sábado, 4 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17935: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (53): Os "comerciantes" e os "outros"... Lá, em Angola, Guiné e Moçambique, muitas vezes mais valia um ano de tarimba do que dez de Coimbra...



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel > Foto 32 A > Pormenor; quatro funcionários dos correios (à esquerda), seguidos de quatro comerciantes, o libanês José Saad (e filha), o Mota, o Dantas (e filha) e o Barros.


 Foto (e legenda) do nosso saudoso Victor Condeço (1943/2010) / Edição e legendagem complementar:  © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.



I. Três comentários do nosso amigo e camarada António Rosinha, ao poste P17920 (*):


1. No início da Guerra do Ultramar houve sempre uma enorme falta de diálogo entre quem chegava ("tropa") e quem residia ("brancos").

Nunca houve diálogo entre os "brancos" e "tropa", antes pelo contrário. A mentalidade de quem chegava para combater os "turras", diziam os oficiais milicianos, e não só, que estavam ali por culpa dos "brancos" que trataram mal os "pretos" e estes revoltaram-se.

Testemunhei isto em Angola, ao vivo e a cores.

E insistia-se,  e ainda hoje se ilude muita gente, que os comerciantes ("brancos") roubavam os "pretos", quando na realidade, para quem viu por dentro,os comerciantes eram os únicos brancos que se entendiam em várias línguas com o povo.

O comerciante que não tivesse uma afinidade e confiança total com o povo, (várias etnias) podia fazer as malas e mudar de vida,  pois falia muito rapidamente

Nem os missionários nem chefes de posto, (metropolitanos, indianos ou cabo-verdianos) tinham o conhecimento e o relacionamento com os povos, igual ao dos comerciantes.

Foi esta gente o grosso dos "brancos", colonialistas, exploradores e futuros retornados,  que nem Spínola, nem Lobo Antunes, nem os alferes-de-coimbra, chegaram a compreender.

E gente como os estudantes do império, Pedro Pires, Amílcar Cabral, Lúcio Lara,  etc. souberam explorar maravilhosamente esse desentendimento, "tropa"  versus "brancos".

Se em Angola, não na Guiné, a "vitória era certa" contra os "turras", u ma das razões que ninguém menciona, era um entendimento mútuo dos comerciantes,  e mesmo capatazes de fazendas, poliglotas, e sua prole, com os povos, que formavam uma barreira onde o adversário era naturalmente repelido.

Claro que muitos comerciantes ficaram reféns, como este Rendeiro, pois tinham família para cuidar.
Só falo do que vi.

2. A maioria dos comerciantes oriundos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Minho e gradualmente por aí abaixo, com dezenas de anos de trópicos, com famílias constituidas lá, brancas ou mestiças, tinham opinião bem mais formada do que qualquer Governador, com comissões de 4 anos, ou Generais e Intendentes de passagem como cão por vinha vindimada ?

E que «antiguidade" devia ser um posto?

É que aquela gente sabia bem mais que qualquer PIDE, que mais que evidente, tiveram pouco sucesso, deviam ser aproveitados inteligentemente, como em muitos casos aconteceu em Angola, para na língua materna dos povos se fazer em directo, a tal luta da psico-social.

Falar os idiomas nativos era sucesso garantido para aquela guerra, comprovadíssimo em Angola.

Só eles mesmo é que tinham esse trunfo nas colónias africanas, a tropa nunca entendeu completamente esse pormenor, e em Angola, só a partir de certa altura (1966 mais ou menos)é que aproveitou os imensos poliglotas que eram esses comerciantes e sua prole.

Atenção que, se olharmos para o PAIGC, MPLA e FRELIMO, tinham na sua direcção, filhos ou netos dessa estirpe de gente, (brancos ou mestiços)e vejam quem ficou no "poleiro" em todas as colónias.

No entanto, havia muitos movimentos que ficaram todos a ver navios, eram os tribais.

O  "pau de dois bicos" dos comerciantes não era propriamente dar informações militares aos "turras", até porque a maioria pouco saberiam do que se passava nos quarteis mais do que qualquer garoto que vivia à volta dos quarteis.

O pau de dois bicos constava em simplesmente em fazer aviados de mantimentos aos "turras" sem os denunciar, caso não pudessem evitar. Eram casos conhecidos publicamente, caso de madeireiros em Angola.

E pelo que se deduzia na Guiné em conversas entre velhos comerciantes, após a luta, com Luís Cabral a mandar, aconteceria esse "fenómeno", era o desenrascanço.

Os únicos que já não eram periquitos, eram esses velhos comerciantes do mato, porque até os da cidade nunca chegaram a saber bem o que se passava no cabeça dos indígenas e dos brancos.

Ao fim de 30 anos nos trópicos, sou um periquito, porque nunca falei com um indígena na sua língua.

3. É natural que da maioria dos militares que passaram pelas colónias, mesmo aqueles que tinham papéis de comando, a nível quer de pelotão ou companhia  ou quer a nível de  batalhão, só poucos se teriam debruçado sobre o que era o "comércio de permuta", que se praticava no interior, não nas cidades, no caso da Guiné, Bissau apenas.

Mesmo em Gabu e Bafatá, quer comerciantes fulas ou caboverdeanos que ficaram com as lojas dos europeus, retornados, alugadas ou usurpadas a estes, ainda praticavam em alguns casos , o comércio de permuta.

Isto em 1987, residi um ano em Gabu onde fui inquilino numa casa de um desses antigos portugueses.

Por exemplo uma simples bola de cera de mel de Canjadude, para ser negociada entre a família vendedora e o comerciante, requeria um diálogo em que se discutia o que podia valer de coisas das prateleiras que podiam interessar aos elementos da família.

Desde óleo, sal, panos, chinelos chineses, arroz...e isto tudo usando argumentos em que na colheita anterior bola de cera idêntica ainda estava na memória de todos, o que tinha rendido.

Quem diz uma bola de cera, diz um carneiro, uma vaca, ou o  mesmo saco ou bacia ou balaio de arroz ou mancarra após cada safra.

Quando se diz que o comerciante "roubava na balança", ou no rol, isso era conversa de merceeiro das nossas velhas aldeias, ali essa da balança podia contar para o controle do próprio comerciante, mas não contava nada para o cliente, aliás, na permuta, eram clientes quem estava do lado de dentro ou de fora do balcão.

Quero com isto dizer que para ganhar dinheiro naquele tipo de negócio, era preciso uma especialização para quem saía das nossas terrinhas, algumas destas que arderam agora, nem com coimbra-e-tarimba se chegava lá.

Nem com comissões de dois ou quatro anos de função pública, e canudo universitário se chegava a entender o que era aquele trabalho.

Quando se fala em «periquitos», esta gente seriam aqueles que na realidade não eram periquitos.

E alguns desses comerciantes tinham uma particularidade. é  que chegavam a dominar dois e mais idiomas tribais, porque era-lhes necessário, o que lhe granjeava o respeito muito particular entre os populares.

No caso da Guiné, todos os comerciantes que quiseram ficar, continuavam, após o 25 de Abril, e até com protecção mais ou menos garantida, embora fossem sapos que alguns dirigentes tiveram que engolir.

