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terça-feira, 22 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3085: Convívios (77): Pessoal da 3.ª CART/BART 6523, 9 de Setembro de 2008, Vilar do Pinheiro, Vila do Conde (Américo Marques)


Estandarte da 3.ª CART/BART 6523, Nova Lamego, 1973/74, cuja divisa era Honra e Dever.



1. No dia 15 de Julho, recebemos do nosso camarada Américo Marques, ex-Soldado de Transmissões da 3ª CART/BART 6523, com sede em Nova Lamego (Gabu), destacado em Cansissé (Julho de 1973 / Setembro de 1974) (1), uma mensagem dando conta do próximo Convívio da sua Companhia:


Boa tarde Caro Luis Graça! Depois de longa ausência, envio um contributo! Ou estou enganado? E este símbolo já te foi enviado? De qualquer modo, é-me grato dar notícias (do alto da montanha de Stª Luzia).

Agora, que estou perto de me reformar (43 anos de contribuição), poderei com mais facilidade enviar qualquer contributo para a nossa obra de História Humana e estórias. Pois quem conta histórias, mesmo sem H, pratica o bem. Por conseguinte, como fundador que foste de tal empreendimento, envio-te os meus aplausos a esta iniciativa, de elevado sentido emblemático, no espaço e no tempo!

Data do Convívio: 6 de Setembro de 2008

Ponto de Encontro: Igreja de Vilar do Pinheiro, Vila do Conde

Hora: 09h30m

Local do Almoço da 3.ª CART/BART 6523: Quinta das Silveiras, Vilar do Pinheiro – Vila do Conde

Missa às 11 horas na igreja de Vilar do Pinheiro

N.º dos telefones dos Organizadores: 223755339 / 938011596

Cumprimentos,
Américo

___________

Nota de Carlos Vinhal:

(1) Vd. postes de:

27 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1705: Em 25 de Abril de 1974 eu estava lá (1): Em Cansissé, região do Gabu (Américo Marques, 3ª CART do BART 6523)
8 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P946: Destacado no Gabu, em Cansissé, de Julho de 1973 a Setembro de 1974 (Américo Marques)
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P901: De Viana do Castelo a Cansissé (Américo Marques)
21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P891: Recordando o Xime do Sousa de Castro (A.Santos)
12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1705: No 25 de Abril de 1974 eu estava lá (1): Em Cansissé, região do Gabu (Américo Marques, 3ª CART do BART 6523)

Guiné > Nova Lamego (Gabu) > 3ª CART / BART 6523 > Junho de 1974 > Cansissé > Os soldados do destacamento de Cansissé, entre Bafatá e Nova Lamego, junto ao Rio Corubal, empunham a bandeira do PAIGC e confraternizam com os inimigos de ontem...

"Eu sou dos últimos guerreiros do Império. Meio guerreiro, pois não acabei a Comissão e ainda participei na troca de bandeiras. A minha ignorância e o meu patriotismo fizeram-me sentir uma tristeza... mais triste [em Setembro de 1974]".


Foto: © Américo Marques (2005). Direitos reservados.

1. Comentário do editor do blogue:

Passaram 33 anos do 25 de Abril de 1974... O Movimento dos Capitães começou na Guiné. Clandestinamente. Poucos de nós se aperceberam de que estava em marcha um golpe de Estado que iria derrubar um regime semi-centenário. E que o fim da guerra se aproximava. Alguns de nós estávamos lá, na Guiné, ou estávamos cá, ainda na tropa ...

Temos ainda muito poucas ou raras referências sobre o que se passou na Guiné nesses já longínquos dias de Abril (e depois nos meses imediatamente a seguir, Maio, Junho, Agosto e Septembro) de 1974...

Quem estava lá messa altura? Da malta registada na nossa tertúlia, temos alguns: o Américo Marques (3ª CART / BART 6523, Cansissé, Set. 74), o Antero dos Santos, o António Santos (CCAÇ 18, Aldeia Formosa, Jun. 74), o Casimiro Carvalho (CCAç 11, Paunca, Jul. 74), o João Carvalho (CCAÇ 5, Canjadude, Ago. 74), O José Bastos (Transmissões, Ago. 74), o Manuel Pereira (CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, Set. 74)...

Daqueles que foram para lá depois do 25 de Abril de 1974, tenho apenas conhecimento do pira de Mansoa, o Magalhães Ribeiro (CCS do BCAÇ 4612, Mansoa, Set. 74) que lá foi só para retirar e levar, debaixo do braço, a nossa bandeira verde-rubra...

Alguns chegaram a casa mesmo na véspera: é o caso, por exemplo, do António Graça de Abreu (CAOP 1, Cufar, Abr. 74), que apanhou o avião a 20 de Abril de 1974... A malta do BART 3873 também chegou à metrópole just in time, em Abril de 1974, não sei exactamente em que dia: o Serradas Pereira (CART 3494), o Artur Soares (CART 3492), o Luís Carvalhido (CCS), o Manuel Carvalhido (CCS), o Manuel Ferreira (CART 3494), o Sousa de Castro (CART 3494)...

Convenhamos que foram tempos de confusão e esperança, tempos contraditórios, exaltantes e angustiantes... Seria bom que falássemos sobre isso, sobre a nossa experiência, aqueles de nós que fomos protagonistas dos acontecimentos...


