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quinta-feira, 14 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25270: Memórias cruzadas: Referência ao António Lobato (1938-2024) em mensagem de 'Nino' Vieira para Aristides Pereira, em 1963 (voltariam a encontrar-se 36 anos depois, em Bissau)



António Lobato (1938-2024), maj pil av ref: no cativeiro (maio de 1963 / novembro de 1970) sempre recusou a liberdade em troca da denúncia, aos microfones da rádio, da guerra colonial. Mas em carta  à  mulher, datada de Kindia, 22/5/65, escreveu: (...) "Houve momentos de fraqueza em que quse me arrependi de ter recusado essa liberdade, hoje porém agradeço a  Deus o ter-me dado a força necessária para resistir" (pág. 125).


1. Releia-se a notável descrição do encontro do António Lobato com o já então  mítico  'Nino' Vieira, escassos dias a seguir à sua captura: vd. páginas de "Liberdade ou evasão:  o mais longo cativeiro de guerra", 1ª ed.  Amadora, Erasmos Editora, 1995, pp. 62/64).

(...) " Diz então, como quem se gaba dos poderes absolutos que detém, que poderia reenviar-me para Bissau ou que poderia até matar-me, mas que não irá fazê-lo pelo facto de há quinze dias atrás, ter recebido ordens de Amílcar Cabral, para fazer prisioneiros e dirigi-los a Conacri" (...) (pág. 63). (vd. no ponto 2 um excerto mais completo.)

'Nino' Vieira em mensagem posterior a Aristides Pereira, que a seguir se transcreve, faz referència a este encontro (no seu "quartel-general" em Darsalame):

(...) "Recebi a vossa carta com o  n/ camarada Seni, no qual tomei conhecimento de que o tal piloto  [António Lobato]  mudou da ideia que tinha quando  [se]  encontrava em n/ poder cá  dentro."... 

Segundo o tratamento arquivístico desta correspondència, pela Fundaçáo Mário Soares, isto queria dizer: "Recusa do piloto [António Lobato] de prestar uma declaração contra a guerra colonial"... 

É a única referència ao António Lobato que encontrámos até agora no Arquivo Amílcar Cabral. (*)

 Lemos no "Observador", num trabalho da jornalista Tânia Pereirinha,   que o Lobato e o 'Nino' voltariam a encontrar-se mais tarde, em Bissau, em 1999, trinta e seis depois:

(...) "Foi por isso mesmo que, em 1999, quando o então Presidente guineense Nino Vieira o convidou para almoçar, António Lobato não pensou duas vezes. Ao longo de um par de horas, conversaram e recordaram os tempos em que um tinha estado à guarda do outro. Dias depois, quando fez check-out do Hotel 24 de Setembro, a funcionar no local onde décadas antes tinha sido a messe dos oficiais portugueses em Bissau, o piloto descobriu que a sua estadia já tinha sido paga — nada menos do que pelo primeiro Presidente da República da Guiné Bissau.

“Depois, quando perdeu o mandato, fugiu da Guiné e veio para Portugal, os jornalistas perguntaram-lhe se tinha cá alguém conhecido e ele respondeu: ‘Tenho um amigo, o Lobato!’”, continua a recordar. “Isto não cabe na cabeça de ninguém, mas para ele eu era um amigo, um conhecido.” (...)



Camarada Aristides: 
Recebi a vossa carta com o  n/ cama-
rada Seni, no qual tomei conheci-
mento de que o tal piloto  [António Lobato] 
mudou da ideia que tinha
quando  [se]  encontrava em n/ poder cá 
dentro.

Junto segue com o Djaló
a camarada Ernestina [Titina]   Silá e
mais dois empregados, um da Casa
Gouveia e o outro da S.C. U.  [Sociedade Comercial Ultramarina].

Seguem mais três rapazes, que
devem apresentar os seus nomes,  [os] dos



seus pais, e mais 
 [h]abilitações que 
têm,  Todos eles têm [-se] dedicado muito 
bem no Partido. Um deles estva já
 [h] á 9 meses no mato juntamente 
connosco.

Como sabes,aqui encontra-
-se também nalús e sossos, mas
 [na sua maior] parte não têm instru-
ções necerssárias. 

Junto segue nomes de camaradas Jugaré Natchuta,
Quecife Nina, Sebastião Monteiro, 
Silvina Vaz da Costa, António
Araújo ou Insemba Juboté, Jaime
Nandia, filho da Jubana.



Agradeço fazer voltar Djaló ou o
seu companheiro [o]  mais depressa 
possível porque estamos com falta
de munições.

Tenho a participar do ataque 
feito a Calaque [na]  área de Cacine,
sob o comando do camarada 
Corona.  Um grupo dos nossos 
militantes teve um recontro 
com as forças portuguesas onde 
conseguiram  [a]bater 17 soldados e
um ferido. Esse recontro foi
no dia 13 às 19h30. Caíram





do nosso lado os camaradas Iembaná  [?] 
Fuam de Cassumba en Nhina;
Tunqué Nhaberama
e Tunga Naquedama que fica-
ram feridos.

Agradeço aumentarmos  [sic] mais materiais
para poder manter a nossa posição
defensiva em toda a área.

O que precisamos mais é de metra-
lhadoras ligeiras e pesadas. Mesmo
que mais 20, temos homens suficientes
para pegarem nelas. Do camarada
Marga  [nome de guerra de 'Nino' Vieira] .



 [Nomes propostos por 'Nino' Vieira, para;] 

Estado (sic) de segurança: Ingaré Natchuta,
Sebastião Monteiro,
Quecife Naina,

Bolsas de estudo:

Orlando Paulo Trindade,
António Tambó Nhanque,
Jaime Nandaim, filho de Iembaná  [?],
Ernestina [Titina]   Silá,
Gilda Silá,
Silvina Vaz da Costa,
Celestina Marques Vieira, minha irmã"] 

Cooperativas:

António Araújo ou Insemba Juboté,
Mamadu Camará,
Cristiano Vieira.