Só que com o regime comunista/cabralista instalado, já nada compensava insistir em tanta incongruência e desordem económica e a maioria foi saindo de vez.

Além de Spínola, eram os comerciantes aquilo que os guinenses tinham mais lembranças nos primórdios da libertação.

A independência tinha que ser, e o que tem que ser...!

Mas tenhamos mais respeito pela inteligência daqueles povos, já que os vencedores, alguns "Estudantes do Império", se esqueceram tanto desse mesmo povo.  (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 31 de outubro de 017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...

(**) Último poste da série > 15 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17862: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (52): Das pequenas recordações dos vários quartéis a mais artística que ficou lá a "apodrecer", foi o memorial na ponte de Caium

Guiné 61/74 - P17934: (De)Caras (98): Canquelifá, 16 de abril de 1972: quem diria que eu escaparia desta? !... Ninguém, nem eu nem o meu burrinho do mato... (Francisco Palma, Sold Cond Auto da CCAV 2748, Canquelifá, 1970/72)


Foto nº 1 A


Foto nº 1 
O Unimog 411 ("burrinho do mato"), depois da explosão da mina A/C, em 16 de abril de 1972

Foto (e legenda): © Francisco Palma (2017) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de 29 de outubro último do nosso amigo e camarada Francisco Palma (ex-sold cond auto rodas, CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72)

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal

Junto anexo foto do Unimog 411 (Burrinho do Mato,) com o qual, acionei a mina anticarro, do lado esquerdo, e que só hoje me conseguiu chegar obter, cedida por  de um camarada de armas .

Se entenderem juntar ao meu curriculum, agradeço, com a seguinte legenda:


"Quem diria que, no dia 16 de abril de 1972, eu conseguisse escapar daqui, com vida?...

"Somente (!) fraturei os dois pés, e ficando com uns estilhaços no corpo

"Ninguém diria, nem eu... nem o meu burrinho do mato!..."

Um grande abraço aos dois .
Francisco Palma


2. Comentário do editor:

Só dois pezinhos fraturados?!... Que "sortudo",  Francisco!... E já lá vão 45 anos!,,,

Pois é, o Francisco está  aqui, de pedra e cal, na nossa Tabanca Grande, desde 5 de novembro de 2007. Quando se apresentou ao pessoal, escreveu:

(...) Há a registar ainda o rebentamento de uma mina anticarro, onde eu fui o único ferido. Sofri fracturas múltiplas em ambos os pés, quando conduzia um Unimog 411 (Burro do Mato) que transportava mais 11 Camaradas. Faltavam só 3 semanas para o regresso. Hoje sou DFA com 30,58% de deficiência. Com a idade as sequelas agravam-se, mas estou vivo. (...) .

Guiné 61/74 - P17933: Agenda cultural (601): Hoje, na Casa do Alentejo, em Lisboa, às 15h00: O poeta Silvais (Évora) e seus convidados, confrades da poesia popular + Grupo Coral Fora D'Oras (Montemor-o-Novo)


“Alentejanos a tocar, a cantar e a versar na Casa Mãe” – 4 Novembro 2017 – 15h – Salão Agostinho Fortes

É este sábado, dia 4 de Novembro, pelas 15h, a Casa do Alentejo recebe uma Tarde Cultural Alentejana com o “Poeta Silvais” e seus convidados.

Venha participar nesta tarde cheia de cultura, poesia, música e convívio à boa maneira alentejana.


Programa:

· Manuel Carvalhal - Poeta Silvais (Évora)

· Catarina Rosmaninho - Poetisa Rosabela

· Inácio Teixeira - Poeta

· António Casqueiro - Poeta Zeca

· Mira Serrano - Fadista

· Maria de Fátima Mendonça - Poetisa

· Isidro Lobo - Acordeonista

· José Mendes - Músico

· Grupo Coral Fora D’Oras (Montemor-o-Novo)


ENTRADA LIVRE!

Casa do Alentejo

Rua das Portas de Santo Antão, 58

1150-268 Lisboa


CANTE ALENTEJANO
É PATRIMÓNIO
DO ALENTEJO PARA O MUNDO




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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17904: Agenda cultural (600): lançamento do livro "Aristides de Sousa Mendes: memórias de um neto", de António Moncada S. Mendes. Lisboa, 31 do corrente, 3ª feira, às 18h30, no Salão Nobre do Palácio da Independência. Apresentação a cargo da historiadora Irene Pimentel.

Guiné 61/74 - P17932: Convívios (829): No próximo dia 16 de Novembro de 2017, em Algés, vai-se realizar mais um Encontro dos Magníficos da Tabanca da Linha


Vai realizar-se no próximo dia 16 de Novembro, quinta-feira, às 13 horas, mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha, no Restaurante "CARAVELA DE OURO" em Algés

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17890: Convívios (828): os esquálidos, esgrouviados, a companhia do Como, os bravos do Cachil... os 'últimos moicanos' da CCAÇ 557 (1963/65), mais de meio século depois do seu regresso, voltam a encontrar-se, pela 29ª vez, no próximo dia 4 de novembro, agora em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço)

Guiné 61/74 - P17931: Recortes de imprensa (90): A Guiné na revista Panorama (1946, 1954) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Atenda-se à prosa de exultação sobre a colonização da Guiné, há um cuidado imenso em brandir algumas datas bem convenientes, eram uma fórmula segura para abafar silêncios, nesta prosopopeia nunca se diz que foi preciso esperar pelo século XX para ter uma presença efetiva, mas mesmo assim deixando muitas regiões sem conhecer branco.
A convenção Luso-francesa de 1886 foi bem generosa com os portugueses, deu-lhes uns bons palmos de terra onde nunca tinham posto os pés e os franceses, com astúcia e blandícia, subtraíram a Portugal a região de Casamansa, onde se estava presente, numa boa atmosfera de negócios.
A história da Guiné está carregada de silêncio, só agora é que começa a ganhar linearidade e a ser confrontada com as civilizações africanas envolventes. Mas mais vale tarde do que nunca...

Um abraço do
Mário


A Guiné na revista Panorama (1946, 1954)

Beja Santos

Não é a primeira vez que aqui se faz referência à revista Panorama. A partir de 1941, apareceu como a principal publicação do Secretariado da Propaganda Nacional, fazia eco dos eventos do regime, das belezas regionais, incluindo as imperiais, publicava contos e não se cansava de exaltar o património natural e construído. Foi obra de António Ferro, rodeou-se de um conjunto significativo de artistas plásticos e fotógrafos de primeira plana, tinha um grafismo bem modernista, era uma linha avançada da revolução cultural segundo o Estado Novo.


