sábado, 20 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18232: Os nossos seres, saberes e lazeres (249): À sombra de um vulcão adormecido (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 7 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
É inevitável grossas bátegas de chuva no mês de Outubro, no Vale das Furnas. Depois tudo amaina, ficam por vezes umas nuvens esfiapadas que afugentam a luz do sol, parece que a natureza fica dormente, expectante. O viandante recomenda que, faça sol ou chuva tremendamente, deve-se procurar alcançar esta fabulosa visão panorâmica da Lagoa das Furnas a partir do Pico do Ferro.
O viandante está nostálgico, é quase o termo das férias e reavivam-se gratas memórias que justificaram plenamente aqui voltar 50 anos depois de uma inolvidável experiência. Em jeito de despedida, dar-se-á conta dessas memórias para relevar os aspetos mais recônditos desta paixão açoriana.

Um abraço do
Mário


À sombra de um vulcão adormecido (4)

Beja Santos

Cai uma chuva diluviana, persistente, foi assim toda a manhã. O viandante não se inquietou, estava a passar em revista as recordações indeléveis desde Outubro de 1967 a Março de 1968: as recrutas, foram duas, tiveram uma importância transcendental na sua vida, descobriu os genes de liderança, ponto capital para tudo quanto se veio a passar na tormenta guineense, a partir de Agosto de 1968; as amizades, os passeios, a descoberta da natureza, não como adjuvante da cultura mas como pilar do desenvolvimento humano; as crianças dos Arrifes, as minhas cúmplices, enquanto oficial de dia era fim de tarde de rancho melhorado, abria-se latas de atum, dava-se fruta, todas as sobras de carne, aquelas meninas e meninos, naqueles dias iam para a cama com o estômago mais aconchegado. Não me despeço dos leitores sem lhes mostrar imagens desse tempo.
Ao princípio da tarde, os céus aliviaram-se, foi uma oportunidade única de ver a Lagoa das Furnas em intensas tonalidades que a tornam mística, uma paisagem de idílio para espíritos românticos.



O miradouro chama-se Pico do Ferro e assegura uma visão panorâmica com vários desfrutes: a dimensão da lagoa e a envolvente vegetal; o vale com o seu casario disperso, os sinuosos cursos de água, as culturas, até os jardins, nem tudo cabe na imagem, reteve-se num olhar embevecido. Entretanto, adensou-se a neblina, o céu forrou-se, à cautela desceu-se até à lagoa, aguarda-nos uma profunda quietude na mansidão do espelho de água.


Alguém disse que os tons da água eram de turquesa, outro replicou que era jade, fosse o que fosse era uma cor que bem acasalava com aquele solo fértil, arvoredo é coisa que não falta. E regressou-se ao vale, à espera de outros recantos inesperados, no céu, na terra ou nas gretas de água.


Apeteceu um café, havia mesas no exterior, em frente um largo gracioso, ajardinado, ali despontava, sem qualquer concorrência, uma altíssima palmeira. Não era noite nem dia, o céu forrado diluiu-se e deu lugar a este assombroso movimento de azul e branco, de claro-escuro. Porque nos Açores tudo é possível, como neste caso envolver de ramaria o céu celeste e fazer içar, aos píncaros, uma garbosa palmeira; alguém comentou ao lado que parecia uma fazenda em África, houve sorrisos, a foto circulou de mão em mão, houve quem quisesse apanhar aquelas tonalidades, no seu capricho o céu já era outra coisa. Para o viandante, sempre desconcertado na sua inabilidade, esta imagem é um achado dos céus.


Falou-se da Lagoa das Furnas, da Ermida de Nossa Senhora das Vitórias e do Jardim de José do Canto, pois aqui estão reproduzidos num amplo conjunto azulejar em castanho esfumado. O que mais agradou ao fotógrafo amador foi poder meter-lhe as hidrângeas por baixo, misturar natureza com azulejos pintados.




Deriva agora o passeio para o parque florestal das Furnas, uma graciosidade, aqui há um pouco de tudo, água e bicharada, canteiros aprimorados, explorações agrícolas, arvoredo que vai trepando até às cumeeiras, patos, faisões, trutas. Impressiona a delicadeza e o desvelo de quem aqui mantém tudo num brinco, impossível resistir à desenvoltura das palmeiras, do que resta da hidrângeas, e estas camélias amarelas são francamente irresistíveis, abençoada ideia de quem sugeriu o passeio ao parque florestal.



Na quietude do fim do dia, aqui fica o registo dos gamos em posse para a fotografia, o pato em atividade tem que ser apresentado, segundo uma placa chama-se pato ferruginoso, há patos de outros pontos do mundo, este foi o escolhido pois as águas ferruginosas estão de feição com um pato de igual calibre.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18207: Os nossos seres, saberes e lazeres (248): À sombra de um vulcão adormecido (3) (Mário Beja Santos)

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