Agradeço mandar-nos oferecer 
capas e relógios e películas.

Marga

(Seleção, revisão / fixação de texto / negritos / parènteses retos: LG)

Fonte: Casa Comum | Instituição:Fundação Mário Soares | Pasta: 04613.065.057 | Assunto: Recusa do piloto [António Lobato] de prestar uma declaração contra a guerra colonial na Guiné. Participa que seguem com o camarada Djalo e Ernestina Silá, dois empregados da Casa Gouveia, um empregado da Sociedade Comercial Ultramarina e três rapazes. Nalús. Falta de munições. Comunica o ataque em Calaque (Cacine) sob o comando de Corona (Ansumane Sanha II). Segurança. Bolsas de estudo. | Remetente: Marga (Nino Vieira) | Destinatário: Aristides Pereira | Data: s.d. | Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste) | .Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Correspondencia |

Citação (s.d.), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39139 (2024-3-14)



Guiné > s//l> s/d c. José Araújo e Nino Vieira, membros do Conselho Superior da Luta [José Araújo estava encarregue de acompanhar a delegação da UIE  c- dezembro de 1970 / janeiro de 1971].

Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira", Fundação Mário Soares / Mikko Pyhälä, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=11025.008.026 (2024-3-14) (com a devidfa vénia...)
   


2. Vale a pena reproduzir a descrição mais completa o Lobato faz deste encontro como 0 'Nino' (excertos das pp.  62/64, da 1ª edição,  com a devida vénia):

(...) Uma vez do  outro lado [do rio Cumbijã ?]  encetamos uma marcha de cerca de duas horas,  através de uma zona pantanosa, enterrados na lama até meia perna. Paramos numa área a que chamam Dar-es-Salam  [Darsalame] , onde se encontra o acampamento do comandante da guerrilha da zona Sul, Nino Vieira.

Sentado no tronco seco de uma árvore, o jovem chefe guerrilheiro, vestido de caqui verde escuro, pés nus e espartilhados por sandálias de plástico, braços ornamentados com grossos anéis de madeira e couro, um pedaço de couro pendurado ao pescoço com uma tira de cabedal, mais parece a estátua inerte de um deus negro expulso do Olimpo, do que o temível turra a quem todos obedecem, porque é “imune às balas do tuga”.

À minha chegada, o chefe levanta-se e olha-me de frente durante alguns instantes, sem pestanejar e  sente-se de novo. Só então a sua voz quase feminina se faz ouvir: “senta”, diz ele.

Embora esteja farto de saber o motivo por que ali me encontro, convidam a fazer o meu próprio relato dos acontecimentos. Quando termino pergunta-me o que pretendo ao que eu respondo, voltar para casa

Diz então, como quem se gaba dos poderes absolutos que detém, que poderia reenviar-me para Bissau ou que poderia até matar-me, mas que não irá fazê-lo pelo facto de há quinze dias atrás, ter recebido ordens de Amílcar Cabral, para fazer prisioneiros e dirigi-los a Conacri,

A seguir, questiona-me sobre a minha família e fica a saber que sou casado há seis meses e que a minha mulher está em Bissau. Tira, então, do bolso da camisa um pedaço de papel e uma esferográfica. Estende-mos e diz que se quiser posso escrever uma carta à minha mulher que ele garanta sua entrega.

Não acredito nas suas palavras, mas como não tenho nada a perder, escrevo meia dúzia de linhas e de devolvo lhe o papel que ele repõe cuidadosamente no bolso (sete  anos e meio mais tarde, venho a saber que a carta foi entregue à minha mulher em Bissau, por um guerrilheiro que aí se deslocou durante a noite).

Passo três dias no acampamento de Nino Vieira, sem que alguém se atreve a molestar-me ou mesmo dirigir-me palavras insultuosas, como aconteceu nos dias anteriores.

O próprio Chefe. apesar da sua frieza no trato, esforça-se por demonstrar uma certa amabilidade, embora a carapaça endurecida por um embrear diário com a morte,  frustre as suas intenções de cordialidade. Ambos reconhecemos que existe entre  uma espécie de comunicação primária que denuncia a existência de um respeito mútuo.

(…) Neste quartel-general (um acampamento idêntico ao da ilha do Como) há uma movimentação constante de grupos de guerrilheiros que vão e vêm. É impossível determinar os efetivos reais desta força, sempre em movimento.

Ao contrário das noites silenciosas dos outros acampamentos, por onde passei,  aqui, a atividade noturna parece ser mais intensa que a diurna. Dorme-se pouco, fala-se também a voz, não se veem fogueiras. O pouco que há para comer, aparece quente. (…)

(Seleção, revisão / fixação de texto / negritos e itálicos: LG)

domingo, 10 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25259: In Memoriam (50): António Lobato, maj pil av, ref (Melgaço, 1938 - Lisboa, 2024), autor de "Liberdade e Evasão: o Mais Longo Cativeiro": Falta uma dimensão ao homem que não conheceu a prisão, escreveu ele, citando o filósofo Emmanuel Mounier. A sua vida foi também ela uma luta contra o esquecimento e a ingratidão. Repousa, finalmente, em paz, em Rio de Mouro.


Capa do livro do António Lobato, "Liberdade ou evasão: o mais longo cativeiro da guerra" (5ª edição, DG  Edições, Linda-A-Velha, 2014, 276 p.).





