelecer a calma e segurança ou, pelo menos, controlar, com relativa eficiência, a situação em cada uma das zonas. Visava, ainda, continuar com acções de limpeza na zona periférica de Catió, para posterior ocupação, com maior densidade de meios, o dispositivo de protecção a fim de facilitar a execução ulterior de uma 2.ª fase de operações.

Missões das Forças

● – FT - Exploração imediata e local das informações existentes ou obtidas no decorrer da acção. - Vigilância dos rios Geba e Corubal a fim de evitar a transposição pelo ln para norte e leste da zona de acção. Forças envolvidas: Comando do BCAÇ 356, CCAÇ 273 [Açoriana; 28Jan62-17Jan64, do Cap Inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar], no Sector de Cacine: CCAÇ 274 [Açoriana; 28Jan62-17Jan64, do Cap Inf Adérito Augusto Figueira], no Sector de Tite: CCS e CCAÇ 414 na Ilha do Como, e região de Tombali. As acções na região de Tite iniciaram-se em 17Abr63 e na região de Cacine em 20Abr63.

● – FN - Vigilância do rio Geba e do rio Corubal na parte navegável, com o fim de evitar a fuga de elementos inimigos. - Previsão de uma acção de desembarque na praia de Cassumba a realizar à ordem. - Fiscalizar sempre que possível e sem prejuízo da realização dos comboios, os canais entre a Ilha de Como e o Continente.

● – FA - Reconhecimento das zonas de acção. - Apoiar pelo fogo as FT e FN. - Prever acções de intervenção isoladas. - Vigiar o Canal do Geba, rio Corubal, Ilha de Como, e região de Tombali, península de Cacine.

Desenrolar das Acções

● Em 17Abr63, 4.ª feira, pelas 05h00, teve início a 1.ª fase das operações no sul, com a batida da CCaç 274 a norte de Tite. O BCAÇ 237, estacionado em Tite, também actuou, tendo provocado ao In 18 mortos.

● Em 19Abr63, 6.ª feira, foram elaboradas Directivas para emprego das FN e FA nestas operações. A acção da CCAÇ 273 [25Jul61-19Out63, do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito], na península de Cacine, foi adiada por haver informações da existência de grupos In na Ilha de Como e na região de Santa Clara.

● Em 20Abr63, sábado, realizou-se uma actuação nessa região sem grande resultado, apesar de ter sido destruído pela FA um acampamento In, tendo a tropa reembarcado.

● Em 21Abr63, domingo, repetiu-se a acção com apoio aéreo. Este apoio não foi feito de início por se julgar haver na Ilha mulheres e crianças, quando afinal só foram vistos panos de cor estendidos no mato.

● Em 22Abr63, 2.ª feira, a FA bombardeou a tabanca de S. Nicolau. As FT desembarcaram em Uncomené depois de desalojarem o In, e por este ter ocupado um armazém da Firma Brandão, a FA arrasou-o.

● Em 23Abr63, 3.ª feira, a CCAÇ 273 iniciou a operação Cacine-Aldeia Formosa. A CCAÇ 414 transitou para a Ilha de Como com um pelotão da CCS e o Cmdt do BCAÇ 356.

● Em 26Abr63, 6.ª feira, as acções das CCAÇ 273 e CCAÇ 274 continuavam nas suas zonas de acção. A CCAÇ 414, vinda da Ilha de Como, regressou a Catió no dia 28Abr63.

● Em 30Abr63, 3.ª feira, a CCAÇ 414 realizou uma acção em Dissimbile e a CCAÇ 274 em Gamol.

● Em 01Mai63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 terminou a acção em Catissane abatendo guerrilheiros. A CCAÇ 273 estava em acção na área de Cacine e a CCAÇ 274 em Umpassa.

● Em 03Mai63, 6.ª feira, continuavam as acções no Sul: a CCAÇ 274 em Fulacunda; a CCAÇ 273 em Cacine com Grs Comb em Cacoca e Camissorã.

