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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21844: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 3851, 1972/74) - Parte I: Caldas da Rainha (A chegada às portas da tropa: um fardo pesado); Tavira (Amor, ódio e... trampa)



Guiné > Região de Tombali > CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74) > Nhacobá > s/d > Furriéis Azambuja Martins e [Joaquim]Costa

Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã"  (Cumbijã, 1972/74), membro nº 826 da Tabanca Grande, engenheiro técnico reformado, natural de Vila Nova de Famalicão, residente em Gondomar (*):



Date: segunda, 1/02/2021 à(s) 15:50
Subject: O meu primeiro poste

Meu caro Luís, camaradas e amigos, protegidos por este enorme "Poilão", que é este (nosso ) Blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné (*):

Com a devida permissão, dada pelo Luís, para me encostar a todos vós debaixo deste magnífico poilão, aqui estou, pronto para acrescentar mais uma pequena gota neste oceano de gente "grande" e boa, que por força inexorável da lei da vida vai minguando dia após dia.

Já agora, permitam que me faça acompanhar pelo meu irmão Manuel (infelizmente já falecido), mobilizado para Guiné no início dos anos 60 e também do meu filho Tiago, engenheiro civil, que esteve dois anos na zona do Cacheu na construção de uma ponte sobre o rio com o mesmo nome mais precisamente em S. Vicente (ponte Europa, mais conhecida por Ponte de S. Vicente).

O meu filho e mais 4 colegas da empresa viveram momentos dramáticos enquanto jantavam num restaurante (A Padeira) junto ao local onde foi assassinado Nino Vieira (na altura presidente da da Guiné-Bissau) sentido muito perto o cantar contínuo das Kalachnikov e o rebentar das granadas dos RPG. Foi uma fuga (sem pagar a conta) com a tensão nos limites conduzidos por um trabalhador local, subornando todas as barreiras de militares até chegar aos estaleiros da empresa em S. Vicente. Ou seja: nada mudou desde o meu tempo de Guiné…

O Camarada da nossa tabanca, Hélder Sousa, que amavelmente fez um comentário na minha apresentação (*), que muito agradeço, já fez aqui referência a uma página de internete construída pelo Engenheiro Geógrafo Pedro Moço, amigo e colega de trabalho do meu filho, que conta ao pormenor toda a história da construção da ponte. Dada a qualidade da mesma, sugiro que a revisitem (**).

A seu tempo utilizarei um poste sobre a construção desta ponte.

Aproveito também para agradecer o comentário do meu vizinho, Gil Moutinho, e proprietário do excelente restaurante, Choupal dos Melros, onde já várias vezes jantei muito bem e comemorei com amigos os meus anos.

Embora as nossas casas não distem mais de 500 metros, só o Blogue nos deu a conhecer. Já tive a oportunidade de ver parte do Museu da Tabanca dos Melros, ainda no início, num jantar onde perguntei por ti mas nesse dia não estavas. Obrigado pelo convite e obviamente que responderei à chamada.

Um abraço ao autarca e amigo de Mampatá [, o António Carvalho, o Carvalho de Mampatá], que muitas vezes me convidou para os almoços da Tabanca, creio que de Matosinhos, mas que por vários motivos não pude aceitar.

Aos dois um grande abraço

Como já referi na minha apresentação (*), fiz parte da companhia de intervenção, a CCAV 8351 (Os Tigres do Cumbijã), formada no Regimento de Cavalaria n.º 3 de Estremoz, com comissão na Guiné em Aldeia Formosa e, mais particularmente, e proficuamente, em Cumbijã.

Com a minha passagem à aposentação, na tentativa de me manter ativo, para além de ler parte dos livros amontoadas e da bricolage, comecei a rabiscar um conjunto de histórias, do meu tempo de infância e da vida militar.

Tendo em conta os interesses e objeto do blogue, vou partilhar convosco (se os editores do blogue assim lhe reconhecerem qualidade bastante para aqui ser editado), para já, as minhas vivências desde o dia conturbado da chegada às Caldas da Rainha até ao regresso sui generis da Guiné.

Grande parte da história da companhia já aqui foi superiormente dada a conhecer a todos vós pelo ex capitão da companhia Vasco da Gama (a quem aproveito para mandar um abraço – não cotoveladas,  como agora é uso – assim como aos meus camaradas e amigos da companhia).

A minha narrativa sobre os acontecimentos, embora os factos sejam os mesmos, será obviamente diferente já que as vivi, naturalmente, de forma diferente.

Meu caro Luís, envio para ti este meu primeiro poste, contudo, se outra forma ou meio estiver instituído, agradecia que me desses a conhecer,

Bem hajam e saúde para todos.


2. Comecemos então pelo princípio: Caldas da Rainha e Tavira [, seguindo o índice do livro, em preparação, "Paz e Guerra: de pequeno ao furriel Pequenina"]


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte I
 

[9] Caldas da Rainha: A chegada às portas da tropa – um fardo pesado

Depois de ter ido às sortes e não me ter safado, o meu irmão Manuel, o primeiro a ir para a tropa na família com uma mobilização atribulada para a Guiné (1) (o segundo foi o João com comissão em Angola) (2), passou o tempo a dar-me conselhos sobre como me devia comportar nas lides dos quartéis, não obstante o tempo da chamada para a incorporação ainda vir longe.

