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domingo, 16 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24479: (In)citações (255): Adenda ao texto humanitarista sobre o alce-cherne (José Belo)


Imagem enviada pelo Joseph Belo. Sem legenda


 
1. Mensagem do Joseph Belo, o nosso correspondente no círculo polar ártico;

Data - quarta, 12/07/2023, 21:35

Assunto - Adenda ao texto humanitarista… Alce-Cherne (*)

Meu Caro Luís

O pseudo humor escandinavo do texto (*) surge de outras realidades, condicionadas por parâmetros muito diferentes dos nossos.

Não se deve esquecer que entre humanismos e humanitarismos há uma dicotomia ética.

Um dos nossos mais profundos observadores, Fernando Pessoa, escreveu:

“Há sempre uma relação sistematizada entre o humanitarismo e a aguardente de bagaço “

O humanitarismo do texto "Alce-Cherne" poderá acarretar a pergunta muito americana:

- Where’s the beef?

A única resposta que me surge é... I don’t give a ***Duck ***!

JBelo


2. Comentários  ao poste P24475 (*):

(i) José Belo:

Caro Luís: Respeitando as tuas sensibilidades cinegéticas [não publicando a foto do caçador e do alce abatido por carabina com mira telescópica, com o argumento  de ser "pornográfica"...], creio que a adenda ao texto que te enviei será necessária para se compreenderem as dicotomias éticas nele contidas.

O comentário do amigo e camarada Alberto Branquinho será um bom exemplo quanto à necessidade da…. adenda!

(ii) Alberto Brnaquinho:

Pelo que parece, e segundo o texto de José Belo, os alces-fêmeas (porque temos uma acompanhada de vitelo), são aqueles (animais) que não têm cornos.

De alces-chernes não é dada nota em imagem, mas a gente imagina. Ou não será assim?

14 de julho de 2023 às 11:58 


(iii) José Belo:

Caro amigo e aamarada Alberto Branquinho:

Colocas pergunta pertinente quanto ao “alce-cherne”.

Ao ler o meu tão escandinavo texto, muito distante das realidades lusitanas, senti de imediato a necessidade de enviar uma adenda ao mesmo. A ter sido publicada, a pergunta existencial de Alberto Branquinho não teria certamente surgido.

(O meu poeta português preferido escreveu:
"Sentir é uma maçada!"... 
A própria forma plebeia da frase lhe dá sal e pimenta)

Ao ler-se o texto,*depois da adenda não publicada*, encontra-se nas entre linhas a tal dicotomia ética entre o humanitarismo e o humanismo.

Sobre o assunto Fernando Pessoa foi ainda mais longe ao afirmar:

“Há sempre uma relação sistematizada entre o humanitarismo e a aguardente de bagaço”

Enfim, isto de textos e comentários é um pouco como… ”Ler o futuro no passado!”

14 de julho de 2023 às 17:11 


(iv) Alberto Branquinho:

JB: Atão, man! Qu'é d'adenda? Benha ela, carago!
(Pá gente poder entender a qúeston!)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos: L.G.]

domingo, 11 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24389: In Memoriam (479): António Branquinho (1947-2023), ex-fur mil, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, set/69 - out/71)... Nosso tabanqueiro desde 24/9/2010, era irmão do advogado e escritor Alberto Branquinho, também ele membro da nossa Tabanca Grande


Guiné  > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Enxalé > O ex-fur mil António Branquinho, no Enxalé


Guiné  > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Enxalé > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > 
1971 > À esquerda o Fur Mil Pires do Pel Caç Nat 63,  e eu à direita. Dos outros não me lembro os seus nomes.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > Da esquerda para a direita, os fur mil Pires, Branquinho e Amaral


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 >  O Branquinho com uma  criança que era filho de um soldado do Pelotão


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > António Branquinho, Amaral e uma bajudinha... O Branquinho simulava tocar um instrumento tradicional, talvez um "nhanheiro". (Segundo a oportuna observação do nosso amigo e consultor permanente para as questões étnico-linguísticas, Cherno Baldé, "o instrumento, na lingua fula, chama-se 'Hoddu', é mais antigo e, provavelmente, serviu de inspiração para a criacão do Kora dos Mandingas.)
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Missirá > 1971 > O Amaral  (também já falecido) e o Branquinho

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Bambadinca > À porta do Depósito de Géneros, com o 1.º Cabo Injai, do Pelotão

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 > Enxalé> 1971



António Branquinho (Vila Nova de Foz Coa, 1947 - Covilhã, 2023). De seu nome completo, António Júlio Abrunhosa Branquinho. 

Membro da Tabanca Grande, desde 24/9/2010. Foi fur mil, de rendição individual,
no Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, de setembro de 1969 a outubro de 1971). Era um grande amigo do "alfero Cabral", seu comandante. Tem 23 referências no nosso blogue.

Fotos (e legendas): © António Branquinho (2010) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem com+plementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Morreu no passado dia 27 de maio, segundo a triste notícia que nos deu o seu irmão, mais velho, Alberto Branquinho (ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69). Fazia anos a 21 de abril. Natural de Vila Nova de  Foz Coa, vivia na Covilhã. Casado, tinha uma filha e uma neta.

Era membro da nossa Tabanca Grande desde 24 de setembro de 2010. Contrariamemnte ao irmão não era um homem de grandes escritas. Mas deixou-nos este precioso texto de apresentação (*):

(...) Sou irmão do Alberto Branquinho e como vocês prestei serviço militar na Guiné.

Iniciei a Comissão em 23/09/1969 e terminei-a em finais de Outubro de 1971 (não me lembro da data correcta).

Fui em rendição individual, tendo sido colocado no Pel Caç Nat 63, que era comandado pelo ex-alferes miliciano Jorge Cabral, colaborador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Desde o primeiro dia que somos amigos. Amizade esta que mantemos até à data.

O Pelotão era composto, na sua maioria, por elementos oriundos da própria Guiné, o alferes, furriéis, cabos e alguns soldados adstritos ao Pelotão eram brancos. Por este facto, os chefes militares e outros, por vezes "esqueciam-se" de nós, nomeadamente, no que dizia respeito ao fornecimento atempado de géneros "frescos", sendo os enlatados (fiambre, conservas várias, chouriço, etc.) a base da nossa alimentação.