● Em 05Mai63, domingo, a CCAÇ 414 iniciou o reconhecimento do itinerário Catió-São Gregório com o fim de proteger um carregamento de arroz.

● Em 07Mai63, 3.ª feira, a CCAÇ 273 continuava em Cacine, a CCAÇ 274 recolheu a Fulacunda e a CCAÇ 414 a Catió.

Em Maio'63 o In continuou as obstruções nas estradas do Sector Sul com o fim de impedir a saída das NT dos quartéis. A CCAÇ 423 [22Abr63-29Abr65, do Cap Inf Nuno Gonçalves dos Santos Machado], colocada em São João a 06Mai63, teve, antes de ocupar essa povoação, de remover centenas de abatizes ao longo do percurso Bafatá-Xitole-Bambadinca-Fulacunda-São João.

► Para prosseguimento das operações no Sector Sul, iniciadas com a Directiva n.º 1 do Cmdt-Chefe, datada de 16Abr63, é difundido em 10Mai63 um novo Plano de Operações, o 2.º, designado por «Plano Leque». 

◙ Desenrolar das Acções

● A CCAÇ 273 na península de Cacine, a CCAÇ 274 na zona de Fulacunda e a CCAÇ 414 na área de Catió, tiveram alguns contactos com elementos In, que abateram.

● Em 22Mai63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 deslocou-se ao Tombali para remover o corpo de um furriel piloto [Eduardo Nuno Ricou Casals] e destruir o avião caído nessa região, tendo removido 90 abatizes. Regressou no dia 24Mai63, 6.ª feira, a Catió depois de ter levantado mais 170 abatizes. A CCAÇ 423 desobstruiu a estrada cheia de abatizes entre São João e Nova Sintra.

Fontes:




Sobre esta ocorrência, sugerimos a leitura da última edição do livro do António Lobato "Liberdade ou Evasão – O mais longo cativeiro da guerra" – a 5.ª, de 2014, da DG Edições – onde o autor descreve, na primeira pessoa e com circunstanciado detalhe, este acidente aéreo verificando no dia 22 de Maio de 1963 durante o seu regresso da Ilha do Como.


Como alternativa, podem ser consultadas, também, as "Notas de Leitura" elaboradas pelo camarada Mário Beja Santos e publicadas nos P11173; P20534; P20555 e P20577.


► Seguiu-se, depois, a 3.ª fase de operações no Sector Sul incluída na Directiva n.º 3, também designada por «Plano de Operações Seta», cujos movimentos preparatórios tiveram lugar a 31Mai63, 6.ª feira, e a operação a iniciar-se no dia seguinte, 01Jun63, sábado, com a presença do Comandante-Chefe.

Este «Plano Seta» emerge do diagnóstico de que as regiões de Quinara e Fulacunda estavam, na sua quase totalidade, fora do controlo das autoridades dada a intensa actividade desenvolvida pelo In. "A grande maioria das tabancas estão abandonadas refugiando-se a população no mato, embora recolha durante a noite a algumas das não destruídas. A população, em parte coagida, em parte de livre vontade, colabora com o In, nomeadamente na colocação de abatizes e no racionamento de géneros alimentícios, este para fazer face às dificuldades que certamente surgirão na época das chuvas que se aproxima. Tem criado dificuldades à movimentação das NT pela obstrução sistemática das vias de comunicação e montagem de emboscadas. Tem atacado embarcações civis e até militares. Já saquearam casas comerciai em São João."