Com a chegada da guia de marcha para as Caldas da Rainha os conselhos passaram a ser diários: "Respeita os graduados, o cabelo sempre curto, as botas sempre bem engraxadas, atenção aos amarelos... E a mais importante: nunca te ofereças como voluntário para nada". (Mais tarde constatei que este último conselho me livrou de algumas tarefas complicadas, nomeadamente descascar batatas toda a noite ou despejar fossas.)

Chegado o dia da partida, já devidamente preparado pelo Manel para enfrentar a vida militar, de mala feita e já fechada, chega à minha beira, o meu "padrinho de guerra", com 4 garrafas de vinho verde branco da casta Alvarinho e diz-me: "Abre lá o saco e leva estas quatro garrafinhas de vinho verde que te vão aligeirar a dureza da instrução".... "Como assim?",  digo eu. "Isto é assim", diz ele: "Logo no primeiro dia, com algum recato, ofereces 2 garrafinhas ao alferes e uma a cada cabo miliciano: funcionou comigo, contigo também não vai falhar!"...

O que logo me passou pela cabeça é que nunca teria a coragem de fazer tal coisa, para além de achar aquilo um absurdo, mas vi-o tão entusiasmado que pensei: "Ok, levo o material e encontrarei alguns momentos para confraternizar com os novos amigos de armas".

O meu "padrinho de guerra" foi comigo até ao comboio e ajudou-me a aconchegar a mala de modo a proteger as quatro "granadas".

Em Campanhã, arrastei a mala para fora do comboio e apercebo-me de um razoável grupo de mancebos com o cabelo rapado e com o mesmo ar assustado como o meu. Ao entrar para o novo comboio tive de pedir ajuda e logo surgiram as primeiras "bocas": "Já levas aí material de guerra?".. "São só quatro granadas" disse eu.

Em Alfarelos, onde a linha do Oeste desagua na linha do Norte, a estação ficou completamente inundada de mancebos vindos do Norte e do Centro do país,  mais parecendo um grande grupo de jovens em Interrail

A tarefa mais complicada foi carregar a mala da estação até ao quartel, mas com a ajuda dos amigos da ocasião lá se venceu o caminho.

Chegados à porta do quartel, deparo-me com uma enorme fila de pessoal para entrar. Pelos vistos, e para mal dos meus pecados, havia soldados a revistar minuciosamente todas as malas. Comecei a ver a minha vida a andar para trás. A primeira coisa que me ocorreu foi livrar-me daquele material perigoso, mas com tanta gente ao meu lado tal não era possível, pelo que tentei trazer a roupa toda para a parte de cima da mala tentando camuflar as "botijas" e seja o que Deus quiser.

Chegada a minha vez, com as mãos a tremer e já a transpirar, não obstante o frio que se fazia sentir, o nosso "pronto" começa a fazer a sua minuciosa revista, ficando estupefacto quando se depara com as quatro "granadas". 

Manda-me entrar para a guarita e com um ar sério vai dizendo que estou metido num grande sarilho: é crime levar bebidas alcoólicas para a caserna. Manda-me aguardar um pouco afirmando com algum dramatismo: "Vou chamar o nosso cabo já que só ele pode tratar deste caso". 

Chamou o cabo, mostrando um semblante de quem está a tentar salvar alguém da forca e disse-lhe: "Vê lá o que podes fazer pelo rapaz, não queremos que vá, logo no primeiro dia, dormir na cadeia do quartel!"... 

O nosso cabo olha para mim, fita as garrafas enquanto palita os dentes com a língua e "bota" a sua sentença: 

 "Se o oficial dia encontra aqui estas garrafas estamos todos tramados. Vou ficar com o seu nome, tentar esconder este material e, se tudo correr bem, está safo, se isto for descoberto está com um grande problema". 

A minha chegada às portas da tropa não podia ter começado melhor! Mais parecia a chegada às portas da guerra do Raul Solnado. Já me estava a sentir a pão e água na prisão do quartel!

Com as pernas a cederem e cheio de suores frios lá disse ao homem com a voz embargada: "Obrigado nosso cabo, ficar-lhe-ei eternamente agradecido"... mas receando o pior.

Passados uns dias (vividos com alguma ansiedade pelo desfecho do incidente das garrafas) tenho em cima da minha cama, depois de um dia duro de instrução, uma caixa com as quatro garrafas vazias e com a seguinte mensagem: 

"Podes ficar descansado. Assunto encerrado. Aqui estão as quatro 'granadas' já sem espoleta" (espoleta é um mecanismo que provoca a explosão da granada sem a qual a mesma é praticamente inofensiva)... "Sempre às ordens. Aguardamos, impacientes, a nova remessa"…
 
 _________

Notas do autor:

(1) Chegou a Bissau com uma grande pneumonia contraída durante a viagem, tendo quase de seguida regressado ao continente, com passagem à reserva, sem nunca ter visto Bissau.

(2) A sua comissão em Angola, como Furriel Miliciano, foram 2 anos de férias, numa zona junto a Luanda, onde nunca se sentiu a guerra e onde comprou carro e alugou casa…

No regresso embarcou ele (juntamente com a sua companhia) e o seu carro, um Ford Taunos, uma grande e espetacular "limousine" à americana dos anos 50 (a circular ainda hoje nas ruas de Havana), que fez parar a aldeia à sua chegada vencendo os caminhos, só frequentados até então por carros de bois, para chegar a casa...



Tavira > CISMI > Julho de 1968 > A chegada ao quartel da Atalaia dos novos instruendos do 1º Ciclo do CSM, vindos de todo o país. Fila do pessoal para receber fardamento, Foto do Fernando Hipólito, gentilmente cedida ao César Dias e ao nosso blogue.

