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sexta-feira, 13 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16081: Nota de leitura (838): Alexandre Herculano e a Questão de Bolama (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Tardou mas chegou, há muito que idealizava pôr no blogue este texto de grande riqueza como peça oratória, mostra que Herculano se estreou bem na vida parlamentar, e a questão de Bolama foi um pretexto. Devido às suas funções como bibliotecário da Casa Real, o historiador e homem público dispõe de muita informação, sabe que as coisas em África estão em franca decadência, que os territórios coloniais portugueses vão sendo infiltrados por outras potências. É uma intervenção em que ele pede a atenção ao poder político para cuidar do património africano. Sabemos que Herculano foi um dos maiores escritores do seu tempo e é o fundador da nossa historiografia, é uma satisfação ler esta intervenção vigorosa e vibrante de um nacionalista do seu tempo.

Um abraço do
Mário


Alexandre Herculano e a Questão de Bolama

Beja Santos

Herculano, fundador da nossa moderna historiografia, medievalista insigne, escritor consagrado em vida, autor da paradigmática História de Portugal onde recuperou em bases rigorosas a formação do nosso País, teve uma breve passagem pelo Parlamento entre 1840 e 1841, estreou-se como tribuno em 4 de Julho de 1840. A questão de Bolama foi o pontapé de saída, mas Herculano pretendia ir mais longe, como foi.

Naquele tempo, o parlamentarismo andava a par da encenação dos dotes do tribuno. Levava-se uns apontamentos escritos mas a eloquência era fundamental e o prémio eram os aplausos do partido amigo e as vaias e apupos da oposição. São tempos extremamente difíceis, a guerra civil ainda não sarara todas as feridas e os governos de setembristas e cartistas sucedem-se uns aos outros. Eis como Herculano se dirige aos seus pares, naquele dia de Julho de 1840:

“Falo da violação do nosso território em Guiné.
Sr. Presidente, eu não sei qual seja pior: se insultar a nossa bandeira e tomar os nossos navios, se violar território de uma província portuguesa e declarar em seguida que esse território pertence a quem violou.
Aproveito esta ocasião para fazer algumas reflexões sobre o discurso de um senhor Deputado pela Madeira, que falou na sexta-feira passada. Sua Excelência disse que esse negócio de Casamansa é um daqueles que soam muito e valem pouco: disse que era bárbaro o nome de Casamansa; disse, enfim, que a França dizia ter direito àqueles territórios, e que a ele não lhe importa esta questão. Se o senhor Deputado entende que perdemos tantas léguas de costa de uma província nossa nada vale, eu entendo que vale muito, não só por ser terra portuguesa, como pelo grande trato que ali pode haver quando olharmos ou podermos olhar seriamente o Ultramar. O dar como razão o seu desprezo o ser bárbaro o nome de Casamansa, apenas merece uma resposta. Bárbaros são quase todos os nomes das nossas províncias ultramarinas, e nisso não vejo eu motivo para as entregar a quem nos quiser tomar conta delas.

Senhor Presidente: que se devia ter feito neste negócio?
Não o desprezar.
Reclamar à França, com moderação e firmeza, uma, dez, cem vezes.
O mesmo se devia ter feito com Inglaterra.

O partido cartista foi acusado de estar vendido à Inglaterra, porque de boa-fé aconselha a moderação e ao mesmo tempo que se não cessasse, por todos os meios, na negociação de procurar obter justiça. Não teria ele o direito de acusar o partido contrário, que governou o país em 37, 38, 39, e que não só calou à Nação o negócio da Guiné, mas abandonou às pretensões do governo francês uma província nossa; não teríamos nós, digo, o direito de acusar esse partido de estar vendido à França?
Não, Sr. Presidente.
Mil vezes não! E porquê?
Porque os parricidas são raros e o vender a pátria é o mais atroz parricídio.

Serei mais individual pelo que respeita à França sobre a questão da Guiné.
É realmente de reparo que de não sei quantos ministérios tem havido em Portugal desde 1837, nenhum visse a importância da fundação de uma feitoria francesa no Casamansa; ninguém visse que um tal estabelecimento faria desaparecer o que temos ainda em Guiné, e que essa pedra engastada na coroa portuguesa por D. João II, o título de senhorio da Guiné, cairia enfim dessa coroa, já tão empobrecida pelo desleixo e mau governo dos sucessores de D. Manuel. O que, porém sobretudo me espanta, senhor Presidente, é que nem o último Ministro dos Negócios Estrangeiros nem o seu antecessor respondessem cabalmente à nota do Conde Molé em que esse afamado Ministério pretendia sustentar a prioridade do domínio francês, não só nas margens do Casamansa mas também em toda a Costa da Guiné, sem excetuar os presídios de Cacheu e Bissau”.

Vamos então contextualizar. Em 1836, os franceses instalam-se na região do Casamansa, criando várias feitorias. Estão muitos interesses económicos em jogo, sabe-se que a escravatura tem os seus dias contados o óleo de amendoim expande-se rapidamente pela Senegâmbia.

Mas Herculano utiliza a questão do Casamansa como um pretexto, dispõe de informação sobre o estado de pura negligência em que se encontram as parcelas do império africano, serve-se da tribuna para lançar o grito de alarme. Como sublinhou Ivo Carneiro de Sousa (n.º 2, 1999, da Revista Africana Studia, Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto), “A primeira intervenção parlamentar de Alexandre Herculano trata de convocar o caso da questão de Casamansa para discutir o papel de Portugal no renovado concerto da concorrência internacional”.


A intervenção de Herculano andou despercebida cerca de um século. Até que Fausto Duarte, a quem a cultura guineense tanto deve a publicou no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, volume 4.º (1949). A política portuguesa manteve-se indiferente à gravidade da presença francesa no Casamansa. Honório Pereira Barreto fez tudo o que estava ao seu alcance para comprar territórios na região. Mas não teve apoios políticos suficientes. E assim, gota a gota, tudo se encaminhou para o reconhecimento do Casamansa como território francês daquela Senegâmbia que caminhava para o ocaso, fez-se o reconhecimento na Convenção Luso-Francesa de 1886, a nossa diplomacia pretendia, com a oferta do Casamansa, contar com o apoio do governo de Paris para o Mapa Cor-de-Rosa. Mas Paris não tinha interesses estratégicos na África Austral, assobiou para o lado. Há relatos pungentes onde se registam as vozes dos autóctones do Casamansa que pretendiam continuar a ser portugueses. Mas tudo estava perdido.


Era assim o Banco Nacional Ultramarino em Bolama, a capital da colónia dispunha de alguns edifícios com certa sumptuosidade, trata-se de uma arquitetura que está praticamente no chão ou em vias de desaparecimento
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16068: Nota de leitura (837): “Quinto Centenário da Descoberta da Guiné 1446 / 1946", brochura com um conjunto de selos da autoria de Amadeu Cunha e Uma tocante homenagem ao Comando morto em combate por Vassalo de Miranda (Mário Beja Santos)