Durante bastante tempo (muitos meses) estivemos privados de gerador de electricidade e de arca ou frigorífico a petróleo e consequentemente do prazer de uma bebida fresca. Era uma festa quando nos deslocávamos à sede do Batalhão (Bambadinca), bebiam-se umas "bazucas" e uns uísques gelados, era até cair - tirava-se "a barriga de misérias". (...)

Quando o Pelotão era mudado para outro Destacamento, o que se verificava frequentemente, era uma carga de trabalhos, uma vez que os soldados do Pelotão tinham consigo as mulheres e filhos, pelo que tinha de se arranjar transporte para toda aquela gente. Além das respectivas famílias, eram as galinhas, os cabritos e toda a traquitana inerente às lides domésticas (tachos, pilões, panelas, cabaças, alguidares, etc.). Era uma confusão! Eu passava-me.

O Jorge Cabral incumbia-me sempre destas missões, dizia que eu tinha uma certa sensibilidade para estas "operações". Tomava esta decisão por ser o furriel mais antigo e,  talvez, por uma questão de confiança. 

Numa das várias mudanças de Destacamento que efectuámos, apareceu-me com uma garrafa de wisky na mão, para festejarmos o fim da instalação do Pelotão. Estava tão desgastado e stressado que lhe tirei a garrafa da mão, mesmo à temperatura ambiente ia bebendo tudo de um só trago. Como era de esperar,  apanhei tamanha bebedeira, que passei o dia todo a dormir.

Após várias deslocações, estive em vários Destacamentos, na zona de Bambadinca: Fá, Missirá, Bambadinca, Ponte do Rio Udunduma, Nhabijões, Xime, etc.

Durante a minha Comissão, estive adstrito a dois Batalhões, sediados em Bambadinca (Sector L1): BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72.

Terminei a Comissão em beleza, a não ser um senão, incompatibilizei-me com o substituto de Jorge Cabral, em Bafatá. Era uma pequena cidade, mas tinha muitas mordomias de que já há muito não estava habituado.

Escrevi este pequeno texto, como cartão de apresentação, havendo muito mais histórias para contar, desde que haja disponibilidade e pachorra para tal. (...)


2. Comentário do editor LG:

Alberto, mais uma notícia devastadora para a nossa comunidade de antigos combatentes da Guiné, a   a morte do teu mano e nosso querido camarada António Branquinho, que fur mil do Pel Caç Nat 63, ao tempo do "alfero Cabral", e do meu tempo (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, junh 61/mar 71). Se bem que ele fosse quatro meses mais no Sector L1

Um abraço solidário na dor para ti e para restante família (a tua cunhanada, a tua sobrinha, o teu sobrinho-neto e demais família. Sei que o teu irmão era muito estimada na Covilhã onde viveu e está hoje sepultado.  

Entende este poste como uma pequena homenagem. O Jorge Cabral falava-me dele com muita estima, amizade e camaradagem. Mas eu nunca mais o encontrei depois da Guiné, se a memória me não falha. Fizemos algumas operações em conjunto, no Sector L1.  Não convivemos muito. Havia o rio Geba a separar-nos,  quando eles foram de Fá para Missirá. Um abraço fraterno.

PS - O teu mano devia ser de 1947, mais novo do que tu, dois anos oiu três... Não? Confirma.



António  Júlio Abrunhosa Branquinho. 
Foto: cortesia do facebool da Casa da Covilhã em Lisboa
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de setembro de 2010 > uiné 63/74 - P7029: Tabanca Grande (245): António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71)

Vd. também poste de 16 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7291: Estórias avulsas (100): A mina, que seriam duas (António Branquinho)

(**) Último poste da série > 3 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24363: In Memoriam (478): Mário Vargas Cardoso, cor inf ref (1935-2023), ex-cap inf, CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) e ex-cmdt do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74) (João Bonifácio, ex-fur mil SAM, CCAÇ 2402, 1968/70, a viver no Canadá); Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24255: 19º aniversário do nosso Blogue (1): Obrigado, Valdemar Queiroz, por nos comparares à tua priminha ("Com 19 anos a Tabanca Grande, até parece a minha prima Lourdes, ruiva, de olhos azuis e com 1,72 m e diziam-lhe 'temos aqui uma bela rapariga que nunca se vai gastar' ". Obrigado pelos vossos parabéns e incentivos, João Rodrigues Lobo, Carlos Vinhal, Alberto Branquinho, Miguel Rocha, José Botelho Colaço...


"A rapariga com brinco de pérola" (c. 1665)... Não é a "prima Lourdes" do nosso camarada Valdemar Queiroz, mas é capaz de não lhe ficar atrás... É uma das obras... primas do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675) e de toda a pintura ocidental, rivalizando com todas as "madonas" e "madames"... Óleo sobre tela (44,5 cm x 39 cm). Localização atual: Galeria Mauritshuis, Haia. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia.

1. Primeiros comentários ao poste P24242 (*)... Temos mais para reproduzir aqui. Queremos receber as vossas sugestões, críticas e comentários, sobre o nosso passado, presente e futuro enquanto blogue e Tabanca Grande... Serão publicados na "montra grande" do blogue, desde que cheguem até ao final da segunda semana do próximo mês de maio, sábado, 13. É também uma boa altura de os nossos tabanqueiros fazerem a sua "prova de vida", sairem do sofá e darem uma voltinha pela nossa "parada"...

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Obrigado, amigos e camaradas,  pelos vossos comentários relativamente à nossa efeméride.

Obrigado, Valdemar, por nos comparares à prima Lourdes (à francesa)... Lisonjeiro!... Mas ainda nos arranjas uma cena de ciúmes (ou até alguma acusação de assédio, que é bem pior para a nossa re...puta...ção!):

"Com 19 anos, a Tabanca Grande até parece a minha prima Lourdes, ruiva, de olhos azuis e com 1,72 m e diziam-lhe 'temos aqui uma bela rapariga que nunca se vai gastar'." (...)


23 de abril de 2023 às 17:27 

(ii) João Rodrigues Lobo:

Bom dia. Nesta fase da nossa vida em que "recordar é viver" que o espírito de sã camaradagem prevaleça entre todos. Abraços.

23 de abril de 2023 às 09:18

(iii) Carlos Vinhal;

Estão a dormir na forma ou quê?

Era este o grito de incitamento ou censura, quando, no serviço militar, denotavam(os) nos recrutas alguma indolência ou desatenção.

