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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9501: (Ex)citações (175): Retalhos de uma guerra - BCaç 4512/72 - Farim/Guidage (8 e 9 de Maio de 1973) (Amílcar Carreira)

1. Ainda a propósito do dossiê Guidaje 1973, recebemos mais esta mensagem do nosso camarada Amílcar Carreira* (ex-Fur Mil Inf Op da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74), com data de 14 de Fevereiro de 2012:


RETALHOS DE UMA GUERRA

GUIDAGE - Adenda 1 Fevereiro de 2012**

Permiti-me chamar a atenção para a necessidade dos camaradas, ex-combatentes, serem verdadeiros nos seus relatos de guerra, como exemplo referi as discrepâncias sentidas nos diversos relatos contando o sucedido com a 1ª coluna de Farim/Guidage, em Maio de 1973, acabei por ser chamado de mentiroso e acariciado com outros mimos…
Respeito a memória dos que tombaram e reconheço o empenho, o sacrifício e a lealdade daqueles que estiveram em todas as frente de combate e por maioria de razão os de Guidage. No entanto não existe como alterar os factos.
Não tenho qualquer dúvida de que a operação Guidage resultou numa vitória para as NT, apesar de muito, muito sangue, suor e lágrimas derramados, porque foi garantido o acesso terrestre com o resto do território e o quartel foi reabastecido de munições e víveres. Espero que ninguém tenha dúvidas nisso.

Agora os factos:

A OP (ordem de operações), a OB (ordem de batalha), ou a acção militar, designem-na como quiserem determinava: o quartel de Farim faria chegar, via terrestre, à guarnição de Guidage munições por esta se encontrar em estado crítico, devido ao desgaste que tinha estado sujeita, provocado pelos frequentes ataques e flagelações do IN.
Para segurança e escolta das munições e viaturas foram escalados grupos de combate pertencentes à Ccaç 14 e à 1ª compª do BCaç 4512/72.
(Anotação minha: esta foi a 1ª coluna.)


Descrição/relatório sobre a coluna a Guidage
(suportada por mensagens militares)

A coluna que seguia na picada Binta/Guidage, no dia 8/5/1973, ao final da tarde/noite, sofreu uma emboscada do IN que impediu a sua progressão. As NT pernoitaram junto às viaturas. Ao raiar do dia, 9/5, as hostilidades recomeçam. As NT tinham caído numa violenta emboscada do IN. Passado algum tempo são pedidos reforços para as NT. Decorre o combate e é pedido mais ajuda pois referiam que alguns elementos IN estavam em cima das viaturas a roubar o seu conteúdo. Mais tarde, ainda na manhã desse dia, por determinação do QG, de Bissau, os aviões, da Força Aérea Portuguesa, bombardeiam e destroem as nossas viaturas e seu conteúdo (munições). As NT envolvidas nesta acção militar regressam a Binta. Dos confrontos as NT sofrem 4 mortos e muitos feridos, entre graves e ligeiros e o IN sofre 12 mortos e um número indeterminado de feridos, mas muitos.
(Anotação minha: esta foi a 1ª coluna.)
Conclusão
… (convido que cada ex-combatente a faça de uma forma desapaixonada e mais neutra possível)
Conclusão -1 (minha)
As munições não só não chegaram a Guidage como tiveram de ser destruídas. A coluna não chegou a Guidage porque o IN não permitiu, logo o objectivo da OP não foi conseguido.

Quem tiver duvidas consulte as mensagens militares trocadas entre a frente de combate, o Comando do BCaç 4512/72, em Farim, o QG em Bissau e as respostas que receberam. Tudo estava lá registado. Elas devem existir em qualquer parte, ou na sua falta, deve existir um documento credível que relate o que aconteceu.
Os camaradas ex-combatentes têm o direito de defender a sua posição, mas permitam-me que lhes diga que é exactamente esse direito que estou a exercer e estribado em documentos militares oficiais.
Demonstrem, com documentos, ou outros, como os acontecimentos referidos não foram estes. Deixemo-nos de generalizações. A OP não obteve êxito. Não se pode confundir o fundamental com o que é acessório.

