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quinta-feira, 30 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24178: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte V: O "making of" do "Labanta, Negro!", um filme italiano, de Piero Nelli (1926-2014), a preto e branco, de estética tardo-neorrealiista, e que serviu que nem uma luva à propaganda do PAIGC

"Labanta, Negro!" > Fotograma, 38m 28 s > A despedida do realizador italiano Piero Nelli


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 30m 58 s > 11 de fevereiro de 1966 > 6h30 > Partida para a emboscada às obras da TECNIL na estrada Mansoa-Mansambá


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 31m 21 s >  A preparação da emboscada do PAIGC à força que fazia a segurança às obras da estrada Mansoa-Mansabá,  a cargo da TECNIL


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 32m 06s >  A preparação da emboscada do PAIGC à força que fazia a segurança às obras da estrada Mansoa-Mansabá,  a cargo da TECNIL


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 32m 58s >  A emboscada do PAIGC à força que fazia a segurança às obras da estrada Mansoa-Mansabá,  a cargo da TECNIL


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 30m 31s >  Panfleto, manuscrito, convidando os militares portugueses  à deserção: "Amigo desconhecido: Com este papel podes estar seguro do teu bom acolhimento em caso de deserção". Assinado: PAIGC.


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 37m  21s > "Quartel-General do Norte"> 13 de fevereiro de 1966 > As despedidas...  À  italiana?

Fotogramas do documentário de Piero Nelli (1926-2014), "Labanta, Negro! " (Itália, 1966, 38' 43''). O filme ganhou o prémio do melhor documentário do ano no Festival de Veneza. Filmado a preto e branco, nas zonas controladas pelo PAIGC  (no Oio), na então Guiné portuguesa, de 2 a 15 de fevereiro de 1966, é um documentário de estética tardo-neorrealista, que o partido do Amílcar Cabral soube explorar habilmente como "arma de propaganda".  

Segundo a CECA (2014, pág. 372) (*), "o ano de 1966 foi considerado pelo PAIGC como o ano da informação, tendo desenvolvido uma intensa e bem orientada campanha de propaganda 'visando esclarecer a opinião pública mundial com testemunhos irrefutáveis'. Para tal estiveram no Boé e em Quitafine vários jornalistas e cineastas africanos, franceses, americanos, ingleses, italianos, holandeses e soviéticos que produziram artigos e filmes - documentários sobre aspectos da luta e do nível de realizações sócio-económicas do PAIGC, que mais tarde deram origem a publicações nas editoras francesa 'Maspero'
e americana 'Africa Report«, entre outras".

Por lapso, a CECA não menciona a visita desta equipa italiana, à região do Oio, o que nos parece lamentável... No nosso blogue, já tinha havido duas anteriores referências a este filme, talvez o mais famoso dos que se fizeram durante a guerra  (**).



"Labanta,Negro!" > O filme serviu objetiva e intencionalmente a propaganda do PAIGC:  foi apresentado pelos autores como um "diário de paz e de guerra" (sic), filmado entre 2 e 15 de fevereiro de 1966, tendo por protagonistas os guerrilheiros da "província portuguesa do ultramar" da Guiné Cabo-Verde (sic, como se fora um só território)... O documentário (que não tem qualquer perspetiva crítica, é claramemnte "engagé", deliberadamente "militante" ou "não independente") foi, além disso, acolhido pelo Comité de Descolonização da ONU, reunido em Argel, de 16 a 21 de junho de 1966, "como prova testemunhal sobre a situação" da colónia da Guiné Cabo-Verde (sic).

Edição (e legendagem): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de notas avulsas de leitura do livro "Crónica de Libertação", de Luís Cabral (**):

O documentário "Labanta, Negro!", filmado na região do Oio, entre 2 e 15 de fevereiro de 1966, por dois cineastas italianos 

No início de 1966, Luís Cabral (LC) está em Dacar, é o responsável pela supervisão da Frente Norte, cabendo-lhe a missão de tentar melhorar as difíceis relações do Senegal com o PAIGC, ao tempo em que os homens de Amílcar Cabral (AC) ainda não tinham “livre trânsito” no pais de Senghor, estando acantonados apenas em Dacar e em Ziguinchor.

É então contactado pelo cineasta italiano Piero Nelli, que queria fazer um documentário sobre a “luta de libertação”. Vinha acompanhado do seu operador de câmara Eugenio Bentivoglio (pág. 259).

LC, depois de contactar o irmão, AC (não fazia nada sem o seu consentimento) e o Osvaldo Vieira, comandante militar da Frente Norte, dirigiu-se à base do Morés, acompanhado dos dois italianos. Eram três dias de viagem, com cambança (sempre perigosa) no rio Farim…

Ali, no Oio, era o chão dos oincas, “mandingas e islamizados” (sic) (pág. 260), com uma forte tradição de resistência contra o colonizador: recorde-se as “campanhas de pacificação” do capitão Teixeira Pinto, o “capitão-diabo”, em 1913-1915, por exemplo.

Em 1962, “o ano da grande repressão” (sic), as populações do Morés, cercadas pelas tropas coloniais, e sem armas para se defenderem, tiveram de se refugiar no Senegal. A “base central” do Morés era, por isso, mítica para o PAIGC (e de algum modo também para as tropas portuguesas).

A base, que o LC conhecia pela primeira vez, “estava situada num terreno irregular, onde pequenas saliências aqui e declives ali ofereciam uma certa proteção contra os bombardeamentos” (pág. 261).

O Morés estava rodeado de “oito quartéis” do inimigo, um dos quais Farim, apenas separado pelo rio do mesmo nome. Chico Mendes era o comissário político. Osvaldo Vieira o comandante militar da região (e aquele que LC conhecia melhor, dos tempos de Bissau: desde a adolescência, trabalhava na Farmácia Moderna, de que era diretora técnica a dra. Sofia Pomba Guerra, conhecida opositora do regime salazarista). O Inocêncio Cani, de etnia bijagó, o futuro “matador” de AC, era o responsável pela base. LC encontrou-se com ele pela primeira vez. Notou que, em relação a ele, LC, o Cani mostrou “um comportamento algo reservado” (pág. 261). Também conheceu nessa altura o Simão Mendes, “responsável da saúde” (pág. 262), que viria, nesse ano, a ser vítima mortal de um bombardeamento da base.