Pois é, cara tertúlia, isto é um incentivo, vamos lá dizer o que pensamos do nosso Blogue.

O passado e o presente estão assegurados, contudo, o futuro é muito incerto, e este espólio não se pode perder. Definitivamente estamos a ficar velhotes e não conseguiremos gerir o Blogue por muito mais tempo.

Ficamos desde já gratos pelas vossas críticas e sugestões, que podem deixar aqui sob a forma de comentário ou a enviar para os endereços de email habituais.

Aproveitem este domingo, um tanto triste, pelo menos aqui no norte, para refletirem e nos ajudarem a assegurar o futuro da nossa página.

Grande abraço, Carlos Vinhal

23 de abril de 2023 às 11:32

(iv) Alberto Branquinho:

Pois é, Carlos. Este foi o espaço onde acabei por conhecer muita gente que LÁ sofreu tanto ou mais que eu, onde reencontrei bastantes outros e onde tive oportunidade de mostrar alguma coisa relacionada (por vezes não) com ESSA experiência da Guiné. E ajudou (talvez tardiamente) a fazer a catárse.

Do facebook nada sei porque, quando dele tive conhecimento, me pareceu uma caserna onde se acoita gente demasiada e muito diversa e onde não há regras (ou parece não haver).

Abraço, Alberto Branquinho

23 de abril de 2023 às 11:32

(v) Miguel Rocha:

"Aquele abraço"!!!

Votos de saúde!

Miguel Rocha, o transmontano

3 de abril de 2023 às 12:07

(vi) José Botelho Colaço:

Parabéns: Graças ao blogue hoje estou um pouco documentado com histórias contadas e vividas na 1ª pessoa o que foi participar, viver e sofrer na guerra da Guiné, caso contrário teria ficado só pelo Cachil Ilha do Como, operação Tridente e um pouco de Bissau e Bafatá. 

Abraço amigo. Colaço.

23 de abril de 2023 às 13:24

(vii) Valdemar Queiroz:

O nosso Blogue faz 19 anos, ena, ena, está quase a entrar pra tropa. Pra tropa salvo seja, que é coisa que não nos falta.

Tal como a minha entrada pra tropa com 22 anos, também entrei tarde pra Tabanca Grande já ela estava construída com fortes traves mestras que foram aguentando estes belos momentos que vamos passando em convívio recordando os extraordinários tempos da guerra na Guiné.

Com 19 anos a Tabanca Grande, até parece a minha prima Lourdes, ruiva, de olhos azuis e com 1,72m e diziam-lhe 'temos aqui uma bela rapariga que nunca se vai gastar'.

Parabéns e saúde aos incansáveis progenitores e a toda a família da rapaziada que faz parte desta Grande Tabanca.

Um grande abraço, Valdemar Queiroz

23 de abril de 2023 às 13:49
______________

Nota do editor:

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24030: (In)citações (229): A matança do porco... do nosso contentamento (Francisco Baptista / Alberto Branquinho / Joaquim Costa / José Belo / Luís Graça / Valdemar Queiroz)

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Depois da caçada há que preparar o bicho, tal qual uma matança de porco numa das nossas aldeias".


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "É hora de levantar cada um a sua parte e comer em família, cada um em sua tabanca [morança]".

Fotos (legendas): © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O texto, de cinco estrelas, que escreveu o Francisco Baptista sobre a matança do porco em Brunhoso, na terra fria transmontana, já mereceu uma boa mão cheia de comentários... Reporta-nos para as memórias, os sabores, os paladares, as brincadeiras,  a ruralidade, as festividades cíclicas, as geografias emocionais da nossa infância, enfim, para um Portugal que não existe mais e donde saiu um milhão de homens para fazer a guerra em África (1961/74), e que eram capazes de vender, não digo a G3, mas pelo menos a alma ao diabo,  por um salpicão, umas chouriças ou um naco de presunto do fumeiro da santa terrinha... (que isso, sim, é que era pecado, para os nossos amigos e leais fulas, respeitadores da lei de Maomé).

Na Guiné os animistas como os balantas criavam uns porquinhos que, com relutância, vendiam à tropa,  às vezes eram atropelados pelo "burrinho" (o Unimog 411), que entrava pela tabanca dentro sem respeitar os "sinais de trânsito" e as orientações da "psícola" do Spínola,,, Outras vezes, havia uns corajosos e sortudos caçadores que lá apanhavam, no mato,  fora do arame farpado, um porco selvagem ou javali... 

Nesses dias havia festa no quartel, como documentam as fotos que acima reproduzimos... (E a propósito, não me lembro de ter comido carne de porco, da "pocilga do vagomestre", mas tenho que admitir que havia vagomestres engenhososos, criativos e nossos amigos que criavam uns porquinhos, com as sobras do rancho...).

Vale a pena, entretanto,  selecionar alguns dos comentários ao poste P24026 (*)

(i) Valdemar Queiroz:

Que apetitoso texto. Com cheiro a porco chamuscado e às tripas que tiravam da barriga ainda a fumar. Só faltou ouvir o porco guinchar antes, durante e no fim da matança.

Em criança de 9 anos, lembro-me de ter ido a uma matança do porco na casa da tia Rosa Verde. Pelo guinchar de outras paragens, o matador devia estar a chegar.

Eram só mulheres a tratar da matança, apenas dois homens a agarrar e atar o porco em cima do carro das "piscas". A minha avó era do grupo que tratava da lavagem das tripas, e eu ia com ela à foz do rio junto ao mar lava-las com areia(?) e limões.

Depois era toda a gente a encher chouriços e os rapazes e raparigas desapareciam nas brincadeiras.

Que pena eu não saber escrever como o Francisco Baptista. (...)

31 de janeiro de 2023 às 23:14  

(ii) Francisco Baptista:

Camarada e amigo Valdemar Queiroz, tu escreves bons comentários também saberás escrever bons textos.

Os porcos grunhem, não guincham, confesso que, à distância de muitos anos, esse grunhir queixoso me incomoda mais do que no tempo real em que acontecia, talvez porque com mais idade, com outra experiência de vida e mais conhecimentos, me tenha dado  conta que há a inteligência humana dos bípedes como nós e a inteligência animal. Talvez os porcos,  ao serem puxados com uma corda e ao depararem com tantos homens,  adivinhassem que era o fim da boa vida e das comezainas. 