Ninguém mais do que eu gostaria de poder dizer que os factos foram outros, mas foram estes.

Um abraço
Amílcar
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9425: O Nosso Livro de Visitas (125): Amílcar, ex-Fur Mil Inf Op da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)

(**) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9433: (Ex)citações (172): Ainda o dossiê Guidaje - Maio de 1973 (Manuel Marinho / Amílcar Carreira)

Vd. último poste da série de 9 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9465: (Ex)citações (174): A mágoa de, no meu País, os bravos, os vivos e os mortos, não terem o reconhecimento e o respeito do seu sacrifício, que merecem (Rui Dias Moreira)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9433: (Ex)citações (172): Ainda o dossiê Guidaje - Maio de 1973 (Manuel Marinho / Amílcar Carreira)

1. Comentário do nosso camarada Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), no Poste 9425(a) no dia 1 de Fevereiro de 2012:

Caro Amílcar
Por feitio e formação não gosto de estar a comentar textos de camaradas ou amigos do blogue que não são devidamente identificados, mas isto diz respeito aos editores, e na minha opinião violam regras estabelecidas no blogue, fica o reparo.
Mas como tu dizes que eras da CCS do BCAÇ 4512, portanto pertencendo ao meu, vou corrigir o que escreves no texto, que não corresponde à verdade, (eu estava lá).

Para mais completa informação consulta o P4957(b).

No dia 8 Maio onde eu vou integrado com o meu 1º GrComb de Nema, o confronto com o PAIGC só durou 15 minutos na noite do dia 8, por efeito de rebentamento de mina que obrigou a paragem forçada e a permanecermos durante a noite junto das viaturas.

Já agora, tivemos 2 feridos nessa noite.

Dia 9 logo ao alvorecer começou a grande e longa emboscada com mais de 100 IN que durou cerca de 5 longas horas, até que um pequeno grupo de cerca de 15 elementos de Binta da minha 1ª Ccaç, conseguiu chegar perto de nós e fazermos a retirada, conseguindo a muito custo retirarmos os nossos feridos.

As tuas erradas e (lamento dizê-lo) lamentáveis afirmações;

“A emboscada à 1ª coluna de ajuda a Guidage aconteceu no 1º dia, ao fim da tarde, só terminou ao raiar do dia seguinte, com o IN a derrotar as NT, e fazendo o correspondente assalto final.”

(É por estas e por outras parecidas, que o PAIGC “ganhou a guerra”).

O IN nunca nos fez assalto final porque não teve tempo nem poder para o fazer, mesmo nós já nos limites físicos e praticamente sem munições as coisas não eram assim tão fáceis.

Tivemos 4 mortos, que ficaram na picada, as ossadas só foram levantadas passados três meses, de apenas três deles.

- Arnaldo Marques Bento - Fur Mil da Ccaç 14ª de Farim, e já agora não era açoriano.
É o primeiro a falecer vítima de ter sido atingido no baixo-ventre, com granada RPG.
- Lassana Calissa - Sold da Ccaç 14ª
- Bernardo Moreira Castro Neves - Cabo Mil do meu GrComb.
- António Júlio Carvalho Redondo - da 3ª / Bcaç 4512 (corpo não recuperado).

O PAIGC teve 13 mortos confirmados nestes confrontos.

Mais algumas notas:

- O dia 8 Maio / 73 foi numa terça-feira e não num domingo.

- A 13 quando chega a 2ª coluna de Guidaje a Farim é num domingo, e traz 2 mortos numa Berliet, um deles é da tua Ccs, é curioso não o mencionares, seu nome:

- Ludgero Rodrigues Silva – Condutor Auto – faleceu em Guidaje.

- O 1º ataque com foguetões a Farim, ocorre a 5 de Fevereiro de 1973, ainda lá estão os “velhinhos” da Cart 3358 que fomos render.

Espero ter contribuído para que se dissipem algumas dúvidas que ainda vão aparecendo.

