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terça-feira, 7 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22522: Fichas de unidades (19): A CCAÇ 423, a última companhia a deslocar-se para o sul (São João) por terra, em maio de 1963 (António Abrantes)



António Abrantes, hoje e ontem



Data - 7 set 2021 12:22  
Assunto - Última Companhia a deslocar-se por terra para o sul da Guiné.

A CCaç 423 foi a última Companhia a deslocar-se para o sul da Guiné por via terrestre, tendo saído de Bissau em 7 de Maio de 1963, logo de manhã, e passado por Nhacra, onde na época acabava a estrada alcatroada e chegado a Mansoa.

Aí efectuou a primeira paragem, seguindo por estrada de terra (não havia outra) e com uma poeira infernal chegámos a Mansabá, onde numa serração abandonada, vi recibos de pagamento diário ao pessoal de um escudo e um escudo e cinquenta (!).

Chegados a Bafatá para almoçar (já tarde), estávamos irreconhecíveis.  Banho rápido, almoço e siga que se faz tarde... rumo a Aldeia Formosa, hoje Quebo, passando a ponte do Saltinho, única ponte digna desse nome, as outras, mais pequenas, eram compostas por umas travessas com umas tábuas ao longo da ponte e em que era preciso acertar com os rodados das viaturas, o que nem sempre acontecia, e quando eu reclamava o condutor dizia: "o que quer, meu alferes, eu tirei a carta com um Jipão brasileiro".

No dia seguinte, 8 de Maio, partimos para Buba, onde chegámos já de noite, não sem antes sofrermos a primeira emboscada, perto de Buba, no depois "célebre cruzamento de Buba", pela quantidade de emboscadas sofridas pelas NT, a ponto de não haver uma única árvore que não tivesse um palmo sem o impacto de uma bala nossa ou do IN. 

Nessa primeira emboscada estivemos cerca de 15 a 20 minutos (que pareceram horas) parados em zona de fogo, valendo-nos o facto de o IN estarmos abrigados em buracos e, dado o nosso potencial de fogo, (aqui já iam duas Companhias, suponho que era a C CAÇ 413), não saíam dos abrigos e ao dispararem as balas passavam por cima de nós, de um lado e do outro, ficando nós como que num túnel. 

Mesmo assim uma granada caiu na minha GMC, dois soldados ao meu lado, e o militar que a apanhou nos joelhos, deitou-a e ...ela explodiu fazendo abanar a viatura. O soldado que teve a granada nos joelhos, teve então consciência do que havia sucedido e desmaiou, tendo o furriel enfermeiro, vindo de outra viatura, prestar-lhe a devida assistência. 

Entretanto o fogo inimigo parara, mas o mato começou a arder junto às viaturas e então ouvia-se, no meio da escuridão: "filho da puta chega à frente", sem sabermos que não podíamos avançar porque a autometralhadora caíra num buraco feito pelo IN e tapado com ramos de árvore e terra e não conseguia sair.

Poucos minutos depois chegámos a Buba, onde a GMC ardeu e houve que retirá-la para uma extremidade do aquartelamento junto ao rio, e não pegar fogo às outras viaturas. Com a confusão gerada o Comandante da Companhia de Buba teve receio que o IN atacasse o aquartelamento e mandou-nos reforçar a segurança, mas... nada aconteceu.

No dia 10 de Maio seguimos viagem por Fulacunda Bianga (onde eu mais tarde, a 2 de Julho,  sofri uma emboscada debaixo de uma chuvada como só há na GUINÉ, e no dia seguinte a primeira mina, no regresso a São João). 

Seguiu-se Brandão e depois Nova Sintra e em cujo trajecto, feito quase todo a pé, retirámos dezenas de abatizes, embora a Força Aérea nos tenha informado que eram 22 (!). Sofremos a segunda emboscada e alguns tiros esporádicos ao retirar algumas árvores.

Na zona de Brandão  já não tínhamos água e recorremos a um charco e água coada por um lenço, só para molhar a boca. O dia estava no fim e embora perto do nosso destino, São João, havia ainda muitas árvores a retirar e em Nova Sintra desviámos para Tite por esta estrada estar desempedida.

Aí, em Tite, recebi ordem para ir, no outro dia, de barco desde o Enxusé (cais a alguns quilómetros de Tite), com o meu pelotão reforçado e metade dos cozinheiros, desembarcar em São João, onde uma Companhia não tinha conseguido fazê-lo, e ter lá uma refeição quente para o pessoal que ia por terra.

Ao que eu perguntei: "Qual o cozinheiro que corto ao meio?!", uma vez que eram 3 por um ter sido evacuado para Bissau, com um tiro no cu, na realidade numa nádega. Pretendia com isso ganhar tempo e provar que era uma Ordem mal dada. 