◙ Desenrolar das Acções

● Em 01Jun63, sábado, pelas 05h00, iniciaram-se os desembarques em locais da margem direita do rio Grande de Buba e os deslocamentos das Unidades para os locais de actuação. A situação das NT no dia 03Jun63, 2.ª feira, era a seguinte: a CCAÇ 274 na região de Gansene, a CCAÇ 414 na região de Brandão, GC CCAÇ 411 [09Abr63-29Abr65, do Cap Inf João Gomes do Amaral] e GC CCAÇ 417 [12Fev63-18Jul64, para Cabo Verde, do Cap Inf Carlos Figueiredo Delfino] na região de Fulacunda, a CART 240 [30Jul61-19Out63, do Cap Art Manuel Fernando Ribeiro da Silva (1.º) e Cap Mil Inf António Gomes de Oliveira e Sousa (2.º)] em Gantongo, a CCAÇ 423 em Ponta Colónia e Ponta João Martins, FEsp em Gã Maior de Baixo e a CCAÇ 273 na região de Cacine.

● Em 04Jun63, 3.ª feira, o Comandante-Chefe seguiu, de jeep, escoltado por um GC da CCAÇ 414 e daí para Nova Sintra, onde estava a CART 240 e depois para São João, quartel da CCAÇ 423. Esteve mais tarde em Tite, vindo de avião de Bolama, tendo acordado com o Cmdt do BCAÇ 237 uma batida ao Iusse. Nos dias seguintes, como até aí, as Unidades montaram emboscadas, efectuaram reconhecimentos, alguns com contacto com o In a quem provocaram baixas, patrulharam as tabancas e realizaram acções de nomadização. As Unidades, no decorrer das suas actuações, mudaram frequentemente de estacionamento, sempre à procura do In, que não se expôs. As FN mantiveram-se em fiscalização na zona Centro-Sul e as FA em acções de ligação, transporte, evacuação e PC Aéreo.

● Em 11Jun63, 3.ª feira, os FEsp actuaram com morteiros em Gã Pedro, que revistaram e destruíram.

● Em 12Jun63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 no decurso duma acção operacional, fez três mortos ao In, apoderou-se de armamento e seguidamente, em Gamalã, em novo confronto fez mais dez morto e vários feridos.

● Em 17Jun63, 2.ª feira, a situação era a seguinte: a CCAÇ 274 na região de Gamol; a CART 240 em Ponta Nova, Sajã, Flaque Nhadal e Brandãozinho; a CCAÇ 414 em Brandão, a CCAÇ 423 em Junqueira e São João e os FEsp desembarcaram em Gã-Chiquinho. Nessa noite o In lançou um violento ataque a Catió.

● Em 18Jun63, 3.ª feira, de manhã, o In voltou a atacar o quartel e a tabanca de Priame. O Cmdt do BCAÇ 356 pediu reforços e o regresso da CCAÇ 414. Determinou-se a ida da Fragata "Nuno Tristão" com FEsp a Catió e a deslocação da CCAÇ 414 por terra. Salienta-se a ousadia em atacar de dia o quartel e a tabanca de Priame. Este ataque ocorreu porque o In sabia que a guarnição de Catió estava reduzida, em virtude do empenhamento de parte dos efectivos na «Operação Seta».

● Em 19Jun63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 chegou sem novidade a Catió e os FEsp desembarcaram e cooperaram com as FT.

● Em 22Jun63, sábado, a CART 240, após forte resistência, destruiu um acampamento em Jabadá-Beafada, fazendo doze mortos, muitos feridos e cinco prisioneiros.

● Em 23Jun63, domingo, foi dada por finda esta operação, onde os seus resultados não foram muito visíveis. Ainda assim, trouxe vantagens por se ter batido toda a região de Quinara-Fulacunda e se ter pacificado a região de São João, com a recolha de duas centenas de Manjacos e famílias. As Unidades recolheram aos seus quartéis com o fim de preparar a ocupação do dispositivo de protecção na época das chuvas. Foi dada ordem à FA para actuar em força contra o In na Ilha de Como, de dia e de noite.

► Com data de 27Jun63, 5.ª feira, é elaborada a Directiva n.º 4 do Comandante-Chefe, propondo um novo plano de operações, designado por «Plano Rede», abrangendo todo o território.