Esta cena podia passar-se também à porta do RI 5, nas Caldas da Rainha. Esta rapaziada, chamada pela Pátria para cumprir o serviço militar obrigatório (, em tempo de guerra...), em finais da década de 1960 já tem um outro "look", a começar pelo vestuário... Tem outras habilitações literárias, outra  postura...

Presume-se que as belas cabeleiras, à moda dos "Beatles", já tinham ficado ingloriamente no chão do barbearia lá da terra ou de Tavira... Muitos fotam tosquiados à máquina zero, suprema humilhação para um jovem da época!... Não, já não é a mesma malta que parte, de caqui amarelo e mauser, para defender as Índias & as Angolas, uns anos antes ... O velho Portugal onde tínhamos nascido, estava a mudar, lenta mas inexoravelmente. E a nossa geração já não estava disposta a suportar os mesmos sacrifícios dos seus pais.

Foto (e legenda). © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: logue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



[10] Tavira: com amor, ódio… e trampa


Já na altura, a tropa estava muito à frente! – eram distribuídas as especialidades de uma forma cientificamente infalível, através de testes ditos psicotécnicos que na altura, creio eu, só o exército utilizava.

Era recorrente ouvirmos que escriturários iam para mecânicos, mecânicos para escriturários, enfermeiros para transmissões e técnicos de rádio para enfermeiros...

Dado este rigor científico, tinha a expectativa, dada a frequência do 3.º ano em engenharia eletromecânica (Curso de Eletrotecnia e máquinas), que me sairia em sortes, no mínimo, a especialidade de transmissões!

Enfim: Armas Pesadas!... e "ala" para Tavira.

Só mais tarde, depois de uma análise mais fina aos psicotécnicos e ao constatar que a maioria dos meus camaradas do pelotão de armas pesadas tinham, alguma, formação em engenharia mecânica e eram todos "roda 26", (todos com pouco mais que metro e meio de altura), compreendi a justeza e o valor científico dos mesmos. Montar e desmontar os canhões sem recuo e as metralhadoras pesadas só alguém com alguns conhecimentos de mecânica.

Já a "roda 26" era muito importante (como é que eu não pensei nisso?) para se poder operar dentro do espaldão, de pé,  continuando protegidos já que não atingíamos a altura dos bidões de proteção! A tropa estava mesmo muito à frente!

Gostei, e gosto, muito da cidade, das praias, das igrejas, das gentes, das esplanadas, das chaminés. Detestei a instrução de "mata cavalo", não pela dureza, nem pelo rigor da disciplina militar, mas pela brutalidade gratuita de alguns graduados já com várias comissões no então ultramar.

Gostei do espírito de grupo e camaradagem do pessoal daquela incorporação.

Estes 3 meses em Tavira escancararam-me a porta para o novo mundo, já ligeiramente entreaberta no ano do curso antes da incorporação (tinha o "Canto e as Armas" de Manuel Alegre e uma cassete com os Vampiros e o Menino do Bairro Negro do Zeca Afonso e já me sentia um revolucionário!), fazendo de mim um cidadão mais informado e consequentemente (e conscientemente) mais disponível para abraçar causas, que no contexto da altura só podiam ser as da liberdade.

Foi uma verdadeira escola de vida. Não pela instrução, contraproducente, mas pela densidade cultural e política de alguns dos intervenientes nas tertúlias e reuniões, supostamente, clandestinas.

Discutia-se e questionava-se a guerra, a ditadura, o embrutecimento da instrução militar, as péssimas condições das casernas e a péssima alimentação e também... futebol (aqui as divergências eram claras)… e as lindas algarvias (aqui havia mais consenso), etc.

Nesses três meses fizeram-se dois levantamentos de rancho (decididas em reuniões clandestinas restritas e com a informação a circular de boca em boca). Nenhum instruendo cedeu. A todos estes acontecimentos não é alheio o facto de fazerem parte desta incorporação dois filhos de altos dirigentes do MDP/CDE, que obviamente eram os líderes e promotores das tertúlias e reuniões clandestinas e de quem perdemos o rasto dias antes do fim da especialidade...

Na altura o então capitão Raúl Folques (militar altamente prestigiado) comandava, se a memória não me falha, uma das companhias de atiradores. A sua presença impunha respeito (na altura mais medo). Militar irascível, mas com comportamentos fora dos cânones militares ao terminar um levantamento de rancho, dando voz aos instruendos, deitando para o lixo toda uma refeição e ter mandado preparar uma nova, de qualidade aceitável, voltando, contudo, tudo ao normal nas refeições seguintes.

Toda a instrução era estúpida, contraproducente e desajustada tendo em vista o objetivo principal que era a criação de um corpo de militares preparados física, psíquica e tecnicamente para uma guerra de guerrilha num ambiente hostil e completamente desconhecido.

O objetivo principal da instrução foi sempre e só a humilhação pessoal:

  • Rastejar do quartel até ao local de instrução, com paragens para ler o RDM (Regulamento de Disciplina Militar) com um pé do instrutor em cima das nossas costas;
  • "Chafurdar" nas salinas abandonadas, de águas podres, pelo simples prazer de humilhar;
  • Fazer a entrega da correspondência, em formatura na parada, fazendo comentários brejeiros e mesmo obscenos sobre o que seria o conteúdos das mesmas enxovalhando todo aquele que recebia uma carta perfumada ou com "coraçõezinhos"...

Chegou-se ao ponto de se abrir uma carta (com muitos coraçõezinhos) e ler o conteúdo da mesma para todo o pelotão. Tal só aconteceu uma vez dado a ameaça, levada muito a sério, que se voltasse a fazer o mesmo o autor levaria um tiro.