Lembro-me da minha mãe que durante muitos anos matou as galinhas e os perus e, com mais idade, deixou de o fazer. Enfim com a idade ficamos mais humanos e passamos a ficar mais próximos e a compreender melhor os animais.

Continuo a gostar da carne de porco, ainda ontem comi um bom cozido dessa carne.

1 de fevereiro de 2023 às 11:07

(iii)  Luís Graça;

Francisco, é um texto de valor etnográfico. É bom poder voltar a ler os teus escritos. Este Portugal, da matança do porco, do fumeiro, da salgadeira..., já não existe mais. Há anos que deixámos de matar o porco em Candoz, no Norte... Mas faz parte das minhas memórias de infância, quando eu, menino e moço, ia à aldeia da minha mãe, Nadrupe, a 3 km da vila da Lourinhã, ma Estremadura, para participar na "festa" da matança do porco... Era sempre por esta altura, no inverno. Ao pé do mar, não se fazem presuntos, mas havia também um bom fumeiro, à base de chouriços.

(,,,) "Lembras-te da matança do porco, do facalhão com que matavam o porco, o alvoroço do povo, de forquilha e sachola na mão, os gritos do porco, o sangue aos borbotões, parirás com dor, os uivos do louco, e comerás o pão com o suor do teu rosto, a agonia do porco, a casa farta, o sarrabulho, o terror da morte, o cruel fatalismo dos provérbios populares, hoje com saúde, amanhã no ataúde, os corpos a sangrar de saúde, filho sem dor, mãe sem amor, a lição de anatomia, se queres conhecer o teu corpo, mata o teu porco, a lição de medicina, o que faz bem ao braço, faz mal ao baço, as partidas que os grandes pregavam à pequenada, a bexiga do porco, alegria de pequenos e graúdos, transformada em bola de futebol por menos de uma hora. Que, afinal, a vida tem uma porta só, a morte tem cem." (...)

1 de fevereiro de 2023 às 12:12

(iv) Joaquim Costa:

Em minha casa todos os anos se matava o porco. Era dia de muitas emoções para mim. O frenesim começava de manhã cedo com os preparativos e terminava ao fim da tarde com a chegada do especialista, com o seu facão para aplicar o golpe de misericórdia no sítio certo de forma a evitar o sofrimento do bicho. Este parecia que adivinhava o que vinha aí,  já que desde muito cedo mantinha um comportamento anormal. O caminho do calvário (corredor da morte) da pocilga até à rudimentar mesa onde era atado, esperneava, grunhia e gritava (...). . Era uma cena macabra. Ainda o bicho ofegava e já era chamuscado com tochas de palha a arder.

Depois era o lavar das tripas, fazer os enchidos e proceder à salga... Mas o que mais me impressionava era a matança da galinha, com a minha mãe cortando a cabeço à pobre ave (que esperneava sem cabeça) que durante meses era tratava com zelo e carinho.

Mas verdadeiramente arrepiante era a matança do coelho com as pancadas dadas no cachaço do fofinho animal. Fugia daquela cena arrepiante, razão pela qual nunca comi coelho na minha vida. 

Felizmente hoje a matança é … mais fofinha ! ?

1 de fevereiro de 2023 às 12:14



(v) Alberto Branquinho

Ó Francisco! Gostei muito do teu texto. Fez-me voltar à infância.

Na minha santa terrinha, que não é muito longe da tua (o Douro separa-nos), aos pulmões não chamam "boches", mas "bofes" e ao teu "piche" chama-se "alpechim" (origem árabe, vê tu, em terra de judeus...).

E com o auxílio de "fachas" de palha a arder não tiravam as unhas ao bicho para dar à garotada? Que as coloca no nariz e berrava: "Cheira a "carrapé"!

E não faziam cruzes no sangue com palhinhas para "coalhar" mais depressa?

O "unto", homem, o "unto"! É capaz de ser por causa disso que o pessoal não tem colesterol... Ou tem?

A matança, pois! Há uns poucos anos assisti a uma (clandestina), mas a pressa de matar (?!) era tanta, com medo de aparecer a fiscalização...

 1 de fevereiro de 2023 às 16:33

(vi) José Belo (... from Key West, Florida, USA):

Fantástico poder de observação. Minuciosos detalhes que transformam uma recordação em algo de vivo e actual.

Será…”todo um mundo que desapareceu “?

Ou antes páginas viradas de um mesmo livro?! Páginas (as viradas e as por virar) que mais não são que um “continuum” existencial?!

Encontram-se no interior do livro o passado, o presente e o futuro?! Entramos neles de acordo com a página,ou capítulo que (de momento) abrimos?!

E,mais uma vez, estou-te grato por teres folheado o teu “livro”.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23527: O nosso querido mês de agosto, pós-pandémico: o que é ser português, hoje? (4): O melhor e o pior já estava dito em "Os Lusíadas", de Luís de Camões (1572) (Alberto Branquinho / António Graça de Abreu)



Capa de "Os Lusíadas", de Luís de Camões, 1ª edição, Lisboa, 1572.


CAMOES, Luís de, 1524-1580
Os Lusiadas / de Luis de Camões. - Lisboa : em casa de 
Antonio Gõçaluez, 1572. - [2], 186 f. ; 4º (20 cm)


1. Mais comentários ao poste P23518 (*):


(i) Alberto Branquinho  

Este, ainda não publicado, foi arrancado ao autor muito contra sua vontade. Não aceitava a sua divulgação.

PORTUGALADO

malfadado
malcriado
malparido
maldizente
maljogado
malandro
malvado
malvestido
malpago
malabarista
mal-agradecido
malquisto

MAL-AMADO !

12 de agosto de 2022 às 21:49 

(ii) Antonio Graça de Abreu 

Ser português é ser diferente de todos os outros povos do mundo. Mas qual é a diferença? É que somos diferentes e iguais a todos os outros povos do mundo. Tenho dois filhos de mãe chinesa, de Xangai, e eu, pai português. O João, o mais velho, hoje com 34 anos, era um miúdo quando, há vinte e tal anos atrás. viajámos largamente pela Europa. A meio da viagem o rapazinho saíu-se com esta: "Pai, afinal eu não sou português, nem chinês, sou europeu." 