Efectivamente pouco depois chegou uma mensagem-rádio de Bissau, a dizer que ía a Companhia toda de barco. De facto, em 13 de Maio, a Companhia seguiu para o Enxudé, onde embarcou na draga Geba (soube algum tempo depois que esta tinha sacos de cimento a tapar buracos no casco, os quais serviam também de lastro), passou ao largo de Bissau e de tarde seguiu para Bolama.

Como devido à mare e à carga que levava não podia passar na chamada "coroa de Bolama", entre as ilhas e o continente, (mais tarde fiquei lá num barco, a seco, aguardando nova maré) foi por fora, ou seja, em mar aberto, tendo apanhado um temporal incrivel, a ponto do piloto ter dito que em 20 anos de Guiné nunca apanhara nada assim. Pensou-se em lancar uma ou duas viaturas ao mar mas ainda bem que não se fez, pois suponho que com o balanço iria tudo ao fundo.

Noite escura (13 para 14 de Maio), temporal, a época das chuvas começava a 15, havia quem não sabendo rezar, pedia a outros para o ensinarem... Com o amanhecer chegamos a Bolama, ou melhor entre Bolama e São João, almocámos (os oficiais) no NRP Vouga, ali fundeado,  e planeámos com os fuzileiros o desembarque, passámos para uma lancha de desembarque e com os fuzileiros e a proteccão de dois avioes da FAP, suponho que T6, desembarcámos em São João  (tipo desembarque na Normandia) sem um único tiro,  tirando partido do efeito surpresa.

Um grande abraco
A. R. Abrantes

Obs. Peço desculpa mas o meu IPad na parte final teve problemas.


2. Comentário do editor LG:

Temos 14 referências à CCAÇ 423.  Depois do ex-alf mil António Abrantes (n.º 748), entrou para a Tabanca Grande o fur mil Gonçalo Inocentes (Matheos), com o n.º 810. De rendição individual, esteve  depois CCAV 488 / BCAV 490 (tendo passado por Bissau, Bolama, S. João, Jabadá e Jumbembem, entre 8 de abril de 1964 e 14 de agosto e 1965).

 A CCAÇ 423, "independente", é uma das primeiras subunidades a ser mobilizada para a Guiné: pertencia ao RI 15, partiu em 16/4/1963 e regressou, dois anos depois, em 29/4/1965. Esteve em São João e em Tite, mas também em Jabadá (1 grupo de combate). O comandante era o cap inf Nuno Gonçalves dos Santos Basto Machado.

Terá sido a primeira a conhecer o pesadelo das minas A/C e dos fornilhos.

Fichas de unidades > Companhia de Caçadores n.º 423 (**)

Identificação: CCaç 423
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: Cap Inf Nuno Gonçalves dos Santos Basto Machado
Divisa: -
Partida: Embarque em 16Abr63; desembarque em 22Abr63 | Regresso: Embarque em 29Abr65

Síntese da Actividade Operacional

Após o desembarque, foi atribuída, por um curto período, em reforço do BCaç 236, a fim de colaborar na segurança e protecção das instalações e das populações da área de Bissau, até à chegada da CCaç 526.

Na sequência de uma série de acções ofensivas desencadeadas pelo BCaç 237 na área Jabadá-Gã Chiquinho, em fins de Abr63, seguiu, em 07Mai63, por Bafatá-Xitole-Bambadinca-Fulacunda, para ocupar a povoação de S. João, que atingiu em 6Mai63, correspondendo à criação do respectivo subsector, na zona de acção do referido BCaç 237.

De 01 a 27Jun63, tomou ainda parte em operações sob controlo operacional do BCaç 356, realizadas na região de Iusse (Quínara), em conjunto com outras subunidades, nomeadamente na Op Seta.

Em 24Abr65, foi rendida, por troca, pela CCav 677, tendo seguido para Tite, onde permaneceu temporariamente até chegada da CCaç 797, após o que recolheu em 29Abr65 a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excerto de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág. 318

domingo, 16 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17586 Tabanca Grande (441): António Abrantes: foi cadete em Mafra, em julho de 1961, com o Manuel Alegre, Arnaldo de Matos e outros, sendo o Ramalho Eanes tenente; foi alferes mil, CCAÇ 423 (São João e Tite, 1963/65); senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 748.


Foto nº 1 



Foto nº 2 


Foto nº 3 


Foto nº 4


1. Mensagens, de 8 do corrente,  do novo grã-tabanqueiro, António Abrantes, que se vai sentar à sombra do nosso poilão, nº lugar nº 748. Foi alf mil inf, CCAÇ 423 (São João e Tite, 1963/65) (*)

Camaradas:

Só agora reparei que não enviei certos dados necessários:

(i) Fui Alferes Miliciano de Infantaria, especialidade de Armas Pesadas e,  como era dos que tinham melhor classificação e dada a especialidade,  não seria mobilizado.

(ii) Estava a dar instrução de Morteiros, em Viseu, quando a mês e meio de acabar o tempo normal fui mobilizado e para uma Companhia de Cacadores !

