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sábado, 17 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25178: Parabéns a você (2247): António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) e Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 1426 (Geba, Camamudo e Cantacunda, 1965/67)


Em tempo:
Lamentavelmente o editor esqueceu-se de publicar o postal de aniversário do camarada Fernando Chapouto na data certa.
Para efeitos de memória futura foi hoje acrescentado ao post.
Não estranhar portanto o facto de niguém dar os parabéns ao Fernando
01MAR2024
Carlos Vinhal

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25165: Parabéns a você (2246): Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367 / BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24954: S(C)em Comentários (23): João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo")




Lisboa > Fundação Calouste Gulbenkian > 11 de dezembro de 2023 > João Crisóstom,o, vencedor do Prémio Tàgides 2023, na categoria "Portugal no Mundo", uma iniciativa da All4Integrity-

Fotos: Cortesia da página do Facebook de Cristina Crisóstomo


1. Comentários recentes (*) sobre o tema, de alguns dos nossos camaradas... Os demais leitores podem também pronunciar-se (**)

(i) Eduardo Estrela  (Faro):

Houve portugueses da história recente deste país que amamos, que desobedeceram a César por amor de Deus e da humanidade. Aristides de Sousa Mendes e o general Vassalo e Silva são exemplos de homens capazes de afrontar o mal oriundo de mentes agrilhoadas e obscuras.

Bem hajam os que continuam a lembrar a integridade humana e intelectual desses homens, como é o caso do João Crisóstomo no que a Aristides de Sousa Mendes diz respeito.

A humanidade continua, cada vez mais, a precisar de vultos que se revoltem contra os poderes instituídos que espezinham, destroem, matam e reduzem a cinzas em nome de nada, os que somente aspiram a uma vida melhor. (...)
 
4 de dezembro de 2023 às 14:14 

(ii) Valdemar Queiroz (Cacém / Sintra): 

O nosso camarada da guerra na Guiné tem várias vezes me telefonado e enviado e-mails para saber como eu tenho passado da minha doença, e com o desejo de me visitar quando viesse a Portugal. Eu fico sempre muito sensibilizado com as suas preocupações, por não nos conhecermos de lado nenhum.
No último e-mail escrevi-lhe como o reconhecia, assim:

"João Crisóstomo a tua vontade de ajudar as pessoas é por seres um homem bom com sentimentos muito elevados. Tens-te como possuído por sentimentos religiosos 'amai-vos uns aos outros' para sentires essa vontade de ajudar os outros, que assim seja, não vejo a religião para outra coisa." (...)

 4 de dezembro de 2023 às 16:53 

(iii) José Câmara (Soughton, MA, EUA):

Confesso que gosto do João, da sua atitute. O telefone é a sua G3 na comunicação com os amigos. Aqui e ali, muito mais graças a ele, comunicamos. Para ele o mundo não tem fronteiras. Bem hajas João!
Abraço transatlântico.

11 de dezembro de 2023 às 01:08 

(iv) Luís Graça (Lourinhã):

João, tu mereces. Tu, o António Rodrigues e tantos outros luso-americanos que nunca esqueceram a terra que vos viu nascer.

Por certo que o júri (constituído por por personalidades que venceram o prémio nas duas edições anteriores) ficou impressionado não só com a competência, o empenhamento e a determinação que tens posto na defesa destas nobres causas, como também com a tua capacidade de mobilização e trabalho de equipa... Isto é liderança... Nada se faz sozinho, ninguém é herói solitário.

Fíco contente também por ti e pelos Crisóstomos & Crispins que te inspiram, e te deram exemplos e valores...

Afinal, quem disse que ninguém é profeta na sua terra ? Claro que Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras, não tem a mesma visibilidade de Queens, Nova Iorque...

12 de dezembro de 2023 às 08:32 

(v) António Carvalho (Carvalho de Mamaptá) (Medas / Gondomar):

Tenho muito orgulho em saber que tenho entre os camaradas da Tabanca Grande e combatente da guerra da Guiné um camarada com estes grandes méritos aqui referidos, entre outros que também terá. Parabéns, Crisóstomo, pelo que tens feito de extraordinário, nomeadamente pela causa das Gravuras do Coa e pela reabilitação e nobilitação da memória de Aristides de Sousa Mendes. (...)

12 de dezembro de 2023 às 11:12

(vi) Hélder Sousa (Setúbal): 

Caros amigos: Todas as palavras elogiosas do João Crisóstomo e das suas obras não são demais. É com grande satisfação (e orgulho "por conta") que lhe reservo toda a consideração e estima.
É verdadeiramente um "bom homem" e um "homem bom". (...)


(vii) Manuel Luís Lomba (Barcelos):

Felicitações ao João Crisóstomo, por mais esta distinção. Grande honra nossa de ter e privar com camarada desta dimensão.(...)

13 de dezembro de 2023 às 10:31 

(viii) Carlos Vinhal (Leça da Palmeira / Matosinhos):

Ter alguém como o João Crisóstomo, que faz o favor de ser nosso amigo, é um privilégio.

Caro João, um abraço e votos de muitas felicidades.

13 de dezembro de 2023 às 18:49 

(ix) Joaquim Luis Fernandes (Leiria):

Bem merecido o prémio Tágides 2023, a João Crisóstomo!

Parabéns e muitas felicidades. (...)

13 de dezembro de 2023 às 19:47 

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Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de 

13 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24947: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - II (e última) Parte

12 de dezembro de 2023: Guiné 61/74 - P24945: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - Parte I

4 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24915: (In)citações (261): João Crisóstomo, já que chegaste a finalista do Prémio Tágides (edição 2023), na categoria "Iniciativa Portugal no Mundo", esperamos que no dia 11 deste mês, na cerimónia de revelação dos vencedores, os nossos bons irãs estejam contigo e com as causas que tens defendido, com o empenho e a competência também de muita outra gente da diáspora lusófona e de outros cidadãos do mundo

(**) Último poste da série > 13  de dezmbro de 2023 > Guiné 61/74 - P24948: S(C)em comentários (22): Caçadores de Angola...

sábado, 14 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24755: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (9): A pisa, a desfolha, a apanha da lenha nos montes, o cultivo da batata, a olivicultura... (António Carvalho, Medas, Gondomar)

Marco de Canaveses > circa 1947 _ A vinha de enforcado, as vindimas

Marco de Canaveses > circa  1947 > O típico carro de bois de Entre Douro e Minho


Fonte: Aguiar, P. M. Vieira de - Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses. Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947. (Com a devida vénia).


1. Já aqui publiquei,  há dois anos atrás,  várias notas de leitura sobre o livro "Um caminho de quatro passos", do António Carvalho. (*)

Para além das pequenas histórias relacionadas com a sua experiência como furriel miliciano enfermeiro no sul da Guiné, durante dois anos (CART 6520/72, Mampatá,1972/74),   encantou-me, de sobremaneira, na altura em que o li,  as suas vivas recordações da infância passada em Medas, Gondomar, num ambiente rural que muitos de nós ainda chegámos a  conhecer, tanto no Portugal continental como insular e até ultramarino. (estou-me a lembrar no nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé,  "menino e moco em Fajonquito").0

Não sendo propriamente um "menino da cidade", tendo vivido numa pequena vila à beira mar, Lourinhã, com avós, tios e primos ali ao lado, no campo, a 3 km de casa  (Nadrupe e Quinta do Bolardo), eu também acompanhei,  até aos meus 10, 11, 12 anos,  algumas das atividades marcantes da vida rural,  como a panha da fruta (as macas, os fihosGomo as vindimas, em setembro, ou a matança do porco, em pleno inverno.