Aos Editores, renovo o meu apelo para que haja identificação de quem comenta, pois ainda não “apareceu” o anónimo que dizia ser Capitão da minha Ccaç, fez um comentário ao P6612(c) com falsas afirmações e até hoje não pude responder, além do comentário que fiz chamando a atenção para estas questões.

Um abraço para todos
Manuel Marinho


2. Mensagem do nosso camarada Amílcar Carreira, ex-Fur Mil Inf Op da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74, com data de 1 de Fevereiro de 2012:

Boa tarde Carlos Vinhal.
Pelos dados que forneceste estivemos em épocas diferentes na Guiné.

Não suspeitei que o meu e-mail fosse publicado com a classificação de anónimo, uma vez que um dos ficheiros dizia que estava de sargento de dia ao batalhão e no item: assunto, disponibilizava muitos dados que permitiam identificar-me. No entanto a dúvida ficou instalada, ora nunca tive necessidade de me esconder atrás do anonimato, muito menos na situação de ex-militar.

Assim esclareço:

Frequentei a recruta de sargentos milicianos no quartel das Caldas da Rainha (4/1/1972).
Frequentei a especialidade de Informações e Operações no quartel de Tavira.
Fui mobilizado fazendo parte da CCS do BCaç 4512/72, que saiu do Quartel de Tomar, com o posto de fur milº Inf.Op. de Infantaria.
No dia 6/12/72, bem cedo (6 horas da manhã?), apanhei o comboio, para Lisboa, na estação da CP de Tomar. Cerca das 18 horas de 6/12/72 embarquei, no Uíge, com destino à Guiné.
Ao final da tarde do dia 12/12/72 cheguei a Bissau e na manhã de 13/12/72 desembarquei. De imediato segui para o treino operacional que decorreu no Cumeré.
Nas primeiras semanas de Janeiro de 1973 o Bcaç 4512/72 vai para o sector de Farim. A CCS e o comando ficaram em Farim e é aí que permaneço até Agosto de 1974.
O meu nome, no meio militar. era de Amílcar, e para quem ainda tem dúvidas da autenticidade de quem fez o contacto, dir-lhe-ei que o meu nome é Amílcar Carreira.

O Carlos Silva tem razão; o modo como cada um percepciona a verdade depende de várias variáveis.

Quanto aos comentários do Manuel Marinho terei que acrescentar algo, tentando nunca trair o que disse no 1º e-mail, relativamente à verdade dos factos e de quem devia ter prioridade na narrativa.

1 - Um olhar subjectivo sobre o conflito (guerra): cada qual tem a sua visão e não vou entrar por aí.

2 - A 1ª coluna de reabastecimento a Guidage é que sofreu os 4 mortos e todos na manhã seguinte à 1ª emboscada.

2.1- Furriel miliciano Bento, atirador, pertencia à Ccaç 14, e até ali, tinha sido o professor dos militares. Era de Vila do Conde (falámos horas intermináveis sobre a guerra e de assuntos de carácter geral)

2.2 - O Cabo miliciano da 1ª Companhia BCaç 4512/72, diziam que era dos Açores. Só o via quando os furriéis de Nema vinham tomar café ao nosso bar, Farim.

2.3 - Os 2 militares (penso que um era cabo e outro soldado, mas sem a certeza), identifiquei-os como ambos pertencentes à Ccaç 14. O Manuel Marinho diz que um pertencia à 3ª Compª do BCaç 4512/72, aceito que ele esteja certo.

3 – No que respeita ao regresso a Farim (13/5/73), domingo, da coluna constituída pelos militares que tinham feito parte da 1ª e 2ª colunas de ajuda a Guidage, como é óbvio, elas tinham saído de Farim durante a semana. Esta coluna trazia de volta o Comandante de Batalhão, Cor Vaz Antunes, que tinha ido a Guidage, na 2ª coluna que saíu de Farim, e por imposição expressa do General Spínola. Não questiono a presença de mortos na coluna descrita pois o que mais me marcou foi ver os corpos enfaixados seminus e os medicamentos a serem administrados por via venosa.