Bastou uma semana passada em Tavira para compreender porque toda a gente chamava Hotel das Caldas ao quartel das Caldas da Rainha...

Tendo em conta as experiências do dia a dia e as histórias contadas por militares que por ali tinham passado, a semana mais temida era a da "nomadização". Éramos lançados, em pequenos grupos, na serra do Caldeirão, com ração de combate apenas para um dia, com um conjunto de pontos onde éramos obrigados a passar, regressando ao pondo de partido, no 4.º dia, onde éramos recolhidos.

Contra todas as expectativas foram os melhores dias que passei em Tavira. Tinha eu a ideia que estando nós no Algarve, supostamente uma das regiões mais desenvolvidas do país por força do turismo, ali já massificado, e o contacto com grande número de estrangeiros, que todo o conforto aqui seria possível.

Eu que vinha duma pequena aldeia do Minho, fiquei boquiaberto com o isolamento daqueles pequenos povoados, dispersos, sem luz elétrica, sem vias de comunicação, só trilhos por onde passavam, com dificuldade, animais.

A nossa chegada a estes locais era como a chegada de extras terrestres. Fomos recebidos por estas gentes como família e como familiares comemos à sua mesa. Nos quatro dias sempre jantamos à mesa, em casas diferentes, e dormimos: uma noite num curral dos animais, outra num silo e a terceira noite numa destilação de aguardente de medronho onde acordamos completamente tontos (embriagados) dado a quantidade de vapores etílicos no ar.

Numa das casas uma mulher, já nos seus 60 anos, confidenciou-nos que não obstante ser Algarvia, ainda não tinha visto o mar.

Contudo havia uma pequena escola primária, com meia dúzia de crianças, onde falamos com a professora, ainda jovem, com o namorado na tropa nas Caldas da Rainha, pelo que, não só, mas também, pensando nele, fez questão de partilhar connosco o seu lanche que os habitantes todos os dias lhe preparavam.

Durante a agradável conversa, com os alunos maravilhados com o generoso intervalo, contou-nos a sua aventura diária para chegar à escola. Utilizava 3 meios de transporte: autocarro, bicicleta e um burro nos últimos metros mais acidentados. Despedimo-nos com votos para que o seu namorado jamais viesse parar a Tavira...

Mas, o momento marcante da instrução (para além do tradicional mergulho nas velhas salinas de água podre, a semana de campo e a semana de nomadização) era o dia do fogo real, feito para a ilha de Tavira.

Com a especialidade de armas pesadas tínhamos de manobrar, de olhos fechados, as seguintes armas:

  • canhões sem recuo (cujo disparo tinha de ser feito com o cotovelo, com as mãos a tapar os ouvidos e a boca bem aberta para não darmos cabo dos tímpanos);
  • morteiro 120,
  • metralhadoras pesadas Browning e Breda.

Tudo isto a disparar para a ilha de Tavira metia medo ao susto. E assim foi...

O responsável pela carreira de tiro era um Tenente que tinha chegado recentemente da Guiné (um dos homens mais temidos no quartel a par do capitão Folques), completamente "cacimbado".

No meu pelotão tinhamos um excelente rapaz, grande melómano (moldou os meus gostos musicais que perduram até hoje), que de todo, não atinava com esta "coisa" da tropa. Começado o "fogachame" em simultâneo para a ilha de Tavira com a Breda, a Browning,  o morteiro 120 e o canhão sem recuo (o fogo de artifício das festas da Senhora da Agonia, comparado com isto é uma brincadeira de criança), logo o nosso melómano começou a fugir aos gritos impressionado com todo aquele aparato, convencido que o mundo estava a desabar.

O Tenente obriga-o deitar-se no chão e diz-lhe: "Se levantares a cabeça, um milímetro que seja, és um homem morto"... E começa a disparar com a Breda por cima do rapaz

A todos nós, que estávamos a assistir aquilo, não nos cabia um feijão no "dito", não obstante constatarmos que, pese embora o "cacimbo" da Guiné, o homem apontava as rajadas para uma altura de segurança, nunca pondo em perigo a vida do nosso camarada.

Terminado o filme de terror, fomos a correr ver como estava o nosso homem: branco, branco. Levantamo-lo, com todo o cuidado, e foi então que começamos a sentir um cheiro insuportável e algo a escorrer pelas botas a sair das calças do melómano... e assim passou de melómano a "merdalómano" (um mal nunca vem só…)

Nota: Nessa noite a caserna parecia a "aldeia da roupa branca (neste caso verde)" com toda a gente a estender as suas calças a secar penduradas na cabeceira da cama, ao qual me associei, contudo não tenho memória que tivesse chovido nesse dia!...

(Continua...)

____________

Notas do editor:

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19102: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVII: Armamento: Morteiro 81 e morteiro 60, São Domingos, 1968



Foto nº 1A  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 81.



Foto nº 1  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 81.


Foto nº 2  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 10.7 (tubo com estrias; o morteiro 81 tem a alma lisa...).



Foto nº 2A > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Pormenor do tubo do morteiro 10.7 (ampliando a imagem, vê-se que o tubo tem estrias, não é de alma lisa).


Foto nº 3  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 >Abrigo  morteiro 81. > Aqui dormima 3 homens e 1 cão rafeiro.