Capa da Revista do Expresso, de 29 de Novembro de 1997 (pormenor). Uma notável reportagem do jornalista José Manuel Saraiva , que conseguiu juntar em Lisboa 16 dos 25 militares portugueses, presos em Conacri, às ordens do PAIGC, e libertados na sequência da Op Mar Verde, em 22 de Novembro de 1970. Trata-se, sem dúvida, de um documento para a história.

Imagem: Digitalização feita por Henrique Matos, da capa da revista, a partir de um exemplar, pessoal, que ele comprou e guardou no seu arquivo. Foi através desta já famosa capa que ele localizou o seu antigo fur mil Jão Neto Vaz, do Pel Caç Nat 52. 

Neste grupo de dezasseis, está também o António Lobato (que nos parece ser o último da segunda fila, à esuerda,  de cabelo branco).



1. Morreu no passado dia 8,
 no hospital onde estava internado.  o nosso camarada da FAP,  António Lourenço de Sousa Lobato: ia fazer 86 anos, amanhã,  dia 11.  Foi hoje inumado no cemitério de Rio de Mouro.

 família, aos amigos e aos camaradas da FAP manifestamos aqui a  solidariedade na dor por parte dos editores, colaboradores e demais mais membros da Tabanca Grande (*)

O nosso camarada nasceu em Sante, freguesia de Paderne, concelho de Melgaço. Era major piloto-aviador, na situação de reforma...  Tem 17 referências no nosso blogue.

De 22 de maio de 1963 a 22 de novembro de 1970 foi prisioneiro do PAIGC. Seguramente o mais célebre, o mais inconformado e o mais resistente dos militares portugueses que passaram pelos cárceres do PAIGC na Guiné-Conacri. Foi libertado na sequència da Op Mar Verde. A sua história é publicamente conhecida.

Escreveu um notável livro de memórias do seu longo cativeiro, um grande documento humano, que já tem várias várias edições e pelo menos em duas versões (1995 e 2015) , "Liberdade ou Evasão",  e de que temos vários notas de leitura publicadas no blogue.(*).



Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > 7 dde Março de 2008 > Último dia do Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Mensagem do Joseph Turpin, um histórico do PAIGC, para  o nosso camarada da FAP, hoje major piloto reformado, António Lobato, que esteve prisioneiro em Conacri, sete anos, de 1963 a 1970.

Vídeo (1' 36''): © Luís Graça (2008). 

Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes.

2. Reproduz-se de novo o depoimento gravado por Luís Graça, em Bissau, no Hotel no dia 7 de Março, por voltas 13h11, no último dia do encerramento do Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) (**)

As condições de luz eram más e a máquina era uma digital, de fotografia e não de vídeo. Joseph Turpin era um dos históricos do PAIGC, juntamente com Carmen Pereira e Carlos Correia, que estiveram presentes no Simpósio. Pediu-nos para mandar uma mensagem para o António Lobato, o antigo sargento piloto aviador portuguesa, aprisionado pelo PAIGC na sequência da queda, por acidente,  do seu T 6  em 22 de maio de 1963, na Ilha do Como. 

Levado para a Guiné-Conacri,  permanecerá sete longos e penosos  anos de cativeiro, com várias tentativas, frustradas, de evasão. Eis uma alguns excertos da mensagem do Joseph Turpin, 

"Ó Lobato, depois da tempestade, depois de tantos anos, não sei se te vais lembrar de mim..." - são as primeiras palavras deste representant do PAIGC, na altura a viver em Conacri, sendo então membro do Conselho Superior da Luta. 

 Neste curto vídeo, o Turpin recorda os momentos em que, por diversas vezes, visitou o nosso camarada na prisão. Não esconde que foram momentos difíceis, para ambos, mas ao mesmo tempo emocionantes: dois inimigos que revelaram o melhor da nossa humanidade... 

"Eu compreendia, estavas desmoralizado...Havia animosidade"... 

Joseph Turpin agradece ao Lobato as palavras de apreço com ele se referiu à sua pessoa, ao evocar  em entrevista à rádio, a sua experiência de cativeiro. Agradece o exemplar do livro que o Lobato lhe mandou e que ele leu, com interesse. Diz que ficou sensibilizado com as palavras e o gesto do Lobato. 

"Mas tudo isso hoje faz parte da história...Seria bom que viesses a Bissau" - são as últimas palavras, deste homem afável, dirigidas ao teu antigo prisioneiro português que ele trata por camarada... 

 O Joseph Turpin insistiu comigo para entregar pessoalmente ao António Lobato esta mensagem.  Nunca tive nenhum contacto pessoal com o António Lobato, que só vi uma vez, por ocasião da estreia do filme-documentário As Duas Faces da Guerra, de Diana Andringa e Flora Gomes, e em que ele  é dos participantes.   

Para o António Lobato na alt7ura, em 2008, deixámos registada,  em nome pessoal,  dos demais editores, bem como de toda a nossa Tabanca Grande, "uma palavra de respeito, camaradagem, solidariedade e apreço". ~~

Presumimos que sim, mas nunca saberemos ao certo se esta menagem chegou ao seu destinatário. Quatro anos depois o único "feedback" que tivemos foi o da filha de Joseph Turpin (***)

____________




sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25111: Memórias cruzadas: pistolas Walther P38 alegamente capturadas ao nosso exército, e distribuídas ao pessoal do PAIGC, ainda antes do início oficial da guerra... (José Macedo, ex-2º ten fuzileiro especial, RN, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74, a viver agora nos EUA)



A pistola Walther, P38, de 9 mm, de origem alemã, foi adoptada pelas nossas Forças Armadas, em 1961, como pistola 9 mm Walther m/961, vindo substituir a Parabellum.
Foi desde logo utilizada na guerra colonial em África (nova versão P1).  