4 - É verdade que o soldado auto da nossa CCS morreu, mas foi no aquartelamento de Guidage, enquanto que no e-mail anterior só mencionei os mortos que aconteceram na 1ª/2ª emboscadas.

Aproveito este contacto para fazer uma correcção e repor a verdade dos factos em relação à narrativa do ex-fur milº Araújo.
Depois de ter feito seguir o meu ficheiro sobre o soldado africano que assassinou o alferes, verifiquei que o Araújo, mais uma vez, foi rigoroso, pois refere que o oficial foi assassinado por causa de um reforço, mas que não sabia o que estava na origem do diferendo. Ao Araújo as minhas desculpas se sentiu que os meus comentários feriram de algum modo a sua narrativa.

Durante muitos anos tive dúvidas se devia revelar o que tinha vivido na guerra (não é o caso de ter conhecimento de acontecimentos extraordinários). Mas não terão sido todos extraordinários? Ainda hoje as dúvidas subsistem…

Ao Bento, estejas onde estiveres, descansa em paz. Sei que finalmente estás bem.

A todos os ex-combatentes vai um abraço fraterno e sem mágoas,
Amílcar


3. Comentário de CV:

Caros camaradas Marinho e Amílcar, a troca de argumentos dentro da cordialidade e frontalidade só podem levar a um caminho, o da verdade.

Com efeito, ficou-nos alguma dúvida quanto à identidade do Amílcar, embora nunca duvidássemos de que se tratava de um camarada que de algum modo esteve perto dos acontecimentos de Guidaje. Agora sim estamos em posse de todos os elementos e podemos falar mais abertamente, rebatendo e utilizando a cordialidade como arma de arremesso.
Cada um de nós tem uma percepção do que viu e viveu, e só o ajuste de pormenores pode levar à verdade, se é que será possível chegar até ela volvidos todos estes anos.

Renovo o nosso convite ao Amílcar para se juntar a nós e colaborar neste registo de memórias que serão tanto mais fieis quantos mais depoimentos aqui forem feitos. Manda-nos as tuas fotos da ordem.

Ao camarada Marinho agradecemos a sua sempre atenta colaboração e a certeza de que tudo faremos para manter o nosso Blogue no caminho da verdade.

Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(a) - Vd. poste de 31 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9425: O Nosso Livro de Visitas (125): Amílcar, ex-Fur Mil Inf Op da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)Guiné 63/74 - P9311: (Ex)citações (171): A propósito de citações e comentário do Mais Velho (José Manuel Matos Dinis)

(b) Vd. poste de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74)

(c) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6612: Estórias avulsas (89): Guidaje em revolta após Abril (Manuel Marinho)

Vd. último poste da série de 4 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9311: (Ex)citações (171): A propósito de citações e comentário do Mais Velho (José Manuel Matos Dinis)

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9425: O Nosso Livro de Visitas (125): Amílcar, ex-Fur Mil Inf Op da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)

1. Mensagem de 13 de Janeiro de 2012 de um nosso camarada que se assina apenas como Amílcar:
Assunto: ex combatente - fur. milº Inf Op - Farim 1972/74 (Bcaç 4512/72-CCS)

Bom dia.
Por estes dias tive o primeiro contacto com o teu blogue e no que se refere ao sector de Farim e Guidage (pelos funestos acontecimentos) estou parcialmente de acordo com as narrativas feitas. Não estive na frente de combate ou em Guidage, só posso referir o que os camaradas diziam sobre a situação explosiva que se vivia ali e o clima vivido na sede de sector. Do que tive oportunidade de ler a narrativa do ex-Fur Mil Ranger Fernando Araújo* (2ª Compª do Bcaç 4512) está correcta.

Existem ex-combatentes vivos que estiveram na frente de combate, nos diversos dias que a acção decorreu, que poderão dar o seu depoimento. Todos os depoimentos que li e sempre que narravam situações que o combatente não foi protagonista entram em contradição com os referidos por quem os viveu.