Temos alguns apontamentos dispersos. Mas, de certo, que mandámos notícias, fizemos comentários, enviámos fotos sobre esses acontecimentos que mudaram as vidas de uns e outros, os portugueses e os guineenses... Já começámos a publicar algumas cartas e areogramas do Casimiro Carvalho (Gulieje, Cacine, Gadamael, Paunca, Nova Lamego), também ele um dos últimos soldados do império...

É pena, por outro lado, que milhões de aerogramas se tenham perdido nestes últimos 40 e tal anos, desde que a guerra começou em 1963... De qualquer modo, vamos fazer um apelo à nossa memória. Vou começar por reunir aqui a conversa que tive ao telefone , há tempos, com o Américo Marques que apanhou o 25 de Abril em Cansissé, zona leste, região do Gabu. (LG)

Depoimento do Américo Marques (Ex-soldado de transmissões, 3ª CART / BART 6523, Nova Lamego, Junho de 1973/ Setembro de 1974)

2. O Américo Marques foi, de facto, um dos últimos soldados do império (1). Em contrapartida, um dos seus irmãos foi um dos primeiros a seguir para a Guiné, em 1961, quando ainda se usava a farda amarela (2). Esteve na região do Cacheu.

A companhia do Américo Marques, a 3ª CART do BART 6523, estava colocada em Nova Lamego, enquanto ele foi destacado com um grupo de combate (25 homens) para Cansissé, a sul de Nova Lamego, a uma hora de caminho do Rio Corubal.

Ao telefone (não nos conhecemos pessoalmente), disse-me que nunca tiveram problemas nem com a população nem com o PAIGC, contrariamente aos camaradas da companhia anterior que por lá haviam estado. Nunca se armaram em “bons”, nunca provocaram os guerrilheiros do PAIGC, trataram sempre bem a população local, distribuindo comprimidos pelas mulheres, ouvindo os homens grandes, ajudando a transportar os produtos agrícolas... Davam-se bem com os fulas. O régulo era futa-fula. Com os mandingas, a coisa piava mais fino, sabendo-se que nos eram muito menos leais do que os fulas...

(i) Confundido e baralhado...

Ele era soldado de transmissões e, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estava no seu posto, a sintonizar a rádio em Lisboa. Costumava fazer isso com muita frequência. Estava em contacto com todo o mundo. Os dias eram sempre iguais e custavam a passar. E as noites ainda pior. Mas "nessa noite ficou confundido e baralhado: havia movimento de tropas em Lisboa, alguma coisa se passava de anormal"…

Foi assim que teve conhecimento do golpe de estado do Movimento das Forças Armadas que depôs o Governo de Marcelo Caetano. Foi logo informou os seus camaradas. Foi um alvoroço.

A vida em Nova Lamego e em Cansissé não voltou mais a ser como dantes. Apareceram logo uns “esquerdistas” (sic), até então muito caladinhos, a organizar o pessoal, a dar ordens, a fazer reuniões... A hierarquia e a disciplina militares começaram a ser postas em causas. Eram os "comités de soldados" (sic) que tomavam iniciativas.

Acrescenta o Américo: "Às tantas já se falava tu-cá-tu-lá com os gajos do PAIGC, beijinhos e abraços, troca de roncos, como se não tivesse havido uma longa guerra"...

Esta foi a parte mais dura de engolir para o nosso amigo Américo que viu, com tristeza, a nossa bandeira ser substituída pela do PAIGC no seu destacamento… Em Setembro de 1974, ele voltava para casa, com o sentimento (amargo) de ter sido o último soldado do império...

Há coisas, na tropa e na vida, para as quais um homem nunca está bem preparado. Hoje ele escreve nos jornais da região. E promete voltar a escrever-nos, com tempo e vagar, quando vier o frio e o fogo começar a crepitar na lareira. É aí, à volta de um madeiro a arder, que ele gosta de recordar os seus tempos na Guiné e passar para o papel os sentimentos contraditórios que tem sobre esses menos de dois anos que passou lá no Gabu…

Ele prometeu-me contar alguns das suas histórias de azarado soldado de transmissões que, um belo dia, ouvia uma conversa em “português acreoulado”: suspeitando tratar-se do IN, lançou um alerta geral e pôs o Gabu em pé de guerra… Afinal, tinha interceptado comunicações entre a NT…


(ii) Os momentos do fim

Em Junho de 2005, o Américo Marques, que é técnico de higiene e segurança no trabalho, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, já nos tinha mandado uma mensagem sobre os "momentos do fim", quando a partir de Junho de 1974 os guerrilheiros do PAIGC começaram a aparecer no destacamento de Cansissé, oferecendo a paz...

Não foi fácil para a população local (fulas e mandingas) e para alguns soldados como o Américo Marques. De repente, os inimigos de ontem, os turras, passavam a ser os amigos e até os irmãos de hoje.

Comentei na altura (3) que deverá ter sido um momento muito difícil, daqueles em que a gente fica com um nó apertado na garganta… E formulei o voto de que o Américo arranjasse tempo, fôlego, coragem e inspiração para dar um testemunho mais extenso e profundo sobre esse momento (único) do hastear da bandeira da nova Guiné-Bissau a que ele assistiu… Enfim, se ele achasse que valia a pena… Eu pessoalmente achava que valia a pena. E continuo a achar.