Somos uns meio transviados cidadãos do mundo, com um grande defeito, a palavra e conteúdo INVEJA, com que Camões conclui Os Lusíadas. Mas a inveja não é privilégio português, grassa em catadupas por mil terras. (**)


Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 DE agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23518: O nosso querido mês de agosto, pós-pandémico: o que é ser português, hoje ? (1) : É estar no mundo como em casa (Telma Pinguelo, Toronto, Canadá, citando o etnólogo Jorge Dias)

(**) Último poste da série > 13 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23522: O nosso querido mês de agosto, pós-pandémico: o que é ser português, hoje? (3): Nos Camarões não há... camarões (Alberto Branquinho) / E já cá chegaram os meus netos, filho e nora para passar férias vindos dos Países Baixos (Valdemar Queiroz)

sábado, 13 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23522: O nosso querido mês de agosto, pós-pandémico: o que é ser português, hoje? (3): Nos Camarões não há... camarões (Alberto Branquinho) / E já cá chegaram os meus netos, filho e nora para passar férias vindos dos Países Baixos (Valdemar Queiroz)





Cadaval > Vilar > Vila Nova > Serra de Montejunto > 20 de agosto de 2015 > Moinho de vento, de tipo mediterrânico, usado para moer cereais:  O "Moinho de Aviz", dizem, é o mais alto (e talvez o maior) da península ibérica... E "canta" graças ao seu sistema de cabaças de barra...É do nosso amigo Miguel Luís Evaristo Nobre (Vilar, Cadaval) que, em vez de comprar um apartamento em Lisboa, construiu  um moínho de raíz, com três pisos (ou melhor, restaurou uma ruína)... Além de moleiro, é o único "engenheiro de moinhos" certificado (no ofício de restauro e manutenção de moinhos de vento) em Portugal. Ser português é também ter paixão por moinhos de vento... , "ver o padeiro ou a padeira"... e adorar comer "casqueiro" (LG).

Foto (e legenda): © Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Países Baixos > Um exemplar dos moínhos de vento holandeses usados, até à década de 1970, na drenagem dos pólderes.

 Imagem (s/d, s/l) inserida no poste de 23 de março de  2019 > Guiné 61/74 - P19615: Os nossos seres, saberes e lazeres (313): Viagem à Holanda acima das águas (17) (Mário Beja Santos).. Como soi dizer-se, "Deus fez o mundo, e os holandeses fizeram a Holanda".


1. Mais comentários ao poste P23512 (*) com respostas à pergunta: "O que é ser português hoje ?" (**)

(i) Alberto Branquinho:

Olá, José Belo: Não consigo fazer contraditório nem "acrescentatório" ao teu texto (*). Venho só dizer (acrescentar, afinal) que, para além da necessidade de sair de Portugal para "respirar liberdade", que tu referes, há que não esquecer que a sua (dele, E. L., Eduardo Lourenço) pequena aldeia do concelho de Almeida ("Alma até Almeida!") confina com Espanha e tem Vilar Formoso - a fronteira legal para ir para a Europa - ali mesmo à mão de semear - o que poderá fazer um adolescente sonhar. Não esquecendo os contrabandistas. Estes ficavam-se por perto, mas não os "passadores" (que, no devido tempo, ninguém me apresentou um).

Mas decidi escrever para contar um episódio a que assisti na Gulbenkian, talvez em 2004, que envolveu E. L..

Presidia ele a uma Mesa de uma sessão sobre literatura francófona (salvo erro). Apresentou o orador - um escritor dos Camarões - e fez um trocadilho com a palavra "camarões" (em francês, "crevettes").

A assistência achou graça. Sorridente (com aquele seu sorriso), deu a palavra ao orador-convidado.
O escritor camaronês fez os agradecimentos da praxe e, depois, virando-se para E.L., em tom seco, disse qualquer coisa como isto:

- Je voulais dire a Mr. le Président q'il n'y a pas de crevettes dans mon país.(Gueria dizer ao senhor presidente que no meu país não há camarões).

Foi nítido o incómodo de E.L. que agarrou (como era seu hábito) os óculos por uma das hastes e os rodava de olhos fixos no palestrante.

Abraço
Alberto Branquinho


(ii) Valdemar Queiroz:
 
O que é ser português ?

Mas, depois de três dias de viagem a atravessar a França e, por não aguentar mais tempo, uma directa de San Sabestian pra chegar a Bragança. Uf!, chegar a Portugal, e começar logo a sentir a diferença do calor, do cheiro, ver o céu azul, tudo diferente mas nunca esquecido, e ouvir 'bócê nem sabe o calor pro aqui'.

Depois, é só passar por Valverde, Vale do Porco, Vilar de Rei e chegar a Mogadouro, estacionar a autocaravana no Parque de Campismo e descansar para viajar em Portugal.

Parece que estes imigrantes dos anos 2000 já não se sentem imigrantes, antes vão trabalhar para outras paragens...mas a razão é sempre a mesma: um país com mais conventos que palácios e fábricas, ter mar à porta de casa.

Assim cá chegaram os meus netos, filho e nora para passar férias vindos dos Países Baixos.

O que é ser português?... Cito Guilherme Duarte > Por falar noutra coisa > 31 de jneiro de 2014 > Ser português é...:

(...) "Ser português é desenrascar. É encontrar caminho sem perguntar. Ser português é pedir indicações e ter logo a ajuda de vários estranhos. Ser português é tentar a borla seja do que for. Ser português é oferecer só porque se simpatizou com alguém. Ser português é ter os melhores lá fora porque é lá fora que se faz o melhor. Ser português é ter o mar no horizonte e nunca olhar para terra, é seguir em frente até o mar acabar, é descobrir, sonhar e inventar. Ser português é conquistar, é dar porrada na mãe, é dizer não e expulsar os mouros e os espanhóis. Ser português é esquecer". (...)


11 de agosto de 2022 às 16:03 

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23512: Notas de leitura (1473): Eduardo Lourenço (1923-2020): afinal, quem são os portugueses, e o que significa ser português? (José Belo, Suécia)

domingo, 3 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23405: A minha guerra foi pior que a tua?!...(1): Bambadinca (1969), Gandembel (1968/69), Gadamael (1973) (Luís Graça / C. Martins / Hugo Guerra / Alberto Branquinho / Joaquim Mexia Alves)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Invólucros de granadas de canhão s/r, deixadas na orla da mata contígua à pista de aviação, na noite do ataque a Bambadinca, 28 de maio de 1969...  


Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.