Declaração: 
"Nós, abaixo assinados, declaramos que da mão do nosso camarada Pascoal recebemos duas pistolas marca Walther, números 770809 e 241113, com quatro carregadores 100 balas (sic) 
com cinquenta cada um.

Koundara, 3 de novembro de 1961
aa) Braima Solô (?) | Adbul Djaló


Declaração: 
"Nós, abaixo assinados, declaramos que da mão do nosso camarada Pascoal recebemos duas pistolas marca Walther, números 220868K e 214492K, com quatro carregadores 100 balas (sic) 
com cinquenta cada um.

Koundiara, 3 de novembro de 1961
aa) Pedro Gomes Ramos | Hilário Gapar Rodrigues



Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares | Pasta: 07068.099.028 | Título: Declaração de recepção de pistolas | Assunto: Declaração assinada por Pedro Ramos, Hilário Gaspar Rodrigues, Braima Sôlô e Abdul Djalo, acusando a recepção de pistolas Walther. | Data: Sexta, 3 de Novembro de 1961 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral |Tipo Documental: Documentos | Página(s): 1

Citação:
(1961), "Declaração de recepção de pistolas", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41059 (2024-1-25)



Pistolas Walther, e respetivos números, alegadamente capturadas ao exército português pelo PAIGC. S/d, s/l.

Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares |  Pasta: 07056.009.011 | Título: Pistolas Walther nas Zonas 4, 7 e 8 | Assunto: Números de série de pistolas Walther [capturadas ao exército português] nas Zonas 4, 7 e 8. | Data: s.d.Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Material militar (com manuscritos de Amílcar Cabral).Fundo: DAC - Documentos Amílcar CabralTipo Documental: Documentos-

Citação:
(s.d.), "Pistolas Walther nas Zonas 4, 7 e 8", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40992 (2024-1-25)




Pistolas Walther, para a Zona 11: "P38 9mm | 346 k ac 44 | 3375 d c/ 160 b(alas) | Data: 6/10/1962.


Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares ! Pasta: 07056.009.021 | Título: Pistolas Walther para a Zona 11 | Assunto: Pistolas Walther para a Zona 11.| Data: Sábado, 6 de Outubro de 1962 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabrall | Tipo Documental: DocumentosPágina(s): 2


Citação:
(1962), "Pistolas Walther para a Zona 11", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41002 (2024-1-25)


(Com a devida cénia...)


  
1. Mensagem do nosso amigo e  camarada José Macedo  (ex-2º tenente fuzileiro especial, RN, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74; nasceu na Praia, Santiago, Cabo Verde, em 1951; vive nos Estados Unidos, onde é advogado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 13/2/2008):

Data - quinta, 23/03/2023, 21:31
Assunto - Pistolas Walther


Boas noites, camarada. Espero que lá em casa estejam todos de saúde (parece as cartas do 'Nino' ao Aristides Pereira).

Tenho passado algum tempo a ler,  na Casa Comum, o Arquivo Amilcar Cabral,  e tenho encontrado alguma correspondência em que eram enviadas pistolas Walther para as diferentes Frentes. E como cada pistolas tinha o seu número de série, fico curioso em saber se seria possível identificar as  unidades a que  pertenciam as pistolas que foram capturadas.

Um abraço,

Zeca Macedo

2. Comentário de LG:

Vai ser muito difícil, se não impossível,  a alguém (incluindo o nosso especialista em armamento, o Luís Dias) (*) dar-te uma ajuda no esclarecimento desta questão... 

Tendo em conta o ano (1961 e 1962), mas também a quantidade (nos documentos acima repriduzidos são duas dezenas), é de todo imprável que estas pistolas Walher tenham sido capturadas pelo PAIGC ao exército português... 

De facto, não consta que tenha sido assaltado por forças do PAIGC (ainda PAI)  algum depósito de armamento em Bissau ou  esquadra de polícia e, muito menos, algum aquartelamento no mato (ainda havia poucos), no início dos anos 60...

E mesmo que fossem pistolas do exército português, só eventualmente no Arquivo Histórico-Militar, e com muita sorte, se poderia encontrar uma lista dessas armas "capturadas pelo IN", com os respetivos números de série... Enfim, seria como encontrar uma agulha num palheiro...  

O mais provável é estas pistolas Walther P38 (a nossa era já a P1) terem entrado clandestinamente na Guiné-Conacri, oriundas de Marrocos ou terem sido  compradas no "mercado negro" (lembro-me de Luís Cabral ter falado nisso, nas suas memórias)... Terão equipado os primeiros comandantes e comissários politicos como nosso conhecido Pedro Ramos, irmão do Domingos Ramos, que andavam a fazer trabalho essencialmente político (propaganda, recrutanento e organização) no interior do território) e ações de sabotagem ... 

O PAIGC oficialmente começou a guerra (dos tiros)  em 23 de janeiro de 1963, com um ataque a Tite.  No meu tempo (1969/71), eles já usavam a pistola russa Tokarev (a CCAÇ 12 apanhou uma a um guerrilheiro: vd foto a seguir)...

De qualquer modo, obrigado pela tua questão. Pode ser que algum camarada tenha mais alguma informação adicional. (**)



Uma pistola de origem soviética, Tokarev, de 7,62, igual ou parecida à que que foi apreendida ao guerrilheiro Festa Na Lona, na Ponta do Inglês, no decurso da Op Safira Única ... Pelo que me recordo, esta pistola ficou à guarda do Alf Mil Abel Maria Rodrigues, comandante do 3º Grupo de Combate, que a tomou como "ronco"... Não sei se a conseguiu trazer para o Continente e legalizá-la... Ao que parece, esta arma teve a sua estreia na Guerra Civil de Espanha, em 1936, nas fileiras do exército republicano, estando distribuída a pilotos e tripulações de tanques, entre outros... (LG).

