quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17883: In Memoriam (306): Cadi Candé (c.1927-2017), arquétipo da mãe africana, exemplo de humildade, abnegação e coragem... Homenagem à mãe do nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé (Bissau)


Guiné-Bissau > Bissau >  c. 1995/1997 > Eu e a minha mãe, Cadi  Candé (c. 1927-2017) ... Aqui com c. 70 anos. A foto foi tirada depois do primeiro regresso do Chermo Baldé, de Lisboa, onde frequentou, um mestrado no ISCTE  (1993/95)


Guiné > Região de Bafatá > Fajonquito > 1973 > A mãe Cadi  Candé (c. 1927-2017),  acompanhada da minha irmãzinha,  nos trabalhos da bolanha.  Aqui com c. 46 anos

Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Pela página do Facebook do Cherno Baldé soubemos da triste notícia, a morte da sua querida mãe, Cadi Candé, com cerca de 90 anos de idade:

17/210/2017

Tudo acaba.

No dia 13 de Outubro faleceu em Bissau a minha querida mãezinha, Cadi Candé (que a sua alma repouse em paz), e no dia seguinte foi enterrada na vila de Fajonquito, onde viveu a maior parte da sua vida.

A todos que nos acompanharam nessa dor, quero manifestar os nossos sentimentos de gratidão. Tudo acaba, mas a vida continua.


2. Seu neto, Braima K. Nhamadjo (, "meu sobrinho, filho da minha irmã que está numa das fotos com a nossa mae na bolanha de Fajonquito, actualmente docente na Universidade Lusófona de Bissau#.), também escreveu na sua págima do Facebook:

17/10/2017

Tudo acaba.

Andar com fé é saber que cada dia é um recomeço. É saber que temos asas invisíveis e fazer pedido para as estrelas, voltando os olhos para o céu. Andar com fé é manter a mão estendida para dar e receber. Andar com fé é usar a força e a coragem que habitam dentro de nós, quando tudo parece acabado. Tudo finda, menos o amor, pois este sempre viverá. O amor a minha falecida avo é eterno...RIP MAMA CADI


3. Excertos do Cherno Baldé, com memórias da sua mãe (*)


(i) Amiga Felismina  (**),

Obrigado por este bonito quadro da vida portuguesa dos anos 60, pleno de doçura e de reconhecimento que me encantou sobremaneira. (...)

A descrição que fazes da tua mãe, salvaguardada a diferença do contexto, claro, corresponderia na perfeição a minha mãezinha, um pouquinho só mais alta (um metro e sessenta) talvez, inteligente e incansável no trabalho.

Ela assumia a sua condição de mulher africana, extremamente dócil e obediente, mas ao mesmo tempo, sabia mostrar os limites da tolerância, quando era necessário.

Uma vez, estalou na família uma discussão sobre se eu devia ou não continuar na escola portuguesa. A minha mãe não vacilou nem um palmo e disse na cara do meu pai:
- O meu filho vai continuar na escola.

 E aí o meu pai ficou completamente confundido: afinal o filho era dela?... desde quando?
- Desde o momento em que ele ainda vivia na minha barriga de mulher, - respondeu ela, sem pestanejar. - Não é agora, depois de tantos anos de trabalho e de pancadas,  é que ele vai abandonar, para ir onde?

A sua decisão prevaleceu diante de todos os Almames e Califas da aldeia.

As características típicas da sociedade africana com que os etnólogos europeus pintaram os africanos, onde o homem é o centro do mundo e decide tudo, não corresponde sempre a realidade destes povos, é tudo muito mais complexo e muito mais difícil de destrinçar e de catalogar.(...)

(iii) (...) Sobre a minha mãe podia dizer muito e não dizer nada, na verdade, ela nunca foi p'ra além daquilo para que tinha sido moldada, isto é, ser uma mulher de casa, camponesa activa, devota e dedicada ao seu marido e à sua família. Cumpriu a sua missão, foi uma autêntica escrava, uma máquina de trabalho, nunca teve tempo para o repouso e muitas vezes comia de pé, a andar, os restos da panela e não sabia o que era o cansaço. Era a última a dormir, quando dormia, e a primeira a por-se de pé, antes das 5 da manhã.

(...) A minha mãe, quando era caso para isso, dizia brincando que, se a cabeça da família era ele, o meu pai, o pescoço era ela e perguntava, rindo:

- Agora, digam-me lá uma coisa, entre estas duas, a cabeça que se encontra em cima, baloiçando, e o pescoço que a suporta, quem é a mais importante?

Mas isto era a brincar e em família. 

(...) Hoje, com mais de 80 anos de idade (disse-me que por volta de 1936/37, quando o pai voltou de Canhabaque, ela teria aproximadamente 9/10 anos de idade), e como se ela soubesse do futuro, é cega e sou eu e a minha esposa que cuidamos dela. A saúde e a boa disposição começam a faltar mas ainda encontra-se fisicamente bem e de sentido bem lúcido, a sua memoria é prodigiosa.  (...) 

Quero agradecer a todos os editores do Blogue da Tabanca Grande por se interessarem por uma pessoa tão simples como é a minha mãe que espero possa representar, mesmo que de forma simbólica,  a mãe africana, em particular, e as mães de todos nós, de forma geral, exemplos de humildade e de abnegação.