Missões para as Forças Terrestres (FT)

● As FT devem adoptar um dispositivo de protecção reforçado, com áreas de Companhia mais reduzidas, em vez do actual fraco dispositivo. As Companhias do Batalhão de Intervenção, com poucas possibilidades de actuação relativamente ao conjunto do Sector Sul, tomarão conta de áreas de responsabilidade. Passar-se-á a um dispositivo de protecção com capacidade de intervenção local, por área de Companhia, em actuação rápida e de surpresa, evitando-se assim movimentos de tropas que denunciam intenções e dão lugar, por parte do In, a emboscadas, obstrução de itinerários, dispersão, etc. Manter-se-á, contudo, uma força de intervenção de Comando de Sector, sempre que as disponibilidades em efectivos o permitam.

● Em 16Jul63, 3.ª feira, foram constituídos sete sectores (de A a G) em vez dos quatro anteriores, sendo as sedes dos Batalhões respectivamente em: Bissau, Bula, Mansoa, Bafatá, Buba, Catió e Tite.

● Em 16Out63, 4.ª feira, o Cmdt do BCAÇ 356, a CCAÇ 414 e a CART 494, que actuavam em Ganjola, tiveram contacto com numeroso grupo In, que debandou, deixando no terreno três mortos e material.

● Em 18Out63, 6.ª feira, a emissora rádio de Conacri informou ter havido, na região de Catió, encontro de nacionalistas com o Exército (NT), tendo morrido vinte e sete nacionalistas, dois dos quais não eram da Guiné Portuguesa.

● Em 04Nov63, 2.ª feira, a CART 494, reforçada com a CCAÇ 414, actuando na região de Gansana, estabeleceram contacto com o In que deixou no terreno mais três mortos, sofrendo as NT três feridos.

● Em 19Nov63, 3.ª feira, a CCAÇ 414 iniciou a limpeza da estrada Catió-Batambali e no dia seguinte o BCAÇ 513 a limpeza da estrada Buba-Aldeia Formosa.



Foto 2 - 1963. Grupo de Sargentos da CCAÇ 414 regressados de uma operação. Foto do camarada Manuel Castro (ex-Fur Enf da CCAÇ 414) – P12687, com a devida vénia.


Passado um mês, em 23Dez63, através da Directiva n.º 8, o Comandante-Chefe anunciava a preparação da «Operação Tridente».

2.4 - RECONHECIMENTO DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414



Corolário da intensa e bem-sucedida actividade operacional da CCAÇ 414 foram condecorados com a Cruz de Guerra de 2.ª classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento de Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, três oficiais da Companhia de Caçadores 414, a saber:

● Capitão de Infantaria Manuel Dias Freixo.
● Alferes Mil Infantaria Alberto Marques da Costa Lobo.
● Alferes Mil Infantaria Joaquim Teixeira de Sousa.

Cada condecoração teve origem em louvor individual, publicado na OS n.º 3, de 07 de Janeiro de 1964, do CTIG, cujos conteúdos abaixo reproduzimos.











2.5 - BAIXAS DA CCAÇ 414 DURANTE CATORZE MESES NO CTIG (1963/1964)

Da leitura do quadro abaixo, verifica-se que a CCAÇ 414 registou três baixas durante a sua comissão de catorze meses no CTIG (27Mar63-28Jul64; por ter sido transferida para a Ilha do Sal, Cabo Verde), sendo um em "combate" e dois por "acidente".

Destas três "baixas", a primeira foi "em combate", ocorrência verificada em 25Maio63, 3.ª feira, na sequência de uma emboscada montada pelo In, entre Timbó e Catió. A segunda, em 26Dez63, 5.ª feira, por "acidente" provocado por queda de árvore, e a terceira, em 26Mar64, 5.ª feira, no HM 241, em Bissau, devido a um "acidente de viação".



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Fontes Consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra (1962-1965); Lisboa; (1991); pp 323-328.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2014); pp 99-110.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p 316.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 27-42-60.

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço (virtual) e desejos de muitos sucessos na luta contra o COVID-19.
Jorge Araújo.