Fonte: © Kentaur, República Checa (2006)(com a devida vénia...)
 (link descontinuado:
 http://www.kentaurzbrane.cz/shop/images/sklady/tokarev.jpg )

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

(...) A pistola Walther P-38 é uma arma semi-automática, com origem na Alemanha (fábrica Carl Walther), datada originalmente de 1938 e foi a substituta da Luger, como a principal pistola alemã da IIª Guerra Mundial, com provas dadas em diversos teatros de guerra. Em meados dos anos 50, foi seleccionada para equipar o novo Exército da RFA e, com ligeiras alterações, passou a denominar-se P1 e é este modelo que veio para Portugal, passando a ser a pistola das guerras de África. (...)

(**) Último poste da série >  16 de janeiro de  2024 > Guiné 61/74 - P25076: Memórias cruzadas: o que o PAIGC sabia sobre Bubaque, em 1969... "O antigo governador Schulz ia lá de vez em quando, com outros militares e algumas mulheres. O atual governador nunca lá esteve morado. Foi só visitar."...

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24530: Efemérides (404): Foi há 60 anos que o padre missionário italiano Antonio Grillo (1925-2014), do PIME, foi preso (em 23/2/1963), "sob a acusação de atividades subversivas", e depois expulso de Portugal (libertado, em 4/6/1963, em homenagem ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 23 de fevereiro de 2008 > Visita a Bambadin5ca > Pe. Antonio Grillo com o tradicional barrete balanta




Guiné > Zona leste < Setor L1 (Bambadinca)  Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Ruinas da casa onde nasceu o guerrilheiro referido por A. M. Sucena Rodrigues (1951-2018) ( no poste P14055).  Ao fundo, à direita, devidamente sinalizada a vermelho, pode ver-se a cruz que, segundo esse guerrilheiro, foi erigida antes da guerra [nos anos 50], por um tal missionário que lá viveu e que ele chamava padre António [Grillo, acrescentamos nós]. (Foto do álbum do A. M. Sucena Rodrigues,  ex-fur mil da CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74).

Foto (e legenda): © A. M. Sucena Rodrigues  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem cvomplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Carta manuscrita, enviada pelo Padre António Grillo ao Amílocar Cabral, datada de Acerenza (Potenza, Itália), 20 de julho de 1963. Foi recebida em 5 de agosto de 1963.

Citação:
(1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36402 (2023-8-2)

Transcrição da carta manuscrita (revisão / fixação de texto: LG)

20-VII-63 

Exmo. Sr. Engenheiro Cabral:  Também jornais africanos têm publicado [a notícia de ] a minha prisão. Penso que o senhor [estará ] bem imformado do meu caso do qual lhe falarei com pormenores quendo o senhor me [anviar] o seu endereço.

Mais dois padres italianos foram expulsos mas somente eu passei [pelas ] prisões de Bissau e de Lisboa. Agora me encontro em Itália.

Não calhará ao senhor de vir  [a] Itália ? Saiba qeu estou aqui e me faria uma grande prazer avisar-me da sua vinda.

Cumprimentos e desejo [de sucessos ] para o seu partido. Padre António Grillo, Itália - (Potenza) Acerenza.



Carta (datilografada) do Padre Antonio Grillo, dirigida ao Secretário Geral do PAIGC, engº Amílcar Cabral, com data de 18 de outubro d3 1970. Cabarl responde-lhe de imediato, a 27 desse mês e ano.

Citação:

(1970), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34635 (2023-8-2)

Citação:
(1970), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34633 (2023-8-2)

Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares | Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...)


1. Alguns dos missionários italianos do PIME - Pontifício Instituto para as Missões Exteriores, no território da Guiné,   tiveram problemas com as "autoridades portuguesas" durante a guerra colonial: o primeiro caso terá sido  o padre Antonio Grillo (1925-2014), que esteve na missão católica de Bambadinca e que era particularmente acarinhado pelos balantas de Samba Silate, uma enorme tabanca, com quase duas mil almas, que terá sido destruídas pelas NT no princípio da guerra, no subsetor do Xime, obrigando a população a procurar refúgio noutras zonas (e nomeadamente ao longo da margem direita do rio Corubal, entre a Ponta do Inglês e a mata do Fiofioli) (segundo a versão do nosso camarada Alberto Nascimento, contemporâneo e testemunha dos acontecimentos, ex-sold cond auto, CCAÇ 84,  1961/63).


Recorde-se: 

(i) chegou à Guiné no início da década de 1950, integrado no PIME, na mnissão católica de Bambadinca;

(ii) foi detido pela então polícia política portuguesa, a PIDE, a 23 fevereiro de 1963, sob a acusação de atividades subversivas; 

(iii) esteve preso em Bissau e depois em Lisboa;

(iv) acabou por ser libertado em 4 de julho de 1963 em homenagem, de Portugal, ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI (1898-1978), que em 21 de junho de 1963 tinha sucedido a João XXIII, na cátedra de São Pedro;

(v) com a independência da Guiné-Bissau, o padre Grillo voltou  a Bambadinca, onde trabalhou, de 1975 a 1986, associado ao PIME, regressando depois à Itália;

(vi) visitou Bambadinca em 2010, quatro anos antes de morrer;

(vii) foi dado o seu nome ao liceu de Bambadinca, criado em 2008, numa iniciativa conjunta da comunidade local, da Missão Católica de Bafatá e do Ministério da Educação, e com o apoio de benfeitores portugueses e italianos.


2. No Arquivo Amílcar Cabral, há pelo menos duas cartas do padre Antonio Grillo, dirigidas ao secretário-geral do PAIGC,  que reproduzimos acima, datadas respetivamente de 20/7/1963 (manuscrita) e de 18/10/1970 (datilografada), a par de uma outra, de resposta,  do Amílcar Cabral  (datilografada, com data de 27/10/1970).