O Américo, que regressou a Portugal em Setembro de 1974, estava no sítio certo, no momento certo, para a nos dar conta do fim do império... "Eu sou dos últimos guerreiros do Império. Meio guerreiro, pois não acabei a Comissão e ainda participei na troca de bandeiras. A minha ignorância e o meu patriotismo fizeram-me sentir uma tristeza... ainda mais triste.

"Era Transmissões de Infantaria, Formado no BC 5, Campolide [ Lisboa ]. Formei Batalhão em RAL 5, Penafiel. Embarquei no N/M Niassa em Junho de 1973, na companhia de um BCAÇ de Tomar, mais duas Companhias recebidas no Funchal. Pertenci à 3ª CART do BART 6523, aquartelado em Nova Lamego."Estive os 17 meses em Cansissé: um destacamento (com 25 soldados) que estava à distância de 1 hora, a pé (claro), da margem direita do Rio Corubal. Quem fosse de Bafatá para Nova Lamego, virava à direita por uma picada, situada mais ou menos a meio do trajecto.

"Sou de Viana do Castelo e amigão do Sousa Castro e do Luís Carvalhido que me recebeu no Xime, em trânsito para Nova Lamego [Gabu]. Era eu um coitado dum periquito; e o Luís não me ofereceu uma bazuca, levou-me a ver um buracão feito por uma. Perdi logo a sede.

Espero que as fotos sejam mais um tijolo... para construir a historia das Dores e Agonias que estão aqui e agora. Sendo ao mesmos tempo Pedaços de Vida, que se me ofereceu (como se fossem mais uns Castelos) aquela Bandeira; muito amada e que aquece mais que mil vulcões. Um Alfa Bravo".
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

(2) Vd. post de 12 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXI: O avô da velhice (S. Domingos e Teixeira Pinto, 1961)

(3) Vd. post de 19 Junho 2005 > Guiné 69/71 - LXV: Os momentos do fim (Junho de 1974)...

sábado, 8 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P946: Destacado no Gabu, em Cansissé, de Julho de 1973 a Setembro de 1974 (Américo Marques)

1. Mensagem do A. Santos (ex-soldado de transmissões, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74), para o Américo Marques:

Boa tarde:
Estou a transmitir para o teu posto, depois de o Luís Graça e o Sousa de Castro me falarem de ti. Por eles sei que estiveste em Cansissé mas dizem que estiveste lá em 72/74. Gostaria de saber se possível mais pormenores, pois, pelo que sei, Cansissé só tinha um grupo de combate e pertencia à CCAV 3405/BCAV 3854 de Nova Lamego (1971/73)... Aqui está qualquer coisa que não se encaixa.

Por meu lado, tirei a especialidade em Campolide - Lisboa, no BCAÇ 5, de 2 de Janeiro a 10 de Março de 1972 e marchei para Bissau em 15 de Julho de 1972.

Fico aguardar as tuas noticias um grande alfa bravo [abraço]


2. Resposta do Américo Marques, ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, com sede em Nova Lamego (Gabu), destacado em Cansissé (Julho de 1973 / Setembro de 1974):

A. Santos:
Não bate certo e com razão! Eu fui formando de transmissões no primeiro trimestre de 1973 no BC5, em Campolide. E embarquei para a Guiné no verão desse ano. Ou já se esqueceram dos meus dados? No texto último (A Estibordo do Niassa) estão referências a datas (1).

Américo
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Nota de L.G.

(1) Vd. posts referentes ao Américo Marques e a Cansissé:

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P901: De Viana do Castelo a Cansissé (Américo Marques)

21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P891: Recordando o Xime do Sousa de Castro (A.Santos)

12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

sexta-feira, 23 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P901: De Viana do Castelo a Cansissé (Américo Marques)

Texto do Américo Marques, ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, com sede em Nova Lamego (Gabu), destacado em Cansissé (Jun. 1973 / Set. 1974)

Boa tarde Luís!


Mais uns escritos, muito simples e sem conteúdo que doa, a recordar, como acontece com outros relatos. Unicamente descrevo um bocado da vivência, que em parte todos viveram. O ir, chegar e sobreviver – até regressar. Numa África que nos foi comum.


© Américo Marques
Américo Marques



A Estibordo do Niassa

Após ter ido de Viana do Castelo (B C 9) para formar batalhão até Penafiel e desta até Lisboa para embarcar no Niassa. E, como se tivesse acordado, dou comigo sentado no castelo da proa a estibordo do meu transportador marítimo. Num fim de tarde de Junho de 1973, quando avistei reconfortante vegetação – que me fez lembrar rapidamente a vida verde das montanhas e dos campos minhotos. Neste caso, as rendas verdes de Viana. Cidade pequena, dotada pela natureza com um rio calmo um mar muito iodado, e uma montanha que é destino de peregrinos. No resto é como outra qualquer. Composta de cedros, acácias, pinheiros, carvalhos, esquilos e miradouro para um deslumbrante horizonte. Quando o sol namora o mar, ao fim da tarde.

