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domingo, 28 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21956: Facebook...ando (60): o gen Bettencourt Rodrigues, em 16 de novembro de 1973, em Madina do Boé, com dois jornalistas alemães, para verem "in loco" o sítio onde o PAIGC teria alegadamente proclamado a independência unilateral


Foto nº 1

Guiné >Região do Gabu > Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > O jornalista alemão, da Reuters,  Joachim  Raffelberg, e o gen Bettencourt Rodrigues, governador-geral e com-chefe que, a partir de 21/9/1973, substituiu o carismático gen António Spínola.


Foto nº 2

Guiné >Região de Gabu >  Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > Os dois  jornalistas alemães, à esquerda (Joachim  Raffelberg, da agência Reuter, e Guenter Krabbe,  do Frankfurter Allgemeine Zeitung; e à direita  o gen Bettencourt Rodrigues. Ao centro, um oficial superior não identificado e um oficial paraquedista, da força do BCP 12 que montou a segurança no local (Op Leopardo, Madina do Boé, de 15 a 17 de  novembro de 1973,  em que participaram as CCP 121 e CCP 122, tendo a CCP 121 ficado de reserva em Dulombi, segundo informação do nosso camarada Manuel Dâmaso). 

Recorte do Diário de Notícias, 23/11/1973



Foto nº 3

Recorte do Diário de Lisboa, 23/11/1973


Foto nº 4

Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > c. 13-20 de novembro de 1973 > O jornalista alemão da agência Reuters,  Joachim Raffelberg a bordo do NRP LFG Cassiopeia, de 300 toneladas, e 27 tripulantes, a caminho da fronteira com o Senegal, depois da visita a Madina do Boé (no dia 16).

1. Na página do Facebook do antigo jornalista da  agência Reuters, Joachim Raffelberg, chamada Raffelnews, Serviço comunitário, encontrámos esta "preciosidade", um álbum sobre Madina do Boé, com fotos (legendadas  em inglês), inseridas em 29 de janeiro de 2018, incluindo recortes de jornais portugueses (Diário de Notícias e Diário de Lisboa) que reproduziram a notícia da agência noticiosa portuguesa, ANI, dando conta de uma visita de jornalistas estrangeiras, de helicóptero, à antiga Madina do Boé, acompanhados do gen Bettencourt Rodrigues, o então novo comandante-chefe do CTIG.  

A visita terá ocorrido no dia 16 de novembro de 1973, quase dois meses depois da proclamação unilateral da independência que o PAIGC reclamava ter sido feita na antiga Madina do Boé, evacuada em 6 de fevereiro de 1969. (*)

Com a devida vénia, reproduzimos alguns desses documentos, que são importantes para informação e conhecimento dos nossos leitores, antigos combatentes  (**),  com tradução nossa, livre,  para português, das legendas (, no todo ou em parte), que se reproduzem, a seguir, em itálico:

Foto nº 1

(....) Os cerca de 500 anos de domínio colonial português estavam a chegar  ao fim. (...)  Apesar das minhas reportagens críticas, em 1971,  sobre o uso de napalm no teatro de operações de Angola, o Governo português convidou-me,  mais uma vez,  para visitar uma das suas colónias africanas, desta vez, a Gyuiné, um pequeno ponto na costa da África Ocidental

[O antigo jornalista também tem um pequeno álbum sobre o alegado uso de napalm em Angola, vd. aqui: Napalm in  Angola 25 jan 2018]

(...)  Aqui, na Guiné,  o PAIGC de Amílcar Cabral, um dos principais líderes anticoloniais africanos (assassinado em janeiro de 1973), esforçava-se por derrubar  as forças armadas portuguesas,  primeiro sob o comando do general do monóculo,  António de Spínola, e agora, em 1973, sob a liderança pelo general José Manuel de Bettencourt Rodrigues, ex-ministro da Defesa.

Lisboa sempre rejeitou, como falsa,  a reivindicação do PAIGC de extensas áreas libertadas no  interior do território, mas quando o PAIGC em 1973 declarou que tinha proclamado a independência da Guiné-Bissau num  local chamado Madina do Boé em 24 de setembro, as autoridades militares portuguesas levaram, até lá,  jornalistas estrangeiros,  sete semanas depois,  para provar que os rebeldes estavam errados.

Hoje já sabemos qual foi o desfecho: o próprio General de Spínola abriu caminho aos libertadores,  com o seu livro “Portugal e o Futuro”,   que pôs em marcha a revolução dos cravos de 1974: ao som da canção “Grândola, vila morena”,  tocada pela Rádio Renascença a partir da meia-noite de 25 de abril, em menos de 24 horas, seria derrubada a ditadura mais antiga da Europa.(...)


Fotos nº 2:

Guenter Krabbe (...) e eu  fomos acompanhados pelo governador Bettencourt Rodrigues (...) no nosso passeio de helicóptero ao local, situado a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacri. Depois de Bafatá, o piloto vestiu o seu colete à prova de bala para não correr nenhum risco. 

Verificamos o percurso no mapa do comandante. Em Madina do Boé, o nosso grupo foi saudado por Forças Especiais Portuguesas [. tropas paraquedistas, CCP 122 /  BCP 12,] que tinham enviadas previamente para limpar a área, em caso de necessidade. (***)

O general  deu-nos 'uma pausa para o cigarro' , o tempo suficiente para dar uma olhadela no terreno à volta,  antes de regressarmos. Tudo o que encontramos no terreno de savana  foram os restos de um edifício que parecia um barraco e as fundações de várias palhotas. Não tínhamos permissão para inspecioná-los porque o local havia sido minado, conforme aviso que nos fora feito. 

Se o PAIGC tivesse ter declarado aqui a independência, eles bem poderiam  ter atravessado a fronteira próxima e regressado a correr,  após uma possível breve cerimónia.

Embora o Krabbe tenha escrito que não havia nenhuma povoação em Madina do Boé, muito menos com aspeto de estar inserida numa zona libertada, os jornais portugueses citaram extensivamente a minha história com um enfoque no colete anti-balas do piloto.

Foto nº 3

(...) Sem mo dizer, o QG da Reuter tinha enviado, ao mesmo tempo que eu,  um colega a Conakry para confirmar, do “outro lado”, a declaração de independência alegadamente feita em Madina do Boé,  e a Reuters atrasou a transmissão da minha reportagem aos nossos nossos subscritores, até que eles validassem comigo as coordenadas do lugar que nos disseram ser Madina do Boé, uma vez que tinham detectado um erro  no grau de latitude no meu fax. Acontece que o grau correto se perdeu na transmissão (...)

J. Raffelberg, na altura  correspondente da Reuter em Bona,  tinha recebido instruções para  explorar a oportunidade de obter informação em primeira mão  sobre um assunto controverso (a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau), o mesmo é dizer, conseguir um "furo jornalístico", mas o relato do repórter deveria passar primeiro pela sede da Reuter em Londres, com vista a garantir que os padrões da agência, de objectividade,  imparcialidade e triangulação de fontes,  estavam assegurados.

Foto nº 4

 "Os marinheiros nos disseram ter [, a Cassiopeia.]  participado da invasão marítima de Portugal à Guiné-Conacri em [22 de novembro] de 1970 para capturar ou matar Amílcar Cabral, mas a missão falhou. Quando naveguei com eles no rio Cacheu em 1973, o seu comandante  era o 1.º tenente António Silva Miguel".

O gesto do novo comandante-chefe e governador-geral,  gen Bettencourt Rodrigues, parece ter chegado demasiado tarde. E não terá tido grande repercussão na imprensa internacional: os dois jornalistas alemães terão estado menos de 15 minutos em Madina do Boé, e com forte protecção militar. Acrescente-se ainda o facto de a Op Leopardo não ter ficado barata, dada a mobilização de meios que implicou (parte do BCP 12 e parte da frota de Helis AL III).
 
Cerca de 8 dezena de países, sobretudo do bloco soviético, China e países não-alinhados africanos, árabes e asiáticos,  foram reconhecendo o novo país. Portugal, como é sabido, só   um ano depois, em 10 de setembro de 1974, é que reconhece "de jure" a independência da Guiné-Bissau. E também só nessa altura, a 17 de setembro de 1974, é que a Guiné-Bissau é  reconhecido como novo membro da Assembleia Geral da ONU. Guiné-Bissau que é agora um país lusófono, integrado na CPLP.   

(...) Assunto - P3909: Perguntas, por que é que a FAP não bombardeou Madina de Boé em 24/9/73 ?

Não tenho qualquer dado para responder a isso, mas posso contar o que aconteceu em 69

(...) Como sabes, Madina foi abandonada mas ficou "minada". Passados uns dias (?) desta retirada, Spínola foi com um fotógrafo, o Maj Bruno e cinco páras, fazer umas fotos pois o Paris Match tinha publicado imagens de Amílcar Cabral como sendo em Madina, com a legenda "A tomada de Madina".

Eram dois Helis, eu seguia num, com os Páras (picadores na especialidade). As ordens eram as seguintes: Eu largava um Pára que picaria o terreno para os Helis aterrarem. Assim foi executado.

Para que o IN pensasse que havia muita tropa, foi feita uma manobra de diversão. Enquanto o Gen Spínola estava em terra, os dois helis aterravam e levantavam fazendo voltas de pista, para sugerirem muitos efectivos.

As movimentações em terra eram feitas com muito cuidado. No único local onde há montes na Guiné [, as famosas Colinas do Boé,], os Helis apareciam e desapareciam para dar a ideia de muito aparato.

Recuperado o Chefe, Maj Durão, fotógrafo, e julgo mais um graduado, e os quatro Páras, que seguiram comigo, nunca mais voltei a aterrar em Madina do Boé.

Com estas fotos, Spínola queria mostrar que Madina ainda era controlada por nós, mesmo abandonada.

Porquê toda esta tosca explicação?

Acho que seria inapropriado o PAIGC ir com o seu Povo fazer uma cerimónia de independência num local que eles sabiam estar minado. Não saberia a FAP que eles nunca iriam a Madina ?

A cerimónia terá sido mesmo em Madina do Boé, dentro da Guiné? A Guiné-Conacri fica ali a dois passos.

Gostaria de saber se, em 1973, o Gen Bettencourt Rodrigues aterrou em Madina ou só fez umas passagens para ver se havia alguém.

Afinal não estou a esclarecer nada, estou a aumentar as dúvidas!!! (...)

(**)  Último poste da série > 5 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21736: Facebook...ando (59): Sobre a CCAV 678 a que pertenceu o fur mil Jorge Nicociano Ferreira, já falecido: (i) esteve menos de 3 meses na ilha do Sal, Cabo Verde; (ii) foi render a CCE 342 (?); (iii) em Bissau, e antes de partirem para a Zona Leste (Bambadinca), fizeram escoltas a barcos de reabastecimento às NT em Catió (Rui Ferreira / Eduardo dos Santos Roque Ablú)



Guiné > Região de Bafatá > Dulombi > Op ÇLeopardo (15-17 de nevembro de 1973) > Heli Al III estacionados em Dulombi. 

Cortesia de António Dâmaso / Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 61/74

(***) Segundo informação prestada pelo Manuel Dâmaso, membro da nossa Tabanca Grande, no Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 61/74 >1 de setembro de 2011 > Voo 2465: Um comandante de ideias fixas (2)

António Dâmaso, Srgt-Mor Paraquedista.
Azeitão

(...) Gozei as minhas merecidas férias, regressei mais renovado e continuei a comandar o 2.º
Pelotão, nestas funções tomei ainda parte na Guarda de Honra que a CCP 121 fez à recepção da chegada do novo Governador da Província, General Bettencourt Rodrigues em 21 de Setembro de
1973. (...)

A actividade operacional tinha abrandado muito, enquanto estive de férias a Companhia só fez uma operação conjuntamente com a CCP 123.

Comandei o Pelotão até 01Nov73, data em chegou um Alferes para o comandar, participei na Operação “Leopardo” de 15 a 17 de Nov73, em Madina do Boé em que participaram as CCP 121 e CCP 122, consistiu em levar uma equipa de fotógrafos ao local onde diziam que tinha sido declarada a Independência, mas quem lá foi disse que não havia lá nada, nem indícios,  não há dúvidas que filmaram foi noutro local e não em Madina do Boé. (...)

Desta vez não fui como operacional, fui como responsável pela logística da Companhia, no dia 15 fomos jantar e dormir a Bafatá, pela manhã arrancámos até Dulombi em viaturas auto, a minha Companhia  [, CCP 121,] ficou de reserva em Dulombi, já lá tinha estado 4 anos antes em 1969 (...).

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15245: Inquérito "on line" (7): Estava em Bissau quando em 7 de maio de 1974 chegou o TCor graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, esse sim o último Com-Chefe. Conheci também o Schulz, o Spínola e o Bettencourt Rodrigues (António Dâmaso, SMor PQ ref, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


O último Governador Geral e Comandante-Chefe, Carlos Fabião (1974)... Aqui na foto ainda capitão e depois major,  comandante do Comando Geral de Milícias (1971-973), ao tempo de Spínola... 

Foto de autor desconhecido, reproduzida aqui com a devida vénia.
In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335. 


1. Mensagem de hoje do António Dâmaso [srg mor PQ ref, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74]

Assunto - Governadores da Guiné

No vosso inquérito, a meu ver, parece-me que se esqueceram de mais um governador.

Vejamos, eu fui contemporâneo de quatro Governadores e Comandantes-chefes da Guiné.

Quando em 17NOV66 a 17ABI68, fui colocado na BA12 e seguidamente no BCP12, era o Comandante-chefe o General Arnaldo Schulz.

Reportando a governação deste à época, tenho a dizer que houve uma grande atividade operacional por parte do BCP 12 que lhe deu direito à medalha de Cruz de Guerra de 1.ª Classe.

Quando lá apareceu o Brigadeiro Spínola, eu já não lá estava.

"Levei" com ele nas duas comissões seguintes: 20MAR69 a 10JUN70 e 18NOV72 a 30AGO74. Este militar, apesar de ter alguma preferência pelos oficiais de Cavalaria, esteve muito tempo dentro do teatro de operações e conseguiu implantar a “psico” de juntar as Populações perto de Aquartelamentos, construir moranças e criar legislação que protegia os indígenas de maus tratos por parte de militares metropolitanos.

Assisti mais de uma vez a palestras de receção a militares, em que este dizia aos militares aquilo que gostavam de ouvir de um chefe militar, por outro lado era a sua postura nas visitas aos Aquartelamentos e teatros de Operações... Sempre gostou de arriscar e teve sorte, morreu de velho.

Quando em 1961declinei a oferta de ir para a PM {, Polícia Militar], quis o destino que não o tivesse tido por 2.º Comandante, fui para Lanceiros 1

Depois havia a sua habilidade de convivência com as Populações, que era muito boa e era considerado o Homem Grande. Depois desta convivência e análise politica e militar, previu que a guerra não era ganha militarmente.

Para muitos, foi um Cabo de Guerra, mais tarde no 11MAR75, assisti "in loco",  na BA3, à sua partida [para o exílio], num  Heli que o levou à Base de Talavera de la Frontera.

Também lá estava quando fui comandar um Pelotão, integrado na CCP 121, para fazer guarda de honra na receção ao general Bettencourt Rodrigues quando este foi substituir o General Spínola, na minha modesta opinião não tenho conhecimentos para avaliar o desempenho deste senhor general, apenas sempre admirei a sua verticalidade de não alinhar com os revoltosos quando em 26ABI74, invadiram o seu gabinete. E como não alinhava com eles, deram-lhe voz de prisão e recambiaram-no para cá.

Este militar teve muita sorte na sua recusa, porque não passou pela vergonha de ter entregado a Guiné ao PAIGCV.

Imediatamente a seguir a 25 de Abril, vi muitos Periquitos posicionados nas esquinas das ruas de Bissau

Ainda lá estava quando em 07MAI74, chegou o TCor graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, que este sim foi fazer a transferência.

Lembro-me que quando este senhor lá chegou, se preocupou com a sua segurança e a do palácio, recebi ordem para ir levantar 20 Jeeps ao Exército, estas viaturas depois, algumas equipadas com canhões sem recuo, serviam de equipamento para uma CCP fazer a segurança ao palácio.

Por último, tenho dúvidas se Arnado Schulz e Spínola, participaram na guerra civil de Espanha.


PS - Caros camaradas, apesar de tudo, e do comentário acima,  sou um spínolista.   Um grande abraço do Dâmaso.

______________________

Nota do editor:

terça-feira, 21 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14909: Memória dos lugares (308): Rios ? Subi o Geba até Bambadinca, naveguei no Bichaque e no Cumbijã, fui atacado no Cacheu, andei no Cacine e no Sapo... (António Dâmaso, srgt PQ, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74)... O rio da minha tabanca, o Olossato (Paulo Salgado,ex-alf mil cav, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)



Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > Rio Olossato > 2006 

Foto: © Paulo Salgado (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1970/74) > Album fotográfico do nosso saudoso camarada  Daniel Matos (1951-2011) >  Foto 44 > "Cais de Gadamael, num momento de descarga do batelão (BM3), que nos abastecia e que ali deixava os produtos que transportaríamos nas colunas para Guileje... O rio que banhava Gadamael Porto era o Sapo, afluente do Rio Cacine, "

Foto (e legenda): © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição: LG]
  


1. Mensagem de António Dâmaso, srg mor PQ ref [BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74]

Data: 2 de julho de 2015 às 14:12

Assunto: Sondagem sobre ss nossos rios da Guiné

Ilustres camaradas!


Obrigado pelo convite para participar, mas o inquérito  (*) não me permite dizer "o que me vai na alma".

Das várias vezes que estive no Ultramar, fui um privilegiado por ter sido sempre transportado de avião.

Quanto a deslocações na Guiné, até certo ponto também usufruí desse privilégio.

Em 9 ou 10 de julho de 1969, subi o rio Geba até Bambadinca, neste trajeto lembro-me de ter passado por um estreito e de ter esperado que a maré enchesse, pelo menos isto é o que eu retenho em todos os meus sonhos de guerras travadas.

Mais tarde, em dezembro de 1972, naveguei no Bichaque e no Cumbijã.

Em Maio de !973, no Cacheu, por duas vezes onde fui envolvido no ataque do Patrulha.

Em Junho e Julho de 1973, naveguei no Cacine e no afluente [, Rio Sapo que banha] Gadamael Porto por quatro vezes.

Isto foi a minha passagem por rios da Guiné.

Um abraço

A. Dâmaso


2. Mensagem de Paulo Salgado, com data de 3 jul 2015 06:20


[ foto à esquerda: Paulo Salgado, ex-Alf Mil, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72. administrador hospitalar reformado; cooperante na Guiné-Bissau e em Angola]


Caros bloguistas, caro Luís,

Como podeis pensar apenas na grandeza, na extensão (quase todos os que indicais...)?

Há um pequeno rio que serpenteia entre arvoredo frondoso, que recebe as crianças, jovens brincando na água, que devolve tranquilidade a quem, por certo, se aventurou a navegar numa canoa...é o rio Olossato, que corre na povoação com o mesmo nome.

Registai: Olossato. (**)

Saudações bloguistas


Paulo Salgado
______________

Notas do editor;

(*) Último poste da série > 20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14903: Memória dos lugares (305): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (António Murta)

(*) Vd, poste de 19 de fevereiro de  2006 > Guiné 63/74 - P548: Do Larinho ao Olossato ( Blogue de Paulo Salgado)

sábado, 17 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14157: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (96): Não sei se era o senhor Comandante Pombo que estava aos comandos, sei que fiquei muito sensibilizado com esta boleia (António Dâmaso)

1. Mensagem do nosso camarada António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista Reformado, com data de 15 de Janeiro de 2015:


HOMENAGEM AO COMANDANTE POMBO

Li que havia três Antónios que voaram em Cessna.
Eu também sou António e voei em Cessna. Estava na 2.ª Comissão, pertencia à CCP 122, estava destacado em Teixeira Pinto, um dia à boa maneira da Tropa, sem me darem qualquer explicação, mandaram-me embarcar numa DO 27 com destino a Bissalanca, aí integrara-me por empréstimo numa Companhia menos de Páras que tinha sido mobilizada para Angola e foi parar à Guiné como reforço à zona Leste.

Esta companhia foi reforçada com sargentos e praças das CCP 121 e CCP 122 e passou a ser denominada CCP 123, no dia 11 de Julho embarcou em lancha com destino a Bafatá, com camas e colchões da FAP.

Em Bafatá, ficou alojada no Esquadrão FOX junto do aeroporto, no dia 12 fez um heli-assalto.
Era na 2.ª quinzena de Julho de 1969, não posso precisar o dia, se foi a 19 ou 30, depois de uma operação na zona, estava em Galomaro para tomar o transporte de regresso para Bafatá, ouvi uma conversa de um casal de comerciantes locais, que ia embarcar em Bafatá com destino a Bissau em viagem de negócios. Como tinha a família em Bissau, perguntei se me davam uma boleia, foi-me dito que tinham prazer na minha companhia, pedi ao Comandante de Companhia e este disse-me que me dava dois dias.
Saltei para a caixa de carga da Pick-up do casal, com destino a Bafatá onde nos esperava uma avioneta Cessna, embarcámos com destino a Bissalanca, aterramos já depois do por do sol com as luzes da pista acesas.

Não sei se era o senhor Comandante Pombo que estava aos comandos, sei que fiquei muito sensibilizado com esta boleia. O meu regresso a Bafatá, foi feito em Dakota onde o meu saudoso camarada MMA, Luís Maria Vitorino era tripulante, este faleceu nos Açores quando o Aviocar colidiu com a serra de Santa Bárbara, na Ilha Terceira em 05 de Julho de 1978.

Bafatá - Depois do meu regresso. Ao centro está o Vitorino a quem presto homenagem póstuma
____________

Nota do editor

Último poste da série de 15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14152: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (95): Mais uma pequena história... Em honra do Cessna dos TAGP e do Comandante Pombo (Mário Migueis da Silva)

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10158: (Ex)citações (189): Chamem-lhe destino, providência, desígnio ou simplesmente sorte... mas a verdade é que eu estive para me sentar duas vezes no lugar do morto (Jorge Narciso, ex-1º cabo espec MMA, Bissalanca, BA 12, 1969/70)


1. Comentário, com data de hoje, de Jorge Narciso [, foto acima, do próprio,] ao poste P10144 (*):

Luís:

Antes de mais agradecer-te as muito gentis palavras que me diriges, especialmente no realce da homenagem prestada aqueles nossos camaradas.

Relativamente ao teu ultimo comentário, é correto que no heli canhão existiam dois únicos lugares (sentados), o do Piloto e,  na sua retaguarda e virado lateralmente para o exterior,  o do apontador que manobrava o canhão colocado entre as suas pernas. 

No entanto e como relatei no Post 5756, uns meses após este acidente acabei mesmo por fazer um curto voo num canhão, de pé por detrás do apontador, entre o corredor de Guileje e Aldeia Formosa, quando da captura do Cap Peralta (cubano).

Mas,  no caso ora tratado, o que estava efetivamente combinado e autorizado,  era que eu no regresso da operação ocupasse o "lugar" do Machadinho, trocando ele para o heli onde afinal acabei eu por voar. 

Mas este não foi caso único no que me diz respeito.

Durante o meu periodo de Guiné, registaram-se dois únicos acidentes aéreos mortais e ambos com helis. 

Pouco mais de um ano após este (em 25 de julho de 70) aconteceu o que,  no Rio Mansoa, vitimou o Alf Manso (Piloto), 4 deputados em visita à Guiné e um capitão do Exército, salvo erro chamado Carvalho.

Sobre o mesmo escrevi em comentário ao Post 5176 o seguinte: 

(...) Porque estava escalado para esse voo, tendo inclusive estado pronto a partir, no helicóptero acidentado (já com os rotores a funcionar e portas fechadas), só não seguindo porque chegou entretanto à placa o malogrado Capitão do Exército para integrar a visita e que face à lotação completa que se registava nos helis, tomou o meu lugar por determinação do comandante de Esquadra, seguindo a missão com o suporte técnico do Mecânico Electricista ( Jorge Caiano) já antes sediado no Heli 1 (...).

Assim, como lhe queiramos chamar: destino, providência, desígnio, ou meramente sorte, se a chuva de Galomaro e aquela tardia chegada do malogrado Cap Carvalho não tivessem no primeiro caso evitado que tomasse um lugar e no segundo me retirado doutro, ambos com caminho sem retorno,  o facto é que a transmissão destas emoções teria, hoje, seguramente outro relator.

Quanto ao comentário do leitor S. Nogueira, que agradeço, só através dele tomei conhecimento do testemunho do Dâmaso [Post P4742], com quem, aliás, numa recente iniciativa do Blogue da BA12 [, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74,],  almocei lado a lado, sem que tivessemos abordado o tema do acidente, desconhecedores que ambos o tinhamos presenciado. (**)

Com um abraço

Jorge Narciso
_________________

Notas do editor:

(*) 12 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10144: In Memoriam (121): António Machado, 1.º Cabo Especialista MARME, e António Rodrigues, Capitão Pilav, que pereceram num acidente de helicóptero no dia 12 de Julho de 1969, em Bafatá (Jorge Narciso)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P9975: Efemérides (101): Ataque ao navio Patrulha Hidra, dia 20 de Maio de 1973 (António Dâmaso)

1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2012, o nosso camarada António Dâmaso (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma) enviou-nos o seu relato da emboscada perpetrada à LFG Hidra no dia 20 de Maio de 1973, no Norte da Guiné.


Navio Patrulha HIDRA navegando no Tejo
Com a devida vénia ao Blogue da Reserva Naval


ATAQUE AO NAVIO PATRULHA HIDRA

António Dâmaso

No dia 20 de Maio de 1973, depois da CCP 121 participar na Operação ”Ametista Real”, cerca das 19h30, não posso precisar a hora sei que era de noite, embarcámos em Ganturé, juntamente com alguns Comandos Africanos no Navio Patrulha HIDRA com destino a Binta, julgava eu que íamos regressar a Bissau.

Entrei à conversa com um camarada da guarnição 1.º Sarg. Artilheiro Joanás, fomos até uma salinha, depois de uma cervejinha bem fresca e de uma conversa, estávamos sentados e eu deixei-me vencer pelo sono, repentinamente cerca das 24h00, sou acordado com uma série de rebentamentos, o convés do navio tinha sido atingido*, havia granadas a arder (pólvora), tive a sensação que o paiol tinha sido atingido, mais tarde li algures que o que foi atingido foi um reservatório das peças Bofors de um dos canhões que equipavam o navio. O Joanás agarrou imediatamente num extintor, eu passei-lhe outro e com um em cada mão, apagou o incêndio naquele local, fiquei impressionado com a rapidez e destreza dele, não há dúvida que na Marinha, as guarnições dos navios estão muito bem preparadas para combater incêndios a bordo, quando vi as granadas incendiadas, fiquei com receio que estas rebentassem, o que teria acontecido se não tivessem sido extintas atempadamente.

A reacção ao ataque por parte da CCP 121 foi rápida e eficaz, dando origem a que os guerrilheiros do PAIGC tivessem desistido de mandar mais granadas para o convés do navio, porque se tivessem continuado, teriam provocado mais vítimas e estragos de maior monta, como era de noite não me apercebi bem dos efeitos do ataque, quanto à localização julgo ter sido na curva de Jugali.

De cada vez que eu tentava subir as escadas para o convés, aparecia-me um ferido que eu encaminhava para a enfermaria, tarefa dificultada por ser feita no escuro, isto repetiu-se várias vezes, um dos feridos era do meu pelotão, apontador do morteiro e ficou ferido num calcanhar. Recordo que no meio daquela confusão toda, alguém ter dito que faltava um Zebro (barco de borracha), chegamos a Binta na madrugada do dia 21. Pela manhã os feridos foram evacuados e nós lá ficamos, ao meu pelotão coube para alojamento um barracão de madeira junto do cais que ficava do lado esquerdo, Binta tinha sido em tempos um entreposto madeireiro.

Depois de ter desembarcado dei por falta de um rádio (banana), que só podia ter desaparecido no Patrulha, uma vez que tinha feito conferência de material antes de embarcarmos e o militar que o tinha à guarda foi ferido no ataque, como recebiam prémios por armamento ou equipamento, apreendido ou encontrado, mais tarde o rádio apareceu como tendo sido dado como achado por um Comando Africano na zona de Bigene.

À noite, estava a dormir, pelo quarto dia consecutivo, sou acordado com um ataque dirigido aos barracões, com lança granadas de foguete (RPG 2 e 7), vindo do outro lado do rio Cacheu, não ouve baixas mas além de termos ripostado ao ataque, tivemos de apagar um incêndio num dos barracões que ficava em frente ao nosso. Nesse barracão estava uma viatura carregada com caixões com destino a Guidage, os ataques já se tinham tornado uma rotina. Ainda ficamos em Binta mais um dia e uma noite, à espera de uma coluna de viaturas que viria de Farim com destino a Guidage.

Mais tarde quando me encontrei com o Joanás em Cacine, quando este andava a apoiar Gadamael Porto, disse-me que tinha sido louvado que a CCP 121 tinha tido uma citação elogiosa pela sua acção.

Um Ab
A. Dâmaso
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9972: Efemérides (66): Guidaje foi há 39 anos... A coluna do dia 29 de maio de 1973: a participação da 38ª CCmds (Pinto Ferreira / Amílcar Mendes / João Ogando)

(*) Ver poste de 16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)

Em 20 de Maio de 1973 a LFG Hidra, frente à clareira de Jagali, a juzante da foz do rio Buborim, foi emboscada da margem Norte com RPG, armas ligeiras e morteiro 60 mm. O primeiro RPG deflagrou contra os cunhetes de munições da Boffors de vante, provocando rebentamentos e um grave incêndio, tornando a peça inoperativa. Reagiu de imediato e tudo acabou por se compor, não sem alguns estragos.

Foi elogiada a colaboração de elementos da CCP 121 e BCCmds (Baltalhão de Comandos) que, seguindo a bordo, conjuntamente com o navio, reagiram prontamente com o armamento de que dispunham. O resultado foram 3 feridos graves (Comandos) e 6 feridos ligeiros (Comandos, Paras e LFG).

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9966: Efemérides (98): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (4): O Regresso (António Dâmaso)

1. Quarta e última parte da narrativa da "Operação Mamute Doido", de autoria do nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista da CCP 121/BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária)  que participou nesta operação levada a efeito no fatídico mês de Maio de 1973.

Fotografia de alguns elementos do 3.º Pelotão da CCP 121, tirada dias antes de partir para Guidage

Legenda:
1 - Cabo Gonçalves, foi ferido no ataque ao Navio Patrulha em 20MAI73
2 - Soldado António das Neves Vitoriano, morto em combate na emboscada de Cufeu em 23MAI73 (a) (b)
3 - Soldado José de Jesus Lourenço, morto em combate na emboscada de Cufeu em 23MAI73 (a) (b)
4 - Soldado A Ferreira Carvalho, morto em Combate em 22JUL73 em Cubonge
5 - Soldado Manuel da Silva Peixoto, morto em combate na emboscada de Cufeu em 23MAI73 (a) (b)
6 - Soldado Fernando Jorge Ferreira Dias, morto na Operação «Gato Zangado I» Nova Lamego em 05FEV74

(a) Ficaram sepultados em Guidage
(b) Os restos mortais foram resgatados e entregues às famílias em Julho de 2008


OPERAÇÃO ”MAMUTE DOIDO” (4)

 O REGRESSO

No dia 30 de Maio pelas 06H30 saímos do Guidage, saí com um misto de alívio por me ver livre daquele inferno e uma tristeza enorme por deixar para trás aqueles três Bravos rapazes que abnegadamente tinham dado a sua vida pela Pátria. Ao sair deitei um último olhar para as campas desejando paz às suas almas, mesmo armado em “duro”, senti um nó na garganta e um ardor nos olhos, foi como se tivesse deixado ali três irmãos mais novos que não consegui proteger, o Lema dos Pára-quedistas “NINGUÉM FICA PARA TRÁS” tinha sido quebrado.

A minha Companhia ia em guarda de flanco esquerdo no sentido Guidage-Binta, os Fuzileiros iam no flanco direito, estávamos arrasados, alguns dos meus homens estavam mesmo em baixo. Antes da saída pedi-lhes que fizessem um esforço, pelo que acederam e lá nos dispusemos a palmilhar os quase 20km de distância, mas depois de passar a zona mais perigosa, ordenei aos que estavam com maior dificuldade para subirem para as viaturas, mas eu como tinha de dar o exemplo, fiz um esforço para aguentar.

Ao passar pela última vez pelo Cufeu lá estavam os esqueletos espalhados comidos pelos bichos, dando uma imagem fantasmagórica, um dos meus homens ia a olhar para a esquerda, de repente olha em frente, depara-se com dois esqueletos junto a uma árvore, fez uma ligeira paragem repentina, mais de respeito do que medo e no momento lembro-me de lhe ter dito para não se preocupar que aqueles já não lhe faziam mal. Ao todo passei pelo Cufeu quatro vezes. Desta vez os guerrilheiros do PAIGC, optaram por não nos incomodar, fiquei com a impressão que eles gostavam mais de atacar pessoal que passava lá pela primeira vez, pelo que chegamos a Binta sem incidentes. Ficámos a aguardar por uma lancha que no dia 01JUN73 nos transportou até Farim, nessa noite fomos dormir no Kapa3, no dia 02JUN73 seguimos em escolta a uma coluna de viaturas de Farim para Bissau, na estrada entre o Kapa 3 e Mansabá, que eu quatro anos antes tinha por lá andado a fazer segurança à construção da mesma. Viam-se algumas viaturas na berma que tinham sido incendiadas, no trajecto entre Mansabá e Mansoa, reconheci os pontos críticos por também ter feito segurança a várias colunas quatro anos antes. Chegamos a Bissalanca pelas 15 horas depois de 15 dias de martírio.

Era fim-de-semana, depois de proceder à operação de recolha do material e do entregar na arrecadação, deixei os homens na camarata e dirigi-me aos meus alojamentos, como o bar de sargentos ficava em caminho, fui lá para matar a longa sede. Ao chegar ao jardim fronteiriço dei uma cambalhota em frente e soltei um grito estridente, deixando escapar toda a raiva e emoções contidas naqueles dias, os presentes já estavam informados do que tinha acontecido, as más notícias sabem-se logo, entreolharam-se e pensaram: "Este tipo vem apanhado de todo, este não é o primeiro-sargento que nós conhecemos". Não se enganaram porque nunca mais fui o mesmo que tinha de lá saído quinze dias antes, noutras circunstâncias ter-se-iam fartado de gozar mas a situação era grave, soube disto por confidência de um deles mais tarde em conversa.

Resumindo, naquelas duas Operações, “Ametista Real” e “Mamute Doido”, sofremos ataques/flagelações em Bigene nos dias 18 e 19 de Maio à noite; na noite de 20 quando érammos transportados no Navio Patrulha que navegava no rio Cacheu, este foi atacado, tendo o meu Pelotão sofrido um ferido que teve ser evacuado. Na noite de 21 fomos atacados no Cais de Binta; no dia 23 sofremos uma emboscada na Zona do Cufeu, onde o meu Pelotão teve três mortos e o 2.º teve um ferido grave que acabou por morrer mais tarde, das seis vezes que passamos na zona de Ujeque, fomos flagelados três; não contabilizei as vezes que fomos flagelados em Guidage nos oito dias que lá estivemos onde num desses ataques uma só granada provocou sete vítimas.

“Diz-se que foram quinze dias para esquecer” mas o pior de tudo é que não se consegue esquecer, têm-me dado muitos pesadelos e tirados milhares de horas de sono.

Curiosamente, apesar de ter tomado notas há muitos anos, tenho uma “branca” desde o espaço de tempo que passei por Genicó e desembarquei em Farim, dizem-me que fomos pernoitar em Binta mas não me lembro de nada

Um Ab
Dâmaso
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Notas de CV:

- Sobre a a batalha de Guidaje (ou Guidage), é obrigatório ler o livro de José de Moura Calheiros - A Última Missão (Lisboa, Caminhos Romanos, 2010, 638 pp) e em especial as pp. 437 - 491: cap 31 (A batalha de Guidage) e cap 32 (Como morrem os soldados)...
- Há referências sobre Moura Calheiros (que era na altura o Segundo Comandante e Oficial de Operações do BCP 12) (Guiné, 1971/73)
(http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Moura%20Calheiros%20%28Cor%20P%C3%A1ra%29)

Vd. postes anteriores da série de:

 27 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (60): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

28 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9954: Efemérides (61): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (2): Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu (António Dâmaso)
e
29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9963: Efemérides (63): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (3): Permanência em Guidaje (António Dâmaso)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9963: Efemérides (97): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (3): Permanência em Guidaje (António Dâmaso)

1. Terceira parte da narrativa da "Operação Mamute Doido", de autoria do nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista da CCP 121/BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária)  que participou nesta operação levada a efeito no fatídico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO ”MAMUTE DOIDO” (3)

Permanência em Guidage

Vista parcial do Quartel de Guidage em DEZ1973
Foto: © Cortesia de Albano Costa, com a devida vénia

Os dias que permaneci no Aquartelamento de Guidage foram os mais dolorosos de toda a minha vida. Chegamos lá na noite de 23MAI73, com três mortos e um ferido grave, famintos, sedentos, desidratados e com o moral em baixo.

Quando entrámos cheirava a cadáveres em decomposição, recebi ordem para colocar o meu pelotão, nas traseiras da cozinha, perto dos balneários, numa vala debaixo de umas árvores de grande porte. Vim a saber depois que naquele lugar tinham, dias antes, morrido dois militares e que estavam à espera dos caixões que deviam ter vindo na coluna que não chegou, sendo a causa do cheiro que se fazia sentir. Não sei bem onde estes mortos se encontravam, lembro-me da existência de um abrigo na parada e que servia de enfermaria, donde vinha um cheiro insuportável.

Na primeira noite só eu e mais uns quantos dormimos junto da vala, os restantes foram para um abrigo que estava perto, não sei como cabia lá tanta gente, eram beliches com camas sobrepostas, até havia militares a dormirem debaixo das camas, estavam militares do Exercito, Fuzileiros e Pára-quedistas, era tudo ao molho, pensei que se caísse lá uma granada perfurante fazia uma razia. A vala em questão estava bastante arrasada, “ficado” dois militares dias antes, daí o sentimento de insegurança de lá permanecer.

Vista parcial da “parada” de Guidage com viaturas de uma Coluna
Foto: © PC Radiotelegrafista Janeiro


Quando espreitei à porta estavam a ouvir uma rádio pirata, a voz da libertação não sei quê, entre outras coisas foi lá que ouvi pela primeira vez que o Quartel de Guileje tinha sido abandonado.

No dia 24 MAI73, foi lá o Héli em missão arriscada em voo rasante, segundo se disse na altura pilotado pelo Comandante da Base, dizia-se que os pilotos não queriam levantar, o que eu acho que não correspondia à verdade, porque estiveram na operação “ Ametista Real” e quando em 23 a CCP 121 esteve cerca de 50 minutos debaixo de fogo numa emboscada em Cuféu, eles foram lá salvar-nos o “coiro”. Esse Héli levou-nos correio e dois pares de meias novas que nos deram muito jeito, dizem ter lá ido o Gen. Spínola mas não me lembro do ter visto, vi sim, o Major Pára Calheiros, o ferido grave do 2.º Pelotão, o Melo, foi evacuado para o Hospital Militar de Bissau acabando por falecer também.

Ainda no mesmo dia manhã cedo, o chefe da Tabanca de Guidage, deslocou-se à bolanha do Cufeu e disse ter lá visto três guerrilheiros mortos, mas que não tinham as armas, ficámos assim a saber que eles também sofreram pelo menos três baixas.

Parte do quartel de Guidage estava construído já no Senegal, até diziam que metade da pista era no Senegal, uma coisa era certa é que os DO 27 para aterrarem ou levantarem, tinham que voar por cima do Senegal, isto antes de terem abatido num só dia três aviões na zona, a pista era pouco mais que o campo de futebol, era um ponto alto de onde se avistava no Senegal, relativamente perto, uma estrada com movimento de viaturas.

Como vi o meu pessoal tão por baixo, eu não estava menos mas tinha o sentido da responsabilidade de comando, pedi ao Comandante da Companhia para falar com eles. Ele assim fez e para fazer ver que ainda éramos pára-quedistas, no dia 25MAI73, saímos pela estrada que ia para Barro, mais à frente derivamos para a esquerda, a corta-mato e fomos ao Cufeu, estivemos no local onde tínhamos sofrido a emboscada, quando vi o local onde nós tínhamos estado “abrigados”, ao ver tudo arrasado deduzi que tivemos sorte por não ter havido mais baixas, viam-se espalhados pela zona alguns cadáveres abandonados, já só as ossadas por terem sido comidos pelos bichos.

Aquela saída foi muito positiva para levantar o moral, porque tanto na ida como no regresso, na zona de Ujeque fomos alvo de tentativa de flagelação, como mais tarde alguém escreveu, “que não se saía nem entrava no quartel sem haver tiros”.