Na segunda carta, Grillo faz alusão  ao encontro de Amílcar Cabral com o Papa Paulo VI (no Vaticano, em 1 de julho de 1970) e evoca, com saudade, os "meus balantas",  de Samba Silate, Enxalé, Bambadinca ("de cuja missão fui afastado à força"), Finete, Ponta do Inglès, Ponta Luís Dias, Nhabijões ou Nha Bidjon, etc. (provavelmente também Mero, Santa Helena, Fá Balanta...).
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Notas do editor:

Último poste da série > 2 de agosto de 2023 > Guiné 51/74 - P24528: Efemérides (403): Foi há 53 anos, em 1 de julho de 1970, que o papa Paulo VI teve um breve encontro, "no final da audiência geral semanal", com Agostinho Neto (MPLA), Amílcar Cabral (PAIGC) e Marcelino dos Santos (FRELIMO)... A notícia só foi dada no dia 5, na imprensa portuguesa, e originou uma dura nota de protesto do governo de Marcello Caetano que "chama a Lisboa o seu embaixador, um gesto diplomático de forte desagrado, geralmente antecedendo o corte de relações diplomáticas".

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23770: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VI: os primeiros ataques a Farim, em 1963


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Farim (e dos seus bairos  Nema e Morocunda), além de K3 e Bricama. Recorde-se que cada centímetro da carta corresponde a 500 metros no terreno.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022).


1. Continuamos a reproduzir excertos das memórias do Amadu Djaló, que a morte infelizmente já nos levou em 2015, aos 74 anos. 

A fonte continua a ser o ser livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), de que o Virgínio Briote nos disponibilizou o manuscrito em formato digital. A edição, que teve o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está há muito esgotada. E muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.


O nosso coeditor jubilado, Virgínio Briote (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) fez generosa e demoradamente as funções de "copydesk" do livro do Amadu Djaló. Temos vindo a introduzir pequenas correcções toponímicas ao texto  impresso, a ter em conta numa eventual (se bem que pouco provável) 2a. edição. 

Recorde-se, aqui sumariamente, os primerios vinte e poucos anos do Amadú Djaló (1940-2015), a partir dos excertos que já publicámos (**):

(i) o Amadu Djaló era, em 2010, quando o seu livro foi lançado (no Museu Militar en Lisboa) um dos raros sobreviventes que podia falar de todos os anos que durou o conflito, como muito bem lembrou o Virgínio Briote;

(ii) Futa-Fula, natural de Bafatá, oriundo de famílias da antiga Guiné Francesa, Amadu escolheu um dos lados, combateu no Exército Português, juntando-se a milhares de guineenses; mas o seu pai  que era empregado de balcão de um comerciante libanês, em Bafatá, o Assad,  tivera antes o sonho de o levar até ao Senegal, onde dois sobrinhos-netos eram militares do exército francês, ambos 2º sargentos e antigos combatentes da guerra da Indochina; após consulta a um vidente, passou a sonhar com uma carreira militar brilhante para o filho, coisa que ele na Guiné portuguesa, em sua opinião,  nunca poderia ambicionar:

(iii) recenseado pelo concelho de Bafatá, o Amadu acaba por ser  alistado em 4 de janeiro de 1962, como voluntário, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(iv) depois da recruta em Bolama, segue-se o CICA/BAC, em Bissau, ponde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas:

(v) é colocado depois em  Bedanda, na 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), em finais de 1962:

(vi) é tranferido, a seu pedido para a 1ª CCaç (mais tarde CCAÇ 3) em Farim, em meados de 1963.

O excerto que hoje publcamos é referente a esse período em Farim   (segundo semestre de 1963, pelas nossas contas). Mantemos a ortografia original.
  



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense,  Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O início da guerra em Farim, no segundo semestre de 1963

(pp. 64-70)

por Amadu Bailo Djaló



Uma coluna de Farim a Susana em cerca de 20 horas

Cerca de um mês depois houve ordem para recolher os pelotões que se encontravam nos destacamentos. A nossa companhia 
[a 1ª CCAÇ]  tinha dois pelotões, um em Porto Gole e outro em Susana.

A minha viatura, depois de descarregada, ficou preparada para fazer parte da coluna com destino a Susana 
[na região de Cacheu]  . Partimos por volta das 08h30, andámos todo esse dia e toda a noite, debaixo de chuva torrencial, numa estrada difícil e lodosa, que exigia muita perícia e um andamento muito cauteloso.

De Farim até Bigene e Barro a estrada não estava muito mal, o pior foi depois, os carros patinavam e atascavam-se a toda a hora.

Quando chegámos a Susana, às 4h00 da madrugada, o pessoal já estava cansado de tanto esperar. Tivemos que carregar tudo rapidamente e por volta das 6h00 iniciámos o regresso a Farim.

Quando passámos pelo Ingoré, vi o alferes Almeida algo preocupado. Andava a ver se arranjava qualquer coisa para dar de comer ao pessoal que estava faminto, já que não comíamos nada desde que tínhamos saído de Farim. Vi-o regressar de mãos vazias. Compreendemos e resignámo-nos, não havia outro remédio.

Para acrescentar, a jangada estava avariada e tivemos que aguardar até às 19h00, que foi quando ficou pronta. Atravessámos o rio 
[Cacheu , seguimos para Bula, onde chegámos à noite, por volta das 21h00.

Aqui, o alferes ganhou esperança em encontrar comida. Mas, tal como no Ingoré,  veio com as mãos a abanar. Não havia nada a fazer e pusemo-nos a caminho de Binar e Bissorã. Em Binar, nem parámos, só quando chegámos a Bissorã descansámos, já passava das 3h00 da madrugada

Refeitos, prosseguimos, primeiro para o Olossato e depois para o K3 e aqui o alferes recebeu uma mensagem para rumar para Mansabá, onde nem parámos e depois para Mansoa.