Na região do Oeste, na Estremadura da minha infância, na altura uma das regiões do país com mais produção vitivinícola (até aos anos 60), vinham ranchos de homens e mulheres das Beiras, os "ratinhos" ou "bimbos", vindimar os milhares de hectares de vinha no tempo em que o vinho, dizia a propaganda nacional, dava de comer a um milhão de portugueses....  Era também um conde lho de muitas  "caldeiras"  (destilarias) onde se "queimava vinho" para a produção de aguardente vínica com destino à região demarcada do Douro.

Deslocavam-se os ranchos beirões, em grupos com um capataz, e dormiam nos palheiros, como animais... Depois, os homens foram para a guerra ou a salto para França, arrancaram-se as vinhas, mecanizou-se a agricultura, a vinha e o trigo deu lugar a outras culturas mais rentáveis, primeiro os pomares de pera rocha e depois as hortícolas, hoje as estufas, a batata, as abóboras, etc.

Mais tarde, a partir de 1975, descobri a  região do vinho verde, e ainda a tempo de "apanhar em andamento o passado", a vinha de enforcado, as latadas, o milho, os engenhos (moinhos a água), as histórias do linho e das desfolhadas, as tradições comunitárias como as "serviçadas", a matança do porco,  os carros de bois "a chiar pelos montes acima ou abaixo", a parceria agrícola e pecuária (formas pré-capitalistas de produção) , as feiras de gado, as romarias, os bailes mandados, etc.... E, pela primeira vez (e única) na minha vida também ajudei a pisar a uva (tinta) no lagar...

2. Estas  e outras tradições, ligadas a uma economia agrícola fracamente monetarizada, e ainda em grande parte de autossubsistência (como aquela que se praticava até aos anos 50/60 em Entre Douro e Minho), hoje já se perderam, embora perdurando na memória dos "antigos"...  

Voltei a encontrá-las (e a saboreá-las) no livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos". Achei que havia similitudes entre Medas (Gondomar) e Candoz (Marco de Canaveses), afinal estamos a escassos 60 quilómetros de distância, na mesma região, a de Entre Douro e Minho. E até com algumas das recordações da minhas idas à aldeia dos meus avós e tios.

A primeira parte do livro (e nomeadamente a reconstituição do quotiano da vida rural em Medas, Gondomar,  até aos anos 60 do séc. XX) tem inegável interesse documental (e até etnográfico).  

E, mais, tem interesse sociológico: muitos dos homens e mulheres da nossa geração ( que fez guerra colonial / guerra do ultramar, 1961/74) conheceram a dureza da vida no campo e do trabalho agrícola, e, em muitos casos, foi vítima, "avant la lettre", da exploração do trabalho infantil.

Para além da riqueza das observações sobre as culturas e as atividades agrícolas, os apontamentos que o autor nos deixa sobre a sua infância são saborosos  pelos regionalismos ou provincianismos usados, parte dos quais  continuam por grafar nos nossos dicionários ou então são deconhecidos de muitos falantes da língua portuguesa, a começar pelos citadinos e pelos mais novos.

uma subcultura camponesa do Norte que está em extinção. Na realidade:

  • quem sabe o que é uma "pipa" e a sua equivalência em litros ?  
  • e menos ainda o significado de "desarroar as pipas" (tirar o sarro);
  • "canastro" (ou espigueiro) também é um vocábulo estranho a um lisboeta;
  • tal como "canistrel" (pequeno cesto de vime); 
  • ou como "calda bordalesa", "pingue de porco", "queiró, carqueja e tojo", "pisa", "desfolhada", etc.

A "ajuda rogada" é uma expressão idiomática que me parece muito mais nortenha do que sulista. Ou mesmo se pode dizer de "carro de milho" como medida, ou o "almude" ou a "talha de barro almudeira" (onde se guardava o azeite)... 

Embora o sistema métrico tenha entrado em vigor em Portugal, por volta de 1860, com a intenção de se uniformizae o sistema de pesos e medidas (mudança fundamental para a criação de um verdadeiro mercado e, portanto, para o desenvolvimento da economia capitalista, a par das estradas, do caminho de ferro, da máquina a vapor, do código comercial, etc.), persiste até hoje, no campo, o uso das antigas unidade de  medidas portuguesas, como por exemplo, moio, alqueire,  quarta, oitava, maquia , etc. (medidas de capacidade para secos); ou tonel, pipa, almude,pote, canada, quartilho, etc. (medidas de capacidade para líquidos).

Há, no livro do António Carvalho,  expressões deliciosas, castiças, e outras de que lembro de ler e ouvir no Norte, como:

  • "à  medida que crescíamos e íamos cabendo no lagar";
  • "tanger os bois";
  • "guiar à soga";
  •  "o moleiro que arrochava os sacos de farinho sobre o dorso das mulas";
  • "os dois porcos grandes, que se queriam gordos";
  • "um terço de despacho (desembaraço)";
  • "com a sua licença, o porco";
  • "apercar";
  •  "freima";
  • "aneira";
  • "anos minguados"
  •  "barco rabão";
  •  "sortes" ... 

Enfim, vocábuos e expressões, de sabor castiço, camiliano, que enriquecem a língua portuguesa, embora tendam a desparecer ou sejam cada mais de uso local ou restrito, face ao "rolo  compressor" dos mídia, da televisão, das redes sociais, da globalização,  etc..

Por isso, volta aqui a reproduzir-se alguns excertos das primeiras páginas do livro  do António Carvalho (pp. 15-19), com a amável condescendência do autor, e como contributo para a nova série que temos em curso, "Coisas & loisas do nosso tempo de menino e moço", onde a sua participação  (para mais, agora às voltas com a gestação de um novo livro)  é absolutamente  obrigatória (*), a par de outros camaradas como o transmontanto Francisco Baptista, por exemplo. (Temos de recuperar alguns dos seus escritos sobre Brunhoso.)


António Carvalho, o "Carvalho de Mampatá", ex-fur mil enf, CART 6250, Mampatá, 1972/74, membro da Tabanca Grande desde 13/9/2008, autarca na antiga freguesia das Medas, Gondomar durante 28 anos (hoje, União das freguesias de Melres e Medas); tem cerca de 80 referências no nosso blogue.

(...) "Nasci aqui, neste pedaço de terra, circunscrito por uma curva muito apertada do rio Douro e pela serra de Açores, rebatizada (não sei por quem nem porquê) a partir da segunda metade do séc. XX, como serra das Flores, como aqui nasceram também, pelo menos, alguns dos meus octavós e muitos dos seus descendentes dos quais eu provenho.

(...) Talvez também por isso, nem em sonhos me passou algum dia pela cabeça assistir à assimilação da minha freguesia por outra, numa amálgama sem identidade !

(...) Espero não morrer sem ver a minha freguesia ressuscitada – a única coisa que me interessa, ao nível da política local. (...)" (pp. 212/214)  (...)

A PISA E A DESFOLHADA


Setembro era o mês de maior azáfama, porque se juntava a colheita do milho e a vindima, não havendo um minuto de folga naqueles dias ainda grandes, mas já sem as reparadoras sestas. 


Na nossa casa [ em Medas].e nas de envergadura semelhante era sempre preciso assalariar mulheres , sobretudo na vindima, mas também na colheita do milho porque, antes que viessem as chuvas de outubro, o vinho tinha que estar nas pipas e as espigas no canastro. 

