quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18081: Os nossos seres, saberes e lazeres (244): São Torpes, entre Sines e Porto Covo (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 6 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Há muito que se falava numas férias neste ponto do litoral alentejano, havia saudades do casco histórico de Sines, da sua preciosa comida, do infindável dos areais, daqueles rochedos curvados e recurvados. E há sempre o fascínio pela regeneração urbana de Sines, a multiplicidade portuária, tanto o porto de pesca como aquela linha contínua o porta-contentores que correspondem ao cartaz de que ali se abre uma porta para a Europa. E mais, havia saudades do centro de artes de Sines, um projeto dos arquitetos Aires Mateus, que foi finalista do Prémio de Arquitetura Europeu Mies van der Rohe, um dos mais consagrados.
Foi uma visita inesquecível, a neta rejubilava com as ondas, foi o eflúvio de alegria deste velho viandante.

Um abraço do
Mário


São Torpes, entre Sines e Porto Covo (1)

Beja Santos

Sines: praias, pescadores, terminal de carga, porta-contentores, património histórico, Vasco da Gama, centro de artes, festivais de música, comida. O viandante vinha com um firme propósito: alegrar a neta, doida por água, por saltar nas ondas, por resmungar na hora da retirada, a Benedita parece incansável, depois come uma pratada e faz a sesta. A casa que nos serve de refúgio é no Paiol, longe das centrais e perto da aprazível tasquinha de dona Anabela, que tem pão da Sonega e azeitonas gostosas, comida caseira primorosa. O que se vê nestas duas primeiras imagens é uma dádiva de Deus: muito provavelmente aquela flor é mais do que anual, dura um dia, aconteceu a companha aqui ter chegado e recebido tão maravilhosas boas vindas. Quanto ao nenúfar, é outra história, quando o viandante andou pela Guiné, em 2010, contemplou vezes sem conta, à volta dos arrozais aqueles tanques de água pejados de nenúfares. Aqui, dentro do tanque há uns peixinhos que quando veem um ser humano aproximar-se vêm à tona da água, querem amesendar-se, devem viver uma fome eterna. Isto para dizer que o meio circundante da casa do Paiol é magnífico, até grasna um ganso alimentado a alface e outras verduras.




É a neta quem decide o local do banho, está agradada com a bela temperatura, consta que devido à central elétrica, ali bem pertinho. O areal perde-se na lonjura, pergunta-se ao nadador o que é que se está a ver lá ao fundo, na ponta de tanta sinuosidade entre falésias e rochas espetadas no mar, e ele diz que é o Pessegueiro, depois de Porto Covo. O viandante confia, dentro de dias vai a Porto Covo conversar com Inácio Maria Góis, autor de uma das obras-primas da literatura guineense, um fabuloso diário, conversa proveitosa, o autor aceita que o seu livro seja revisto e inclusivamente Cherno Baldé, que veio de Fajonquito, fará as devidas emendas quanto à toponímia.


É necessário encarar a fortaleza para dar apreço ao que o velho casco histórico oferece. Não é um castelo esmagador, mas aquelas muralhas devem ter intimidado quem aqui se aproximava com más intenções. Hoje, é um castelo bonacheirão, já não há piratas nem corsários há o festival Músicas do Mundo, por ali andou Vasco da Gama, ali perto há uma praia com o seu nome. Andava o viandante numa sessão de cumprimentos na Pensão Carvalho, e apanhou este topo de casario à apontar para um tramo da muralha, gostou e disparou a imagem.


Esta adega é mais do que um edifício Arte Deco em formato modesto, o seu interior é uma preciosidade de tasca de outros tempos, enquanto a neta se atirava, lambona, a bifinho com ovo a cavalo, o avô enfrentava uma esplêndida meia-desfeita, foi almoço histórico, havia quem comesse javali, preciosidade da terra, o viandante nem oferecido comeria tal iguaria, lembra-se até à eternidade daqueles bifes duríssimos comidos em Missirá, há falta de melhor, aquilo nem com pimenta era tragável. Gostos não se discutem, até porque em breve aqui vem à procura do prato-ícone da adega, a feijoada de búzios.



Por aqui se entra para o tocante museu de Sines, vale a pena visitá-lo às frações, exibe vestígios de idades vetustas e chega à atualidade, pelo meio mostra relíquias como uma mercearia, como era na minha juventude. Logo à entrada temos estas colunas que vieram de um convento e que impressionam pela sua beleza, como seria o portal desta igreja, teria adro, como seria o seu interior? Questões para as quais não encontra resposta; por aqui o viandante passará várias vezes e sairá com as mesas incógnitas.



Faz-se uma pausa na visita ao museu, há por aqui imenso calor e a neta quer um sumo e um bolo de arroz. É nisto que se depara esta janela de outras eras, uma perfeição Arte Deco, o viandante já vira coisas parecidas, nada como esta. Irrecusável o seu registo, não vale a pena acrescentar mais o viandante tem obsessão por janelas, portas e portais, batentes e afins. Cada um é como é.


Não é uma obra qualquer de Graça Morais, ela por aqui andou e deve ter-se afeiçoado às fainas dos marinheiros, impossível ficar indiferente às formas, aos volumes, à expressão do olhar deste homem que ela imortalizou. Só por este quadro vale a pena regressar.



É o fim do dia, o céu cobre-se de umas nuvens escuras, é sinal que devemos abandonar a praia, vir para casa preparar a janta. Qualquer coisa chocalha na cabeça do viandante, não são nuvens como as pintou Turner, já as viu num livro qualquer, imprevistamente acende-se luz e lembra-se do pintor russo Isaac Levitan, desculpem a associação, mas aquele céu de Sines tinha algo de romântico. E assim nos despedimos nos primeiros dias, entre Sines e Porto Covo.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18052: Os nossos seres, saberes e lazeres (243): Em Vila de Rei, um passeio em relance (2) (Mário Beja Santos)

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