Foto nº 4  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Apontador do morteiro 81. >


Foto nº 5  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Sinulação de lançamento de uma granada de morteiro 81. > O Virgílio Teixeira mais o Pinto Rebolo (e não Rebelo...), "o Gordo"-
l

Foto nº 6  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > O morteiro 81


Foto nº 16  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão do morteiro 60 > O Virgílio Teixeira


Foto nº 17  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Esp+aldão do morteiro 60 > O Virgílio Teixeira


Foto nº 18  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 >  O Virgílio Teixeira sentado no abrigo do morteiro 81-


Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69 > Abrigos de morteiro

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 90 referências no nosso blogue.

Guiné 1967/69 - Álbum de Temas > T901 – AS NOSSAS ARMAS DE DEFESA > ARMAMENTO FIXO E MÓVEL > SÃO DOMINGOS E NOVA LAMEGO - Parte I


Caros companheiros e camaradas:

É com grato prazer que venho levar até vós, mais alguns temas, fotos, estórias e histórias de trabalho, lazer, convívios e copos de grande camaradagem com o pessoal, civil e militar, enfim passagens pelo nosso ex-CTIG, Comando Territorial e independe da Guiné.

O meu novo formato passa a ter um tema de base e a seguir juntando mais alguns outros que se possam encaixar no principal, sem deixar de cuidar este, e assim ‘vou-me libertando de tantas dezenas de fotografias’ que de uma só vez, seria difícil obter um bom resultado.

Em cada caso, faz-se um pequeno introito sobre o Tema, sobre a Unidade operacional à qual o autor pertenceu, o seu percurso, os meios disponíveis, o que foi feito e deixado por fazer, tendo sempre a consciência do dever cumprido, dentro do possível.

I - Anotações e Introdução ao tema:

O tema de hoje, tem a ver com o material de guerra, as nossas armas de defesa fixas e algumas transportáveis. Este é um assunto que apenas apresento como informação, nada tendo a ver com a minha actividade e função militar.

Fiz as fotografias possíveis, muito mais ficou por fazer, mas o que apresento é apenas uma ideia, quase completa do que era o nosso armamento.

Não faço aqui alusão às nossas armas pessoais, a Espingarda automática G3 ou a Pistola pessoal Walter, pois já todos conhecem.

Também não se apresentam os carros blindados, as Daimler, Panhard, Chaimites ou Fox, pois já foi objecto de um tema separado e só dedicado a essas armas terrestres.

Nas minhas passagens e do BCAÇ 1933, por Terras de Nova Lamego – Gabu, durante os 5 primeiros meses, pouco ou nada tenho, pois não estava ainda na minha mente andar à procura do armamento, e depois já era uma cidade maior com outros motivos para as ocupações de lazer.

Passou um mês em Bissau, aquartelados no Depósito de Adidos, e também não foi ideia procurar e fotografar os armamentos disponíveis.

Ficaram os meses restantes, cerca de 18 meses, num local isolado, pequeno, com quase nenhuns motivos de interesse e com muito tempo livre para fazer ‘nada’.

Então é aí que vou percorrendo alguns pontos de interesse, mas longe de passar por todos os locais com armas fixas e respectivos abrigos ou ninhos.

Seleccionei algumas fotos, para não sobrecarregar os Temas, para não se tornarem pesados, retirei as fotos pesadas em formato TIF, guardando para outros fins.

Este é um percurso pelos vários postos de abrigos e ninhos de metralhadoras, de poços ou espaldões dos Morteiros e outro armamento.

Algumas fotos não são nada boas, mas os espaços disponíveis eram assim, escuros, pequenos, feios, mas sempre com boa disposição.

Para os veteranos, e para aqueles que nunca foram nada, nem sequer militares, ficam estas imagens, singelas, mas para se perceber as condições muito difíceis em que muitos dos nossos sacrificados soldados, viviam ou apenas sobreviviam, em buracos.

Espero que gostem, pois para mim já ficava por satisfeito.

II – Introdução às Legendas:

Nota:

O primeiro parágrafo da legendagem explica o que significa a foto. Já nos seguintes, são notas e observações que faço em relação à história e contexto de cada foto no seu tempo.

As fotos são numeradas e seguidas por ordem, por vezes saltando alguns números para deixar folgas para novas fotos, e estão legendadas, seguindo uma ordem mais ou menos cronológica, quando possível, a ter em atenção alguns pontos:

Assim:

A descrição é sintética, lembra Quando, Como, Onde, O quê.

- Algumas têm apenas o ano, quando não é possível identificar a data certa;

- Outras podem conter o mês e ano, quando não é possível determinar o dia;

- Algumas dizem o dia certo, pois isso está escrito na foto ou em qualquer lugar.

Os locais dos eventos, normalmente são:

- Nova Lamego, NLamego – Abreviatura de Nova Lamego, NL – Sigla mais pequena de NL

- São Domingos, SDomingos – Abreviatura de São Domingos, SD – Sigla de São Domingos

III - Legendas das fotos:

F01 – O poço, ou espaldão como também se designam, e o abrigo de um Morteiro 81.

Junto ao poço, aberto em frente à messe de oficiais, ao lado do armazém de medicamentos, em frente aos armazéns de víveres, estava tudo muito concentrado.

Tinha como protecção, uma fileira abaixo do piso, com bidons vazios de gasolina, depois cheios com cascas de ostras, terra, algum cimento e está uma fortaleza. Outra barreira dos mesmos bidons, a proteger as traseiras do abrigo, não faltando como é claro, o insubstituível garrafão de vinho, empalhado, mas de certeza já vazio.