Apesar da receção calorosa que ele e os cineastas italianos tiveram no Morés, o LC não deixa de experimentar um sentimento de isolamento e desconforto: “quando eu decidia mandar chamar um ou outro camarada que conhecia bem, ficava com a sensação de que ele não estava à vontade, parecia ter medo de qualquer coisa” (pág. 262).

LC irá constatar, algum tempo depois, que a “disciplina rigorosa” que prevalecia na base, por alegadas razões de segurança, implicava também o recurso (frequente) a “castigos corporais”, a única maneira de prevenir a deserção de populações e guerrilheiros.

LC ficou impressionado com uma cena que observou, de um grupo de um dezena de homens e de uma mulher com o filho ao colo. Os homens tinham as mãos inflamadas das palmatoadas que acabavam de receber, castigo de que escapara a mulher por causa da criança (uma vez que a tinha de transportar).

LC terá ficado indignado, argumentando que o AC nunca aprovaria o uso de “castigos corporais”, prática que associava ao colonialismo. O Osvaldo Vieira “insistia que a nossa gente não compreendia outra linguagem e que o Amílcar era bom de mais” (sic)… e que não se agissem assim, com dureza, quer em relação aos combatentes, quer em relação à população, nos casos de infração às regras estabelecidas, “estavam perdidos” (sic) (pág. 265).

É uma delícia, esta explicação, a do Osvaldo Vieira, deitando por terra o “mito” das “regiões libertadas”…

Nas páginas 262-264, LC descreve, com algum detalhe e sentido de humor, as peripécias das filmagens do futuro documentário italiano “Labanta, Negro!”…

O Pierro Nelli (1926-2014) era um “antigo partisan das guerrilhas antifascistas”, na Itália de Mussolini e da ocupação nazi. Tivera conhecimento da luta do PAIGC, “ocasionalmente”, em Dacar. E estava agora entusiasmado com o que via nas florestas do Oio, e “altamente emocionado” pelo interesse e carinho com que o recebiam nesta visita. Viria a tornar-se “um admirador do nosso Partido” (pág. 262).

LC explicou-lhe que “na nossa terra não tínhamos montanhas para nelas instalar bases de guerrilha”… e que o Amílcar, seguramente (en)levado pelo “mito “ da Sierra Maestra, da ilha de Cuba, “dissera desde o início da luta que as nossas florestas seriam as nossas montanhas” (pág. 262).

De qualquer modo, ao deslocar-se na floresta o duo italiano tinha sempre alguém que ia à sua frente a assinalar ou remover os obstáculos, um tronco caído, uma cova mais funda, uma pedra, um ramo de árvore mais inclinada…

No plano de filmagens estava incluída uma sequència de guerra: “o encontro com as forças inimigas ia ser filmado, na estrada Mansoa-Mansabá, cujos trabalhos de alcatroamento avançavam com muita dificuldade, sob a protecção do exército colonial”.

Os cineastas ficaram a cem metros da estrada. Chegaram antes do romper do dia. Ficaram instalados “de maneira a ter bem claro na objectiva da câmara o ângulo onde deviam actuar os nossos camaradas já emboscados” (pág. 263).

A tropa, “apoiada com carros de assalto” (sic) (deveriam tratar-se de simples autometralhadoras Daimler, coisa que o LC não sabia distinguir), chegou primeiro que os operários, os técnicos e as suas viaturas (a empresa deveria ser a TECNIL onde, mais tarde, em 1977 irá trabalhar, como topógrafo, o nossso camarada António Rosinha).

Por inexperiência ou azar (para não dizer “nabice”), o operador de câmara ficou virado para oriente, donde vinham os primeiros raios de sol: 

(…) “Os reflexos desta perfurante luminosidade na objetiva da câmara cinematográfica fez com que ela fosse localizada pelo destacamento inimigo alguns segundos antes dos primeiros tiros da emboscada cuidadosamente preparada pelos nossos combatentes” (pág. 263).

Face ao intenso fogo que, de imediato, se desencadeou, de um lado e do outro, os cineastas tiveram que se retirar “precipitadamente” do local, “só tomando o fôlego quando se sentiram fora do alcance das armas inimigas” (pág. 264).

Na precipitação da retirada, o realizador perdeu o seu magnetofone, mas um dos guerrilheiros voltou depois ao local para o recuperar.

O aparelho registara os sons dos tiros produzidos durante a confrontação. E o operador também “registara imagens ao acaso, durante a retirada”, inadvertidamente, com a câmara ligada… É uma das sequências mais notáveis do filme de 38 minutos: “uma sequência plena de vida e de arte”, acrescenta o LC.

O operador de imagem, Eugenio Bentivoglio, não se cansava, já no regresso à base, de falar do medo, “la grande paura”, que experimentara, o maior de toda a sua vida, enquanto o realizador se mostrava mais calmo: pertencente a uma geração mais velha, conhecera a guerra e os seus horrores.

E num comentário, algo “naif” mas não menos fanfarrão, o LC (que nunca foi grande combatente, diga-se de passagem) acrescenta: a seu lado (do Piero Nelli), e ainda debaixo de fogo, “o comandante Joaquim Furtado (…) chamava a sua atenção para a beleza dos patos selvagens que esvoaçavam a alguns metros do lugar onde passavam, afastando-se do perigo iminente que vinha do lado da estrada” (pág. 264).

No dia seguinte, e para despedida do LC e dos seus amigos italianos, tudo acabou em bem, com um “grande comício” em que tomaram a palavra o Osvaldo Vieira e o Chico Mendes (tido por grande orador).

O Piero Nelli “chorou” ao deixar o Morés, garante o LC. E mais disse: que com o seu filme, o realizador italiano “ ia procurar ser o mais fiel possível, para transmitir ao espectador europeu que, como ele, nada sabia sobre a nossa luta, os sentimenmtos que vivera tão intensamente no nosso pais “ (pp. 266/267).

E arremata o LC:

 “Parece que conseguiu. O seu filme, ‘Labanta Negro’, título de um poema do cabo-verdiano Dambará (***), poeta das ilhas, recitado em Morés por um dos alunos, foi premiado com o Leão de Ouro do Festival de Veneza, como o melhor documentário do ano” (pág. 267).