Depois deste devaneio ou divagação que me confundiu, resultante de um estado psicológico muito frágil (porque enjoei), deixei-me aconchegar pelos sendeiros de terra vermelha de Bissau. Envolvimento irreversível. Fazendo nascer em mim uma ligação que é neste momento - passados 33 anos - uma saudade maior que o oceano que nos separa... Fisicamente como é óbvio. Porque na mente a Guiné só não é a minha primeira terra porque existe uma outra, chamada Portugal.

E assim, já muito picado, fui andando, indo e me envolvendo com a realidade da Guiné. Foi quando nos enviaram para o Cumeré, para ouvir as boas vindas do supremo, o General A. Spínola. No dia seguinte, carregados de petiscos, bombarda e o Racal, foi dar ordem às botas até Mansoa. Cumprir o terrível I. A. O, que se estendia também às zonas de Nhacra e Dugal.

Passadas duas semanas, toca a carregar de novo o equipamento de campismo para definitivamente ficarmos acampados… Ah, mas não fomos à pata! Fomos enlatados num ferry, uma LDG, até ao Xime. Hall de entrada, via berliet, para as terras do Gabu.

Aqui tracei (mal) ou alterei o meu destino mais imediato. Como o bazuqueiro era amigo e companheiro de trabalho e como pertencia a outro grupo de combate que não o meu, pedi para trocar. Saiu-me a fava! Pois deixei de poder ficar em Nova Lamego. Que tinha comércio de gente ibérica, cinema, raparigas das nossas e vinho Lagosta. E de novo lá vou com as ferramentas. Desta vez para a vida paleolítica de Cansissé, acompanhado na viagem por muitos macacos que, para meu espanto, ladravam.

Ao chegar, embora nos tenham recebido com uma enorme festa, eu sou mal tratado (mas aceitei as caneladas) pois os 2 operadores de rádio que já cantavam; estaaaa´na mala… ficam encornados! Aguardavam dois transmissões e só chega um, e de maca, devido a estar com uma carga de paludismo.

Acreditem, que cá o doente teve pena do Lisboeta e do Alpalhão. Este grupo de combate até tinha o título de Os Duros de Cansissé, que chatice não os livrar das noites de escuta (até ao último dia) no Racal TR28.

Era só operações!... Na primeira, devido a levar a antena do STORNO à vista, o capitão chamou-me nomes feios, daqueles que se chama aos do apito... Desde o nascer do sol até ao pôr do mesmo. Quando assim não era, tinha que se cortar palmeiras - ai as minhas mãos! - para novos abrigos, pois o inimigo tinha armamento terrível. Nem os jactos escapavam. Eu que escutava nos diferentes rádios sei o que comunicavam, em cifra ou em codartemar.

Mas o pior era comer tripa seca (dobrada), tomar banho à bidonville; andar à pancada a escorpiões e aos tiros a serpentes. Iluminados com petróleo, que se metia em garrafas da cerveja Sagres e cuja torcida era feita de gaze, que nem sempre havia devido a ter duas estafadas Mercedes, constantemente avariadas. Obrigando durante as colunas que alguém tivesse que ir para trás, de bicicleta (emprestada!), por picadas não batidas até ao Destacamento ou a Canjadude, para trazer óleo. Neste caso, e que me lembre, o meu conterrâneo foi um dos valentes voluntários a fazer de aguadeiro (género o grande Joaquim Agostinho) para nós.

Escrever sobre sofrimento, situações sangrentas ou mortes dos da minha CART e das outras, não o faço, pois é provável que possa contar estórias sobre esta nossa História, no seu ponto mais dramático. E essa, só diz respeito ao colectivo do BART 6523. Nunca a uma vontade (embora normal) individual de prosar.

Concluo com uma grande necessidade de descarga emocional: nenhum Soldado devia ser sujeito a submeter-se - pois fomos obrigados a arrumar as armas e acatar ocontrolo do PAIGC - a um inimigo que tinha razão. E nós não sabíamos e foi uma grande humilhação. Por isso e só por isso. E por conseguinte, fomos escorraçados e hostilizados com palavras e gestos de desprezo, durante o percurso da viagem sem retorno, do Cumeré, local de concentração, até ao aeroporto. Naquela manhã de 9 de Setembro de 1974. Dia do Fim!

Junho 2006

Américo Marques

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P758: Eles apenas queriam uma pátria (Américo Marques)

Texto do Américo Marques (Ex-soldado de transmissões, 3ª CART / BART 6523, Nova Lamego e Cansissé, Junho de 1973-Setembro de 1974) (1):

Boa tarde Luis!

Aqui envio uns desabafos em jeito de solidariedade para com os nossos Camaradas Combatentes, nascidos na Guiné. Que a reportagem televisiva mostrou, e ficamos a saber que existem; o que não sabemos, é se vivem! E esse pensamento mexeu comigo como eu não pensava. Porque os nossos governantes estão sempre atentos aos problemas dos Países que falam português; porque nunca imaginei que se esquecessem destas Pessoas que também falam português e são portuguesas.

Américo Marques

Gatilhos de Aluguer

Gatilhos de aluguer... É o que me apetece dizer! Depois de ouvir com a alma e ver com emoção cabisbaixa a reportagem televisiva, sobre os Competentes e Leais Combatentes da então Província Ultramarina da Guiné. E por conseguinte, irmãos de sortes e desventuras, servidores da Bandeira das Quinas.