A Guiné merece um conjunto de referências na Panorama. Circunscrevemo-nos a duas. Em 1946, temos as comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné. O artigo é de Carlos Parreira, dá-nos um conjunto de notas que nos permite perceber como se visualizava a Guiné e a sua história:

“Nuno Tristão descobre em 1446 o rio Geba, a que Cadamosto, o Veneziano Célebre, chama, mais tarde, rio Grande. Surpreendem-no os Nalus, e massacram-no, com mais 20 dos seus companheiros. É pouco mais ou menos nessa época que Lançarote, escudeiro do mesmo Príncipe, funda a primeira companhia colonial. Começa, então, o tráfico de escravos. Decorrem dois anos. O dito escudeiro envia os seus navios à Guiné, e em 1461 as ilhas de Cabo Verde são colonizadas com os indígenas dos nossos domínios do continente africano. A primeira cidade portuguesa que se instala no Rio Grande de Buba, em Guinala, fundam-na um punhado de monges, em 1584. Em 1588 constroem-se as fortificações de Cacheu, o Forte e a Igreja de Buba, as aldeias de Bolola e de Geba. Mais três anos ainda, e surge Farim. Só muito mais tarde, em fins do século XVII, é que são construídas a Fortaleza e a Feitoria de Bissau. É a Companhia de Cacheu e Cabo Verde que as torna possíveis. Estamos no século XIX. Nessa época procura a Grã-Bretanha, por todos os meios, apoderar-se de Bolama. Resolve o conflito, a favor de Portugal, a arbitragem do Presidente Grant.

Em 1879, subtrai-se a Guiné aos laços administrativos, que até então a prendiam a Cabo Verde, e passa a ser uma Província.

Em 1910, ainda é necessário manter na colónia um regime misto, da administração civil e militar. Tribos guerreiras povoam a Guiné, dispostas a não abdicarem da sua atrabiliária independência… Em 1910 toda a Guiné é um acervo de ódios, fermentando contagiantes rebeliões, entre a matula indígena que a povoa. Nenhuma sorte de segurança podem esperar, para as suas vidas, de obreiros pertinazes, os núcleos europeus, que lá se instalaram. Perspetivas de assaltos, de ataques sem quartel, ululando todas as imaginativas de crueldade. Ora é neste preciso instante que o Destino criou a figura enorme de Teixeira Pinto. Foi com este homem que a pacificação da Guiné passou a constituir para Portugal, uma das mais ardorosas gestas de heroísmo".

Sabe-se hoje que as coisas não se passaram rigorosamente assim, logo Nuno Tristão não chegou ao rio Geba, para começar. E nas entrelinhas dizia-se que a presença portuguesa era pouco menos que uma quimera. Artigo profusamente ilustrado por belas fotografias de Mário Novais. Estamos em 1954, Salazar discursa em 6 de Dezembro na Assembleia Nacional sobre o tratado luso-brasileiro, a Panorama dedica um volumoso número a tudo quanto é Portugal e Brasil e todas as nossas parcelas do império. O texto apologético é minguado, mais fantasioso do que histórico:
“Outrora, a esta terra cortada de canais, olhavam-na como um inferno de vida e de morte - sobretudo de morte. O emigrante de raça branca tinha de enfrentar a hostilidade do clima, as doenças e a animosidade voluntariosa dos naturais. No decorrer dos anos porém, pacificou-se o indígena, procedeu-se a obras de saneamento, criou-se uma estrutura sanitária eficaz e completa.

Lenta e seguramente, no lugar da legenda de abandono e de mágoa, surgiu uma nova e mais verdadeira imagem da Guiné: a imagem de uma terra acolhedora e fértil, progressiva e civilizada. A benéfica mudança respeitou, contudo, a caraterística fisionomia guineense. Como outrora, ainda hoje tumultuam, nas ruas das cidades, os representantes de 12 diversíssimas raças negras; idiomas bárbaros ressoam à nossa volta. A paisagem humana não mudou; como não mudaram também, as longas planícies matizadas, a humidade quente, as plantações de milho e de mancarra. As longas filas de bambu. Apenas, com a civilização, nasceram aglomerados urbanos, cimentou-se uma cultura; rasgaram-se mais de três mil quilómetros de estradas, que substituindo vantajosamente os tortuosos e incómodos caminhos do mato, permitiram a ocupação efetiva da província”.

Artigo profusamente ilustrado, como se verá.

A beleza do tarrafo



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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17912: Recortes de imprensa (89): A Guiné na revista Panorama, pelo escritor Castro Soromenho, 1941 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17930: Bravo Oscar Alfa November Oscar India Tango Echo Charlie Alfa Mike Alfa Romeo Alfa Delta Alfa Sierra. STOP. Echo Sierra Tango Oscar Uniform Charlie Alfa November Sierra Alfa Delta Oscar. STOP. Victor Oscar Uniform Delta Oscar Romeo Mike India Romeo. STOP.


Código Fonético Internacional



Bravo Oscar Alfa  November Oscar India Tango Echo
Charlie  Alfa Mike Alfa Romeo Alfa Delta Alfa Sierra. STOP.
Echo Sierra Tango Oscar Uniform
Charlie Alfa November Sierra Alfa Delta Oscar. STOP.
Victor Oscar Uniform
Delta Oscar Romeo Mike India Romeo. STOP.



Guiné 61/74 - P17929: (D)o outro lado do combate (16): O Rodrigo Rendeiro, depois de regressar a Bissau, terá fornecido preciosas informações à FAP , permitindo a localização (e bombardeamento) das bases do PAIGC em Morés e Dandum, segundo Maria José Tístar, autora de "A PIDE no Xadrez Africano: conversas com o inspetor Fragoso Allas", Lisboa, Colibri, 2017 (pp. 191/192)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: (i) o alf mil António Pinto; (ii) o Mário Soares, comerciante de Pirada e "agente duplo";  (iii) o alf méd médico (e grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes (1933-2012( ; e (iv) e o alf mil Spencer.

Foto (e legenda): © António Pinto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda a historiadora Maria José Tístar ("A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Coilibri, 2017, pp. 191/192), o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro deu à FAP ou à "aviação militar" indicações muito precisas (e preciosas...) sobre a localização das bases do PAIGC em Morés e de Dandum. 

Recorde-se que ele passou lá, na base do Morés, duas semanas, em setembro de 1963, entre depois de ter sido "capturado" pela guerrilha em Porto Gole, e levado para o Senegal.  Pelo caminho conheceu comandantes da guerrilha como o Caetano Semedo (, (Baroudulo), Osvaldo Vieira (Morés), Mamadu Indjai (Fajonquito / Olossato), Lourenço Gomes (Samine / Senegal), Pedro Pires (Dacar, Senegal).

O documento que ele assinou em Dacar, declarando a sua adesão ao PAIGC, só podia ter sido feito para lisonjear os seus captores. (*)

Em Dacar, com liberdade de movimentos, acabou para fugir para a Gâmbia e depois regressar a Bissau, com a ajuda de informadores da PIDE bem como das embaixadas da Suíça e da Inglaterra. Na altura a Suiça representava os interesses de Portugal no Senegal.

O inspector Fragoso Allas nunca contactou pessoalmente o Rendeiro. Tanto quanto se lembra ele, enquanto informador, acha que devia estar ligado ao posto de Farim. Mas era mais lógico que fosse o posto de Bafatá, já que o Rendeiro vivia em Bambadinca.

O supracitado livro, que só folhei na FNAC, utilizou o nosso blogue como fonte, por mais de uma vez (vi referências à batalha de Guidaje e ao nosso saudoso Daniel Matos (1949-2011), um dos "marados de Gadamael", ex-fur mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74.