Desde Susana, trazia de reboque um Unimog “gripado”. Em Mansoa ficámos a aguardar o pelotão que vinha de Porto Gole [1].

Quando chegaram de Porto Gole as duas viaturas, um jipe e um Unimog, a coluna pôs-se finalmente em marcha de regresso a Farim.


Bricama, uma tabanca de pouca confiança


Na tabanca de Bricama, viviam homens válidos para pegar em armas. O comandante da 1ª CCaç, um capitão cujo nome não recordo, era uma pessoa já com certa idade, tratava-me por cunhado, entendeu entregar ao chefe da tabanca dez armas Mauser, para a autodefesa da tabanca. E se tudo corresse bem estava na intenção de entregar, mais tarde, espingardas G-3.

Um mandinga, chamado Malan Injai, também conhecido por Manjai, andava, de tabanca em tabanca, a vender cola e aproveitava para colher informações, que depois passava à tropa. Um dia disse que a tabanca de Bricama não era de confiar e a tropa decidiu recolher as armas.

Um certo dia, Malan Injai entrou no quartel exausto e com ar de sofrimento. Apresentou-se ao oficial de dia e mostrou-lhe as costas em chagas provocadas por chicotadas que lhe tinham dado na mata de Bricama, onde fora preso por uma patrulha do PAIGC, que o acusou de prestar informações à tropa.

Depois de aprisionado e apresentado ao chefe e à população da tabanca, como informador da tropa e traidor, foi levado para um acampamento, onde foi julgado e condenado à morte, por fuzilamento, quando amanhecesse.

Felizmente para o Malan, no grupo que o prendeu, havia um patrício dele que se condoeu e o soltou por volta da meia-noite. Malan pôs-se em fuga e caminhou na mata até Farim, onde chegou mais morto que vivo. Muito emocionado, relatou tudo o que tinha acontecido.

Quando Malan se apresentou ao capitão da 1ª CCaç, em Farim, este, prudentemente, optou por recolher as Mausers que estavam em poder do chefe da tabanca de Bricama.

Para o efeito encarregou o alferes Almeida, do esquadrão de Bafatá 
 [2], para executar a diligência no dia seguinte, na qual eu também participei.

Chegados à tabanca de Bricama fomos acolhidos por pouca gente, ao contrário das outras vezes. O alferes perguntou pelo chefe da tabanca. Veio um filho que informou que o pai se tinha deslocado a Farim, chamado pelo administrador.

– E onde estão as armas?

–  Não posso mostrar. Quando o meu pai sai, fecha a casa e leva as chaves com ele.

–  Por onde passou o teu pai? Não o vimos no caminho!

–   Nós costumamos seguir a corta-mato, que é mais rápido.

Perante esta resposta e como não convinha demorar, o alferes resolveu regressar. Chegados a Farim, fomos directamente à casa do administrador, que informou o alferes Almeida de que o chefe da tabanca tinha ido a casa de Braima Baio, chefe da tabanca de Farim, e que desconhecia se ele ainda regressava naquele dia a Bricama ou se dormia em Farim. O administrador prontificou-se a enviar o motorista a casa de Braima, no bairro de Morocunda, incumbindo-o de trazer o chefe da tabanca, caso ele lá se encontrasse, o que não sucedeu. O motorista, quando regressou, disse que o chefe já tinha regressado à tabanca. E o alferes Almeida prontamente deu a informação ao nosso comandante.

No dia seguinte, de manhã, voltámos a Bricama e encontrámos o chefe da tabanca. Após os cumprimentos, o alferes quis saber dos motivos que o tinham levado a Farim, a casa do administrador, ao que ele respondeu que era devido ao atraso nos pagamentos do imposto. E o alferes continuou:

– Viemos cá, para falarmos sobre esta questão: o chefe tem entre 60 a 80 homens aptos a usarem armas. E, dentro de algum tempo, nós vamos receber mais armas. Assim temos que recolher todas as Mausers, que estão à sua guarda, a fim de serem substituídas por G-3, que são muito superiores. E, logo que seja possível, entregaremos mais algumas.

De imediato, o chefe da tabanca dirigiu-se a casa e, pouco depois, surgiu com nove armas.

– Não são nove. Pela relação que tenho, são dez Mausers!

A arma que faltava tinha já sido recolhida pelo cabo da arrecadação, uma vez que se tinha verificado anteriormente que a arma não estava em condições. Resolvida a questão, regressámos a Farim.


Os dois primeiros  ataques do PAIGC a Farim, no 2ºseemstre de 1963

Quatro ou cinco meses depois de ter sido transferido para Farim, a 1ª CCaç deslocou-se numa coluna de quatro viaturas, à serração de Carés, que ficava perto de Fajonquito, na linha da fronteira com o Senegal. 
[Carés, topónimo que não existe, mais provavelmente trata-se de Caresse]

Quando chegámos arrumei o meu carro junto de outras viaturas. Na minha viatura vinham soldados africanos, nas outras que me seguiam vinham soldados africanos e europeus, que pertenciam ao esquadrão de Bafatá e que estavam destacados na 1ª CCaç, em Farim.

Quando acabámos de estacionar, fui surpreendido por uma voz conhecida. Era o 1º cabo Eurico.

 Eh, pá, não há como na tropa! Um dia separámo-nos em Cacine, junto à fronteira com a Guiné-Conakry, nunca pensei voltar a encontrar-te na Guiné quanto mais neste local, junto à fronteira com o Senegal!

Chamou os colegas [3], fizemos uma grande festa e perguntei onde estavam agora colocados.

 Em Canhamina    responderam.   [Canhamina ,a seguir a Fajonquito, a nordeste, já na carta de Tendinto, que nos falta].

Pouco tempo depois,
 Carès passou a ser terra de ninguém. Num dia, o proprietário da serração, temendo ser atacado, comprou armas e munições para a defender. Mas não resistiram ao ataque do PAIGC. O dono da serração morreu no local e a serração fechou e foi transferida para Bafatá, para um local perto da minha casa [4].

Estava uma noite de luar. Eu tinha-me deslocado ao bairro de Sinchã e estive a divertir-me com alguns colegas. Com a noite já adiantada, resolvi regressar ao quartel. No caminho, quando estava a chegar ao bairro de Nema, vi o pelotão de milícias formado à porta do régulo Made Sissé. Estavam a preparar-se para se dirigirem para os locais de vigilância à segurança do bairro. Passei por eles, sem me dirigir a ninguém, pois estava com pressa de chegar ao quartel, que não ficava a mais de meio quilómetro.

Uns metros andados fui surpreendido por barulho de tiros e de rebentamentos, que me pareceram atingir toda a vila.

– Mas que é isto?  interroguei-me, espantado, sem saber bem o que fazer.

Se tentasse deslocar-me para o quartel, algum militar que me visse a aproximar, baleava-me logo. Por outro lado não me parecia que regressar ao local de onde tinha partido, fosse uma boa solução. As milícias armadas tinham-se espalhado pelo bairro e o perigo para mim era o mesmo. Agachei-me, colei-me ao chão, a pensar no que havia de fazer. O fogo abrandou e a correr alcancei o bairro de Mancanha, já muito próximo do quartel. Vi uma casa e abriguei-me na varanda. O tiroteio recrudesceu e eu bati à porta.

– Quem é?

– Abra a porta!

– Não!

– Se não abrir, vou ter que arrombar!

– Tenho medo!

– Não tem que ter medo, sou militar!

Vendo a porta aberta, entrei precipitadamente, fechei-a e fiquei com a chave na mão. Era um velho que vivia sozinho.

Desconfiados, mantivemo-nos algum tempo a olhar um para o outro. Não me sentia confiante no meu companheiro e, por isso, resolvi não dormir, embora os olhos se me quisessem fechar. Não o deixei sair, nem para urinar, permaneci toda a noite sentado e só resolvi sair, quando as armas se calaram, o que aconteceu por volta das 5 da manhã. Entreguei-lhe a chave, mostrando-lhe que, em mim, não havia qualquer má intenção, apenas queria abrigar-me do tiroteio.

Dirigi-me a um posto de vigilância, próximo dos Correios, e aguardei a viatura que estava a recolher os vários militares dispersos pelos postos de vigilância.

Quando cheguei ao quartel, viviam-se os momentos habituais depois de um ataque. Cada um falava e contava como tinha sido. Emoções e lembranças surgiam a cada passo. As recordações do acontecido duraram poucos dias. Mas estávamos certos que o 1º ataque, de que houve memória, do PAIGC a Farim se iria repetir.

Uma semana depois da recolha das armas em Bricama, o nosso comandante entendeu estar na altura de ver como a população da tabanca estava a reagir. A minha GMC, carregada de soldados,  abria uma pequena coluna de quatro viaturas. Íamos com destino a Bricama, uma localidade atravessada por um ribeiro com muita água e sobre o qual havia uma ponte de troncos de palmeiras.

A tabanca estava na outra margem, a pouco mais de 50 metros. Quando nos aproximámos da ponte, foi com surpresa que verifiquei que tinha sido queimada.

– Siga, continua    gritou-me o alferes Almeida.

– Então e a ponte, meu alferes?

Vendo-me parado a olhar para os restos calcinados da ponte, avançou com o jipe.

– Toca a saltar cá para baixo, menos os condutores    ordenou.

Verificando que a travessia não se podia fazer, mandou o pessoal embarcar novamente e regressámos a Farim.

Esta foi a última saída a Bricama e também o adeus à população da tabanca, que julgávamos nós estava libertada da influência do PAIGC. A partir deste acontecimento, redobrámos a vigilância, as vias de acesso a Farim passaram a ser mais controladas e tivemos consciência que a zona de Farim estava a entrar numa nova fase da guerra.

Não ficámos muito admirados, quando dias depois, Farim voltou a ficar debaixo de fogo. Não foi tão violento, nem tão prolongado como o primeiro. Não houve vítimas do nosso lado, do outro não sei. Também desta vez, me encontrava fora do quartel, estava de serviço aos Correios.

 (Continua)

______________

Notas do autor:

[1] Da CCaç 413, comandado por um alferes que me disseram mais tarde ser sobrinho do Brigadeiro Arnaldo Schulz, nomeado Governador-Geral em 29 março de 1964, quando eu me encontrava ainda em Farim.

[2] ERec 385

[3] Do Pel Caç 870

[4] Depois de 25 de Abril de 1974 a serração acabou por ser abandonada.


[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos /  negritos / parênteses rectos, com ntas adicionais, para efeitos de edição deste poste: LG. ]

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(**) Vd. os outros postes anteriores:

22 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23728: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte IV: Infância e adolescência

16 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23713: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte III: Colocado em Farim, na 1ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim

14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

5 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23671: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte II: 1962, recruta em Bolama e instrução de especialidade no CICA / BAC, Bissau: o racismo primário do cmdt da CART 240

22 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão

22 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14282: Os Nossos Camaradas Guineenses (41): Amadu Bailo Jaló (Bafatá, 14/11/1940- Lisboa, 15/2/2015): 13 anos ao serviço do exército português (1962-1975), "em perigos e guerras esforçado mais do que prometia a força humana" (Virgínio Briote)