Visto à distância de mais de meio século, parece ser um vulgar filme de propaganda, de estética tardo-neorrealista, que já não faz chorar ninguém…O realizador é incapaz do necessário distanciamento afetivo e do espírito crítico que deve ter o cinema documental… E a voz “off” do narrador, monocórdica, parece a de um (mau) locutor de serviço.

2. 
 O filme "Labanta Negro" (1966) (38' 44'')  em italiano, com falas em crioulo, está disponível no You Tube, na conta Archivio Audiovisivo del Movimento Operaio e Democratico, desde 21/03/2019.

Ficha técnica: Labanta Negro! 

Cópia integral: https://goo.gl/Q7PCy2 

Realização: Piero Nelli. 

Produção: Reiac Film, Itália. 

Ano: 1966. 

Duração: 38' 44''.

Aconselha-se a ver o documentário com as legendas em italiano, que são geradas automatiocamente (vd. definições). E uma vez que a narração é muita rápida, é preferível optar por uma reprodução mais lenta).

Sinopse (adapt. do italiano por LG): 

Em crioulo "Labanta, Negro!" (1966) significa "Levante-te, negro!". O filme, pensado como um diário, quer ser um testemunho da luta pela independência da colónia portuguesa da Guiné, a partir dos "territórios já libertados" (caso do Morés, por exemplo), onde a guerra e a actividade militar coexistem com a criação das primeiras estruturas de uma sociedade civil africana que se organiza na floresta, nas aldeias, nas savanas. 

O filme mostra, entre outras coisas, as "aldeias destruídas pelos bombardeamentos portugueses"  e os restos de um avião, um T6,  abatido em 1963 . 

Algumas sequências são dedicadas a uma reunião do PALGC, onde Luís Cabral intervém sobre a "luta de libertação"; também é registrado o depoimento de Osvaldo Vieira, comandante do Exército do Norte. As imagens de um confronto com uma patrulha portuguesa na estrata de Mansoa-Mansabá, em 11/2/1966, e do posterior regresso dos guerrilheiros à base do Morès (uma dramática sequência entre os minutos 30 e 34) encerram o documentário. 

Este documentário foi recebido pelo Comité de Descolonização da ONU, reunido em Argel, como prova testemunhal sobre a situação da "província ultramarina portuguesa" da "Guiné Cabo Verde" (sic).

No texto acima, seguimos as memórias do Luís Cabral para sabermos algo mais sobre o "making of" do filme, que teve na altura algum sucesso e contribuiu bastante levar a luta do partido de Amílcar Cabral (AC) ao conhecimento do público europeu, nomeadamente em Itália.  O filme teve alguma projeção, ao ganhar o prémio para o melhor documentário no Festival Internacional de Cinema de Veneza de 1966.
___________

Notas do editor:

(*) Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pág. 372.

(**) Vd. postes:



(***)  Kaoberdiano Dambará era o pseudónimo literário do poeta, escritor e advogado, cabo-verdiano,  lcenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, Felisberto Vieira Lopes (Santa Catarina, Santiago, 1937 – 2020), 


(...) Vieira Lopes/Kaoberdiano Dambará é uma personalidade marcante, única e incontornável da literatura e da advocacia cabo-verdiana. Escolheu-se aqui homenageá-lo apresentando as publicações onde ele assina com o pseudónimo poético revolucionário, escritas em fases marcantes da sua vida: Noti (1964), fase de euforia e de engajamento na luta pela independência; e A saída da Crise não é pelo Anteprojecto da Constituição (1980), fase de desencanto e de combate ao regime de partido único instaurado no país com a independência. (...)

(...) "Noti": Livro de poemas em crioulo, edição do Departamento da Informação e Propaganda do Comité Central do PAIGC, França 1964, com introdução de Ioti Kunta (pseudónimo de Jorge Querido), é uma das obras poéticas mais representativas da poesia engajada na luta de libertação da Guiné e Cabo Verde. (...)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24091: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XX: Bigene, a última saída do Gr Comandos "Os Centuriões" (Op Virgínia, fronteira com o Senegal, 24-25 de abril de 1966) (Op Vamp)


Guiné > Brá > Comandos do CTIG > 20 de junho de 1966 > Encerramento das actividades da Companhia de Comandos do CTIG.


Guiné > Brá > Comandos do CTIG > 20 de junho de 1966 > Comandos com a comissão terminada. Eu sou o penúltimo da direita, ao lado de Adriano Sisseco.  Imagens publicadas no livro, pág. 145. Créditos fotográficos: Virgínio Briote (2010).


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (1940-2015), a partir do manuscrito do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  (O seu editor literário, ou "copydesk", Virgínio Briote, facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.)


Recorde-se aqui o seu passado militar:

(i) começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor auto-rodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) descreve-se a seguir   a última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal; o Amadu será depois transferido, a seu pedido,  para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757.


 

Capa do livro


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um    luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XX:   

Bigene, a última saída do Gr Comandos "Os Centuriões"  (Op Virgínia, fronteira com o Senegal, 24-25 de abril de 1966)  
(pp. 143-146)

Na saída que se seguiu, apanhámos um barco até Bigene. Partimos à tarde e chegámos à noite. No dia seguinte, preparámo-nos para efectuar uma missão na fronteira com o Senegal. O objectivo era montar uma emboscada em Samoge. 
[1]

Saímos de Bigene muito cedo, em direcção à zona da fronteira, que atingimos por volta das 11h00. O sol queimava, a água do cantil parecia que tinha água a ferver. Quando nos estávamos a aproximar da estrada para montar a emboscada, pareceu-me ver qualquer coisa ao longe. Tirei os binóculos e passei-os ao Alferes Rainha. O que parecia ter visto, se estava lá, agora não estava. O alferes disse que não era nada, que devia ter visto um tronco de árvore e voltou a passar-me os binóculos. Voltei a pôlos nos olhos e pus-me a observar. Confirmei, aquilo que eu devia ter visto já lá não estava. 

O guia, em dialecto mandinga, apontou em frente e disse: 

– Amadu, ali naquela mata pequena tem fonte com boa água, água fresca. 

O alferes perguntou-me o que é que ele tinha dito. 

– Que naquele grupo de palmeiras ali em baixo tem uma fonte com água fresca. 