(iii) A minha Compannhia, a CCac 423, foi a ultima a ir por terra para o Sul da Guiné ,saindo de Bissau, Nhacra, Mansoa, Mansaba, Bafatá, Xitole, Aldeia Formosa, Buba, onde pernoitamos, Fulacunda, Brandão, Nova Sintra e, dada impossibilidade de chegarmos a S João, desvio para Tite para ao outro dia irmos até ao Enxudé (Porto de Tite ) onde embarcamos numa draga (a Geba) para,  numa viagem atribuladam  passarmos ao lado de Bissau e já no canal de Bolama nos aproximarmos do Continente, e com água pela cinta desembarcamos em S João . 

(iv) Como o IN não contavam  aqui não houve tirosM esses, os tiros começaram com uma emboscada no célebre "cruzamento de Buba" e acompanharam - nos várias vezes até Nova Sintra;

(v) De São João  vim evacuado para o HMP em Lisboa , tendo regressado a Guiné e ficado, como era o alferes com mais antiguidade, coocado na 4ª  Rep  do QG como Adjunto do Chefe de Transportes.

(vi) como curiosidade a minha medalha das campanhas da Guiné (felizmente sem ser herói) é a única que tem na legenda "Guiné 63-64-65-66-67". 

Um Grande Abraço a todos os Camaradas.


2. Nova mensagem do nosso novo membro da Tabanca Grande:

Pedias-me alguns dados meus: 

(i) estou reformado,  dada a provecta idade;

(ii) fui apanhado na Universidade e enfiado em Mafra, na EPI, em 31 de Julho de 1961;

(iii) no curso de oficiais milicianos (COM),  éramos, como eu costumo dizer (na paródia), "eu, o Manuel Alegre, o Arnaldo Matos (MRPP) e mais 493":

(iv) o general Eanes era lá tenente;

(v) depois de passar à disponibilidade,  arranjei emprego ligado a produtos farmacêuticos e acabei a licenciatura como estudante- trabalhador...

Um grande abraço a todos os camaradas, coma esperança de também poder ficar a sombra do poilão da Tabanca Grande.

Nota: Tenho poucas fotografias mas a seu tempo mandarei mais algumas (se me for permitido) bem como algumas "estórias" passadas na Guiné.

Aqui vão as legendas:

Foto do  aspiarnte a oficial miliciano .Antonio Manuel de N. R. Abrantes , pouco antes de embarcar [Foto nº 2]

Foto tirada em Tomar, vê-se parte do meu pelotão, com o malogrado Furriel Hércules Arcádio de Sousa Lobo, da 3ª secção (ainda cabo miliciano) [Foro nº 2] 

Foto tirada em Bissau, a única que possuo com qualidade razoável [Foto nº 3]

Toto  mais recente [Foto nº 4]

3. Comentário do nosso editor LG ao poste P17552 (**):

Caro camarada António:

É uma honra ter, no blogue da Tabanca Grande, um representante dos bravos da CCAÇ 423. Até agora, não havia ninguém que representasse condignamente esta subunidade.

Não leves a mal que a gente se trate por tu, à boa maneira romana: afinal fomos e continuamos a ser camaradas de armas, no sentido forte do termo.

Fica desde já, o convite para te sentares à sombra do nosso poilão. Temos um lugar livre, o nº 748... Só precisamos, de acordo com os nossos regulamentos, de duas fotos tuas, uma dos heróicos tempos de Quínara e outra atual... E dois parágrafos de apresentação: já sabemos quem foste, pode-nos dizer quem és hoje, onde vives, o que fazes... Estás, por certo, reformado mas não "arrumado": precisamos de ti para cobrir esse ano de 1963, e os seguintes... Há falta de documentação fotográfica, de testemunhas, de histórias, etc.

Posso continuar a contar contigo ?

O precioso "comentário" que me mandaste sobre a maldita mina ou fornilho do dia 3/7/1963 (há 54 anos!) foi transformada em poste, como podes ver aqui.

Tens o meu email ou do Carlos Vinhal, para nos contactar, de futuro.
______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 30 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17527: Tabanca Grande (440): Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017), ex-alf mil médico, CCAÇ 675 (Binta e Guidaje, 1964/66), nosso grã-tabanqueiro nº 747... Mais um camarada que não queremos que fique na vala comum do esquecimento

(**) Vd. poste d e29 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17522: (De) Caras (88): O fur mil inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal, Cabo Verde, foi gravemente ferido pelo primeiro fornilho acionado no CTIG, às 9h00 do dia 3 de julho de 1963, na estrada São João-Fulacunda, vindo a morrer no HMP, em Lisboa, no dia 16, devido às graves queimaduras. Eu era o comandante da coluna (António Manuel de Nazareth Rodrigues Abrantes, ex-alf mi inf, CCAÇ 423, São João e Tite, 1963/65)