Por estas e por outras, no meu ponto de vista, poderemos descobrir o porquê da nossa falta de autoestima; o determinismo redutor das capacidades individual e colectiva. Assim como se cultiva roendo unhas uma grande fragilidade patriótica.

E sobre a Pátria vou escrever e vou citando. Neste caso, Zeca Afonso que cantava “não sejas tão Castelhana” . E eu, como não sei cantar, apupo: não sejas tão Madrasta! Porque Aqueles esforçados Combatentes não eram mercenários. Eram, sim, pedaços de grande Gente que recebia uns poucos pesos e uns quilos de bianda.

Porque País não é o mesmo que Nação; então só lhe terá direito e direitos quem a defendeu quando necessário, e todo o outro que a dignificou. Logicamente, e óbvio não se pode tratar nunca semelhantes pessoas como números duma estatística comum da sociedade. Universalmente têm direito ao aplauso e ao respeito. Ao fim e ao cabo, oferecer-lhes uma existência digna.

Concluindo com prosa de escuteiro: "Honraram a Pátria para Serem Contemplados mas a Pátria não Os Contemplou”. E eles apenas queriam uma pátria que fosse: Protectora; Optimista; Respeitadora;Tolerante; Uniforme; Generosa; Altruísta; Leal

Américo Marques
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Nota de L.G.

(1)Vd post de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P343: O avô da velhice (S. Domingos e Teixeira Pinto, 1961)

Guiné > Teixeira Pinto > 1961 >

O corneteiro Marques, mano do Américo Marques, nosso camarada de tertúlia.

© Américo Marques (2005)

Já aqui falámos do Américo Marques e do seu mano, mais velho. Ambos estiveram na Guiné: O Américo foi soldado de transmissões, na 3ª CART do BART 6523 (Nova Lamego), entre Junho de 1973 e Setembro de 1974. Ele foi do contingente dos últimos soldados do Império...

Já publicámos a sua foto com a malta de Cansissé a celebrar, com os guerrilheiros do PAIGC, o fim da guerra e a promessa da tão desejada paz (1)...

Guiné > Teixeira Pinto > 1961 > Na época, não havia ainda guerra. E a farda dos expedicionários era a amarelinha...

© Américo Marques (2005)

O outro mano Marques esteve na Guiné entre 1961 e 1963, na região do Cacheu (S. Domingos e Teixeira Pinto). Era corneteiro, mas o Américo não disse a companhia ou o batalhão a que ele pertencia. Fez a a viagem no Ana Mafalda. E pode-se dizer, com propriedade, que ele é o avô da velhice. Na época ainda se usava a farda amarela. Em contraprtida, não ainda guerra. Em homenagem ao nosso avozinho, publicamos aqui duas as fotos dele, dessa época. Depois da peluda, ele emigrou para França, onde viveu cerca de 40 anos!

Como é sabido, a "guerra de libertação" da Guiné só começou, oficialmente para o PAIGC, em 23 de Janeiro de 1963, com o ataque ao aquartelamento de Tite, no sul. Em Julho desse ano é, entretanto, aberta a "frente norte"... Não sei se o mano Marques mais velho ainda chegou a cheirar a pólvora...

De qualquer modo, não deixa de ser irónica a história destes dois irmãos. Pertencentes a duas gerações diferentes, acabam por ser mobilizados para o mesmo território ultramarino, para a mesma guerra: o mais velho em 1961, o mais novo em 1973, doze anos depois… Um está no princípio dos acontecmentos, na 1ª cena do 1º acto; o outro representa a último cena do último acto... Não serão caso único: a guerra colonial tocou quase todas as famílias e algumas delas viram ser mobilizados para o distante Ultramar mais do que um filho... No caso dos manos Marques, só faltou terem estado exactamente do mesmo sítio, para fazerem o pleno!
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(1) Vd. post de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

sábado, 12 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P266: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

Igreja de Nova Lamego (Gabu). Postal da época (pormenor). Edição: Foto Serra - Bissau (s/d). Por gentileza de Américo Marques (2005)

Telefonou-me o Américo Marques (que trabalha no gabinete de segurança de uma grande empresa de construção e reparação naval, no norte do país, sendo colega do Sousa de Castro), a contar-me a sua participação na cerimónia de homenagem, prestada pelo município de Fafe, aos ex-combatentes da guerra do ultramar, mortos em combate. Trinta e sete ao todo. Uma ceroimónia bonita e cheia de emoções. Lá encontrou o meu amigo paraquedista, o tal da Lourinhã (2), que botou discurso, emocionado, e que parecia ser um dos elementos da comissão organizadora.

Por lapso, o Américo não fixou o número dos que morreram na Guiné. Mas não faz mal: vai perguntar ao irmão, que esteve na Guiné e que depois foi imigrante em França durante muitos anos. "Foi um dos primeiros a partir para a Guiné, em 1961, ainda se usava a farda amarela. Esteve na região do Cacheu". Pedi-lhe para entrar em contacto connosco. Não temos ninguém desse tempo, ainda a guerra não tinha começado. Esse, sim, esse é que poderá ser o pai ou até o avô da velhice...