O poço é um buraco aberto no terreno, com a altura de um homem, e um diâmetro que posso calcular em dois metros. O morteiro é colocado no centro do buraco, com possibilidades de rodar e fazer fogo a longa distância em direcção ao IN.

Utiliza como projéctil, uma granada de morteiro, de diâmetro 81 com carga explosiva.

O mais trágico e doloroso, é que as munições – as granadas – estão também elas no mesmo buraco, pois a seguir ao poço aberto, fazem-se galerias debaixo do solo, de comprimento grande, onde são armazenadas as granadas.

E para além disso, estão as instalações dos municiadores e operadores do Morteiro, por ali vão vivendo o seu tempo debaixo de terra. Acho que são 3 os operadores, mas não tenho a certeza. Fui lá abaixo ver com os meus olhos aquelas condições desumanas onde viviam alguns militares, homens como eu e como os outros.

Para acabar, caso o IN nas suas flagelações acertasse com uma granada dos seus morteiros 82, ou de bazookas ou de canhão sem recuo, dentro do poço, é óbvio que aquilo ia tudo pelos ares, abrigo, munições e todo o pessoal que lá se encontrava. Não soube se aconteceu.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F02 – Aspecto de um Morteiro 81, no respectivo poço ou espaldão, e abrigo. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F03 – Aspecto de uma vivenda de luxo para 3 pessoas, plantada no meio de nada. Poço de morteiro 81. Visualização de longe, os contornos e a miragem!

A pequena elevação que se vê está suportada em troncos de palmeira, depois cheios de cascas de ostras ou outros materiais, terra vermelha e massa, e talvez algum cimento. Aquele espaço está ocupado com as camas de ferro onde dormem ou descansam os 3 homens.

Curiosamente têm a companhia ou a guarda de um cão rafeiro que por ali se passeia sem trela, ainda não eram como hoje tratados quase como seres humanos!

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F04 – O Morteiro 81 vai mandar uma ‘ameixa’ para o IN.

Trata-se de uma cena para uma fotografia apenas, o IN não está à vista.

Este Soldado ou Cabo, tantas vezes lá fui, e não sei o Estatuto dele, pois nunca andava vestido, só de calções. É o apontador e municiador do Morteiro, era um gajo porreiro, uma pena que tenho é desconhecer o nome dele. Ele pertence ao nosso Batalhão, não tem nada a ver com o Pelotão de Morteiros de Nova Lamego.

Ele não conhece estas fotos, pois são de slides, as de cor, e esses nunca mostrei a ninguém, pois só mandava revelar o rolo nas férias ou no final da comissão.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F05 – Tentativa de mandar uma morteirada para o outro lado.

É uma foto apenas, sou eu e o meu Furriel do Conselho de Administração  – o Pinto Rebolo – mais conhecido pelo Gordo – era assim que já era tratado no antigo Instituto Comercial do Porto. Fomos muito amigos, ele veio e encontramo-nos muitas vezes no Porto, era Delegado de Propaganda Médica, depois formou-se em Direito e exerceu advocacia. Acho que tem um problema grave, mas vai aparecendo nos almoços do batalhão.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F06 – Abrigo, poço e Morteiro 81, noutro local.

Já vi esta foto várias vezes e tentei compará-la, parece mais um Morteiro 60, por causa do Prato, mas depois ampliando acabo por reconhecer o 81mm. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.


F16 – Abrigo e Morteiro 60.

Trata-se de um Morteiro 60, pois a base do prato é pequena, utilizado mais em operações externas, e transporte aos ombros, com os projécteis a serem transportados ou carregados por outros militares.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.


F17 – Poço. Abrigo e Morteiro 60mm.

Nota:

A foto enviada tem a repetição do nº 16 (anterior). Esta é de 1969 a cores.

Trata-se de mais um abrigo e poço de morteiro 60mm, resguardado em condições miseráveis, sem o mínimo de dignidade. Basicamente é um poço aberto, de menos de 2m de diâmetro, suportado com uma estrutura de troncos de palmeira, terra amassada e cascas de ostras.

Como se vê é tudo muito básico, novamente os bidões vazios de gasolina, cheios também com terra vermelha amassada, e as inevitáveis e omnipresentes ‘cascas de ostra’ que sendo tão duras fazem um excelente ‘abrigo’ contra morteiros e bazucas.

Podem ver-se os dormitórios enterrados no solo, para os operadores das armas.

Foto captada em São Domingos durante o 1º. Trimestre do ano de 1969.


F18 – Um ‘poço-abrigo’ do Morteiro 81mm, visto do lado de fora, com uma precariedade de bradar aos céus.

Trata-se de uma foto, tirada do outro lado, não de dentro, mas visto de fora, demonstrando a fragilidade com que tudo era feito, com o aproveitamento integral das matérias disponíveis sem recurso a grandes gastos.

Os bidões são as sobras depois de esgotada a gasolina que transportam, são de chapa e com alguma resistência. Depois são cheios com cascas de ostras, que são os restos do que fica depois de comer o conteúdo, é um aproveitamento integral dos restos, com impacto ambiental. Tudo misturado com a terra vermelha, bem amassada e regada com uma mistura de água e cimento, e está feito. Para o restante há as coberturas feitas com troncos de palmeira, são matéria-prima local, é só cortar e entrelaçar os toros, cobertos com a mesma coisa que os bidões, e tudo feito a custo zero, com a força de braços dos nossos rapazes.

Foto, com data, captada em São Domingos no dia 23 de Agosto de 1968.


«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».


NOTA FINAL DO AUTOR:

As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. 