No índice onomástico do livro, deparei-me logo com um erro: o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro vem referido como citado na pág. 216, quando devia ser nas pp. 191/192, donde retirei a informação supra.

Acrescente-se que outro informador da PIDE/DGS, melhor conhecido da opinião pública, e ao mesmo tempo informador do PAIGC, era o António Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal. Contrariamente ao Rendeiro, que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS,  o António Mário Soares ficou na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975, segundo a fonte que estamos a citar, a investigadora Maria José Tístar. (***)

2. Sobre o Fragoso Allas, encontrei algumas valiosas notas biográficas, anexas à notícia do do lançamento do livro da doutora Maria José Tístar, no portal Dos Veteranos da Guerra do  Ultramar - Angola, Guiné, Moçambique, 1959-1975. (Curiosamente,  no livro não há um  CV tão detalhado como o do portal Ultramar Terraweb.)

Com a devida vénia aos camaradas que editam o Ultramar Terraweb, faço aqui um pequeno resumo do CV do homem que foi um dos braços direitos do general Spínola, em 1971/73, no CTIG:

(i) António Fragoso Alas nasceu em 1934, em Reguengos de Monsaraz, distrito de Évora;

(ii) em 1956/57 faz o COM (Curso de Oficial Miliciano), em Mafra,  na Escola Prática de Infantaria;

(iii) aspirante a oficial milicano, é colocado no RI 2, em Abrantes;

(iv) em meados de 1957 oferece-se como voluntário, em regime de rendição individual, para uma comissão especial de quatro anos integrado na guarnição normal do Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG);

(v) integra, a partir de 1957, a 4.ª Companhia de Caçadores Indígena, aquartelada em Bolama;

(vi) já como alferes miliciano, vai formar e comandar, em Bedanda, em setembro de 1959, o 1.º Pelotão da 4.ª Companhia de Caçadores Indígena;

 (vii) em final de 1960, é promovido a tenente miliciano; e em outubro de 1961 regressa à Metrópole;

(viii)  em abril de 1962 ingressa nos quadros da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), sendo  colocado nos serviços centrais,  em Lisboa;

(ix) em abril de 1963 é chefe-de-brigada da delegação da PIDE em Angola;

(x) no final de 1968, já inspector-adjunto, é colocado em Kinshasa como "adido comercial" na missão portuguesa junto da embaixada espanhola;

(xi) em 13 de julho de 1971 é transferido para Bissau, tomando possse como chefe da subdelegação da Guiné da Direcção-Geral de Segurança (DGS);

(xii) em 10 de setembro de 1973 é transferido para a delegação  da DGS, em Lourenço Marques, Moçambique; menos de três meses, em finais de novembro de 1973, é  transferido para os serviços centrais da  DGS, em Lisboa;

(xiii) em 24 de abril de 1974 está de volta a Moçambique e, em 10 de junho de 1974, está em Luanda, para logo regressar a Lisboa, em 6 de julho desse ano;

(xiv) a seguir aos acontecimentos do 28 de setembro de 1974,  emigra para a Rodésia;  em 1978 instala-se na África do Sul, em Joanesburgo, como empresário.
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Notas do editor:

(*) Vd. 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17917: Notas de leitura (1009): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. 2 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17926: (D)o outro lado do combate (15): continuação da odisseia do Rodrigo Rendeiro que acabou por regressar a Bissau, com um salvo-conduto do consulado da Suíça em Dacar, que o levou até à Gâmbia...

(***) Vd. 31 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...

Guiné 61/74 - P17928: Notas de leitura (1010): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (7) (Mário Beja Santos)

Chegada dos aviadores a Bolama em 1925  
Foto: Com a devida vénia ao Blogue Bernardino Machado


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
A correspondência oriunda do gerente da filial de Bolama, nas décadas de 1910 e 1920, não esconde as desavenças entre republicanos, o nepotismo e o arrivismo, a troca de papéis entre os protagonistas que vão da política para o comércio, da vida militar para a de fazendeiro.

Foi durante a organização da documentação deste período que encontrei um ofício datado de 16 de Fevereiro de 1923 onde se apresenta a Companhia de Fomento Nacional, que tinha a sua sede na Aldeia do Cuor, regulado onde vivi 17 meses consecutivos.

Há 50 anos intrigava-me aqueles panos monumentais de pedra perdidos dentro da natureza bravia, mesmo a beijar o Geba Estreito. Esse mistério está dilucidado, resta saber como esta empresa deu lugar a outra dentro do Cuor, a Sociedade Agrícola de Gambiel, onde trabalhou o professor Armando Zuzarte Cortesão, cuja cama em ferro herdei, dádiva do régulo Malâ Soncó. Coisas da vida...

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (7)(*)

Beja Santos

O relatório de 1922, ano em que o governador é já o Tenente-Coronel Velez Caroço, anuncia uma certa lufada de ar fresco quanto aos termos da governação, mas não esconde as graves dificuldades económicas e financeiras e o permanente caos administrativo.

De uma forma sintética, o gerente da filial de Bolama aborda diferentes pontos. Sobre a vida económica e financeira do município de Bolama, fala das poucas receitas e da necessidade de auxílio do governo; em contrapartida, o estado da Fazenda Pública revela desafogo devido ao aumento das contribuições, incluindo o do imposto de palhota. Quanto a vias de comunicação para o interior, reporta que falta completar a estrada que liga S. João a Jabadá (sede da circunscrição civil de Quínara) e dá conta que se tem em vista a construção de uma ponte de alvenaria que ligue aquela região à de Geba, daí deduzindo que ficaria Bolama ligada ao continente; falando das estradas, diz que não são macadamizadas por falta de pedra e que as valetas não têm escoante. Pela primeira vez refere-se ao Governador, Tenente-Coronel Velez Caroço:

“Continua a merecer os encómios dos europeus residentes nesta província. Pena é que a sua ação, entravada muitas vezes porque questiúnculas políticas locais, não se estende, como seria para desejar, a todos os serviços públicos por forma a que os diversos ramos da atividade colonial tivessem o desenvolvimento necessário para bem da província”.

Informa-se Lisboa que o governo vai adquirir a propriedade urbana e rústica da Empresa Comercial de Bijagós para aí instalar oficinas navais, tribunal e residência de alguns dos seus funcionários. E estando a falar de serviços públicos, desembesta sobre comportamentos estimados por negligentes e obtusos:

“Na magistratura desta comarca existe um elemento de valor, Dr. Horácio Baptista de Carvalho, Delegado do Procurador da República; porém, o juiz Dr. Pedroso de Lima, criatura pouco inteligente, cretina e pirrónica por princípio e feitio, é algo prejudicial às causas que correm pela sua vara. Quando alguém se admira dos seus estranhos despachos, responde invariavelmente: ‘Recorra!’. Como se um recurso não custasse atualmente muito dinheiro e não representasse, quase sempre, prejuízos grandes, devido à demora que estas questões costumam levar nas instâncias superiores. Numa acção que a nossa agência de Bissau intentou, só tem criado embaraços, não revelando a menor consideração pelo nosso banco. Em compensação, desejaria entrar para o serviço do mesmo, como Contencioso, e queria que, como Juiz, de que muito se envaidece, lhe fossem concedidas regalias excecionais para as pouquíssimas transferências que têm efetuado para Coimbra e Cabo Verde, quando, pela sua parte, no diz que respeito a Lisboa, não dá o menor interesse a esta filial, pois a mesada e as suas economias são pagas naquela cidade por intermédio da Casa Gouveia que pouco ou nada lhe leva de prémio”.