Era uma zona que parecia fresca e o calor era muito. Começámos a andar em direcção às palmeiras e na encosta de uma pequena elevação vimos uma picada  que vinha do Senegal. Do outro lado da picada vi uma árvore bem grande, com ramos deitados no chão com erva e debaixo da árvore, uma boa sombra estava mesmo à nossa espera. Era uma árvore tão grande que podia esconder uma companhia. Na Guiné chamamos a estas árvores “Tamba Cumba” e dá frutos que se podem comer. 

Quando nos estávamos a aproximar dela, fomos atacados. Apanharam-nos num terreno que não nos era favorável. A primeira coisa em que pensámos foi abandonar rapidamente o local. Estávamos na pequena encosta e os guerrilheiros estavam na parte de baixo. Era fácil bater-nos. Só que a experiência e o treino que tínhamos levava-nos a acreditar que se os primeiros tiros não nos acertassem enquanto estávamos de pé, depois já era mais difícil. 

Quando ficámos colados ao chão, começámos a fazer uma manobra de envolvimento com o objectivo de retirar do local. Sabíamos que havia um acampamento de barracas atrás de nós, na zona de Samoge e não podíamos dar lhes tempo para impedir a nossa passagem. O sol ainda queimava mas nós acelerámos a marcha até à tabanca abandonada de Samoge. Para nosso contentamento, à entrada da tabanca corria um pequeno curso de água e todo o grupo se refrescou e encheu os cantis. Dirigimo-nos a seguir para uma horta e vimos mangos maduros. Outra sorte para nós. Todo o grupo se meteu dentro da horta a comer mangos, até passar a fome. 

Então o alferes deu ordem para abandonarmos o local e retirámos para Bigene. Eram mais ou menos 19h00, quando entrámos na povoação. Dirigimo-nos para o refeitório e no fim de jantar um prato de sopa tivemos uma surpresa, o alferes disse-nos que íamos passar a noite na mata. Estava um céu muito escuro, mas fomos andando com as precauções habituais até que começou a cair uma chuva forte. Eram as primeiras chuvas de Maio de 1966. Estivemos parados naquele local cerca de uma hora. Depois escolhemos um outro local para passarmos a noite emboscados, junto a um caminho que ligava Bigene à fronteira. Quando regressámos, na manhã seguinte a Bigene, ainda a nossa roupa estava molhada. 

Agora, eu pergunto: por que voltámos para a mata? Se fomos detectados e atacados, se o silêncio tinha sido quebrado, para quê voltar a sair e passar uma noite à chuva, que nem o PAIGC queria apanhar? Continuo na minha, acho que certas missões, como as emboscadas e os golpes de mão quando se quebra a surpresa, ficam desfeitas e não adianta muito passar a noite na mata e ainda por cima com chuva grossa a cair. 

Esta foi a última saída do grupo “Centuriões”, que terminou com mangos e muita chuva. O nosso grupo estava cada vez mais reduzido, com uma parte do pessoal com as comissões terminadas ou quase no fim. E o que acontecia nos “Centuriões”,  acontecia também nos outros grupos. Tínhamos sido informados que a Companhia de Comandos do CTIG ia acabar. E que os elementos que ainda tinham algum tempo de comissão a cumprir iam ficar num grupo só. 

Terminado o grupo, meti um pedido de transferência para Bafatá, para tomar conta da minha mãe e dos meus irmãos mais novos, porque entretanto o meu pai tinha falecido. Enquanto permaneci em Bissau, aproveitei para tirar a carta militar conhecida por “lista branca”.

Num dia tive um feliz encontro, vi o tenente-coronel Moura Cardoso, comandante do Batalhão de Cavalaria 757, conhecido pelo “sete de espadas”, porque traziam um emblema no ombro com uma carta de jogar. Fiz-lhe a continência e disse-lhe que tinha pedido transferência para o batalhão dele, mas que a resposta nunca mais chegava. Pegou-me no braço e levou-me à 4ª Rep. Aqui, depois de conversar com um major, descobriram que havia uma vaga de cabo condutor para a companhia de Contuboel. E ficou decidido que eu iria ficar adido no batalhão.

(Continuação)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Subtítulo: LG]
________

Nota do editor literário VB:

[1] - Nota do editor: operação “Virgínia”, Canja-Sinchã Mamadu, 24/25 Abril 1966, com o reforço de alguns elementos do Grupo Comandos “Vampiros”.
_____________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 9 de fevereiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24049: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XIX: Mais uma operação helitransportada no corredor de Sitató, junto à fronteira com o Senegal, em março de 1966 (Op Vamp)

domingo, 6 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22258: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IXb: Porto Gole: 3 de março de 1966, ataque IN, e visita da "Cilinha"

Cecília Supico Pinto (Lisboa, 1921 - Cascais, 2011) > Aqui na sua casa de Cascais, c. 2002/2006.  Foto gentilmente cedida pela sua biógrafa Sílvia Espírito Santo, que há dias, em 30 de maio passado, nos enviou esta foto (inédita). com autorização para a publicar no Blogue, e dizendo: "Por curiosidade, a Cilinha faria hoje 100 anos. Assinalei a data no meu Instagram (silmariavargas) com uma foto que lhe tirei."

 Visitou a Guiné pelo menos por 4 vezes (1966, 1969, 1973 e 1974)...A sua biógrafa diz que foram cinco...

Foto (e legenda): © Sílvia Espírito Santo (2021. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Cecília Supico Pinto, presidente do Movimento Nacional Feminino, na sua 1ª visita à Guiné, então já com 44 anos (ia fazer 45 em 30 de maio de 1966).


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > 1966 > O “cais” de Porto Gole funcionava assim: o "barco de abastecimentos” (e outros) tinham de chegar quando a maré estava cheia. E depois de devidamente seguro (a uma árvore ou a um poste ) esperava-se pela maré vazia quando o barco ficava em seco para fazer o descarregamento, como se pode verificar na foto…. Como havemos de esquecer coisas destas?