Acabadas de legendar, hoje,

Em, 2018-10-05

Virgílio Teixeira

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19078: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVI: Fortaleza da Amura, Quartel-General, Bissau, junho de 1969.

sábado, 24 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf.ª (Como, Cufar e Tite, 1964/66)



Fernando Santos Oliveira
2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf.ª

1964/66





1. Mensagem de 10 de Novembro de 2007 do nosso camarada Santos Oliveira para o nosso tertuliano Mário Fitas

Caríssimo Amigo Vicente

De acordo com a nossa conversa telefónica de ontem, vou tentar escrever o que sei dizer, mesmo com imprecisões cronológicas, datas e ausência de muitos nomes, que durante cerca de 40 anos procurei varrer das minhas lembranças.

No entanto, os factos vividos jamais foram esquecidos, sobretudo os que foram menos maus, pelo que te narrarei e documentarei, sempre que possível, o que tu próprio testemunhaste, embora num período curto (do mesmo modo que todas as Unidades que por mim passaram, ou eu por elas passei).

Gostava, ainda de referir que passei, entre a minha chegada e a despedida, cerca de 20 dias com o Pel Indep de Morteiros 912 e que não sei distinguir quem foram os militares (afora os 2 Cabos e 7 Soldados que sempre estiveram comigo) que pertenciam à minha Secção de 20 homens.

Assim, apresento-me:
2.º Sarg Mil Armas Pesadas de Infataria (EPI, Mafra, 1963);
Tirocinado Ranger (CIOE, Lamego, 1963/64);
Tirocinado Pára-quedista (BCP, Tancos, 1964);
Mobilização pelo RAL 1 (Lisboa, 1964), com destino a Rendição Individual de militar morto em combate, pelo chamado fogo amigo, quando em Missão inadequada à sua Formação de Armas Pesadas, integrava um Grupo de Combate, em Patrulha.


2. Em 19 de Novembro Mário Fitas dirigia-se ao Luís Graça

Caro Chefe da Tabanca Grande:

Não posso ficar indiferente ao aparecimento do Santos Oliveira no blogue. Em Cufar, juntos comemos da batata já a apodrecer, com o bacalhau que não havia, mas tivemos um grande petisco um dia quando comemos gazela com feijão frade, bem bom! Arroz não havia naquela terra distante.

O Fernando Santos Oliveira é um bom homem e um extraordinário Morteirista. Nos meus primeiros tempo de Cufar, era ele que conseguia calar a malta de Cufar Nalu nas horas das nossas refeições, curiosamente coincidentes com as horas de carreira de tiro deles.

O Fernando tem muito para contar. Mas já agora mando algumas notque ele teve a amabilidade de me mandar e espero que ele, para além destas notas, mande as suas cartas de morteiro do Como, Cufar e Tite.

É uma honra para a malta de armas pesadas. As notas da guerra do Joaquim Fernando Santos Oliveira são a forma respeitável como ele viu e viveu a guerra.

Um abraço para toda a Tabanca.
Mário Fitas


3. Em 20 de Novembro o co-editor CV endereçou mensagem ao Santos Oliveira

Caro Camarada Santos Oliveira:

Os editores do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné vêm convidar-te a formalizares a tua entrada na nossa Tabanca Grande (nome alternativo do Blogue) e autorizares a publicação do trabalho que enviaste ao camarada Mário Fitas.

Para seres membro deste importante depositório de estórias, recordações, memórias, testemunhos, depoimentos,. etc. de ex-combatentes da Guiné, basta que digas que sim ao nosso convite, que mandes uma foto tipo passe, actual, para que te conheçamos no nosso próximo encontro, e uma foto dos teus tempos de Sargento Miliciano.

Claro que ficas obrigado a contar as tuas estórias devidamente ilustradas (quando for o caso) com as tuas fotos guardadas há tanto tempo. Vais ter o prazer de aumentar o nosso espólio e de ver as tuas experiências partilhadas com camaradas teus que sentiram o mesmo que tu, nos diversos Chãos e nos diversos anos que durou a guerra na Guiné.

Se nunca foste, aconselho-te a ir à nossa página da Tertúlia , onde poderás verificar que o nosso objectivo é unicamente não deixar esquecer a nossa geração e dar a conhecer um bocado da História de Portugal que se vai desvanecendo, como se a culpa da manutenção da guerra fosse nossa (milicianos e recrutados à força) e não das más políticas seguidas pelo regime de então.

Ficamos a aguardar a tua resposta.

Da parte dos editores, recebe um fraterno abraço
Carlos Vinhal, co-editor.


4. Mensagem de Santos Oliveira com data de 23 de Novembro, para Luís Graça

Camarada Luís Graça

Saudações

Ontem, à noite, o nosso camarada Mário Vicente deu-me umas dicas para aprender a entrar nas leituras cronológicas do Blogue. Acho que consegui e dei de caras com a transcrição de um mail em que sou solidário com uma opinião do Torcato Mendonça. Surpreendeu-me, pela positiva.

Como bem sabes (a tua formação militar em Armas Pesadas, foi igual à minha) o nosso Ofício não era ser-se Apontador (fossem Morteiros, Canhões sem Recuo ou Metralhadoras Pesadas), mas Comandar um Grupo de Homens, de duas esquadras e dois Morteiros. Tudo o restante está de acordo.

Como tenho dito, sou um principiante inexperiente e até inocente, na arte da Internet; procurarei evoluir, como foi referido pelo Torcato, até poder manejar a comunicação na Net, (como muito bem o fazem os miúdos de hoje) como outrora o fazia com a G3. Assim o espero.