Aqueles dias marcaram-nos inclusive a quem ficou a dar apoio às linhas da frente.

Num dos depoimentos é referido que o camarada Bento (Ccaç 14) foi morto pela explosão de mina quando todos os relatos, que tenho conhecimento, referem que foi morto por uma rajada de metralhadora que o cortou na região do baixo ventre. É um pormenor que ilustra bem as diferenças nas várias narrativas. Se queremos a verdade ela só será revelada por quem assistiu a tão trágicos acontecimentos.

A emboscada à 1ª coluna de ajuda a Guidage aconteceu no 1º dia, ao fim da tarde, só terminou ao raiar do dia seguinte, com o IN a derrotar as NT, e fazendo o correspondente assalto final. As munições de ajuda a Guidaje foram destruídas pelo bombardeamento das FAP (cerca das 9 horas) tal como as viaturas e alguns elementos IN que no momento estariam a roubar o conteúdo das Berliets. Os corpos dos nossos mortos foram recuperados semanas depois (quantas?), só após um grupo especial de Sapadores, de Tancos, ter chegado para o efeito.

A chegada angustiante ao quartel de Farim, naquela tarde de domingo de Maio, para verificarmos quem não tinha sido ferido, já que mortos eram 4 (o Bento, o Cabo Miliciano açoriano da 1ª Compª e 2 militares da Ccaç 14). Os feridos deitados no chão das Berliets e Unimogs, desnudados, enfaixados, recebendo soro, e a seu lado as enfermeiras e enfermeiros… O barulho dos motores dos helis, na pista, prontos para os evacuar.

Aquela tarde quente com o gosto amargo pela perda de camaradas, pelos camaradas feridos e mesmo pelos que voltaram sem ferimentos mas cansados e esgotados física/psicologicamente. E a dúvida acabou nesse fim de tarde; o furriel louro morto era o Bento e não o outro (não me recordo do seu nome) que também estava no teatro das operações e cuja esposa estava a viver em Farim. A imagem do encontro do casal nunca se me apagou da memória.

As fotografias documentam o primeiro ataque de foguetões que tivemos (o Batalhão dos velhinhos ainda se encontrava no sector) e a jangada que fazia a travessia do rio Farim (Cacheu), e, nos ligava a K3 (Saliquenhedim).

Quanto aos acontecimentos referidos no depoimento do ex-Fur Mil Ranger Fernando Araújo (2ª Compª do Bcaç 4512) sobre a morte trágica do Alf Mil que comandava o Pel Caç Nat 51 envio-te um ficheiro que consta das minhas memórias de guerra.

Constata-se que o inicio do diferendo não terá sido o reforço mas da não autorização para o militar africano visitar a mulher. Esta situação foi muito comentada pelos soldados africanos de Farim, pois diziam que não era razão para ele matar o alferes.

Para um primeiro contacto já vai longo.

Um abraço, até sempre
Amílcar





2. RETALHOS DE UMA GUERRA
JUMBEMBEM 
(Pel Caç Nat 51)

Naquele fim de tarde, cerca das 17,30 horas, chegou a coluna militar de Jumbembem.

A notícia tinha-nos chegado horas antes e dizia o seguinte: o comandante do Pelotão Nativo 51, Alf. Milº, tinha sido abatido por um tiro, à queima roupa, dado por um soldado africano.

Convém aqui dizer que estes pelotões eram compostos por soldados negros comandados por oficiais e sargentos brancos.

Mais tarde, via rádio, fomos informados de que a coluna militar fúnebre se encontrava junto ao arame farpado do aquartelamento, para depositar o cadáver na missão do sono, donde, posteriormente, seria enviado para a Metrópole.

Estávamos no Comando do Batalhão. O Comandante, Coronel Vaz Antunes, saiu a recebê-los. À frente das viaturas vinham os soldados formados em 2 filas e com as armas em posição funeral-armas, desfile tão triste. Armas que até ali, e dali em diante, só apontavam para ceifar vidas, neste momento com os canos virados para o chão.