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > O João Crisóstomo e o Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68), junto ao monumento comemoratvo dos 500 anos da chegada de Diogo Gomes ao Rio Geba

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)



CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, 
Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” 
como eu a lembro e vivi 
(João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque)

Parte IXb:  Março de 1966: A CCaç 1439 em Enxalé (e seus destacamentos de Porto Gole e  Missirá) (*)

Dia 3 de Março de 1966:  Ataque  do IN a Porto Gole, antecedida da visita da presidente do Movimento Nacional Feminino em fevereiro 


(Continuação)

Porto Gole  teve sempre importância estratégica, desde os primeiros contactos dos portugueses como o atesta aí  um monumento lembrando os 500 anos  da chegada dos portugueses ao local. Embora não apresentasse um cais no sentido literal da palavra, apresentava algumas facilidades naturais que possibilitavam  o local como  ponto de  abordagem e de reabastecimentos.  Tomando vantagem da subida e descidas das marés do Geba, os  “fuzileiros” e os  barcos da Casa Gouveia e outros usavam este local

Lembro que para ajudar a passar o tempo fizemos um "espaço de lazer" junto dum edifício que servia de dormitório; dos cibes, de que havia abundância, fizémos mesas e bancos; uma árvore frondosa fornecia a apreciada sombra. E nas paredes do dito dormitório colamos fotos de todos os tamanhos , géneros e gostos, a maioria das quais, à falta de melhor , eram tiradas de revistas, jornais ou de qualquer outra origem que nos fosse dado aproveitar. 

Foi neste local que demos as boas vindas à presidente do Movimento Nacional Feminino Sra Cecília Supico Pinto, a "Cilinha", trazida de Bissau num barco de fuzileiros e depois numa lancha de borracha no dito cais, margens do Geba. (**)

Embora nunca me furtasse a qualquer tarefa ou actividade militar sempre que tal fosse preciso, não me oferecia como voluntário nem me prestava para iniciativas de carácter militar. Por outro lado não deixava de tomar partido de qualquer situação ou de facilidades que se oferecessem para mim ou os que tinha ao meu cuidado. 

Lembro ter contactado algumas vezes, por exemplo em 17 de Outubro de 1965 o Movimento Nacional Feminino pedindo o envio de presentes para o Natal dos meus soldados e letras de canções . (Já aqui publiquei excertos de de duas cartas recebidas: vd. poste P22087) (**)

O Rio Geba era um permanente convite/ desafio. Por isso construímos uma jangada, feita com tábuas e quatro bidões para a pesca e lazer; mas para pesca penso que nunca foi usada; felizmente haviam em Porto Gole dois pescadores que de vez em quando traziam e nos vendiam algum peixe do rio. Muitas vezes sucedeu não trazerem nada, argumentando não haver peixe , mas nós suspeitávamos que, forçados ou de boa vontade, nesses dias tinham deixado o peixe nas mãos do IN. Um deles viria a ser apanhado armado mais tarde, durante numa operação na qual perdeu a vida. 

Antes disso eu, com uma irresponsabilidade de que ainda hoje me admira e que atribuo a tê-lo feito de cabeça no ar sem pensar nada no que poderia acontecer, meti-me numa "grande mas estúpida aventura”, neste Rio Geba, que podia ter tido um trágico fim para mim e todos os que estavam comigo. Dois dos participantes desta aventura eram estes dois pescadores. (Post 61/74- P17686).(***)


 Guiné > Região do Óio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) >  1966 > Rio Geba > Eu, ao comando de um "sintex"...


Guiné > Região do Óio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) >  1966 > Rio Geba > A nossa “jangada” feita supostamente para pescar, mas que acabou por servir apenas de brinquedo recreativo… Na foto, aos remos eu e o João (?) ( natural da zona do Oeste, não me lembro exactamente, mas creio ser do Ramalhal, Bombarral) que era o “padeiro” do destacamento. Alguém sabe do paradeiro dele? E o outro tripulante… há alguém que o possa reconhecer?  

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Durante a nossa estadia na Guiné, Porto Gole viria a ser atacado duas vezes, a 3 de Março de 1966 e a 20 de Agosto do mesmo ano 1966.

Passo a transcrever o relato do primeiro, como consta neste relatório. O segundo ataque de 20 de Agosto será transcrito mais tarde, uma vez que estou tentando seguir este meu relato/memórias seguindo a ordem cronológica com que aparece nesse relatório.

(...) "No dia 3 de Março de 1966 o IN atacou com uma força muito considerável o destacamento de Porto Gole, tendo utilizado como predominante o morteiro 82 e 60. Foram assinalados 33 rebentamentos de morteiro 82 dentro do destacamento. As NF reagiram com valentia tendo causado ao IN baixas confirmadas em número não estimado, que posteriormente por informações se soube haver 10 feridos." (...)

As NT tiveram uma baixa, o Alf Mil Carlos Maldonado (morto em combate), depois de ter demonstrado ser um oficial de valor. Foi com decorado a título póstumo.

Foi distinguido igualmente o 1º cabo Enf. Dionísio Lopes Ferreira, o qual revelou além de ser um elemento muito competente, com sangue frio e coragem. Foi louvado por  Sua Excia o Comandante Militar.

Da reacção das NT ao ataque IN a Porto Gole mereceu o seguinte elogio do Exmo Comandante do BCaç 697:

(...) " Peço transmita o meu agrado à tropa do destacamento de Porto Gole pelo excelente comportamento durante o ataque IN na noite de 3/4 do corrente, em que mais uma vez confirmaram a boa impressão que tenho da tropa madeirense”. (...)

(Continua)
___________

Notas do editor:


18 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22210: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VIII: A partir de outubro de 1965, em Enxalé e seus destacamentos, Porto Gole e Missirá

2 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22163: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VII: Um mês em Bambadinca, de 7 de setembro a 9 de outubro de 1965

24 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22131: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VI: O baptismo de fogo no Xime (17/8/1965, e a Op Avante, ao Buruntoni (em 29-30/8/1965) com os primeiros mortos

12 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22098: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte V: Destino: Xime.... E um levantamento de rancho que acabou à bofetada...

12 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22097: Guiné 61/74 - P22051: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IV: Composição orgânica: na sua maioria, praças naturais da Madeira, e oficiais e sargentos do Continente

30 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22051: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte III: Na ilha da Madeira, a partida para o CTIG no T/T Niassa, em 2/8/1965

19 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22017: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte II: Do seminário a Mafra [EPI], Beja e Lamego [CIOE]

9 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21985: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi ( João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte I: afinal, não consegui esquer...