Isto porque me sinto extremamente honrado, pelo público convite, para integrar o Blogue. Disso, já deves ter conhecimento, (com a minha inexperiência de permeio), de que o Carlos Vinhal tem todos (???) os elementos. Desculpa-me não ter seguido os passos sem pisar minas. Parece que o fiz.

Já há para aí algum material publicável; ajustem-no ao Blogue, enquanto não rotinar a minha escrita.

Quero, finalmente, garantir que apenas escrevo como sempre tenho vivido, pelo que é importante saberem que tudo o que for apresentado por escrito (para ti, para o Blogue ou para um qualquer Camarada), é publicável. Fica autorizado. Nada tenho a esconder ou a recear, mesmo que a Verdade venha a doer ou a magoar.

Publicamente, quero agradecer ao companheiro Mário Vicente (Fitas), porque desde o seu início no Blogue (creio) sempre me motivou e incentivou a que aderisse; igualmente ao Torcato por também ter dado um empurrão.

Aos Editores Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote, as minhas felicitações e os meus parabéns pelo trabalho desenvolvido em prol da classe de Veteranos em extinção e da História de Portugal, que um dia será reescrita, com verdade, para os nossos tetranetos poderem aprender nas Escolas.

Aos restantes Camaradas do Blogue, igualmente um Bem haja pelos vossos contributos.

Ao grosso dos Veteranos, peço-vos apenas: não sejam Ex-Militares, ex-Alferes, ex-Furriel, ex-Cabo ou ex-Soldado, porque, desse Direito Histórico, por mais que o tentem apagar, não o conseguirão. Todos, somos portugueses como Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Mouzinho de Albuquerque, etc, etc. e, um dia, daqui a muitos anos, seremos honrados, não por sermos Colonialistas (historicamente, os nossos antepassados não são!), mas por termos sido portugueses que cumpriram (muitas vezes contrariados) o dever e a obrigação, sem desertar ou fugir.

Pessoalmente, o meu muito obrigado.

Neste Natal, que se aproxima, para todos os portugueses, os votos das maiores felicidades.

Fraternais saudações, do
Santos Oliveira

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2282: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (7): A revolta do pessoal da geração de 1961/66 (Santos Oliveira)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317, BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana 1968/69) > Um espaldão de morteiro 81. Não temos aqui falado muito dos nossos camaradas de armas pesadas de infantaria... Curiosamente, o fundador do nosso blogue tirou essa especialidade que nunca chegou a exercer... no TO da Guiné. (LG)

Foto: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.

1. O nosso camarada e amigo Torcato Mendonça acaba de reenviar, para o blogue, a mensagem que recebeu, ontem , do Santos Oliveira, que foi Sargento Miliciano Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, Pelotão de Morteiro 912 (Guiné, 1964/66)


Caro companheiro:

Acabo de ler o teu comentário no “post” [de 1 de Novembro de 2007], Guiné 63/74 - P2234: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (5): Os bons, os maus e os vilões (Torcato Mendonça)

Tens a minha concordância, o meu louvor e o meu apoio incondicional.

Sou um principiante na Net, pelo que apenas quero agradecer-te, em nome dos da minha geração (talvez), a clareza que colocaste no teu comentário; é que das classes de 61 a 66 (mais os de 61 a 64), pouquíssimos camaradas disseram de sua justiça. Pelo menos, não são muito visíveis (como eu).

Saí de Tite por 3 meses e passei 9 na Ilha do Como (após a OpTridente), mais 4 em Cufar. A minha Unidade (???) foi o extinto Pelotão de Morteiros 912 (adido ao BCAÇ 599, Tite) e regressei a Tite ao BCAÇ 1860; não consta que o Pel Mort 912 saísse do BCAÇ 600, ou mesmo que tivesse tido um Pel de Mort, como se diz.

Sou Sargento Mil A.P. de Inf (Tirocinado Ranger), do extinto Pelotão de Morteiros 912, Guiné 64/66. Chamo-me: Santos Oliveira.


Contactos:
Rua do Rochio, 94 – Vilar do Paraíso
4405 VILA NOVA DE GAIA
Tel.: 227112117 e 914001255
Correio electrónico: santosoliveira912@gmail.com

Aproveito para te desejar um óptimo e Feliz Natal, como a todos os Camaradas.

Um abraço, do
Santos Oliveira

2. Comentário dos editores:

Santos:


És bem vindo à nossa Tabanca Grande, e ainda para mais pertencendo tu a uma camada, mais velha, da chamada geração da guerra colonial... De facto, a malta de 1961/66 está menos representada no nosso blogue... Em número, não em qualidade...

Podes pertencer à nossa tertúlia, juntando aos teus elementos de identificação (que tiveste a gentileza de nos mandar) mais duas fotos (digitalizadas, em formato.jpg), uma do teu tempo de Tite e do Como e outra actual...

Já agora, e como é da praxe, escreve mais umas tantas linhas sobre o teu Pelotão, a tua actividdade operacional, a Operação Tridente (1), os teus camaradas, a Guiné do teu tempo, etc. Se tiveres fotos e/ou estórias de Tite, manda, que é raro aparecerem referências a essa terra onde, oficialmente (segundo o PAIGC e as autoridades portuguesas da época), a guerra começou, a 23 de Janeiro de 1973 (2)...

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Notas dos editores:

(1) Sobre a Operação Tridente, pdoes ler (se ainda não leste) os textos que publicámos em primeira mão do sargento comando Mário Dias que esteve contigo no Como: