domingo, 21 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18235: Blogpoesia (549): "As escolinhas primárias", "Parado às dez...", e "Secaram as fontes", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


As escolinhas primárias

Eram singelas. Espalhadas. Expostas ao sol.
Uma porta vermelha. Duas janelas.
Irradiavam calor. Faziam sonhar.
Ensinavam a vida. O mundo. Com cor.
Eram alfobres. Cultivavam os pobres.
Faziam doutores, só a quarta classe.
Ensinavam a escrita. Os rios e serras.
Os caminhos de ferro.
Cultuavam a pátria.
Fertilizavam a terra.
Jorravam alegria.
Um jardim de flores.
Eram altares.
Hoje, encerradas. Cercadas de ervas.
Morrem de tristes.
Aguardam seu fim.
Mas outras, ainda bem.
Emprestam as salas aos livros da aldeia,
Alojam os ranchos das danças,
As mesas de votos.
E, uma já vi.
Um bom restaurante,
Serve quem passa,
À beira da estrada, com sombra.
A cozinha cá fora.
Que bem se ali come,
Não longe de Alcácer…

Berlim, 17 de Janeiro de 2018
8h46m
Jlmg

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Parado às dez…

Cravado à parede da casa,
Desde o tempo passado,
Era branco. Pretos ponteiros.
Os números romanos diziam as horas que eram.
Partiu-se-lhe a corda e o relógio antigo,
Sem dono, ali ficou parado. Exausto. Sozinho.
Se lembra o passado e chora.
Se lembra da festa que foi.
Comprado novinho, em folha,
No ourives da vila.
Saíu da caixinha em cartão.
Subiram-no numa escada.
Na parede, um cravo.
Deram-lhe corda.
Soltou uma cantiga sonora.
Como se tivesse garganta.
Ensaiou uma dúzia.
Depois acalmou.
Atirou-se ao tempo.
E ficou. Desde então, contando as horas do tempo da casa.
Nunca se enganava.
Já sabia de cor.
Ali jaz, calado às dez, coberto de pó.
Ninguém olha para ele…

Berlim, 19 de Janeiro de 2018
21h33m
Jlmg

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Secaram as fontes

Que secura tão grande. Secaram as fontes.
Não há pinta de água. A sede é faminta. Devora.
A pele secou.
O pó tapa-me os poros.
Respirar custa cada vez mais.
Eram suaves os ventos.
Da terra brotavam sementes.
A verdura da vida sorria.
No fundo do vale, o rio corria.
No azul profundo do céu o sol brilhava, aquecia.
De vez em quando vinham do mar nuvens carregadas de chuva.
Parece que tudo morreu.
Mas, no fundo de mim, a esperança não morre.
Há sempre um vale para além daquela montanha onde as fontes não secam…

Ouvindo Adágio de Sebastião Bach
Berlim, 20 de Janeiro de 2018
8h49m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18211: Blogpoesia (548): "Rastejante e subtil", "Subindo a montanha", e "Sinfonia dos pardais", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

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