É irónica a história: dois irmãos, separados pela geração, acabam por ser mobilizados para o mesmo território ultramarino, para a mesma guerra: o mais velho em 1961, o mais novo em 1973, doze anos depois…

O Américo (1) teve a sorte, o azar ou o privilégio (conforme o ponto de vista de cada de um nós) de ter uma missão mais curta. A sua companhia estava colocada em Nova Lamego (Gabu), enquanto ele foi destacado com um grupo de combate (25!) para Cansissé, a sul de Nova Lamego, a uma hora de caminho do Rio Corubal. Nunca tiveram problemas nem com a população nem com o PAIGC, contrariamente aos camaradas da companhia anterior. Nunca se armaram em “bons”, nunca provocaram o IN, trataram sempre bem a população local, distribuindo comprimidos pelas mulheres, ouvindo os homens grandes, ajudando a transportar os produtos agrícolas... Davam-se bem com os fulas. O régulo era futa-fula. Com os mandingas, a coisa piava mais fino.

Ele era soldado de transmissões e, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estava no seu posto, a sintonizar a rádio em Lisboa. Costumava fazer isso com muita frequência. Estava em contacto com todo o mundo. Os dias eram sempre iguais e custavam a passar. E as noites ainda pior. Mas "nessa noite ficou confundido e baralhado: havia movimento de tropas em Lisboa, alguma coisa se passava de anormal"…

Foi assim que teve conhecimento do golpe de estado do Movimento das Forças Armadas que depôs o Governo de Marcelo Caetano. Informou os seus camaradas. Foi um alvoroço. A vida em Nova Lamego e em Cansissé não voltou mais a ser como dantes. Apareceram logo uns “esquerdistas”, até então caladinhos, a organizar o pessoal, a dar ordem, a fazer reuniões… A hierarquia e a disciplina militares começaram a ser postas em causas. Eram os “comités de soldados” (sic) que tomavam iniciativas. Às tantas já se falava tu-cá-tu-lá com os gajos do PAIGC, beijinhos e abraços, troca de roncos, como se não tivesse havido uma longa guerra…

Esta foi a parte mais dura de engolir para o nosso amigo Américo que viu, com tristeza, a nossa bandeira ser substituída pela do PAIGC no seu destacamento… Em Setembro de 1974, ele voltava para casa, com o sentimento (amargo) de ter sido o último soldado do império… Há coisas, na tropa e na vida, para as quais um homem nunca está preparado.

Hoje ele escreve nos jornais da região. E promete voltar a escrever-nos, com tempo e vagar, quando vier o frio e o fogo começar a crepitar na lareira. É aí, à volta de um madeiro a arder, que ele gosta de recordar os seus tempos na Guiné e passar para o papel os sentimentos contraditórios que tem sobre esses menos de dois anos que passou lá no Gabu… Ele promete contar alguns das suas histórias de azarado soldado de transmissões que, um belo dia, ouvia uma conversa em “português acreoulado”: suspeitando tratar-se do IN, lançou um alerta geral e pôs o Gabu em pé de guerra… Afinal, tinha interceptado comunicações entre a NT…
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(1) Ex-soldado de transmissões, 3ª CART / BART 6523 (Nova Lamego) (Junho de 1973/ Setembro de 1974)

(2) Vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005)

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P262: Efemérides: Homenagem de Fafe aos seus 37 combatentes, mortos na guerra do ultramar (Américo Marques)

Guiné > Gabu > Cansissé > 3ª CART do BART 6523 > Junho de 1974 >

A guerra acabou! Os soldados do destacamento de Cansissé, entre Bafatá e Nova Lamego, junto ao Rio Corubal, confraternizam com guerrilheiros do PAIGC e com a população local (fulas e mandingas)... Era o fim de mais de 11 anos de pesadelo.

© Américo Marques (2005)


Texto do Américo Marques (ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, Cansissé, na região do Gabu, entre Junho de 1973 / Setembro de 1974)

Caro Camarada Luis,

No passado sábado, estive em Fafe a assistir à cerimónia de apresentação de um monumento em bronze, representando um combatente da guerra do ultramar, com o equipamento a rigor e com a expressão (bem conseguida pela escultora) de grande concentração e talvez de sofrimento.

No momento solene, houve o lembrar dos mortos em combate: 37 no concelho de Fafe, nas três frenbtes (Angola, Guiné e Moçambique). E foram nomeados um por um. Tenho a dizer-te que os meus olhos naquele momento ficaram bastante molhados!

Aconselho a ir ver o nonumento, localizado na Av. Brasil.

Na cerimónia esteve um representante do Ministério da Defesa e muitos ex-combatentes, incluindo um meu irmão que esteve na Guiné 1961/63 (corneteiro), nas localidades de S. Domingos e Teixeira Pinto. Fez a a viagem no “Ana Mafalda”. Este é um o avô dos veteranos.

Um abraço para todos,
Américo Marques.

Nota de L.G.:

(i) Obrigado, Américo, em nome da nossa tertúlia. Julgo que, por detrás desta iniciativa do município de Fafe, está também o meu amigo Jaime Marques da Silva Bonifácio, professor de educação física, antigo vereador do desporto e cultura, natural da Lourinhã, ex-alferes miliciano paraquedista em Angola por volta de 1969/71;

(ii) Já agora diz-me quantos soldados de Fafe morreram na Guiné...

terça-feira, 16 de agosto de 2005

Guiné 63/74 - P155: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno)

1. Texto seleccionado e enviado pelo Américo Marques, membro da tertúlia dos ex-combatentes da Guiné (Foi operador de transmissões, na 3ª CART do BART 6523 , Cansissé, Gabu, entre Junho de 1973 e Setembro de 1974).