(**) Vd. poste de 9 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22087: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (85): respondendo ao pedido de colaboração da doutoranda Sílva Espírito-Santo, biógrafa de Cecília Supico Pinto (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Vd. também poste de 27 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19831: Álbum fotográfico de João Crisóstomo, ex-alf mil inf, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) - Parte IV: a vida em Porto Gole

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22117: Notas de leitura (1352): Uma importante carta enviada ao General Schulz em agosto de 1966 (Mário Beja Santos / José Matos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
O nosso confrade José Matos tem vindo a espiolhar no Arquivo da Defesa Nacional, teve a amabilidade de me passar esta carta de um colaborador de Schulz que escreve para Lisboa, onde o comandante-chefe estava em convalescença de uma operação, dando-lhe conta da evolução dos acontecimentos. De modo muito lacónico e discreto, e atendendo à escassez de meios, não deixa de insinuar que se pode caminhar para um desastre militar e aflora a questão do caos económico em que se encontrava a república da Guiné Conacri e a possibilidade de interferir no país através de conversações com os opositores. 

Quem lê o livro soube que o José Matos e o Mário Matos e Lemos escreveram sobre a Operação Mar Verde cedo se apercebe que as autoridades portuguesas nunca levaram a sério o grupo opositor de Conacri, era notória a falta de coesão e difuso o seu programa. Esta indiferença prolongar-se-á por muito tempo, só tomará alento a partir de 1969, mas sempre com fortes resistências por parte de um conjunto de ministros de Marcello Caetano. O curioso da carta dirigida ao General Schulz é de modo cuidado, um leal colaborador dar a entender que se não houver mais meios há muito poucas cartas ainda por jogar e que a iniciativa era praticamente nula, mal por mal o melhor era tentar agravar a ruína e o caos da Guiné Conacri, talvez assim pudesse abrandar ou estiolar o apoio ao PAIGC. Sonho em vão, como a História se encarregou de demonstrar.

Um abraço do
Mário



Uma importante carta enviada ao General Schulz em agosto de 1966

Mário Beja Santos

Conversando há dias com o investigador José Matos, nosso prezado confrade, ele teve a amabilidade de me enviar um documento que recolheu junto do Arquivo de Defesa Nacional, uma carta assinada por um colaborador de Schulz em que se fazem apreciações do maior relevo e que permitem dar-nos uma perceção da evolução da guerra a meio da comissão do Governador e Comandante-Chefe Schulz. Depois de o saudar e manifestar satisfação pelas melhoras de uma operação a que este fora submetido, dá-lhe conta da situação que se vive na Guiné:

“A estrada está aqui cada dia mais difícil de percorrer. O inimigo tem continuado a desenvolver-se de maneira segura. O Churo, o Jol e Có representam agora, para as nossas tropas, um esforço operacional tão importante como aquele existia no Oio há pouco mais de um ano, quando tivemos a vitória militar quase nas mãos e ela nos escapou por falta de reservas para lançar na ação. 

Nhacra e o Jugudul, são hoje zonas operacionais situadas a 20 quilómetros de Bissau, que continuam a constituir o principal objetivo do inimigo. No sul, não temos tido progressos sensíveis e todos estamos convictos de que o inimigo continua a reforçar-se de modo a tornar tanto quanto possível inexpugnável a sua posição; quando for possível reunir os meios para recuperar esta parcela do território teremos de encarar uma verdadeira guerra clássica, com tropas bem apoiadas pelo fogo, dispondo de transmissões impecáveis e capazes de manobrar num terreno onde isso lhes é vedado com os meios normais. 

No Leste, à parte o alívio resultante da deslocação do esforço inimigo para a região semi-despovoada do Boé, as preocupações continuam a ser muito grandes e não permitem que daí se distraiam forças para emprego noutras operações. 

Resumindo, o inimigo colocou-nos a mão no pescoço, como bom lutador de judo, e nós temos dificuldade em sair desta posição.

As razões são bem conhecidas de todos: a nossa massa operacional, se descontarmos as zonas passivas em que apesar de tudo temos de conservar tropas em quantidade suficiente para ocorrer a qualquer ação inesperada (quando se perde uma população ela fica perdida para sempre), se descontarmos os meios empenhados em zonas que presentemente são mais ou menos passivas e fizermos a mesma coisa ao apoio logístico que existe em todos os escalões, pelo menos até ao nível de companhia, encontramos aproximadamente na proporção de 1/1 ou, se formos otimistas, de 1,5/1 relativamente ao inimigo. 

Uma guerra subversiva não pode ser ganha com esta proporção de forças, sobretudo se o inimigo, como é o caso, dispõe de santuários onde pode recompor e reorganizar as suas forças em plena tranquilidade. Já um dia ouvi alguém que disse que, se é verdade que a guerra pelo Ultramar não pode ganhar-se na Guiné, ela pode, pelo contrário, perder-se ali completamente. 

Eu creio, meu General, que se não dermos uma reviravolta completa em tudo isto, estamos bem perto da segunda hipótese.

Podem descobrir-se montanhas de defeitos nos nossos quadros e uma multidão de erros nos procedimentos seguidos pelas nossas forças; pode afirmar-se, em cima de uma carta, que no caso A ou no caso B o êxito teria sido completo se os nossos homens tivessem trabalhado de maneira um pouco diferente. Mas nada disto altera duas verdades fundamentais: a primeira é que num território com a densidade de perto de 20 habitantes por quilómetro quadrado, nós não dispomos dos meios suficientes para garantir às populações a proteção de que necessitam nem dos quadros civis que lhes criem perspetivas de progresso que justifiquem uma adesão total à nossa política, nem meios financeiros; a segunda é que, dados os progressos do inimigo em matéria de técnica, de armamento e de tática, só uma alteração muito profunda nas nossas possibilidades de manobra (deslocamentos de forças e apoio de fogos para ação) é suscetível de desequilibrar a balança a nosso favor.

Quando se diz que a quadrícula é excessiva, desconhece-se que a população é de tal densidade que a torna evidentemente necessária. Temos perdido dezenas de milhares de habitantes por não nos ter sido possível prestar-lhes o apoio de que necessitam. É certo que os efectivos de cada unidade em quadrícula podem, em alguns casos, ser diminuídos se recorrermos a trabalhos de fortificação apropriados – mas onde está a engenharia para isso? E quais seriam as economias de meios que daí resultariam? Iriam influenciar decisivamente o curso desta guerra? Creio bem que não.