E se surpreende a forma desaforada que usa com o juiz, a mesma linguagem se estende ao que se passa nas alfândegas:

“À testa dos serviços alfandegários encontra-se um sujeito que até hoje se ignora se é europeu se cabo-verdiano, chamado Fernando Oliveira, criatura sem simpatias de ninguém, nem sequer dos seus correligionários democráticos. Foi este senhor que, como principal fator, influiu no espírito de Tribunal Administrativo, Fiscal e de Contas da Província da Guiné, composto na sua maior parte, entre os quais o nosso Juiz, de pessoas pouco propensas a interpretarem conscientemente a letra do contrato entre o nosso banco e o Estado, para indeferir o requerimento desta filial que pedia a isenção de direitos aduaneiros para a entrada na província das suas notas Chamiço, conforme estava em expresso no dito contrato. Por este motivo tivemos de recorrer para o Concelho Colonial, esperando que ali nos dêem um despacho favorável”.


Igualmente de forma sintética expende considerações sobre a agricultura, indústria e permutas. Diz que o principal ramo da agricultura indígena continua a ser o da mancarra (a produção promete ser superior à do ano pretérito), auspicia uma melhor produção de arroz, com preços muito superiores aos do ano anterior. Esclarece que os indígenas cultivam em muito pequena escala milho miúdo aqui conhecido pelo nome de milho preto. E ajuíza surpreendentemente:

“A palmeira que, sem esforço e auxílio do indígena, produz bastante coconote, se fosse beneficiada, ainda que de longe em longe produziria muito mais, vindo assim dar maior valor à riqueza desta colónia. Mas o indígena, mercê das quantias fabulosas que lhe dão pelos seus produtos, é rico, e portanto pouco se preocupa com isso.

A agricultura do europeu resume-se em plantações de coleiras e árvores frutíferas, mas estas tentativas esbarram quase sempre na falta de capitais, não obstante, pelo nosso banco, tem sido facultado ao governo da província um crédito destinado ao fomento agrícola, de 134 contos. Ao que parece, tão pouco cuidado tem merecido ao mesmo governo aquele crédito, para o fim a que é destinado, que o chamam a si, escriturando-o como receita do Estado, sob a rubrica ‘Receita Eventual’. Sobre este caso temos instantemente trocado correspondência com a direção dos serviços da Fazenda a fim de, por indicação da nossa sede, fazerem a reposição daquela importância, visto não lhes ter sido dada aplicação. Mas os nossos esforços até ao presente ainda nenhum êxito obtiveram”.

Também refere que não há indústrias na Guiné, o que há é uma tentativa de fabrico de sabão, pouco prometedora, e volta a surpreender-nos:

“O indígena não se dedica a qualquer espécie de indústria, limitando-se apenas ao fabrico das suas esteiras e adornos para seu uso. Quando a permutações com o gentio, esclarece que as principais são feitas com a mancarra, o coconote, o arroz, e numa escala mais diminuta com cera, borracha e gergelim, tudo trocado por dinheiro".

É a remexer nos dossiês desta época que este pobre escriba foi alvo de uma grande emoção. É necessário explicar porquê.

Quem põe os olhos nestas montanhas de papel e procura os aspetos mais salientes das informações que seguem de Bolama para Lisboa sobre a vida da província, viveu 17 meses consecutivos, entre 1968 e 1969, como responsável militar por dois destacamentos no regulado do Cuor. Sucede que aqui chegou em 4 de Agosto de 1968, e logo na manhã seguinte, no seu primeiro patrulhamento, por recomendação do furriel mais antigo, Zacarias Saiegh, foi conhecer Aldeia do Cuor, qualquer coisa como cerca de sete quilómetros distantes de Missirá, sede do principal destacamento.

Fez-se o percurso sem nenhum incidente, era visível tratar-se de caminhos ao abandono, entregues à natureza. De um lado, imensa vegetação, belos palmares, e do outro uma vegetação rala que permitia ver à distância do outro lado do rio Geba, que ali corre em leito estreito até Bafatá, e nessa distância o Furriel Saiegh ia explicando ao novel comandante que havia para ali terras fertilíssimas, mesmo pelos caminhos que estavam a percorrer houvera seguramente riqueza agrícola, que a guerra interrompera. E assim se chegou a Aldeia do Cuor.

Ficou uma sensação de assombro para toda a vida, pois percorrera-se aqueles quilómetros todos a ver a natureza verde, luxuriante, uma barreira de palmeiras de um lado e do outro um desafogo de panorama, alguém comentou que andariam certamente por ali gente de Mero e Santa Helena nos seus cultivos, e inopinadamente emergia do capim uma enorme construção em pedra, parecia pano de fortaleza, o novel comandante, um tanto azamboado, percorreu pelos diferentes lados aquele maciço de alvenaria, ninguém explicou do que se tratava, era empreendimento antigo, votado há muito ao abandono, nada tinha a ver com a guerra. Em Missirá, ninguém deu explicação satisfatória para tão invulgar construção, a pedra é escassa naquele território, fora seguramente trazida para construção reluzente. Mas que construção?

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca > Escala 1/50 mil (1955) > Detalhe, posição relativa de Aldeia do Cuor, na margem direita do Rio Geba Estreito; a norte, ficava o regulado do Cuor (onde havia 3 destacamentos das NT e milícias: Finete e Missirá, Fá Mandinga).
Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

E o enigma persistiu, até que de repente apareceu um documento no Arquivo Histórico do BNU datado de 16 de Fevereiro de 1923, papel timbrado da Companhia de Fomento Nacional, com sede na rua Augusta n.º 176 - 2.º, Lisboa, mas quem escrevia fazia-o de Aldeia do Cuor. Desvendava-se o segredo, o primeiro, pois como se adiantará a dita Companhia de Fomento Nacional terá dado lugar a outra empresa, a Sociedade Agrícola do Gambiel, porventura, ainda não se encontraram provas concludentes nessa associação. O que para o caso interessa é que aquele alferes miliciano descobria, cerca de 50 anos depois o nome da exploração agrícola respeitante àqueles paredões de pedra acastanhada, como reza no documento que ora tem nas mãos:

“Exploração na Guiné situada na circunscrição civil da Bafatá, ocupando em parte os regulados do Cuor, Joladu e Mansomine, fazendo sede no lugar denominado Aldeia de Cuor, à margem do rio Geba”. (**)

(Continua)

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Notas do editor

(*) Poste anterior de 27 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17908: Notas de leitura (1008): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17917: Notas de leitura (1009): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 9 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14337: Notas de leitura (689): A minha querida Aldeia do Cuor! (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17927: Parabéns a você (1335): Tenente General Pilav António Martins de Matos, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17923: Parabéns a você (1334): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Guiné, 1973/74)

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17926: (D)o outro lado do combate (15): continuação da odisseia do Rodrigo Rendeiro que acabou por regressar a Bissau, com um salvo-conduto do consulado da Suíça em Dacar, que o levou até à Gâmbia...


Papel timbrado do PAIGC, com sede em Bissau, Guiné "Portuguesa", secretariado geral, delegação no Senegal, B.P. 2319 - Dakar.


I. Afinal havia ou há, no Arquivo Amílcar Cabral, mais duas referências ao Rendeiro, de  seu nome completo, Rodrigo José Fernandes Rendeiro,  o comerciante que alguns de nós conhecemos em Bambadinca (e com quem incluive convivemos, algumas vezes, entre 1969 e 1971). 

Eis o comentário que o Jorge Araújo, [, vd. fóto à direita], nosso colaborador permanente, ex-fur mil op esp, CART 3494 (Xime, Enxalé e Mansambo, 1972/74), colocou no poste P17920 (*),


Certamente que me cruzei com o Rendeiro, em Bambadinca, entre 1972 e 1974, mas nunca privei com ele.


Quanto ao solicitado pelo Luís, aqui vai o que consegui apurar nos «Arquivos», citando o seu conteúdo e referindo as respectivas fontes.

1. Em texto assinado por Pedro Pires, dactilografado em impresso timbrado do PAIGC, datado de Outubro de 1963, refere-se o seguinte: 

“Timóteo e Rendeiro – De facto foram à Gambia. O Rendeiro deve ter seguido para Bissau. O Timóteo voltou a Dakar. Tentou entrar, às escondidas, no lar por duas vezes. Penso que ele continua em Dakar. Estou à procura de uma pequena informação que falta para ir à “Sureté” [Segurança].

Eles devem ter tido contactos com os elementos da URGP [Union des Ressortissants de la Guinée Portugaise ou UNGP – União dos Nativos da Guiné Portuguesa]. Penso isso pelos panfletos que têm saído ultimamente.

Soube que o Timóteo disse à prima que não saiu de livre vontade. Que foi obrigado a sair”.

Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36579


2. No relatório manuscrito e 
 assinado por Pedro Pires, datado de 26 de outubro de 1963, é referido o seguinte:  

“Timóteo e Rendeiro – tudo o que aconteceu foi devido a informações incompletas vindas do interior.

Depois de algumas averiguações soube que tiveram contacto com 4 cabo-verdianos que trabalham pela [para a] PIDE e que estes foram ao Consulado da Suíça e conseguiram salvo-condutos para os dois e pagaram-lhes as passagens para a Gâmbia. Tenho o nome dos cabo-verdianos e do local onde se reuniam”. 

Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41413

 II. Comentário de LG:

No mesmo relatório, do Pedro Pires, de 26 de outubro de 1963, há um  ponto interessante que merece também ser reproduzido, porque vem esclarecer qual o verdadeiro estatuto que o PAIGC queria dar a pessoas como o Rodrigo Rendeiro: o de "refugiados políticos", civis, distinto da figura do "desertor", militar (!)... Diga-se, "en passant", que a expetativa do Pedro Pires, de ter muitos desertores portugueses, saiu gorada,,,































Transcrição, revisão e fixação de texto (LG):

"2. Refugiados portugueses - O problema dos refugiados portugueses deve ser estudado com as autoridades senegalesas. Se continuar como está, será muito maçador para o Lourenço [Gomes], além do tempo que tem de estar fora do seu posto, [o] que é muito prejudicial para nós.

Parece-me que há grandes possibilidades de deserção de soldados portugueses para o Senegal,  mas teremos possibilidades materiais de os manter no Senegal ? Não seria bom ver o que pensa[m], nesse sentido, as autoridades senegalesas ? 

Não seria possível manter os desertores no mato, criando uma base só para esse fim ?

Quanto aos desertores, espero que me digam o que devo fazer com eles.  Será necessário façam uma declaração para ser distribuída no interior ? Ou uma declaração para ser distribuída à presse [imprensa] ? Enfim, mandem-me  instruções.

Quanto aos desertores, tratam-se do alferes miliciano Fernando Vaz e do sargento miliciano  Fernando Fontes.

Disseram-me  que só na 4ª feira, poderão continuar a ouvir os desertores e o Lourenço" (...)


Quanto ao nosso Rendeiro, ele parece não ter voltado para Porto Gole... Pelo menos em 1966, já não estava lá, a avaliar pelo comentário do nosso camarada José  António Viegas (ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68):

"Em Porto Gole nos anos em que lá estive, entre 1966/68,  havia a Casa Gouveia em que estava à frente um cabo.verdiano que se chamava Albertino que vivia com a mãe. Em frente havia outra casa comercial de um tal João, que me parece que era de Braga, esse sim jogava com o pau de dois bicos. Ainda cheguei a ter discussões com ele na altura da compra do arroz, que ele pagava o preço do arroz limpo pelo mesmo preço do arroz com casca, além da pesagem que era sempre a enganar.

"Se bem que raramente via pagamento em dinheiro,  era a troca por folha de tabaco e outros géneros que os Balantas necessitavam . Depois de sair de lá,  acho que a tropa o prendeu,  não voltei a ter mais informação. " (*)


Ainda estou por descobrir quando é que ele se fixou em Bambadinca... (Em 1963, não me parece que tivesse casa ou loja em Bambadinca, a avaliar pelas memórias do nosso camarada Alberto Nascimento) (**). De qualquer modo, o Rendeiro foi à luta e teve que reconstruir a sua vida. Como muitos outros comerciantes e colonos (metropolitanos, cabo-verdianos, sírio-libaneses...) de quem pouco ou nada a História fala... Temos a obrigação também de lhes dar "voz"...

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Guiné 61//74 - P17925: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (4): Homenagem, por iniciativa da Embaixada de Portugal, aos nossos mortos, no cemitério de Bissau, ontem, dia 1 de novembro







Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério > Talhão da Liga dos Combatenets > 1 de novembro de 2017 > 

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2017) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de ontem, do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, um antigo "filho da Escola" [leia-se: fuzileiro da Marinha Portuguesa], radicado na Guiné-Bissau há 4 décadas, fundador e diretor da empresa Impar Lda,  


Bom dia, desde Bissau (*)

Junto algumas fotos que tirei hoje no cemitério de Bissau.

Conforme convite da nossa Embaixada (ver em baixo)

As campas estavam pintadas e arranjadas.  Foram benzidas por um padre.

Estavam os nossos militares da cooperação militar, adido militar e funcionários da nossa Embaixada , o representante da Liga dos Antigos Combatentes, assim como alguns empresários portugueses que cá exercem a sua actividade.

Abraço
Patricio Ribeiro
impar_bissau@hotmail.com


2. Convite da embaixada de Portugal na Guiné-Bissau, para cerimónia na capela da Liga dos Combatentes em 1/11/2017

Transmito a seguinte mensagem que me foi transmitida pelo

Sr. Adido da Defesa Sr. Coronel José Morgado

CONVITE PARA CERIMÓNIA NA CAPELA DA LIGA DOS COMBATENTES

Caríssimos,

No dia 1 de Novembro (4ª feira), pelas 09H30, na Capela da Liga dos Combatentes (cemitério de Bissau), terá lugar uma cerimónia simples mas significativa, em honra dos nossos combatentes que pereceram na República da Guiné-Bissau.

A cerimónia terá uma pequena missa, seguida pelo ato simbólico de deposição de uma coroa de flores no monumento erigido em honra dos nossos combatentes.

Após a deposição da coroa far-se-á um minuto de silêncio em honra dos nossos combatentes.

Assim, fica aqui o convite para quem tiver a disponibilidade e pretenda participar neste evento.

Se tiverem conhecimento de alguém que gostaria de participar, mas não está na lista de destinatários, agradeço que divulguem.

Com os melhores cumprimentos,
Tiago Bastos
Delegado
Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal
Conselheiro Económico e Comercial
Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau e Embaixada de Portugal no Senegal (não residente)


Embaixada de Portugal em Guiné-Bissau
Av. Cidade de Lisboa, C. Postal 276, 1021 Bissau Codex
M. EMB.: +245 966 990 029 M: +245 966 495 613
tiago.bastos@portugalglobal.pt

www.portugalglobal.pt
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17924: Os nossos seres, saberes e lazeres (238): Mais uma vez os velhinhos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)

© Adão Cruz

1. Em mensagem do dia 29 de Outubro de 2017, o nosso camarada Adão Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), enviou-nos este texto que, com muito humor e ironia, descreve um quadro comportamental de pessoas de idade avançada, "os velhinhos", como lhes chama.


Mais uma vez os velhinhos

Adão Cruz

Aqui há uns tempos atrás escrevi um texto intitulado “os velhinhos”, o qual transcrevo de seguida, a fim de dar sequência ao que hoje, sobre o mesmo tema, vos quero dizer. 
Desta forma, tento fazer um enxerto de encosto, ou melhor, um enxerto de garfo entre este texto e o que hoje vivi à hora do almoço. 

 “Há vários restaurantes clássicos e tradicionais no Porto, aos quais acorrem, sobretudo ao Domingo, as terceira e quarta idades. 
Como é óbvio, também por lá ando. Odeio a velhice mas nunca os velhinhos, um pouco na mesma linha de que odeio as religiões mas nunca os que as professam. 
Por vezes convido o meu filho Marcos, não só porque gosto de estar com ele, mas também como contrapeso. Empresta-me um certo arejo de mais novo, e permite-nos discorrer sobre filosofias da vida para as quais nos estaríamos marimbando se não fosse a garrafinha à nossa frente, às vezes duas. 

Hoje fui sozinho a um desses restaurantes comer um cozidinho à portuguesa. Ia eu a meio da orelheira quando eles, os velhinhos, começaram a chegar. Bem alinhados nas roupas e nos arranjos, eles e elas, mais elas do que eles, numa derradeira tentativa de exumar alguns restos de juventude. 
Logo à cabeça, um antigo colega meu do Hospital de Santo António, que por acaso operara em tempos idos a minha irmã, e logo atrás a sua própria irmã, que fora minha colega de curso. Que ternura! Quem os viu e quem os vê! O suficiente para eu parar de roer a unha, do porco, claro, e abrir os arquivos neuronais de há trinta ou quarenta anos atrás. Quase me apetecia chorar se não fosse as couvinhas estarem-me a saber tão bem. 
Logo a seguir, uma senhora de média idade, com ar de Senhora de Fátima, pedia uma mesa para seis. Podia ser aquela que estava mesmo à minha frente, disse o empregado. 
Logo entraram dois de terceira idade, mais um de quarta idade, e, um tanto atrasados, uma outra senhora de meia idade, também com ar de Nossa Senhora de outra coisa qualquer, amparando um velhinho a arrastar-se, de braços trémulos no ar, como que a dizer “Dominus Vobiscum”. Uma cena provavelmente comum no Reino dos Céus. 
Dizia um dos de terceira idade, carteira a tiracolo, calça pelo meio da perna e sapatilhas brancas da moda: então, o que escolhem? Ao que respondeu o outro, de quarta idade, a quem uma lufada de vento havia tombado definitivamente para o lado esquerdo: comida mole, comida mole. 

Tomei o meu cafezinho e pedi a conta. Nesse preciso momento, sentou-se na mesa ao lado um sujeito dos seus oitenta e muitos, torcendo a face com aquele esgar esquisito que denuncia a puta da dor das artroses, todo vestido a condizer, certamente ao gosto da filha ou da neta e não da mulher, que Deus provavelmente já havia chamado à sua Divina Presença. 
No meio da confusão, o empregado colocou a minha factura na mesa do velho, ao que ele reagiu vociferando: Que caralho é isto? Eu ainda nem pedi nada! 

É preciso vir a estes sítios para sentirmos a ternura da velhice. Odeio a velhice, mas cada vez mais me sinto pateticamente encantado com o mundo dos velhos, a sua profunda poesia e a dramática coreografia da antecâmara da morte”

Hoje, dia 29 de Outubro, lá estava eu no meu lugarzinho no centro da primeira sala do “Caetano”, quando começam a entrar os velhinhos da terceira e quarta idades. Uma verdadeira enchente, quase parecia uma peregrinação. Não sei qual a causa de tal invasão, mas talvez o facto de a hora ter mudado lhes tenha feito sentir que tinham mais uma hora de vida. 
Um verdadeiro caos que pôs os empregados à nora, a servirem aos gritos e a trocarem peixe por carne e entradas por saídas. Nunca tal barafunda eu vi. 

Gostaria de descrevê-los a todos mas é impossível. Um deles, com muitos em cima dos oitenta, de calção e mochila às costas, presa apenas pela asa esquerda e que o fazia pender para esse lado, pendência que ele equilibrava com a bengala na mão esquerda, caminhava quase afoitamente em frente. Dizia o provável filho que o seguia atrás: 
- Sempre em frente, cuidado com o degrau. 
Respondia o velhinho: 
- Sempre em frente, cuidado com o degrau. Mas se não fosse, de imediato, o filho deitar-lhe a mão à alça da mochila bem que ele batia com o nariz no chão. 
Logo de seguida, outro pai velhinho com um andarilho em cada mão. Dizia-lhe o presumível filho: 
- Cuidado com o degrau. 
- Eu sei, respondeu o pai, mas se não fosse a rápida mão do filho a arrepanhar-lhe a gola do casaco, lá ia o almoço no dia em que a hora mudou. 
Um outro velhinho, de braço dado com a filha ou nora, era delicadamente arrastado ao longo da sala. Ao passar junto à minha mesa que ficava mesmo em cima do trajecto, embateu com uma cadeira que estava um pouco desalinhada. 
Olhou-me com a ferocidade que a idade lhe permitia e atacou: 
- Que grande merda. 
Uns passos adiante, alguns neurónios lhe devem ter dito que não foi correcto. Voltou a cabeça na minha direcção, e com um esgar em forma de sorriso emendou: 
- Desculpe. 

Eu ia a meio do pernil, quando uma velhinha muito pequenina e curvada, a passar para a quinta idade, acompanhada pela filha - desta vez era mesmo filha porque as caras eram iguais - alta, quase velha e de mini-saia na fronteira do arrojo, me desejou bom apetite, com um sorriso do tamanho da filha que tinha uns saltos dos sapatos do tamanho da mãe. 

Já eu tinha na frente o cafezinho, quando entram três irmãs, bem perto dos noventas, discutindo entre elas se o cozido teria orelheira e focinho. Se não tivesse iriam para o robalo. 
Sentaram-se atrás de mim e a conversa continuou, desta vez à volta do tintol. Um quarto, meia, ou uma? 

Sabia-me bem estar ali mais algum tempo, mas a minha mesa que era de três estava a ser precisa. 
Um após outro, uma após outra, entrelaçados de filhos, netos e artroses, os velhinhos entravam aos magotes, como eu nunca vi, em direcção ao sacrossanto altar das tripinhas e do cozido do “Caetano”. 

Eu sei lá, era tal a balbúrdia que os empregados perderam a postura e até me debitaram metade do que eu consumi. Não incluíram a segunda caneca de tinto nem o pão nem o bagaço, mas puseram na conta uma sopa que não comi. Costumo sempre corrigir as contas, mas desta vez, dada a confusão, calei-me. 
Ficou ela por ela.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17922: Os nossos seres, saberes e lazeres (237): Em Drumlanrig Castle, o esplendor dos jardins escoceses (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17923: Parabéns a você (1334): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Novembro de 2016 > Guiné 61/74 - P17921: Parabéns a você (1333): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17922: Os nossos seres, saberes e lazeres (237): Em Drumlanrig Castle, o esplendor dos jardins escoceses (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 24 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Quando se encontram dois ingleses, a conversa arranca sempre à volta das condições meteorológicas ou do que se está a passar nos respetivos jardins.
Propor a ingleses um passeio a uma casa senhorial não levanta quaisquer obstáculos, quem não quer visitar salões vistosos e bibliotecas com imensas fotografias da família e até membros da corte, passeia-se pelos jardins. Foi o caso da escolha turística do dia, Drumlanrig Castle, houve quem suspirasse de alívio quando soube que a riquíssima coleção do duque de Buccleuch e Queensberry ainda não estava aberto ao público, foram todos para os jardins, magistralmente tratados. É o culto do jardim, árvores, arbustos, espécies exóticas, não será por acaso que o mais inacreditável da floricultura mundial tem sempre exemplares em qualquer ponto do Reino Unido.
Foi o dia mais económico do viandante, era o seu aniversário, foi alijado de despesas...

Um abraço do
Mário


Em Drumlanrig Castle, o esplendor dos jardins escoceses (7)

Beja Santos

A companha pregou uma surpresa ao viandante, após as suas abluções, foi tomar o pequeno-almoço e encontrou este cartão de parabéns, era dia de aniversário. Não é sobre o evento que vos quero falar mas sim sobre o fenómeno destes cartões que fervilham nas relações sociais: parabéns, boas festas, congratulações pelos mais desvairados motivos. Não há papelaria em todo o Reino Unido onde não se encontrem em variedade estes cartões, que recorrem sobretudo ao humor. Na contínua complexidade multicultural em que ali se vive, há séria discussão sobre o que se deve mandar na festa natalícia, chega-se ao cúmulo de falar no nascimento de Jesus, nada de presépios, nada de estrelas de Belém, muito menos reis magos e pastores enternecidos, para não ofender as outras religiões… É debate para durar, mas há um grupo sólido que se está perfeitamente nas tintas e celebra de acordo com as suas convicções. No caso do viandante, beneficiou de uma tirada de boa disposição. Recebeu este cartão, e agradeceu a toda a gente. E o dia foi muito feliz, marchou-se para Drumlanrig Castle, alguém retivera uma frase do viandante que se mostrara interessado em conhecer a coleção de arte do Duque Buccleuch e Queensberry, uma sumptuosidade onde constam um Da Vinci, artistas como Gainsborough, Reynolds e Rembrandt. À entrada, deu-se a má notícia que a coleção não estava disponível ao público, só em pleno Verão, mas se o viandante vinha à procura do Da Vinci, este, desde que fora roubado e recuperado, podia ser visto na Galeria Nacional, em, Edimburgo, a virgem com o menino e a roca de fiar. Fica o consolo de adquirir a imagem na loja, para todos verem que vale a pena sempre ir à procura de Da Vinci.




Pois bem, não há coleção de arte, mas pode mirar-se este belo edifício e passear pelos magníficos jardins. Com todas as suas alterações, Drumlanrig Castle pertence à família do duque há mais de 600 anos. Paga-se à entrada, entra-se pelos jardins que se dispõem em terraços como se fossem socalcos. A primeira impressão é muito forte, há teixos com mais de 300 anos a separar o jardim de instalações que tanto são a casa de chá como os estábulos.



Estamos entre a Primavera e o Verão, para um português assombra este verde húmido, não há qualquer sinal de verdura fanada, não há sol suficiente para estafar o verde vivo, são jardins formais, laboriosos jardineiros limpam, cortam e recortam, usam a topiária, são espaços harmónicos, mais adiante vamos encontrar jacintos bravos e coisa rara de ver papoilas nepalesas.


Quando se entra nos jardins de Drumlanrig Castle dão-nos um roteiro, há muito para ver: jardins dos bosques, das rochas, com plantas, jardins que parecem jardins alpinos, aqui e acolá rododendros vistosos, parecem árvores, azálias, há mesmo um jardim de Inverno e uma estufa vitoriana, cascatas, espaço para que as crianças andem entretidas. Foi uma visita cativante, depois veio o bichinho da fome, a companha partiu ordenadamente para a sala de chá… e que sala de chá!


Pelo caminho, deu-se uma espiada pelo que fora a quinta desde a chegada das máquinas. O viandante observou que um bom número de visitantes parava diante desta viatura que deve ter dado brado no seu tempo, pode-se perceber porquê, e também pensar como os britânicos estiveram na vanguarda da mecanização agrícola.


Não se vão mostrar as delícias da pastelaria nem confeitaria, e ninguém duvidará que havia ali comezainas para todos os paladares, até refeições ligeiras, sumos naturais e inevitavelmente o chá. O que mais empolgou o viandante foi a opulência dos cobres, e o que se mostra é uma minoria, havia muita gente espalhada pelas mesas, deu algum trabalho esperar que uma mesa vagasse e houvesse tempo para mostrar os tachos de outros tempos. E com o estômago satisfeito, a companha regalada atravessou campos e vales até chegar a Moffat.




O viandante avisou a companha que amanhã vai vadiar sozinho, mete-se num autocarro quase às cegas, e bate umas aldeias. Como aqui se mostra do que se passou, ele cultiva pormenores como este, uma bela ferragem a encimar a bandeira da porta, um indício de que neste lugar aparentemente insignificante por aqui passou Arte Nova, que os descendentes dos primitivos proprietários não desdenham. E fazem bem.

(Continua)
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Nota do editor

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