O Américo, que hoje estou ligado à segurança do trabalho numa grande empresa de Viana do Castelo, mandou-me a seguinte mensagem, que agradeço, juntamente com o texto que abaixo se reproduz, com a devida vénia:

"Amigo Luis, espero que estejas viver umas férias reconfortantes! Se a tua opção for fazer uns passeios peripatéticos pela montanha, tem cuidado que nas nossas florestas existe um turra muito poderoso. Que é o FOGO!

"Depois destas palavrinhas preventivas, vou enviar-te um relato de uma intensa batalha. Não interessa quem mais Vidas destruiu. O que interessa é que os Homens novos reforcem a sua sabedoria e conhecimento sobre o anteontem. Para que se transformem e gerem amanhã um NOVO HOMEM!"


Operação Ametista Real

por João de Almeida Bruno (1995)(a):

A operação mais importante que comandei foi, no entanto, na Guiné. O nome de código foi Ametista Real - eu sempre dei nomes de pedras preciosas às operações que comandei. Penso que, na altura, foi a operação de maior envergadura daquele tipo, fora do território nacional. Comandava então o Batalhão de Comandos Africanos que foi, julgo, uma das unidades que ganharam o Guião de Mérito, um estandarte especial que penso só ter sido também atribuído à unidade do então capitão de Infantaria Maurício Saraiva, meu grande amigo. De qualquer modo esses guiões estão hoje na Amadora.

A 16 de Maio de 1973 fui chamado de urgência ao Comandante-Chefe; o então general António de Spínola, que me traçou um panorama geral da guarnição militar de Guidage, junto à fronteira com o Senegal. Estava isolada por terra por causa dos fortíssimos campos de minas lançados pelo inimigo. As colunas logísticas, enquadradas por forças pára-quedistas, não conseguiram romper. Era difícil o reabastecimento aéreo e a evacuação de feridos, por causa dos mísseis terra¬ar Strella de que dispunha o PAIGC. E era grande o desgaste físico e psicológico da guarnição.

Tudo indicava que o inimigo pretendia lançar um assalto final a Guidage para tirar dividendos internos e externos. E, por isso, era necessário aliviar a pressão: o único caminho possível era pelo Norte, pelo território senegalês.

A missão foi dada de forma clara e simples: atacar a base inimiga de Kumbamory, que ficava uns cinco quilómetros a norte da fronteira. Era preciso, no mínimo, desarticular o dispositivo inimigo. Se possível, destruir a base ou, pelo menos, causar o maior número possível de baixas e destruir a maior quantidade possível de material.

Foi decidido transportar a força, em meios navais, de Bissau para Bigene. E lançar depois uma operação de curta duração, em terra, por forma a atacar a base inimiga a partir de uma base de ataque já instalada em território senegalês. "Limpar", por fim, a região de acesso a Guidage, recolhendo as nossas forças a essa povoação.

O apoio de fogos ficaria a cargo de seis baterias fixas de 10,5 e de heli-canhões. Verificou-se que não eram possíveis reabastecimentos e evacuações por helicóptero. Os mortos e os feridos teriam de ser transportados para Guidage sem meios auxiliares, e a haver reabastecimento de munições ele teria de ser feito nos paióis inimigos detectados. Nada se sabia quanto à localização exacta do objectivo, a não ser que era na área da povoação senegalesa de Kumbamory.

Na tarde de 19 de Maio o batalhão embarcou para Bigene, onde chegou pouco antes do pôr-do-sol. Foram constituídos três agrupamentos, com uma companhia de comandos cada um. Eram comandados pelos capitães Raúl Folques (que ficaria gravemente ferido) e Matos Gomes e pelo capitão pára-quedista António Ramos. Este comandava o agrupamento a que ficou adstrito o grupo especial comandado pelo alferes Marcelino da Mata, especializado em demolições.

Nele me integrei, o batalhão entrou em território senegalês pelas seis da manhã do dia 20. A artilharia de Bigene concentrava entretanto o seu fogo sobre o objectivo, mais como manobra de diversão do que como forma de destruição, uma vez que não era conhecida com rigor a localização da base inimiga. Hora e meia depois os agrupamentos estavam dispostos na base de ataque, a sul da povoação senegalesa.

Foi necessário cortar a estrada que corria paralela à fronteira e «reter» o comandante de um batalhão de pára-quedistas senegalês que chegara entretanto em missão de reconhecimento. A conversa entre mim e ele foi cordial e amistosa. E franca, claro. O comandante senegalês sabia perfeitamente da existência da base do PAIGC, mas argumentava que ela ficava em território português. Pedia assim que abandonássemos rapidamente o Senegal e garantia que não iria haver nenhum incidente diplomático. E não houve.

Pelas oito horas a Força Aérea iniciou um pesado bombardeamento, a que se seguiu o assalto. Um pouco à sorte, já que não se sabia onde ficava a base. E a sorte foi decisiva.