Foto (e legenda): © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2317 (1968/69) > A messe de oficiais

Foto (e legenda): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Nas nossas conversas sobre a Guiné do nosso tempo (1961/74), já tenho ouvido "bocas"  do género: "Ah, mas não compares, o meu sítio foi muito pior do que o teu!"... 

Pior? Melhor? O que isso quer dizer? Há escalas para medir estas coisas?... Não creio. E até agora nunca ouvi dizer, a nenhum antigo combatente, que passou lá, na Guiné,  "as melhores férias da sua vida"...

Mesmo em Bissau, não havia o conforto e a segurança  que se podia esperar, por comparação, por exempo, com as outras capitais dos territórios em guerra, como Luanda e Lourenço Marques. Bissau chegou a ser flagelada, houve atentados terroristas, ouvia-se Tite a "embrulhar", estava a escassos quilómetros de Bissalanca e da Base Aérea nº 12, havia um inusitado movimento  de tropas, viaturas, aeronaves, navios da marinha,  estava rodeada de quartéis, tinha um enorme perímetro de duplo arame farpado, etc. 

Bissau era o "hall" de entrada da guerra...  Mas não se vivia lá tão mal (e em insegurança) como na generalidade dos quartéis e destacamentos do "mato"...  E no "mato" a guerra (e a sua violência) foi evoluindo com o tempo, e o próprio dispositivo militar foi crescendo e adaptando-se, de acordo com o terreno, a região, a implantação do IN, a sua agressividade, estratégia, armamento, população sobre o seu contr0lo, etc.  E, claro, o conceito de estratégia  dos nossos comandantes-chefes (de que destaco os três principais, Arnaldo Schulz, 1964/68; António Spínola, 1968/73; Bettencourt Rodrigues, 1973/74)...

Claro que havia diferenças em função do ramo das forças armadas a que se pertencia (Exército, Marinha, Força Aérea), especialidade, posto, local, período, companhias de quadrícula e de intervenção, tropa especial e "tropa-macaca", etc. 

Os desgraçados que estiveram em Gandembel (de abril de 1968 a janeiro de 1969), os "homens de nervos de aço", sofreram 372 ataques e flagelações em menos de nove meses, até que o Spínola mandou retirar aquele  dispositivo (em Gandembel e Balana) (*)... (Nos últimos tempos temos falado pouco de Gandembel, será que já está tudo dito ?!...)

Nunca ninguém contabilizou os milhares de granadas que lá cairam... e muito menos a dor, o sofrimento (físico e psíquico), o luto, o stresse pós-traumático, etc. (coisas que são mais difíceis de descrever, medir, quantificar...).

Mas Gandembel foi, fora de dúvidas,  um dos piores sítios da guerra da Guiné, mas também só existiu durante o tempo necessário para uma mulher gerar uma criança (nove meses). Depois a FAP foi lá e escaqueirou todo o trabalho ciclópico dos homens da CCAÇ 2317 (1968/70), que construiram, sob as ordens de Schulz e depois de Spínola, aquele quartel, a pá e pica, e defenderam-no com unhas e dentes das investidas do 'Nino' Vieira...

O mesmo se pode dizer de Guidaje, Guileje e Gadamael, nos meses de maio/junho de 1973... Será que se tornaram "colónias de férias" ou "resorts turísticos" depois disso? Guileje foi retirada em 22 de maio de 1973, por isso fica fora da corrida... Por seu turno, Guidaje acalmou, mais depressa que Gadamael... E houve outros sítios (por exemplo, na zona leste, no setor de Nova Lamego) que também conheceram o inferno depois da "batalha dos 3 G": Copá, Canquelifá, etc.

Como se costuma dizer,  cada um sabe de si e Deus sabe de todos...  Mas cada um tem o direito de dizer, aqui no blogue,  onde e quando a guerra lhe doeu mais...  

Vamos lá "repescar" alguns comentários do nosso vastíssimo blogue, que já tem mais de 23,4 mil  postes e 93,4 mil comentários... Alguns comentários "escondidos" (na vitrine das traseiras) merecem vir até à montra principal do nosso blogue, mesmo que seja uma dezena de anos depois... Ficamos também a saber que alguns dos nossos leitores (e comentadores) são mais nocturnos ("mochos") do que diurnos ("cotovias")...


2. Seleção de nove comentários, datados de 30 e 31 de Maio de 2011 e de 1 de junho de 2011, de vários camaradas,  ao poste P8345 (**), poste esse que teve cerca de 4 dezenas de comentários, numa altura (2011) em que ainda havia muita coisa para dizer, contar ou comentar, e a malta ainda tinha muito sangue na guelra. Mas também, de algum modo, estávamos a aprender a lidar com as nossas diferenças de perceção e opinião... e a cultivar o humor de caserna.

Refira-se, por fim que  um dos autores do poste P8345 (o Carlos Marques dos Santos) e três dos comentadores (Jorge Cabral, Luís Faria, Torcato Mendonça), infelizmente já faleceram... Curvo-me à sua memória e não lhes perturbo o sono eterno.

(i) Luís Graça | 29 de maio de 2011 às 07:38

(...) Para um "pira" acabado de desembarcar numa LDG no Xime, e que faz o percurso Xime-Bambadinca, em coluna auto, com forte protecção, e debaixo de grande tensão, na manhã de 2 de junho de 1969, a imagem do amontoado de invólucros (e empenagens) de granadas de morteiro e canhão s/r é das coisas que ficam logo na retina...

Fiz/fizemos o mesmo "percurso turístico" que muitos outros camaradas da zona leste, ao passar e parar em Bambadinca, a caminho do centro militar de Contuboel (por exemplo, visita aos quartos atingidos por morteiradas)... Felizmente que, embora tendo bom armamento (e até sofisticado), os artilheiros do PAIGC eram em geral mauzinhos, por falta de formação técnica...

O ataque a Bambadinca teve sobretudo impacto político e psicológico... É de destacar a "ousadia" do PAIGC... E a data escolhida (28 de Maio) também não terá sido arbitrária...


