Data - quinta, 27/10, 22:05/2022
Boa Noite,
Não sei se posso enviar por aqui mas sei que muitos dos seus camaradas não sabem e pedia se podiam publicar este meu testemunho no vosso blogue sobre o meu tio Alberto Marinho que, depois das doenças que lhe diagnosticaram, afastou-se de várias áreas da sua vida.
O meu nome é Maria João da Costa Marinho Ferreira. Sou licenciada em História e Mestre em História e Património.
O caminho que segui não foi por acaso. Sou sobrinha do ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), Manuel Aberto da Costa Marinho. O meu tio (como um segundo pai) sempre me contou as suas histórias que passou durante a guerra e isso inspirou-me a seguir o caminho da história e contar a história daqueles que já cá não estavam e que mereciam ser homenageados.
É isto que me traz aqui hoje.
O meu tio faleceu a 22 de Julho deste ano e está sepultado no cemitério de Agramonte, Porto (**)
Depois de alguns meses ainda sinto de luto, talvez porque não me despedi como deveria. No final da sua vida, o meu tio escolheu a amargura da doença que o atacou e preferiu não ver a sua família ou amigos. Algo que hoje me arrependo de não ter forçado a minha visita.
Encontrei novamente o blogue que lhe apresentei anos atrás (*) e descobri a sua primeira mensagem no qual ele me menciona sem saber o quanto me inspirou:
"Apresenta-se o ex-1.º Cabo Manuel Alberto Costa Marinho, do 1.º GComb/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, comissão em Nema/Farim, Binta, em 1972/74.
É com enorme sentido de gratidão, extensível aos restantes colaboradores do blogue e a todos os tertulianos da Tabanca Grande, que me dirijo, pela primeira vez. Mais vale tarde que nunca.
Como ex-combatente da Guiné, não posso ficar indiferente ao que de melhor temos neste País para testemunhar o que foi a Guerra Colonial, mais concretamente a da Guiné, vivida e contada pelos seus protagonistas, por isso mais uma vez, um muito obrigado pelo excelente trabalho que podemos testemunhar.
E antes de mais peço a admissão na “Tabanca”, certo que já o poderia ter feito, mas só agora julgo oportuno, pelo facto (se calhar egoísta) de estar a ajudar uma sobrinha a fazer um trabalho sobre a Guerra Colonial, foi a miúda, que me incentivou a contar as minhas vivências na Guiné, depois de consultar muitas vezes o blogue, e sabendo que estive no inferno de Guidaje, praticamente em todas as suas incidências.
Como muitos de nós já o disseram, é penoso lembrar o que já estava na penumbra da memória, mas acho valer a pena este esforço, porque entendo que uma parte muito importante das nossas vidas ficou para sempre na Guiné, numa Guerra da qual eu não me envergonho de ter participado, e sou dos que sabiam minimamente para o que iam.
Depois porque ao longo destes anos (e já são 35), somos vergonhosamente ostracizados por todos os poderes instituídos neste País, que foram coniventes com o apagar da memória colectiva, de tudo o que diga respeito à Guerra Colonial, e mais grave do que isso, transformando os que por razões várias desertaram, em heróis, e nós que combatemos, só nos falta pedir desculpas por ainda estarmos vivos a contar (dissecar) esta guerra.
Pessoalmente, sinto-me ofendido com a imagem redutora que tem sido dada às gerações que se seguiram, não quero louvores, mas exijo respeito pelos que morreram, e por todos os que ficaram marcados por ela para sempre.
Desculpa, camarada Luís, este desabafo, corta tudo o que achares necessário, porque sinto esta revolta surda sempre que abordo esta questão.
Quero saudar muito especialmente os camaradas Amílcar Mendes (*) da 38.ª de Comandos, Victor Tavares, da 121 dos “Páras”, e o Albano M. Costa, da CCAÇ 4150, os dois primeiros que descrevem operações de combate e o Albano que me fez rever Binta, peço desculpas ao omitir mais camaradas, sei que os há que viveram Guidaje e escreveram sobre esse fatídico mês, os Fuzileiros por exemplo.
Como também não desejo que outros contem a Guerra por mim, vou descrever o ataque à primeira coluna para Guidaje, que como é sabido não chegou ao destino.”
A vida são dois dias e por vezes amarguras indispensáveis levam-nos ao afastamento dos nossos entre queridos.
Pretendo honrar o meu tio em um livro. Contarei as suas memórias que ele me deixou e precisava de comentários ou conhecer o batalhão que ele fez parte.
Sendo assim, presto a homenagem ao meu tio Manuel Alberto Marinho e imploro que de vocês entre em contacto comigo para falarmos sobre as memórias de Guiné e Guidaje e memórias de Manuel Marinho.
(...) No Blogue, não gosto de escritos que nada têm a ver com a Guiné, não gosto de ver fotos de camaradas nossos aos abraços com elementos do PAIGC, não gosto de escritos sobre quem nos traiu, estou a referir-me a desertores, (o lugar deles não é neste Blogue), não gosto de elogios ao PAIGC, porque não lhes devo nada, e não gosto da ficção de muitas das estórias contadas, devemos fazer um esforço para escrever (contar), com os nossos 20 anos de então, e não com os olhos e a experiência de hoje.
7 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5230: Guidaje, Maio de 1973 (2): O fim do pesadelo (Manuel Marinho)