Quase de imediato os dois agrupamentos que iam à frente detectaram vários depósitos de material de guerra. O terceiro agrupamento, que estava em reserva e logo deixou de estar, envolveu-se em violento combate com um forte grupo inimigo que dispunha de canhões sem recuo e de metralhadoras pesadas: defendia o depósito principal, o de foguetões de 122 mm.

Não é fácil descrever a acção. A tónica principal deve ter sido a confusão, não só a própria da batalha, como a decorrente do facto de se enfrentarem adversários da mesma cor e com armamento semelhante, e de ser impossível delimitar claramente a frente. E foi nesta grande confusão que o posto de comando aéreo teve um papel decisivo: os agrupamentos, correndo embora o risco de serem referenciados, iam indicando a sua posição com sinais pirotécnicos. Pela rádio, o posto de comando aéreo ia-me informando do movimento das tropas. Pelo meio-dia, a missão estava cumprida.

O agrupamento, que era comandado pelo capitão Folques ficou, a dada altura, praticamente sem munições. Foi então dada ordem de retirada, o que equivalia a continuar na direcção de Guidage. Foi um movimento lento, interrompido por vários e violentos combates, até que, pelas quatro da tarde, o inimigo abandonou o terreno.
Pelas seis da tarde as nossas tropas chegaram a Guidage. Depois continuaram a pé, até serem recolhidas, no dia seguinte, pela Marinha de Guerra, no rio Cacheu.
Os resultados conseguidos foram assinaláveis e foi aliviada a pressão sobre Guidage, cuja guarnição militar recuperou a iniciativa depois de rendidos os seus efectivos.

Não é sem uma ponta de orgulho que me vejo forçado a afirmar que nesta operação ficou patente o alto espírito agressivo dos Comandos Africanos, a sua capacidade excepcional de orientação na selva e a sua invulgar resistência física. Ficou também patente que os quatro oficiais europeus que comandaram a acção foram decisivos nos momentos mais difíceis, sobretudo pelo bom senso e capacidade de decisão que revelaram.

O inimigo sofreu 67 mortos. As nossas tropas 14 mortos (dos quais dois alferes), onze desaparecidos, mais tarde confirmados como mortos, e 23 feridos graves (dos quais três oficiais e sete sargentos). Ao inimigo foram destruídos 22 depósitos de material de guerra.


Fonte: Autores vários: Os Últimos Guerreiros do Império. Lisboa: Edições Erasmos. 1995, pp. 72-75. (Excertos, com a devida vénia...)

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(a) O Comandante da operação e autor do texto: João de Almeida Bruno, na altura tenente-coronel, hoje general.

domingo, 19 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P65: Os momentos do fim (Junho de 1974)...

O Américo Marques, de Viana do Castelo, mandou-nos uma mensagem, tocante, sobre os "momentos do fim", quando a partir de Junho de 1974 os guerrilheiros do PAIGC começaram a aparecer no destacamento de Cansissé, oferecendo a paz... Não foi fácil para a população local (fulas e mandingas) e para alguns soldados como o Américo Marques. De repente, os inimigos de ontem, os turras, passavam a ser os amigos e até os irmãos de hoje.

Imagino que deve ter sido um momento muito difícil, daqueles em que a gente fica com um nó apertado na garganta… Vou publicar esta nota, no nosso blogue, mais as fotos, na esperança de que o Américo um dia destes arranje fôlego, coragem e inspiração para dar um testemunho mais extenso e profundo sobre o momento do hastear da bandeira da nova Guiné-Bissau a que ele assistiu… Enfim, se ele achar que vale a pena… Eu pessoalmente acho que vale a pena. O Américo, que regressou a Portugal em Stemebro de 1974, estava no sítio certo, no momento certo, para a nos dar conta do fim do império...

"Eu sou dos últimos guerreiros do Império. Meio guerreiro, pois não acabei a Comissão e ainda participei na troca de bandeiras. A minha ignorância e o meu patriotismo fizeram-me sentir uma tristeza... ainda mais triste.

"Era Transmissões de Infantaria, Formado no BC 5, Campolide [ Lisboa ]. Formei Batalhão em RAL 5, Penafiel. Embarquei no N/M Niassa em Junho de 1973, na companhia de um BCAÇ de Tomar, mais duas Companhias recebidas no Funchal. Pertenci à 3ª CART do BART 6523, aquartelado em Nova Lamego.

"Estive os 17 meses em Cansissé: um destacamento (com 25 soldados) que estava à distância de 1 hora, a pé (claro), da margem direita do Rio Corubal. Quem fosse de Bafatá para Nova Lamego, virava à direita por uma picada, situada mais ou menos a meio do trajecto.

"Sou de Viana do Castelo e amigão do Sousa Castro e do Luis Carvalhido que me recebeu no Xime, em trânsito para Nova Lamego [Gabu]. Era eu um coitado dum periquito; e o Luís não me ofereceu uma bazuca, levou-me a ver um buracão feito por uma. Perdi logo a sede. Espero que as fotos sejam mais um tijolo... para construir a historia das Dores e Agonias que estão aqui e agora. Sendo ao mesmos tempo Pedaços de Vida, que se me ofereceu (como se fossem mais uns Castelos) aquela Bandeira; muito amada e que aquece mais que mil vulcões. Um Alfa Bravo".