(ii) Luís Graça | 29 de maio de 2011 às 08:17

Que a defesa militar de Bambadinca foi descurada, não temos dúvidas... Estava-se sob o efeito psicológico, positivo, da Op Lança Afiada... Ninguém acreditava que alguma vez Bambadinca pudesse ser atacada... Em Maio de 1969, Bambadinca tinha apenas os seguintes efectivos:

(i) Comando e CCS do BCAÇ 2852

(ii) Pel AM Daimler 2046

(iii) Pel Mort 2106 (-)

(iv) Pel Caç Nat 63

Casa arrombada, trancas à portas... Daí o desgraçado do Carlos Marques Santos ter saído de Mansambo para ir "montar a tenda" na ponte (semidestruída) do Rio Udunduma... Daí as emboscadas (todos os dias) em Bambadincazinho (na célebre Missão do Sono), a abertura de valas à pressa... São factos a lembrar. (...)


(iii) C. Martins | 30 de maio de 2011 às 01:05

(...) Sempre que leio estas estórias fico com inveja... Oh bambadinqueiros, foram todos uma cambada de sortudos!... 

Nós, os gadamaelistas,  era assim: embrulhar, corrida para os abrigos ou espaldões de obus e morteiros, comer vianda, jogar póquer  de dados, beber Old Parr ou Gin com água da bolanha, dormir nos intervalos, sair para o mato, embrulhar, idem, idem, idem... Isto para os graduados, porque para os soldados ainda era pior.

Eu já sabia que tinha sido assim, só estou a confirmar. Não me lembro de ter passado um único momento agradável. Não nos podiamos dar ao luxo de facilitar.

Um alfa bravo para todos os sortudos. 
O invejoso C. Martins (ex-artilheiro em Gadamael)


(iv) Hugo Guerra | 30 de maio de 2011 às 20:23

(...) Faz tempo que me remeto ao silêncio, embora todos os dias e por mais que uma vez "folheie" o nosso blogue. 

Reparo que é preciso muito cuidado para deixar algo escrito porque as apreciações chovem, o que é salutar, e portanto todo o cuidado é pouco com o que se digita.

Hoje fiquei banzado com o relato do ataque a Bambadinca, localidade que eu, na minha ingenuidade dos vinte anitos, pensava não existir na Guiné que frequentei entre Agosto de 68 e Março de 70. (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e São Domingos), só para avivar a memória.

Que me perdoem os homens e mulheres que fizeram a guerra em Bambadinca, mas podiam ficar-se pelas belas desrições que fazem das Messes, das Familias presentes, da vida social e do que mais constituia o seu dia a dia e lembrarem-se de vez em quando das centenas de ataques junto ao arame farpado em Gandembel, dos mortos e feridos que lá tivemos, e éramos cerca de 500 homens enterrados nos bunkers, à espera que a noite corresse bem e não nos entrassem no arame farpado.

Bolas... não me venham dizer que todas as "estadias" na Guiné eram iguais. Isso é fazer esquecer Madina do Boé, Guileje, Gadamael Guidage e outros tantos buracos onde os nossos militares faziam das tripas coração para sobreviver.

Não me sobra engenho e arte para descrever o que eram essas flagelações, mas custa-me ver que o blogue está a ficar demasiado cor de rosa.

As porradas que vou levar dos camaradas que habitualmente escrevem no blogue, serão encaradas com simpatia porque muito poucos escolheram as suas estâncias de férias.

Quando em Set 1970 fui viver e trabalhar para Angola, no Ambriz primeiro e em Camabatela por último, aí sim, vi com os meus olhos o que era uma guerra convencional e de ar condicionado, com mortos e feridos em acidentes de viação e chá das cinco em casa dos gerentes coloniais das fazendas, que ainda os havia... Mas isso são outros trezentos que, por exemplo, o camarada Rosinha bem conhece...

Agora a minha Guiné... poupem-me, sem ofensa para ninguém. (...)


(v) Alberto Branquinho | 30 de maio de 2011 às 23:06

(..) Ó camarada Hugo Guerra! Que coragem! Ando, desde 6ª feira à noite, a matutar sobre "comento... não comento".

E, agora, fazendo novo acesso a este post sobre o ataque a Bambadinca (primeiro lugar onde arrimámos, para ficar em Fá uns meses), vejo que alguém veio dizer aquilo que eu andava a matutar: digo/não digo... embora de forma mais comedida.

É que o que eu queria, afinal, dizer era da trabalheira que dariamos aos editores se escrevessemos sobre as vicissitudes dos vários ataques diários (nocturnos e diurnos) que sofriamos em Gandembel e Ponte Balana. (Pelo menos durante o quase mês e meio que durou a operação Bola de Fogo).

E o que teriam que contar os de Guileje, Gadamael, Guidage, etc. Preocupação era quando estavam um dia sem atacar ("O que é que os gajos estarão a pensar fazer?").

Desculpem qualquer coisinha (...)

 
(vi) C. Martins | 31 de maio de 2011 às 00:21

(...)   Eu até sei porque fui destacado para Gadamael: foi por motivos políticos... O meu o crime foi pertencer à pró-associação de estudantes da FML - Faculdade de Medicina de Lisboa.

Não, não era do PCP, se bem que os pides pensavam que sim, e por isso bastante porrada levei em Caxias, para além da tortura do sono. 

Solto, malhei com os costados na tropa. Mobilizado para o CTIG, passei dois dias em Bissau, e aí vou eu de batelão até Cacine e de sintex até Gadamael. 

Aí chegado deparo com um ambiente surrealista, 15 minutos depois de desembarcar, parti o bico com elas a cairem junto ao arame farpado em frente aos obuses, a mata a arder e eu em cima da roda do obus a armar aos cucos para demonstrar que os tinha no sítio... Só que estava borrado de medo. Fiquei logo apanhado do clima.

Camarigos, quando digo que muitos foram uns sortudos, estou a falar a sério, assim como quando digo que tenho inveja.

Quero realçar que não me considero nenhum herói, apenas fui objecto das circuntâncias.

Era contra a guerra, e tinha bastante consciência política... mas jamais pensei em desertar ou ser refractário... O que é uma contradição, é verdade... Mas, o que é que querem?... Gosto muito de ser tuga, porra... Estou a ficar emocionado.

Acho que já disse demais, para quem quer ficar no semi-anonimato, e tem idade para ter juízo.

Um alfa bravo para os sortudos, e principalmente para os menos. (...)


(vii) Joaquim Mexia Alves | 31 de maio de 2011 às 09:47

(...) Perante alguns comentários aqui colocados, resta-me pedir desculpa por me ter "armado" em combatente. É que não estive em Guidage, Guileje, Gadamael, e outros sítios e como tal não tenho direito a contar as minhas "férias" na Guiné.