Enquanto um carro [de bois, não havia ainda ] andava no transporte das uvas, dos campos para o lagar, o outro carregava as espigas, para a eira. O lagar grande, de quatro pipas, levava dois dias a encher, mas o mais pequeno ficava lotado num só dia. Se hoje havia uma pisa , amanhã podia haver uma desfolhada. As uvas eram pisadas à noite, sempre com a ajuda rogada dos nossos vizinhos. 

Nós, os da casa, à medida que crescíamos e íamos cabendo no lagar, não tínhamos como evitar esse esforço acrescido, mesmo depois de um dia de trabalho pesado. 

É certo que, quando chegávamos ali aos treze ou catorze anos, entrar pela primeira vez no lagar era sinal de que já éramos homens e essa assunção, havia muito tempo almejada, de uma pretensa maioridade, envaidecia-nos. 

O meu avô nunca pisava, mas estava sempre presente para servir vinho e cigarros aos pisadores, ao mesmo tempo que apontava para um ou outro ponto do lagar onde a grainha ainda não tinha chegado à superfície, sinal de que era preciso ali mais pé. O meu pai, esse andava por ali a dessarroar as pipas e a apertar-lhes as aduelas ou agarrado à prensa a aproveitar os últimos litros de vinho. 

No fim de cada pisa, à ordem do meu avô, saia o primeiro pisador e só se lhe seguia o segundo depois do primeiro ter lavado as pernas, e assim sucessivamente até ao último. 

Alguns pediam aguardente para se livrarem da comichão nas pernas aproveitando para, de um só trago, engolir um pequeno copo dela, antes que todos subissem as escadas de acesso à nossa grande cozinha, onde a minha mãe e a minha tia tinham posto na mesa três travessas grandes de arroz de tomate com bacalhau frito. 

Lembro-me de me sentir grande quando já fazia parte do grupo dos pisadores, sentado ali à mesa, com os meus irmãos mais velhos e o pessoal de fora.

As desfolhadas eram feitas também à noite, ao ar livre, com a luz do luar, se fosse dia dele, com a ajuda de algumas pessoas vizinhas, das nossas boas relações, sobretudo mulheres e raparigas bem novas que se juntavam na nossa eira, a pouco mais de cem metros de casa. Alguns, ainda crianças, à medida que o folhelho se ia juntando, adormeciam cansados, debaixo dele. 

Havia sempre um dos meus irmãos a subir a escada de acesso ao canastro, onde cabiam mais de seis carros de milho, enquanto outro se ocupava a acomodar as espigas dentro das divisórias. 

Era ali que as espigas ficavam a secar, para serem debulhadas, à mediada que precisássemos do milho, em qualquer dia de céu limpo. Debulhava-se sempre para cima de um carro de cada vez, guardando-se o milho, já limpo, numa das caixas grandes que tínhamos em casa. 

E era dessa caixa, enorme aos meus olhos de criança que, todas as semanas, se enchiam dois sacos para entregar ao moleiro que os arrochava sobre o dorso das mulas.

E não era demasiado o milho que mandávamos moer, porque para além da farinha para a fornada semanal, também os dois porcos grandes, que se queriam gordos, gastavam dela.


A ÁREA BRAVIA E A LAVRADIA


Nenhuma casa de lavoura podia ter grande expressão nem sustentabilidade se não tivesse uma área de terreno bravio proporcional ao terreno lavradio, onde os lavradores tinham as suas reservas de mato para as camas do gado. 


E a importância dos matos, constituídos fundamentalmente por queiró, carqueja e tojo,  tornou-se mesmo decisiva, quando a cultura do milho e da batata se impuseram, em detrimento da cultura do linho e dos cereais de grão miúdo, no séc. XIX, exigindo a estabulação do gado bovino para, deste modo, se obter maior quantidade de estrume. 

Ora nessa área de terreno  inculto, dispersa por várias parcelas a que os lavradores chamavam sortes, por terem sido distribuídas  por sorteio, em número proporcional à área agricultada de cada um, não crescia só o mato, mas medravam ainda o pinheiro e o eucalipto, para além das espécies autóctones, como o carvalho, o sobreiro, o castanheiro, o salgueiro e o medronheiro, estes em progressiva redução. 

Os lavradores maiores que tinham excedentes de mato,  vendiam, para os fornos do Porto, alguma carqueja e queiró, mas era na venda de lenha de eucalipto e pinho que eles, anualmente, incorporavam no seu orçamento familiar, uma verba significativa.

 Habitualmente era no fim do verão fim do verão que vendiam os seus pinheiros, reservando para consumo doméstico toda a ramagem que era empilhada ao lado das casas, perto da cozinha, numa meda proporcional ao número de pessoas de cada família. Eram essas rameiras, em vez das lenhas mais nobres, que se utilizavam nas  lareiras de quase todas as casas, antes da chegada dos fogões a gás e a eletricidade

lenha das videiras que resultavam da poda, bem como os carolos do milho eram também combustíveis excelentes usados nas lareiras e nos fornos domésticos. As famílias que não tinham sortes pediam aos lavradores autorização para cortar uma rodada de ramos em cada pinheiro, carregando-os em feixes à cabeça, até suas casa. 

As medas de ramos de pinho feitas todos os anos, no fim do verão, à porta de cada família, faziam também parte dos monumentos rurais da minha freguesia e das vizinhas, e pelo seu tamanho também se ajuizava da pujança da casa.


A CULTURA DA BATATA


Logo a seguir ao milho e ao vinho,  a batata era o produto mais representativo na nossa casa de lavoura, em termos de volume e de rendimento. 


Desde a década de quarenta até à minha adolescência uma parte significativa do trabalho era dedicado ao cultivo deste tubérculo que, semeado entre março e abril, não carecia de rega, adaptando-se assim muito bem aos nossos terrenos onde a água não abundava. 

O meu avô e mais tarde o meu pai deram uma especial atenção ao incremento desta cultura e terão sido, durante duas ou três décadas, os maiores produtores de batata da freguesia. 

Em quase metade dos nossos campos, bem estrumados, semeávamo-las, ficando os restantes, aqueles que podiam ser regados, dedicados ao milho e feijão consociado. Depois de se ter coberto o terreno com uma boa camada de estrume, lavrava-se e gradava-se com os bois. 

O trabalho de que mais gostava, aí pelos meus oito ou nove anos, era de me sentar na grade, agarrado com uma das mãos a uma das travessas enquanto que, com a outra munida de uma vara, tangia os bois à ordem do meu pai ou de um irmão mais velho que os guiava à soga. 

Não me dói a consciência por , com o meu peso, exigir aos bois aquele esforço suplementar, porque, se não fosse eu a desfrutar daquele prazer, um calhau grande seria lá posto na minha vez para fazer os dentes da grade penetrar bastante na leiva.

Encontrando-se a terra bem desfeita logo se começava a semeadura. Numa ponta do campo, aproveitando a sombra de alguma árvore, à minha mãe cabia sempre o trabalho de partir as batatas de semente, o que ela fazia com uma rapidez impressionante, tendo ainda o cuidado de deixar um só galeiro para cada bocado. 

A minha avó materna também ajudava algumas vezes bem como a minha tia Quina, mas ficavam-se por um terço do despacho da minha mãe. O meu avô dirigia as operações dos homens da enxada, enquanto o meu pai já andava a lavrar outro campo. 

Havia normalmente dois ou três homens a abrir regos e meu avô, sabendo da capacidade e vontade de cada um, mandava sempre o mais lento começar no primeiro rego, deixando o último para o trabalhador melhor, forçando deste modo os mais lentos a andar da perna, antes que o mais rápido esbarrasse com ele, o que seria uma vergonha para o atropelado. 

A mim, como a qualquer um dos meus irmãos, a partir dos sete ou oito anos, estribados por uma varinha de vinte e cinco centímetros, cabia-nos a tarefa de dispor as batatas nos sulcos que os adultos iam abrindo.

Naquele tempo não se usavam herbicidas, por isso logo que as primeiras ervas daninhas afloravam à superfície recorria-se ao trabalho de mulheres que vinham fazer a sacha removendo toda a vegetação nociva. 

Entretanto era preciso pulverizar os batatais com calda bordalesa e inseticida de modo a erradicar-se o míldio e o escaravelho. Julho e agosto eram os meses da colheita e do armazenamento numa loja fresca e escura. 

Tínhamos batatas em barda e, como a produção excedia largamente o consumo, vendíamo-las para as mercearias da freguesia e até para o Porto onde as fazíamos chegar por barco rabão.

Os campos de batatas ficavam disponíveis para nova cultura , a partir de agosto, semeando-se então, nabos, em quase todos eles, no mês de setembro, logo que, na mudança do vento, se adivinhava a ocorrência das primeiras chuvadas outonais, aproveitando-se a generosa estrumação de que tinham beneficiado. 

cultura do nabal era também muito rentável, até aos anos sessenta, quando vinham diariamente meia dúzia de mulheres da outra margem do rio, comprar grandes quantidades de nabos que carregavam em gigos bem acogulados, destinados à alimentação humana e à engorda de porcos.

O AZEITE , O ÓLEO  DOURADO


Na agricultura de auto-suficiência tudo o que fosse importante para a alimentação havia de ser produzido numa casa de lavoura. 


Mas a oliveira não gosta dos ares marítimos do litoral nem dos nevoeiros, por isso dificilmente alguma casa de lavoura das Medas, por maior que fosse, produzia meia pipa de azeite [talvez cerca de 200 litros]. em anos bons, sendo que, na rigorosa gestão da nossa casa, era imperativo guardá-lo, dos anos melhores para os minguados. 

Entre novembro e dezembro  era a altura de se colher a azeitona nas oliveiras invariavelmente plantadas no bordo dos campos, para não ensombrarem as outras culturas. O povo dizia que eram aneiras, por isso nunca acreditava que a um ano farto pudesse suceder outro igual e tratava-as como parentes pobres da agricultura, sem grandes cuidados,  deixando que as copas se desenvolvessem na vertical, sempre com o propósito de  evitar que se apoderassem do solo com a sua sombra.

A colheita era quase toda feita através de escadas de pinho com passais de oliveira que os rapazes ou homens feitos escalavam, de canistrel na mão, para chegarem até onde fosse possível. Nalguns casos era mesmo imperioso varejar os ramos mais altos.

 Ultimamente estendíamos, debaixo de algumas oliveiras, um panal feito de serapilheira para a recolha da azeitona que varejávamos do chão e de cima das escadas. 

A azeitona colhida mais cedo e sempre à mão era para curtir em talhas de barro almudeiras, e era também nestas talhas grandes que se guardava o azeite, esse preciosíssimo óleo que era servido à mesa muito moderadamente e quase só em batatas cozidas, quando não fossem acompanhadas de carne gorda.

Na culinária a gordura que se usava mais frequentemente era o pingue de porco, branco como a neve, guardado em pequenas talhas para o ano. (...)

© António Carvalho (2021)

(Seleção, revisão e fixação de texto, negritos, para publicação deste poste: LG) (Com a devida vénia...)




Capa do livro do  António Carvalho - Um Caminho de Quatro Passos. Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 218 pp., ISBN: 978-989-731-187-1.

O livro (se não estiver já esgotado) pode ser adquirido, ao preço de 15,00 euros (portes incluídos, no território nacional ou estrangeiro) | Contactos do autor: António Carvalho, Medas, Gondomar | Email: ascarvalho7274@gmail.com | Telemóvel: 919 401 036
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Notas do editor:


17 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23005: Notas de leitura (1420): "Um caminho de quatro passos", de António Carvalho (2021, 219 pp.): apontamentos etnográficos para o retrato da nossa geração, de antigos combatentes - Parte III (Luís Graça): uma excursão a Lisboa, de 4 dias, em 1959

(**) Último poste da série : 13 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24752: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (8): "Se tens galinha pedrês, não a mates nem a dês" (Luís Graça)

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24588: Tabanca Grande (552): António João Alves Cruz, ex-fur mil, 1ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Bolama, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, mar1973 / set1974); senta-se sob o nosso poilão no lugar nº 880

António Joáo Alves Cruz, ex-fur mil, 1ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Bolama, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, mar1973 / set1974)


António João Alves da Cruz: foto atual: "alfacinha",  vive em Almada, trabalhou na Lisnave

Foto nº 1

Foto nº 2


Foto nº 3

1. Mensagem do novo membro da Tabanca Grande, nº 880, António Alves da Cruz:

Data: quarta, 23/08/2023, 17:29
Assunto - Pedido de ingresso no Blogue Luis Graça & camaradas da Guiné

Caro amigo, estes são os meus dados;
  • Nome completo: António João Alves da Cruz
  • Data de nasdcimento: 01-03-1951
  • Naturalidade: Belém -Lisboa
  • Posto: Furriel Miliciano
  • Recruta e especialidade (Atirador) tiradas em Tavira. 
  • Fui dar instrução para Elvas (BC 8) onde fui mobilizado para o CTIG,  indo  formar batalhão (o BCAÇ 4513/72) em Tomar. 
  • Parti para a Guiné no dia 16-03-73.
Agradeço a possibilidade de poder fazer parte do vosso blogue. Anexo as duas fotos da praxe.

Um forte abraço.

2. Resposta do editor LG, no mesmo dia, 23/08/2023,  às 20:23:

Obrigado, camarada. Tudo OK. Vou publicar... És recebido de braços abertos. E já viste com certeza o poste (*):

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2023/08/guione-6174-p24581-facebookando-33.html

Um alfabravo, Luís


3. Nova mensagem do novo membro da Tabanca Grande, com data de hoje, às 17h20:


Caro amigo Luís

Publiquei no Face as fotos porque no blogue não vi a minha inscrição. A partir de agora vão por email. Pode publicar onde quiser os slides são meus não tem problema algum. Em breve enviarei "slides" sobre a nossa saída em setembro de 1974.

Legenda:
  • Foto nº 1: saída de Buba para operação em Ponta Nova;
  • Foto nº 2: a malta  bordo da LDM: o terceiro camarada que está na conversa é o ex furriel Oliveira da 1ª Companhia do BCAÇ 4513 que faz parte do blogue;
  • Foto nº 3: Depois do "festival".  chegada a Buba nas LDM (uma delas, a 113).
Abraço


4. Comentário do editor LG:

Obrigado, camarada. A nossa regra nº 1 é tratarmo-nos por tu, como camaradas que fomos e continuamos a ser... Felizmente que já não vivemos no sistema de "apartheid" que ainda conhecemos na tropa e na guerra: "clero, nobreza e povo"... 

Ficaste apresentado  à Tabanca Grande: ficas sentado à sombra do nosso poilão, no lugar nº 880.

 Diz-me de tens "slides" suficientes para abrirmos uma série só tua, do género "Álbum fotográfico do António Alves da Cruz"... Ou preferes ser tratado por António João Cruz?... Se tiveres umas vinte ou trinta fotos, devidamente digitalizadas (e com boa resoluçao, quanto maior melhor...) podemos ir publicando regularmente... Digamos, semana a semana... 

Estas que me mandaste, da saída em LDM para uma operação em Ponta Nova,  parecem-me bem, mas têm fraca resolução (entre 41 kb, 49 kb, 191 kb)... O ideal é digitalizares as fotos com maior resolução: por exemplo, 300, 500 kb, 1Mb ou até mais... (Assim posso editá-las melhor, recortá-las, etc.)... 

Os créditos fotográficos serão sempre teus!...

Um abraço, António. 
Luís Graça.

PS 1 - Temos um editor em Almada, o Jorge Araújo (tem passado largas temporadas nos Emiratos Árabes Unidos; é do teu tempo).

PS2 - Continua a usar este meio (o email) para fazeres chegar as tuas coisas até mim (que passo a ser o teu editor)... Mas podes sempre publicar no nosso Facebook... Como sabes, quem é "amigo" do nosso Facebook, não é automaticamente membro da Tabanca Grande, até por que a maioria dos "amigos" do Face não são ex-combatentes da Guiné...

5. As nossas dez regras de convívio (que temos o dever de transmitir a todos os novos membros da Tabanca Grande, e recordar aos antigos):

(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);

(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.);

(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir);

(iv) carinho e amizade pelo nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);

(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;

(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;

(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);

(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;

(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus); mas também direito ao bom nome;

(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.

PS - Defendemos e garantimos a propriedade intelectual dos conteúdos inseridos: texto, imagem, vídeo, áudio...). Em contrapartida, uma vez editados, não poderão ser eliminados, tanto por decisão do autor como do editor do blogue, mesmo que o autor decida deixar de fazer parte da Tabanca Grande.

Qualquer outra utilização desses conteúdos, fora do propósito do blogue,  necessita de autorização prévia dos ediores e dos autores (por ex., publicação em livro ou jornal,    programa de rádio ou televisão).

Luís Graça & Camaradas da Guiné
31 de Maio de 2006, revisto em 25 de agosto  de 2023
____________

6. Primeiros comentários de camaradas que te saúdam (*):

(i) António Carvalho:

Tenho andado arredado deste precioso e bem nosso blog, mas tive agora a sorte de, ao abri-lo, deparar com mais um camarada que andou pelos meus lados e por certo se cruzou comigo, quanto mais não fosse, num encosto ao balcão do bar de Mampatá, ou numa passagem pela enfermaria em busca de qualquer mesinho.

Um grande abraço para o Luís, para o Cruz do 4513 e para todos os combatentes.

Carvalho de Mampatá
~

(ii) António Murta:

Olá, camarada António J. Alves da Cruz.

Confesso que já não me recordo do teu rosto nem do teu nome (nem de outros mais recentes!), mas desde Tomar, desde a viagem no Uíge, passagem por Bolama e da permanência na mesma área da Guiné, por certo que nos cruzámos muitas vezes. Eras um dos meus vizinhos de Buba, onde eu ia tantas vezes.

Foi um prazer e uma agradável surpresa ver mais um contemporâneo a juntar-se à Tabanca Grande.

Sejas bem vindo. Se tiveres fotografias envia-as porque eu (e não só) iria gostar muito. E histórias também.

Grande abraço do António Murta, de Nhala.



(**) Último poste da série > 31 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24522: Tabanca Grande (  ): cor inf ref Cunha Ribeiro (Gondomar, 1926 - Porto, 2023), antigo 2º cmdt, BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), fica simbolicamente inumado, à sombra do nosso poilão, no lugar n.º 879

terça-feira, 27 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24434: S(C)em comentários (10): eu vi morrer na IAO, no CIM de Bolama, em 10/7/1972, no treino de dilagrama, o alferes Carlos Figueiredo e o soldado José Mata (António Carvalho, ex-fur mil enf, CART 6520/72, Mampatá, 1972/74)

1. Comentário ao poste P24433 (*), que decidimos transformar em poste para a série "S(C)em comentários" (**). 

O autor é o nosso querido amigo e camarada António Carvalho, mais popularmente conhecido como o Carvalho de Mampatá, ex-fur mil enf,  CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá" (Mampatá, 1972/74), escritor, autor de "Um caminho de Quatro Passos", Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 2021, 218 pp., vive em Medas, Gondomar;  tem 76 referências no nosso blogue; é membro da Tabanca Grande desde 13/9/2008.


Caro Luís: Sinto-me grato por nos trazeres (mais uma vez) a narração sentida de uma das tuas páginas do "livro" das coisas imorredoiras do nosso tempo da Guiné. 

O modo como contas a morte "matada" de dois azarados, ainda por cima resultante de um misto de negligência e jactância de um pretenso guerreiro, leva-me a uma profunda reflexão que me permitem agora os meus setenta e três anos. 

Houve, estou certo, muitos acidentes decorrentes da formação militar feita à pressa e da graduação atribuída a jovens de 21 anos, no meu ponto de vista, sem a maturidade exigível a comandantes. Mas a guerra obrigava a distinguir com galões os mais aptos fisicamente. 

Eu vi morrer na IAO, na ilha de Bolama, ao 13º dia de Guiné, no treino de dilagrama, o alferes Figueiredo,  de S. Pedro do Sul,  e o Mata,  de Pinhel. (***) Não vou aqui culpar nenhum deles, aliás, presumo que o acidente se deveu a uma deficiência do grampo que segura a alavanca. 

Mas foi muito perturbador para mim e para todos os presentes a morte, no dia 10 de Julho de 1972,  desses dois jovens, sendo o comandante um ano ou dois mais velho que o comandado. 

A guerra, sendo primordial (como bem dizes), ela é a opção mais imbecil do ser humano, porque resulta da desistência do diálogo e da reflexão sobre a singularidade da condição humana, bem distinta da relação primária entre os outros seres vivos.


Carvalho de Mampatá |
27 de junho de 2023 às 17:24 

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24433: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (2): Que Alá te proteja dos teus amigos, que dos inimigos cuidas tu!

(i)  Carlos Manuel Moreira de Almeida Figueiredo, natural de São Pedro do Sul, alf mil art , CCS/BART 6520/72, CIM Bolama, 10/7/1972; porto pro acidente com arma de fogo: 

(ii) José António Mata, natural de Pinhel, sold at, CART 6520/72, CIM Bolama, 
 10/7/1972; porto pro acidente com arma de fogo: 


A CART 6250/72 fez a IAO no CIM Bolama, entre 10 de junho e 26 de julho de 1972.


Vd. também poste de 5 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21517: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (10): Relembrando a morte, por acidente com um dilagrama, no CIM de Bolama, em 10/7/1972, do alf mil Carlos Figueiredo


(...) Caro camarada Barros

Subscrevendo o que disse o meu irmão mais velho (combatente na Guiné) Manuel Carvalho, não posso deixar de acrescentar mais alguma coisa sobre esse terrível acidente ocorrido em 10 de julho de 1972, no décimo terceiro dia após a nossa chegada, porque assisti a toda aquela cena e ao que se lhe seguiu. 

A minha companhia, a  CArt 6250, do RAP 2, cumpriu a sua missão em Mampatá, sector de Aldeia Formosa, mas fez a IAO convosco. 

Depois da tragédia, ambos os corpos foram postos junto dos bancos laterais de um Unimog, procurando os soldados sentados nesses bancos ocultá-los com as pernas. Dali foram para a capela do cemitério de Bolama. Coube-me,  bem como a mais alguns voluntários, limpar e vestir esses corpos mutilados. Dispenso-me de mais pormenores. O Mata, da minha companhia,  está sepultado na aldeia de Valbom, concelho de Pinhel, o Figueiredo está sepultado no cemitério de S. Pedro do Sul, num jazigo tipo capela, junto ao passeio do lado esquerdo, em relação ao portão principal. Sempre que passo por essas terras visito esses cemitérios. Porquê ? Não sei. (...)

António Carvalho ex-Fur Enf da CART 6250 (Carvalho de Mampatá)
6 de novembro de 2020 às 20:40

domingo, 12 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23344: Agenda cultural (814): Tabanca dos Melros, 11 de junho de 2022: apresentação do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul" (2021) - Parte I: Intervenção de Luís Graça, representado pelo escritor António Carvalho, ex-fur mil enf, CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74)


Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de junho de 2022 >  
Apresentação do livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul”,  de Joaquim Costa (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp). Teve uma assistência na casa das 7 dezenas de pessoas. Da esquerda para a direita, na mesa (*), 

(i) António Carvalho (ex-fur mil enf, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá", Mampatá, (1972/74), escritor, autor de "Um caminho de Quatro Passos", Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora,2021, 218 pp.,  vive em Medas, Gondomar; representou o nosso editor Luís Graça, de quem leu um texto de apresentação do livro do Joaquim Costa; 

(ii) Carlos Machado, engenheiro técnico, a viver em Lisboa, e ex-furriel dos Tigres do Cumbijã, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74);

(iii) Joaquim Costa, o autor do livro;

(iv) João Carlos Brito, professor, bibliotecário e escritor, em representação da Editora: Lugar da Palavra. com sede em Rio Tinto, Gondomar.

Foto ( e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Os Tigres do Cumbijã 
e os trabalhos de Sísifo

por Luís Graça


Começo por saudar o nosso novo escritor, o talentoso Joaquim Costa, que nos honra a todos, antigos combatentes da Guiné, e em especial a Tabanca Grande, a que ele pertence, com mais 861 camaradas e amigos da Guiné, entre vivos e mortos. E saúdo naturalmente a Tabanca dos Melros que, generosamente, abriu as suas portas para este evento, na pessoa de um dos seus régulos, e nosso anfitrião, o Gil Moutinho.

Uma saudação muito especial para a família do Joaquim, de que ele muito se orgulha (os filhos Ricardo e Tiago, a “minha maior obra”, como ele diz, bem como a sua heroína Isabel e os seus netos).

Um alfabravo (ABraço) para os Tigres do Cumbijã, alguns aqui presentes, a sua “família da guerra”, os seus irmãos de “sangue, suor e lágrimas”, que vieram com o corpo e a alma tatuados com topónimos guineenses que levarão para a cova: Cumbijã, Nhacobá, Colibuía, Aldeia Formosa (hoje Quebo), Buba, Mampatá… 

 Ele é capaz ainda hoje de se lembrar de boa parte dos seus nomes ou alcunhas… Destaque para o Carlos Machado, que veio propositadamente de Lisboa, e que tem algumas divertidas e elogiosas referências no livro, não só pelos preciosos mapas, que levava consigo no mato, para eventuais pedidos de apoio de artilharia (do 2º Pel Art, que tinha 3 obuses 10,5 em Cumbijã), como pelo seu famoso bigode que era um autêntico sensor, capaz de farejar e detetar à distância a presença de inimigos nas redondezas.

Um abraço para todos os presentes nesta sessão, homens e mulheres de boa vontade, que aqui comparecem, e que tomam as necessárias precauções, não baixando a guarda face à maldita Covid que não desarma e continua por aí a fazer estragos.

Um Oscarbravo (OBrigado) ao António Carvalho, outro dos nossos escritores, vizinho do Joaquim, de Mampatá, que aceitou a ingrata mas solidária tarefa de me dar voz, nessa sessão, e de me representar nesta mesa: ainda com um mês de pós-operatório (fiz uma artroplastia total do joelho), e ainda a andar a quatro patas, ser-me-ia muito penoso fazer mais de 600 quilómetros, num só dia, para poder estar nesta festa. 

Recordo que no passado dia 11 de setembro de 2021 tive a honra de estar presente, na Tabanca dos Melros, entre os convidados que apresentaram o livro de memórias do António, “Um caminho de quatro passos”. Amor com amor se paga…

Mas também é com muita pena que não posso estar desta vez, para mais em dia de festa… E começo por recordar e agradecer as palavras calorosas que o Joaquim escreveu na dedicatória autografada no exemplar do livro que me mandou para casa. Cito-o textualmente:

“Para o ‘Pai’ putativo do meu (nosso) livro de memórias de guerra, amigo recente mas já sentado na primeira fila das pessoas que mais prezo. O meu obrigado pelo contributo decisivo no nascimento do meu terceiro ‘filho’, bem como da ‘nota final’. Joaquim Costa, s/d.”

Joaquim: faço aqui uma “declaração de interesses”, não vá qualquer sombra de dúvida ficar a pairar sob o céu da Tabanca dos Melros: a paternidade e a maternidade deste teu “terceiro filho” são todas tuas… Se quiseres ser generoso comigo, aceito ficar na fotografia como uma das várias parteiras-aparadeiras que te ajudaram a ter um parto eutócico, normalíssimo, feliz, não obstante as contrariedades da pandemia de Covid-19.

O livro saiu em dezembro de 2021, sob a chancela da editora Lugar da Palavra, aqui de Rio Tinto, tem 179 páginas, 30 capítulos, e é ilustrado com cerca de nove dezenas de fotos. Felicito o editor, ou representante da editora, João Carlos Brito, aqui presente também. 

E o preço de capa, meus amigos e camaradas, são dois maços de cigarros. A vantagem é que o livro faz bem à alma e os cigarros fazem mal à saúde. A mortalidade atribuível ao tabaco, num só ano, é superior à mortalidade por todas as causas (combate, acidente e doença) devida à guerra colonial, nos longos 13 anos em que decorreu (10 mil mortos, nos vários teatros de operações).

Em boa hora, e ainda em plena pandemia de Covid-19, o Joaquim começou a pré-publicar alguns excertos (mais de 2 dezenas) do livro que deu à estampa no fim do ano de 2021. Demos um título à série, “Paz & Guerra: Memórias de um Tigre do Cumbijã”… Publicaram-se até à data 27 postes, desde 2 de fevereiro de 2022. (**)

A série publicada no blogue e a versão final, agora dada à estampa sob o título definitivo, não são exatamente iguais. Todos ficámos a ganhar, a começar pelo autor, que, ao expor-se à crítica dos leitores, muitos deles antigos combatentes, receberia em troca cerca de duas centenas de comentários “a quente”.

E mais: teve mais de 3700 visualizações diretas, isto é, leitores, que propositadamente carregaram num ou mais mais links dos postes da série… O que quer dizer que o seu livro já foi lido, “on line”, por algumas centenas de pessoas…

Interessante este “making of” do livro… O que seguramente ajudou a melhorar a sua versão final.

Cabe-me enquanto fundador e editor do nosso blogue, saudar e engradecer este livro de memórias que vem enriquecer o património literário e documental da Tabanca Grande, que é uma tertúlia virtual centrada na experiência de uma guerra, a guerra colonial (1961/74), e em particular a da Guiné, sendo porventura a maior tertúlia do género, em português, quer pelo número de visualizações do blogue (cerca de 13,5 milhões, desde 2004, fora a página do Facebook) quer pelo número dos seus membros registados (= 862) quer ainda pelo volume de memórias partilhadas (mais de 23300 postes). Memórias mas também afetos. E este livro do Joaquim é sobretudo um livro de afetos.

O Joaquim Costa é mais um talento literário que o nosso blogue veio revelar, com a particularidade de, sendo um bom minhoto,  natural de Vila Nova de Famalicão, a terra adotiva do autor de “A Brasileira de Prazins”, a sua prosa ter também belos nacos do português camiliano, a começar pela ironia, o pícaro, o humor e até o sarcasmo, tão bem patentes na reconstituição de algumas das suas memórias de infância e na evocação da sua família, bem como na descrição de cenas da vida castrense (a tropa e depois a guerra), cenas por que passámos muitos de nós, antigos combatentes aqui presentes, e que vivemos tão intensamente, das Caldas da Rainha até Bissau.

Perpassa pelo livro um subtil mas corrosivo humor de caserna que funcionou, na Guiné, durante a guerra colonial, em todo o lado, e sobretudo nos piores momentos... Ajudou muitos de nós a sobreviver ao Suplício de Sísifo que foi aquela estúpida, penosa, absurda e inútil guerra que nos obrigaram a manter, durante anos, sem solução, militar e sobretudo política, à vista… Até que se chega à tarde do dia 26 de Abril de 1974… 

Os rumores de um golpe de Estado em Lisboa, já transmitidos pela “Maria Turra” (a voz mais famosa, e quase familiar, da Rádio Libertação, do PAIGC, que emitia a partir de Conacri), são confirmados por um camarada. Escreveu o Joaquim:

“ (…) Na tarde do dia 26, vinha eu com a minha cerveja e o meu Norte Desportivo na mão, quando o Martins se vira para mim e me diz, de forma perentória: Costa!, há mesmo ‘merda’ em Lisboa” (…) (pág. 154 )….

Com tanta excitação, o autor só se viria a lembrar do seu 24º aniversário (que foi a 27 de abril de 1974), uns dias depois, já nos princípios de maio…

O aquartelamento do Cumbijã (antiga tabanca abandonada nos primórdios da guerra), como muitos outros pela Guiné fora, do Cachil à Ponta do Inglês, de Gandembel a Mansambo, foi construído, a pá e a pica, a enxada e a motosserra, sem ajuda de máquinas e homens da Engenharia Militar… num esforço hercúleo, sobre-humano, um verdadeira epopeia que noutro país qualquer daria uma fabuloso filme...

Não é gratuito evocar-se aqui os trabalhos de Sísifo. Recorde-se que, segundo a mitologia grega, os deuses condenaram Sísifo a fazer rolar uma grande pedra de mármore, com suas próprias mãos,  até ao alto de uma montanha.... Uma vez alcançado o cume, a pedra rolava novamente pela encosta abaixo até ao ponto de partida, movida por uma misteriosa força irresistível. Tratava-se de uma condenação até à... eternidade!...

Por essa razão se diz que todas as tarefas que envolvem esforços gratuitos, inúteis e absurdos são trabalhos de Sísifo... A estrada (asfaltada) de Mampatá a Nhacobá, e que vinha de Buba e devia chegar a Mejo, fundamental para neutralizar a “corredor da morte” ou “corredor de Guileje” (também chamado, pelo outro lado, “caminho do povo”, “caminho da liberdade”) não chegou a ser concluída, com o fim da guerra… Foi um verdadeiro trabalho de Sísifo, tal com a ocupação de Cumbijã, Colibuía e Nhacobá….

O Joaquim escreveu um livro com uma parte da sua história de vida, dos seus verdes anos, história que é também a de muitos de nós, e fez questão dedicá-lo aos que o amam e o estimam. A sua narrativa tem momentos portentosos sobre a epopeia de Cumbijã e de Nhacobá, os seus bravos e as suas vítimas, os seus momentos mais dramáticos e trágicos.

Um dia, quando fizermos uma antologia dos nossos melhores textos, o seu testemunho, na 1ª pessoa, sobre a Op Balanço Final, a conquista e a ocupação de Nhacobá (17-23 maio 1973), por exemplo, terá que lá figurar, com toda a justiça.

A historiografia militar, a começar pelos livros da CECA – Comissão para o Estudo das Campanhas de África, pode, em meia dúzia de linhas secas, telegráficas, resumir aquela “guerra de baixa intensidade”, num contexto, altamente desfavorável a Portugal e às nossas forças armadas, contexto diplomático e geopolítico marcado pela guerra fria e o fim dos impérios, mas também pela crise económica de 1973 e a crescente contestação do Estado Novo, com o fim expectável do marcelismo. Não foi, em todo o uma guerra para “meninos de coro”, como todas as guerras...

Faltará sempre, à escrita do historiador, o nosso "sangue, suor e lágrimas", que no nosso tempo, na Guiné, não foi uma figura de retórica. E é bom que os nossos filhos e netos saibam, por fim, que ali não fizemos só a guerra mas também a paz. E que nenhum de nós escapou ao terrível dilema de matar ou morrer, incluindo os problemas de consciência que a violência armada impõe a qualquer ser humano.

Também, este livro tem belos apontamentos de grande lirismo em que o autor consegue abstrair-se da guerra e dos seus horrores ( as minas, as emboscadas, as flagelações, os ataques, o sofrimento físico e psíquico…), e ver beleza naquela terra e naquela gente, a começar pelas as lavadeiras (obrigatório ler e reler o cap. 11, “as nossas lavadeiras… e o furriel Pequenina, pp. 75 e seguintes).

Sem poder esquecer as intermináveis noites em que ficou emboscado na frente dos trabalhos de construção da estrada para Nhacobá, o Joaquim soube tirar algum prazer e encantamento da fruição da natureza. Vou citá-lo (vd. pág. 83):

  • “as noites escuras com o fresco do cacimbo limpando o suor dos 40º do dia, deixando-nos inebriar pelos sons da floresta húmida, ouvido os macacos ao longe e o ‘piar’ de uma ou outra ave;
  • “as noites de trovoada contínua, que nem nas festa da Sra. da Agonia, fazendo-se dia com as descargas elétricas violentas, de uma beleza indescritível;
  • “as noites de luar, lindas e quase românticas…, sublimando os pensamentos nas nossas namoradas ou madrinhas de guerra;
  • “as noites das primeiras chuvas que nos limpavam o corpo e a alma com o agradável cheiro a terra africana”…

Apesar de se sentirem permanentemente vigiados pelo inimigo, aos “Tigres do Cumbijã” ninguém lhes podia roubar aquele momento inefável da manhã: “ de manhãzinha, com banho tomado e roupa lavada e já seca, não disfarçávamos a alegria, ao vermos chegar a coluna com os dois grupos de combate que nos vinham substituir” (pág. 83).

Estamos gratos ao Joaquim por dar voz a muitos combatentes, não só do nosso lado, mas até do outro lado, que nunca tiveram nem terão oportunidade de escrever, e muito menos de publicar, sob chancela editorial, as suas “vivências” e “memórias doridas” (e algumas até boas) daquela guerra e daquela terra (que, estranhamente, acabou por ficar no nosso coração, contagiando até os nossos filhos, o Tiago Costa, o João Graça, e tantos outros).

E o problema é que muitas memórias vão morrer connosco...E por cada um de nós que morre, é um livro que não se escreveu…

Não quero acabar esta nota de apresentação sem referir os sucessivos “murros no estômago” que, metaforicamente falando, o autor evoca no seu livro, a começar pelo inevitável batismo de fogo, as primeiras minas e emboscadas, o primeiro morto...

Na realidade, aqueles de nós (e fomos muitos) que passámos por essa dura, trágica, traumática experiência, sabe dar valor às palavras do Joaquim onde há raiva e impotência mas também coragem e dignidade, quando ele fala do primeiro camarada que morre ao seu lado.

O batismo de fogo era sempre uma situação-limite... E cedo aprendíamos que um homem não pode uma guerra sem odiar ...Depois, era como tudo: a guerra (e a morte) banalizava-se, tornava-se uma certa rotina... Mas os "embrulhanços" eram sempre temidos, de um lado e do outro... As balas e os estilhaços das granada ou o sopro das minas (antipessoais e anticarro) não tinham código postal... Era a roleta russa...

Diga-se, por fim, que não é um livro panfletário. Mas, mesmo sem querer fazer juízos de valor sobre a legitimidade, a condução e o desfecho daquela guerra, o autor acaba por nos mostrar, com fino mas cáustico humor, que às vezes acontecia sentirmo-nos como um bando de cegos, comandados por outros cegos, à beira de um precipício.

Felizmente o Joaquim voltou, “são e salvo”, para escrever este livro, o seu “terceiro filho”, e dar mais valor e força à liberdade, à justiça, à paz e à solidariedade.

Joaquim, hoje é um dia importante na tua vida. E seguramente tens motivos de orgulho ao apresentar, oficialmente, na Tabanca dos Melros, o teu livro (que, diga-se de passagem merece uma segunda edição, revista, aumentada e melhorada).

Luís Graça, sociólogo, editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. (**)
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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 4 de junho de 2022> Guiné 61/74 - P23325: Agenda cultural (813): Afroencontro: fusão euroafricana de sonoridades... Camones CineBar, Bairro da Graça, Lisboa, sábado, 4 de junho, 21h00: Mamadu Baio, Avito Nanque, Sanassi de Gongoma e João Graça

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23340: Lembrete (40): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, amanhã, dia 11, às 11h00: apresentação do livro do Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74): "Memórias de Guerra de um Tigre Azul" (Rio Tinto, Lugar da Palavra Ed., 2021, 179 pp.)

 





Capa do livro do  Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", que vai ser lançado amanhã, dia 11 de junho de 2022, sábado, pelas 11h00, na Tabanca dos Melros, Quinta do Chouoal dos Melros, ria de Cabanas, 175, 4510-506 Fânzeres.  Apresentação a cargo do editor do nosso blogue, Luís Graça, que se fará representar pelo nosso amigo e camarada, e também ele escritor, António Carvalho.(`*)

O livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp., pode ser pedido diretamente ao autor, através do email jscosta68@gmail.com

O valor é de 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro. Não esquecer de indicar o endereço postal.

Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã (Cumbijã, 1972/74) é natural de V. N. Famalicão. Engenheiro ténico e professor reformado, vive em Fânzeres, Gondomar há mais de 20 anos.



1. Mensagem de Joaquim Costa, ex-fur mil at armas pesadas, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74) (**)


Data - sábado, 4/06, 12:16 (há 6 dias)

Apresentação do livro: Memórias de Guerra de um Tigre Azul

Olá Luís

Espero que essa recuperação esteja a correr pelo melhor.

Estando a aproximar-se o dia da apresentação do meu livro, como tinha prometido, aqui vai a constituição da mesa. Espero que o “bicho” não faça estragos.

Como sabes nunca pensei num plano B, pois a tua presença sempre a coloquei como imprescindível. Obviamente que continuas a ser o homem da apresentação, mas a farda sempre assenta melhor para quem foi feita.

Como tal, não ficaria de bem com a minha consciência se não fizesse um último esforço: O meu camarada, ex Furriel Carlos Machado, que vai fazer parte da mesa, vive em Lisboa e vem no seu carro no próprio dia da apresentação, regressando a Lisboa no fim do almoço /convívio. Ele próprio agradecia fazer a viagem com uma excelente companhia. Pensa nisso!!!

Um grande abraço, Joaquim Costa

Constituição das mesa:

  • Luís Graça - sociólogo e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que fará a apresentação do livro . (Na impossibilidade física de estar presente, por razões de saúde, será representaddo pelo escritor António Carvalho, autor de "Um caminho de Quatro Passos",Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora,2021,  218 pp. ex-fur mil enf, CART 6250, "Os Unidos de Mampatá", Mampatá, (1972/74; vive em Medas, Gondomar, e lerá um texto que o nosso editor Luís Graça lhe enviou);
  • Carlos Machado - engenheiro técnico e  ex-furriel dos Tigres do Cumbijã, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), que dirá de sua justiça, quanto à narrativo do autor e a sua versão dos factos.
  • João Carlos Brito - professor, bibliotecário e escritor, em representação da Editora: Lugar da Palavra
  • Joaquim Costa - o autor.




Guião da CCAV 8351/72

2. F
icha de unidade > Companhia de Cavalaria n.º 8351/72

Identificação CCav 8351/72

Unidade Mob: RC 3 - Estremoz

Cmdt: Cap Mil Cav Vasco Augusto Rodrigues da Gama

Divisa: -"... Na Guerra Conduta Mais Brilhante"

Partida: Embarque em 270ut72; desembarque em 270ut72 |  Regresso: Embarque em 27Ag074

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 280ut72 a 17Nov72, no CMl,  em Cumeréseguiu, em 19Nov72, para Aldeia Formosa, a fim de efectuar o treino operacional sob orientação do BCaç 3852 e, a partir de 04Dez72, reforçar aquele batalhão e depois o BCaç 4513/72, com a missão prioritária de segurança e protecção dos trabalhos da estrada Mampatá-Cumbijã-Mejo, em cooperação com outras subunidades.

Em 03Abr73, quando os trabalhos da estrada atingiram Cumbijã, deslocou parte dos efectivos para esta povoação, a fim de garantir a segurança e protecção do parque de máquinas de engenharia e a continuação dos trabalhos.

Em 17Mai73, com a realização da  Op Balanço Final, instalou-se temporariamente em Nhacobá, até 26Mai73, após o que ficou em Cumbijã, com a mesma missão anterior.

Em 26Ju174, após substituição em Cumbijã por dois pelotões da CCav 8350/72, recolheu a Buba e depois a Cumeré.

Em 30Jun74, foi colocada em Bissau, onde passou a colaborar na segurança e vigilância periférica da cidade até ao seu embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade. Tem Resumo de Factos e Feitos (Caixa n." 128 – 2.ª Div/4.ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág.  520.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de maio de  2022 > Guiné 61/74 - P23245: Agenda cultural (811): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, 11 de junho de 2022, sábado, 11h00: Luís Graça apresenta o livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul"

(**) Último poste da série > 27 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23301: Lembrete (39): Cerca de 80 participantes no 26º Convívio do Pessoal de Bambadinca 1968/71 + CCAÇ 1439 (1965/67), que se realiza amanhã, nas Caldas da Rainha