Por outro lado, tem-se verificado, com frequência cada vez maior, que as nossas tropas só muito raramente se levantam ao assalto de posições inimigas. A minha conclusão actual é a de que o homem normal não se levanta ao assalto de resistências inimigas defendidas por armas automáticas se não estiver apoiado por fogos com densidade suficiente para criar nesse inimigo neutralização. Cadique, Cafine e a recente operação do Churo, constituem alguns exemplos entre muitos que mais não o fazem que somar-se à multidão de casos que encontramos em todas as guerras desde que foi inventada a metralhadora.

O terceiro ponto que me parece de muita importância para que nos seja possível dar uma volta na situação sem aumento substancial imediato dos nossos meios é o que diz respeito às nossas possibilidades de manobra: esta faz-se a pé, é certo, mas tem também de fazer-se em viatura, em avião, em helicóptero e em meios fluviais. 

As possibilidades apenas são razoáveis em matéria de meios fluviais; quanto à manobra auto, ela apenas é possível em meia dúzia de estradas, por falta de viaturas, mas sobretudo por falta de infraestruturas – e estas não podem ser conseguidas com uma única Companhia de Engenharia numa província que não dispõe de meios civis que possam suprir as falhas dos meios militares”.

Mais adiante, o Tenente-Coronel Castelo Branco, depois de reconhecer ao General Schulz que tem feito exposições rigorosas da situação ao Ministro da Defesa Nacional, recorda que o Governador tem afirmado que a situação da Guiné depende sobretudo da evolução da situação internacional, e esta é altamente desfavorável para nós. Poderá haver uma possibilidade que nos seja favorável, ele refere que a situação da República da Guiné está num caos, e insinua que devia haver conversações com os opositores do ditador de Conacri.

Dada esta síntese do documento que o José de Matos obteve no Arquivo da Defesa Nacional, muito provavelmente para apurar o histórico das ligações entre os opositores de Sékou Touré e as autoridades portuguesas, e que cumularam na Operação Mar Verde, creio que o leitor ficará com uma ideia de que havia entre os colaboradores de Arnaldo Schulz uma imagem clara das tremendas dificuldades que já se viviam em 1966 e que eram conhecidas pelo governo de Lisboa, mormente a partir do Ministro da Defesa Nacional, mantido sempre informado das instruções do Comandante-Chefe, das suas diretivas, da notória falta de meios, etc. e tal.

É lendo documentos como estes que se pode perceber como é completamente leviano querer fazer historiografia da guerra da Guiné passando como gato pelas brasas pelos mandatos de Louro de Souza e Arnaldo Schulz e assestar as baterias no herói salvador Spínola que viu goradas todas as suas iniciativas e se retirou da liça em agosto de 1973.

Primeira página da carta que o Tenente-Coronel Castelo Branco enviou em 11 de agosto de 1966 ao General Schulz, n.º da cota PT/ADN/SGDN/2REP/106/0411/008, Arquivo da Defesa Nacional
Schulz nos Comandos em Brá, 1965
Visita de Arnaldo Schulz a Cutia em 1966, imagem já publicada no blogue
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Nota do editor:

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22099: Notas de leitura (1351): "Ataque a Conakry, História de um Golpe Falhado", por José Matos e Mário Matos e Lemos; Fronteira do Caos, 2020 (Mário Beja Santos)

domingo, 20 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21667: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte V: atividade operacional: Jugudul (Ansonhe e Ponta Bará), Tite (Jorge), outubro de 1966



Guiné > Carta  de Tite  (1955) > Carta 1/50 mil > Regulado de Jugudul, posição relativa de Bindoro, Quibir, Ansonhe e Ponta Bará, na margem direita do rio Geba. Bissá fica já na carta de Fulacunda (1955).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)



Continuação da publicação da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), documento mimeografado, de 42 pp., da autoria de João Borges, ex-fur mil comando. Exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: "Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

[O José Lino [Padrão de] Oliveira foi fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; tem dezena e meia de referências no nosso blogue; vive em Paramos, Espinho]


1. Continuação da História da 3ª Companhia de Comandos 
(1966/68) (*)

3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges
Parte V  (pp. 15-16)




 


(Continua)
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Nota do editor:

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21650: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte IV: atividade operacional: Tite (Nova Sintra, Flaque Cibe, Jabadá, Jufá), setembro de 1966



Guiné  > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Tite, Jufá, Jabadá e Flaque Cibe.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guimé (2020)




Continuação da publicação da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), documento mimeografado, de 42 pp.,  da autoria de João Borges, ex-fur mil comando. Exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: "Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

[O José Lino [Padrão de] Oliveira foi fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; tem dezena e meia de referências no nosso blogue; vive em Paramos, Espinho]


1. Continuação da História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (*)

3ª Companhia de Comandos 
(Guiné, 1966/68) / João Borges
IV (pp. 12-14)







(Continua)
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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

17 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21552: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte I: "A minha história"

24 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21578: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte II: Cruz de Guerra de 1ª classe; Mobilização, composição e deslocamento para o CTIG

10 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21628: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte III: Composição orgânica

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21529: (D)o outro lado do combate (61): A chegada dos primeiros cubanos em abril de 1966, e o reforço da guerrilha no Boé, conforme carta de Amílcar Cabral para "Xido", o nome de guerra de Aristides Pereira

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu >Setor de Boé > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento. Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas

Presume-se que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-capitão miliciano da CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, membro da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil da CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: "Uma campanha na Guiné, 1965/67").

 Foto (e legenda): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006).



Folha 1.1


Folha 1.2


Folha 2.1


Folha 2.2

Reprodução, com a devia vénia, de carta manuscrita, de Amilcar Cabral (, algures,) para Aristides Pereira ("Xido", em Conacri),  com data de 12/4/1966.

Fonte:

Portal: Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07061.032.023
Assunto: Encontro com os camaradas do Gabu. Regresso ao Boé. Chegada dos cubanos. Instruções. Envio de bazucas chinesas para o Sul e Madina de Boé. Chegada de dois transístores aos Armazéns do Povo.
Remetente: Amílcar Cabral
Destinatário: Xido [Aristides Pereira]
Data: Terça, 12 de Abril de 1966
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral


Citação:
(1966), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35061 (2020-11-9)


1. Carta manuscrita de Amílcar Cabral para o Aristides Pereira (nome de guerra, "Xido"), composta por duas folhas que, para efeitos de revisão. fixação de texto e edição no nosso blogue, reproduzimos em quatro partes (Folhas 1.1., 1.2, 2.1 e 2.2].

É um documento que tem interesse para o conhecimento não só do homem que dirigia o PAIGC ( e que por exemplo fumava cigarros americanos da marca L & M) como dos seus planos para desenvolver e reforçar a guerrilha no Leste, nomeadamente na região de Gabu e no setor do Boé, com o apoio dos "internacionalistas cubanos" que acabavam de chegar a Conacri, em abril de 1966.

Reproduz-se o teor da carta, separando os parágrafos por assuntos ou áreas temáticas, Há, no entanto,  palavras ilegíveis, ou que nos suscitam dúvidas, sendo por isso seguidos de um [?]; noutros casos, são complementadas por "pistas nossas", nomeadamente alguns nomes de militantes do PAIGC, que estavam no mato, nas bases sitas ao longo da fronteira (Boké, Koundara ou Kundara, Kandiafara...).

Recorremos,por isso, à preciosa ajuda do nosso coeditor Jorge Araújo, autor da série "D)o outro lado do combate", para colmatar algumas lacunas...Ele conhece melhor do que ninguém, aqui na Tabanca Grande, o Arquivo Amílcar Cabral, e está familiarizado com a letra e o estilo epistelográfico do eng. Amílcar Cabral... Aqui para nós: isto dá muito trabalho, ler, rever e fixar um texto manuscrito como este...Estou grato ao Jorge pelas correções e melhorias que fez à primeira versão da nossa transcrição... LG


(i) Encontro com os "camaradas do Gabu" [Folha 1.1]

" 12.4.66 [,Terça feira]. Caro camarada Xido [, Aristides Pereira, também conhecido como Chido]: 

"Aproveito o regresso dos camiões [?] para para te enviar pelo Tegma [?, nome ilegível]  estas breves linhas.

"Cheguei há umas horas do encontro com os camaradas do Gabu. Parecem bem dispostos, Têm feito alguma coisa, mas têm feito pouco, a meu ver muito pouco para as possibilidades reais.

 "Tinha chegado aqui [, a base de  Koundara ?, ] ante-ontem vindo diretamente do leste do  [Rio]. Féfiné.  Aí, com o Domingos [Ramos], procedemos ao estudo da operação em geral e começou-se a fase preparatória. Vamos ver". [O rio Féfiné corre a norte e a leste de Béli, e a sudeste de Cabuca, é um afluente do Corubal.]

(ii) Regresso ao Boé e encontros com o Domingos Ramos [Folha 1.2]

"Devo regressar do Boé (leste do Féfiné), depois de amanhã, pois devo reservar o dia de amanhã a verifiar uns materiais. 

"Ao receberes esta [carta] já devo estar de novo com o Domingos [Ramos]  e companhia. Daí partirei para o outro lado do Boé [, o Boé Oriental, onde se inclui a tabanca Lugajole, junto à fronteira, nas proximidades da qual, numa colina,. à cota de 200, se terá realizado a cerimónia da declaração da independência, a 24/9/1973; Lugajole fica a 40 km de Madina do Boé, para leste: informação do nosso camarada Patrício Ribeiro, o português que melhor conhece o Boé.] "


(iii) Chegada dos cubanos [em abril  de 1966, chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo tenente António Lahera Fonseca] [Folha 1.2 e 2.1]:


"Recebi a tua mensagem pelo Pinto [Eduardo Pinto, que estaria nessa altura em Koundara, na Guiné-Conavri, junto à fronteira, no nordeste ?]. 

"Se chegarem os amigos cubanos apenas 2 poderão vir ter comigo onde estiver. Os outros devem esperar por mim em Conacri, incluisve os médicos. Quando eu chegar de novo ao Boké [, a sul,], onde devo voltar antes do meu regresso a Conacri, os médicos poderão ir ter comigo aí. Mas só entrarão em funções  definitvas quando chegar o Luíz [Delgado ?]

(iv) Alojamento e alimentação dos  cubanos [Folha .2.1]

"Quanto ao alojamento, a ideia do [Hotel]  "Maison Blanche" parece-me boa, mas estuda bem a questão  da alimentação. Pelo menos para os médicos, não me parece que o hotel sirva mau. Mas resolve da melhor maneira em colaboração  com o Luiz Delgado."

(v) Granadas de bazucas chinesas [RPG], para o sul e para o Boé [Folha 2.1]


"Espero que o Mirandela [, barco da Casa Gouveia aprisionado pelo PAIGC, no início da luta armada] tenha chegado a Boké mas que o M[anuel] Azevedo tenha ido para tratar da arrumaçãp do material. 

"Faz o possível por mandar obuzes [,granadas,]  de bazucas [, RPG, ], chinesas para o Sul e para Madina Boé. Mete o Nfamara [Cassama ?] na linha de Kandara [, ou Kandiafara ?]. e o Tegma. [?, nome ilegível] para Boké

"O Pinto adoeceu hoje, mas espero que se restabeleça breve, pois faz muita falta no meio disto, Vamos ver".

(vi)  Material apanhado aos gilas ... e pedido de maços de cigarros L&M [Folhas 2.1 e 2.2]

"Vão umas mercadorias 'saisies' [sic, em francês, com aspas,  apanhadas] aos gilas [, sublinhado,]  , incusive 2 transistores. Essas coisas devem ficar aí intactas até eu voltar, Recomenda isso ao nosso Armazenista do Povo.

"Não te esqueças de mandar cigarros LM, porque já estou nos útimos maços. Mais uma dificuldade."

(vii) Instruções  e saudações finais [Folha 2.2]

"Quanto ao resto, espero que continuemos a cumprir o programa traçado, para podermos evitar as dificuldades que as chuvas causam,  

"Manda para Kundara 1 ou 2 máquinas de costura.

"O Marcelino [Constantino Costa?] recebeu aqui duzentos mil francos, no Domingo [10.04.66].

"Bom, com a cabeça e o calor que tenho, para hoje é tudo.

"Melhoras para ti e que a Lucette [de Andrade] esteja boa.. Diz à Ana Maria [, segunda mulher de Amílcar Cabral,] que espero carta dela. Saudações à Carla e para todos os camaradas. Tenho grandes esperanças neste programa. Abraça-te o velho camarada, [assinado, Amílcar.]"

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)