Feito o desfile o cadáver foi depositado.

No fim da coluna fúnebre vinha uma viatura “Berliet”, escoltada por 6 homens armados, e no estrado jazia o assassino. O homem tinha sido neutralizado e ataram-lhe as mãos atrás das costas com arame de espessura de 0,5 mm. A cara, de tantos muros e pontapés que tinha levado, estava tão inchada que parecia tudo menos o rosto de um homem. Os pulsos, devido, ao arame, estavam a sangrar. Quem o olhasse diria que estava morto. Só a respiração, ofegante, desmentia tal facto.

Foi chamado o médico do Batalhão, para certificar o estado de saúde do detido, para poder ir para a prisão, uma vez que o oficial de dia se tinha recusado a aceitar o preso naquele estado. O médico observou-o e recusou-se a aceitar o preso devido ao seu estado físico. Mas como a coluna tinha que regressar a Jumbembem, foi o Comandante de Batalhão a responsabilizar-se pelo estado físico do preso.

Apesar de o comportamento assassino do soldado ser reprovado por todos os militares (brancos e pretos), nesta morte ficou estampado todo o racismo recíproco existente. A morte motivada pela não autorização, por parte do alferes, para o soldado ir visitar a mulher, foi um crime, mas a fúria com que todos os brancos batiam no desgraçado, não era menos criminosa. Interrogados porque batiam no homem, respondiam; ele é preto.

Depois de tão martirizado, o soldado, recolheu à prisão onde permaneceu deitado, no chão, até ao dia seguinte.

Durante uns dias o médico assistiu-o, periodicamente, tendo este recuperado.

NOTA: Neste dia estava de sargento de dia ao batalhão


3. Comentário de CV

Caro camarada Amílcar muito obrigado pelo teu contacto.
O assunto que referes e a que acrescentas mais uns pormenores, foi já largamente tratado no Blogue.
Toda e qualquer declaração que aumente o nosso conhecimento é bem vindo, pelo que esta tua mensagem fica a fazer parte do dossiê Guidaje 1973. Antes de ti vários camaradas fizeram chegar até nós testemunhos dramáticos daqueles dias, pelo que nem me atrevo a salientar nenhum. Cada participação tem um valor incalculável porque são quase todos vividos na primeira pessoa.

Se assunto da tua mensagem se refere ao teu posto e Especialidade, então foste Fur Mil com a Especialidade Inf Op e pertenceste à CCS/BCAÇ 4512/72. Do teu Batalhão fazem parte da tertúlia, assim de repente, os camaradas Manuel Marinho, Manuel Sousa e o Fernando Araújo. Espero não ter esquecido ninguém.

Já agora, aproveito para te convidar formalmente a fazeres parte da Tabanca Grande. Para oficializares a tua candidatura, antecipadamente aceite, manda por favor uma foto militar e outra civil (actual) tipo passe e confirma o teu posto, Especialidade, Unidade, local de permanência na Guiné, e tudo o que achares seja útil conhecermos de ti. Se tiveres mais algum apontamento das tuas memórias que queiras partilhar connosco, assim como fotos, junta ao processo. Digamos que é a jóia para ser admitido.
Futuramente poderás continuar a contar-nos as tuas vivências em Farim, suponho, assim como a enviar fotos, com a respectiva legenda, por favor, para serem publicadas na nossa página. Deste modo contribuirás para a nossa memória futura.

Até ao teu próximo contacto, deixo-te um abraço

Pelos editores
Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6249: Estórias avulsas (85): Como foi assassinado o Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51 (Fernando C. G. Araújo)
e
8 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6131: Estórias avulsas (82): A participação do 2º Pel 2ª CCAÇ/BCAÇ 4512, na Coluna a Guidage (Fernando C. G. Araújo)

Vd. último poste da série de 30 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9421: O Nosso Livro de Visitas (124): Recordando as forças expedicionárias do RI 15 (Tomar) no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde (1941-1943) (Adriano Miranda Lima, Cor Inf Ref)