Não sei se aquela saída foi ordenada pelo Comandante do COP 3, apesar de estarem lá militares de outras armas mais descansados do que nós, coube-nos a missão e ficou aqui demonstrado que naquelas condições, as Tropas sitiadas devem fazer segurança próxima e afastada, é dos livros e tem-se verificado na prática que existindo grandes abrigos fortificados, mas, se não existir segurança próxima e afastada, correm o risco de com uma simples granada lacrimogénea, os saquem de lá “pelas orelhas”.

Entretanto já tinham sepultado os dois mortos que estavam lá quando chegamos, agora eram os nossos que já estavam em decomposição o cheiro era insuportável, eu ia comer perto da enfermaria onde os nossos três mortos tinham sido depositados sobre camas sem colchões, não existiam sacos para cadáveres, a refeição era um arroz aguado, espécie de canja temperada com um sal dum chispe de porco enlatado, que eu vi desenterrar na “parada”, para lhe ser aproveitado o sal, estava comer e o cheiro que vinha da enfermaria interferia-me com o paladar.

Mais uma vez falei com o Comandante de Companhia no sentido de acabar com aquela situação, dando-lhes sepultura, tendo em conta a meu ver, que nada mais se podia fazer por eles. Não sei se o meu pedido teve alguma influência, mas foi assim que eles foram sepultados em “campas individuais, enrolados num lençol e pano de tenda ao lado dos outros dois que já lá estavam.

Foi uma tarefa dificílima, eu que sempre evitei situações complicadas, mas há alturas em que por muito complicadas que sejam, temos de dar um passo em frente e voluntariei-me juntamente com o maqueiro/enfermeiro do meu pelotão Carvalho (1), mesmo com mascaras embebidas em álcool, foi difícil de suportar, estavam irreconhecíveis, se não fossem as etiquetas que tinham no dedo do pé, não sabia quem eram, fez-me alguma confusão como é que tinha entrado em decomposição em tão pouco tempo.

Tive conhecimento que num alojamento dos oficiais ou dos sargentos havia vaga, sei que um tenente da minha Companhia dormia lá, não me fiz rogado e fui para lá dormir, pelo menos sempre dormia num colchão já que o risco era iminente em qualquer lado.

Não me lembro de ver sentinelas enquanto lá estive, se as havia eu não as vi, também não as fui procurar.

Enquanto lá estive, deambulei por lá sem grandes curiosidades, até porque a minha condição psico-física não mo permitia, apenas estava preocupado para que em caso de ataque iminente, teria de defender a zona que me tinha sido distribuída, nesse contesto analisei o terreno envolvente, vi onde estavam todos os meus homens, porque a segurança não podia ser descurada. Assim fui à sala de Transmissões onde funcionava o Comando e troquei impressões com quem lá estava, já tinha tido três baixas e queria fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para não ter mais, em virtude de estar consciente do perigo que todos corríamos.

As flagelações eram frequentes, numa delas houve uma granada perfurante que entrou num abrigo de um obus matou seis ou sete numa assentada, ficaram pendurados nos beliches. Naquela zona morria-se em emboscadas, dentro do quartel em valas e abrigos, a morte espreitava em qualquer lugar.

Lá foram mais uns quantos sepultados no cemitério improvisado, assim continuámos no antro de morte, o ar que respirávamos cheirava a morte. No dia 29MAI73 recebemos ordem de ir ao Cufeu fazer segurança para que não fossem emboscar uma coluna que vinha de Farim, desta vez tiveram o bom senso de trazer um Caterpillar a abrir picada nova, mesmo assim foi mais uma viatura pelos ares, na zona de Genicó, tendo provocado um morto e um ferido grave. A coluna no lado direito vinha escoltada pela CCAV 3420 do Cap. Salgueiro Maia e 38.ª de Comandos, nós saímos para ir fazer segurança ao Cufeu e o Destacamento de Fuzos saiu atrás de nós para ir para Ujeque.

Quando estávamos a entrar no Cufeu captei no meu rádio uma transmissão entre o Cap. Salgueiro Maia (?) ou o CMDT da Força que vinha à frente e o meu Comandante de Companhia, em que o primeiro perguntava qual a nossa localização porque estavam a avançar para ele em linha, cerca de cem militares/ guerrilheiros com boina verde, o segundo respondeu que não éramos nós porque estávamos na Tabanca do Cufeu e não usávamos boina no mato. Da conversa fiquei a saber que se conheciam da Academia Militar onde o Comandante da minha Companhia era conhecido por “Vietcongue”, aqui que ninguém nos ouve, nos Pára-quedistas tinha a alcunha de “Cara de Aço”, talvez devido ao seu ar grave, (com o devido respeito).

Quase de imediato ouviu-se um forte tiroteio na posição dele, desta vez o PAIGC foi tentar a sorte mais para frente, ao que parece ainda fizeram mais duas tentativas, mas a CCAV 3420 bateu-se bem e chegou para eles, apenas tenho algumas dúvidas se o contacto foi com CCAV 3420, ou se foi com a 38.ª de Comandos, se foi com a última esta já estava feita ao terreno porque já lá tinha passado.

Até que chegaram à nossa posição, depois da travessia da bolanha, uma viatura Unimog saiu fora do trilho e acionou uma mina, mais um ferido grave. Depois de passarem por nós, a minha Companhia seguiu atrás em protecção à retaguarda, mesmo assim ainda perto da zona de Ujeque, fizeram uma tentativa de nos flagelar, desta vez coube à minha Companhia repeli-los. Já de noite lá chegamos a Guidage.

A única coisa boa de que me lembro de ver enquanto lá estive, foi haver sempre água corrente.

(1) - O Carvalho,  mais conhecido por Carvalhinho, veio a falecer em combate na Operação Topázio Poderoso, na Região de Cubonge em 22JUL73.

Saudações Aeronáuticas
Dâmaso
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9954: Efemérides (61): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (2): Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu (António Dâmaso)

Vd. último poste da série de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9961: Efemérides (62): Guidaje foi há 39 anos: a coluna que rompeu o cerco, em 10 de maio de 1973 (Amílcar Mendes, ex-1º Cabo Cmd, 38ª CCmds, 1972/74)