Não sou um combatente, sou um sortudo!!!

Ainda gostaria de saber quem foi que meteu uma cunha para eu ter tanta sorte em ter ido para a Guiné, para os sítios tão agradáveis em que passei dois anos da minha vida?

Pior do que eu, ou seja, ainda menos combatente, só o cozinheiro que nunca saiu para o mato!

Mato? Qual mato? Aquilo era um jardim onde se saltava à corda e brincava à cabra-cega!

Remeto-me à minha insignificância, e peço desculpa por ter estado na Guiné.

Um abraço para todos, com um sorriso, porque o humor ajuda a sentirmo-nos bem. (...)


(viii) Alberto Branquinho |   31 de maio de 2011 às 12:44

(...) Pensei que estavamos a falar "só" de ataques a aquartelamento(s) e não da "guerra fora de portas"... para onde foi extrapolado o cotejo.

É que quanto a "guerra fora de portas" há, logo, um factor importante, que é o de muitos (a maior parte das unidades) terem permanecido todo o tempo no mesmo quartel ou na mesma (reduzida) zona e outros terem andado durante dois anos com a "trouxa" às costas, como unidades de intervenção, como "mulheres-a-dias" a fazer limpezas em casa alheia, por quase dois terços da Guiné. Transportados em colunas-auto e variadas vezes em Lanchas de Desembarque, contando, neste caso, com uma emboscada. (...) 


(ix) C.Martins | 1 de junho de 2011 às 00:23

(...) Pronto, está o "caldo entornado"... Peço desculpa a todos que se sentiram ofendidos ao chamar-lhes "sortudos".

Não foi minha intenção menosprezar e muito menos ofender quem quer que seja... Não penso nem nunca pensei que fui melhor que os outros... só porque estive num sítio onde a guerra foi mais intensa...

Cada um sabe de si. A minha forma de estar na vida, não é propriamente vangloriar-me do que fiz, nomeadamente na guerra.

Todos fomos combatentes, mas não se pode escamotear a verdade... havia no TO da Guiné zonas mais "quentes" do que outras... é ou não é verdade?

Eu só falo de Gadamael, porque foi o único sítio onde estive, posteriormente também estive em Bissau já na fase de retracção das NT quando já não havia guerra, onde a bem da verdade, passei os únicos tempos na "descontração".

Penso que uma das finalidades do blog, é cada um relatar aquilo que passou. (...)

Ainda quero dizer a todos os camarigos, que aquilo que nos une (ex-combatentes na Guiné) é bem mais forte, independentemente das opiniões de cada um.

Por favor levem isto na "desportiva".. eu pelo menos levo. (...)

(Luís Graça):

(...) Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação [, Lança Afiada,], o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFog, morteiros...

Esse ataque ficou célebre: os camaradas de Bambadinca, segundo algumas versões que ouvi na altura, da "velhice", e dados que confirmei mais tarde, teriam sido apanhados com as calças na mão, far-se-iam quartos de sentinela sem armas, não havia valas suficientes, houve indisciplina de fogo, etc...

 Claro que no dia seguinte o Caco Baldé, alcunha por que era conhecido o Gen Spínola, deu porrada de bota a baixo, na hierarquia do comando do batalhão, do tenente-coronel (Pimentel Bastos, o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS (...).

A sorte da malta de Bambadinca (Comando e CCS/BCAÇ 2852, Pel Caç Nat 63, Pel Mort 2106 e Pel AM Daimler 2106, sem esquecer os civis...) terá sido, diz-se ainda hoje, os canhões s/r, postados ao fundo da pista de aviação, terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... 

Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, menos de uma semana depois, a 2 de junho de 1969, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de 18 meses de inferno... quando fomos justamente colocados... em Bambadinca como companhia de intervenção, leia-se, de "pretos"), alguns dos nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda falavam com emoção deste ataque:
- Podíamos ter morrido todos - dizia-me o 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, natural da minha terra, Lourinhã (...)

Na história do BCAÇ 2852, o ataque (ou melhor, "flagelação") a Bambadinca é dado em três secas  linhas, em estilo telegráfico: 

"Em 28 [de Maio de 1969], às 00h5, um Gr IN de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros. " (...). 
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

sábado, 26 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21695: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (31): O meu Natal no Hospital Amadora-Sintra... (Valdemar Queiroz)




Hospital Amadora-Sintra > 25 de dezembro de 2020 > O Natal do Valdemar Queiroz... que pediu ao Pai Natal que lhe recitasse, em voz bem alta,  o poema de António Gedeão,  "Dia de Natal"... 

O Pai Natal, com a freima do Natal, respondeu-lhe com mais modos: que tinha mais que fazer (, muitas criancinhas para atender...)  e que o nosso doente de dopcê já não tinha direito a brincar ao Natal, que passasse bem e que  fosse bater à porta do Blogue dos Camaradas da Guiné... E o Valdemar foi... porque sabe  que, aqui,  nunca se bate à porta tarde e a más horas...

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de hoje, 26 dez 2020 13:49 , enviada pelo Valdemar Queiroz

Luís.

Bom Natal.

Um pouco atrasado, passei a noite e o dia de Natal nas urgências covid do Hospital Amadora-Sintra (HFF) a tratar da minha DPOC e, como estava relacionado com problemas respiratórios, fui parar aos covid...ados. 

Deu teste negativo, mais umas bombas e oxigénio e casa com ele.

Queria enviar o poema de "Dia de Natal", de António Gedeão, para o nosso blogue e agora, calhando, vai fora da Quadra Natalícia. (*)

O Renato Monteiro telefonou-me, e também tem DPOC e está retido em casa sem poder sair. É uma uma grande chatice esta dpocê

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

PS - Anexo o poema Dia de Natal, de António Gedeão e fostos da minha permanência nos covid...ados


Dia de Natal (**)

por António Gedeão

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos 
outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela, se multiplica em gestos esfuziantes,
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra  
–louvado  seja o Senhor!   o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha em pijama.

Ah!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão, in 'Antologia Poética'

(Cortesia do portal Citador)

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Notas do editor:


(**) O poema já aqui foi "recitado", há quatro anos atrás, pelo nosso camarada Alberto Branquinho:

19 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16848: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (4): Alberto Branquinho / António Gedeão (com o poema "Dia de Natal")