4. Poema de Felismina Mealha, de homenagem à sua mãe (*)

Saudade

Há sempre no fundo do meu ser
Uma saudade do passado!
Saudade de uma voz.
De um corpo querido
Que há muito partiu
e nos deixou sós!
Uma voz estridente!
Bem timbrada!
Inteligente!
Forte!
Calma!
Uma voz que me enche a alma
e me acalma…
A voz da minha mãe!..

Felismina Costa
Agualva, 26 de Março de 2006


6. Comentário dos nossos editores:

Cherno, nosso amigo e irmãozinho:

Temos dificuldade em aceitar a morte, mesmo quando somos crentes.  E, pior ainda, a morte daquela por quem viemos ao mundo,  A "mindjer grandi" Cadi Candé chegou ao km 90 da autoestrada da vida, Africana, guineense, mulher, que conhecei a violência da guerra e os tempos difíceis do pós-independência, o seu caminho foi mais o da "picada" do que o da "autoestrada", a avaliar pela evocação, tão realista e tão terna, que fazes dela.

Afinal, a mãe de cada um de nós, na Guiné, em Portugal, ou na China, será sempre, para nós, a melhor mãe do mundo... E quando ela morre, é muito de nós que também morre com ela. Daí a nossa obrigação de evocarmos a sua  memória, de fazer.lhe a devida homenagem e mostrar-lhe a nossa gratidão....

A Candi Candé terá tido grandes alegrias e profundas  tristezas, como todas as nossas mães.  Uma alegria, grande por certo, foi a de saber que o seu filho querido tinha conseguido fazer o seu percurso escolar, com sucesso,  chegando até à universidade, e diplomando-se com um curso superior. Tu e nós todos, os teus amigos,  estamos-lhe gratos por ela (e oo teu pai...) te deixar continuar a estudar na escola dos "tugas"... Isso fez toda a diferença, entre vocês, os irmãos...(Julgo que tens um outro irmão, licenciado pela Universidade de Lisboa, farmacêutico.)

Devia ser uma senhora, a tua mãe, com grande inteligência emocional, mesmo sendo analfabeta. Pelos textos que escrevestes, sobre a tua saga familiar, percebe-se que foi uma figura estruturante na tua vida, e na vida dos teus irmãos. Como tu lembras, e muito bem, se o teu pai era a "cabéça", ela era o "pescoço", se não mesmo a "coluna vertebral" da família.

 Por outro lado, estás de parabéns, tu e a tua família, e em especial a tua esposa,  por cuidares bem da tua mãezinha,  nos últimos anos de vida, na tua casa em Bissau, com tanto amor e carinho.  São valores, esses, que transmites aos teus filhos e  que se estão a perder em todo lado, a começar pela Europa. Os "velhos" hoje são apartados das famílias e  institucionalizados, nos famiegrados "lares de idosos", verdadeiros "terminais da morte", e morrem quase sempre sozinhos, sem alguém, querido,  que lhes segure a mão e lhes feche os olhos, ajudando-os a fazer a derradeira viagem.

Aceita, Cherno,  este pequena homenagem dos teus amigos da Tabanca Grande. Força para ti, para os teus filhos, tua esposa e demais família. (LG/CV/EMR) (***)
___________

17 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Caro Cherno, envio o meu abraço fraterno e solidário.

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Lamento muito.
Sabemos que a Lei é essa, mas nunca estamos preparados.

Um Abraço e que possas guardar a sua memória para sempre.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

"Tudo acaba mas a vida continua"...

Sem dúvida, Cherno, tens 50% do ADN da tua mãe,e os teus filhos têm, cada um deles, 50% do teu ADN... A vida continua, e não só em termos biológicos, genéticos... Continua pela via da partiha das memórias e dos afetos... dos valores, dos exemplos, da cultura, da língua... Sim, a vida continua, mesmo para aqueles que não acreditam na eternidade...

Cherno, escreve sobre a tua mãe. Ajuda-te a fazer o indispensável e salutar luto. Temos que fazer (e sobretudo saber fazer) o luto dos nossos queridos mortos: pai, mãe, irmãos, filhos, camaradas, amigos...

Hélder Valério disse...

Caro amigo Cherno

Neste momento só te posso enviar um abraço apertado.
Mas bem sentido.

Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, desculpa lá maçar-te com este detalhe, mas a primeira foto, em que estás tu com a tua mãe, não pode ser de maio de 1977... Tu terias 17 anos, andavas na escola secundária... E a tua mãe muito mais envelhecida, quando comparamos as duas fotos, a de 1973 e a de 1077...

Essa foto, tirada em estúdio (a avaliar pelo papel de parede, e pela pose, ois dois sentados...) podia ser de 1987, teria então a tua mãe 60 anos... Mas nessa altura, tu estavas na Ucrânia, a estudar... A foto só pode então ser de 1997, com a tua mãe na casa dos 70... e tu com 37...

Bate certo assim ?... Obrigado. LG

alma disse...

Cherno, as nossas Mães nunca morrem! Nós continuamos a ser os seus Meninos e elas cuidarão sempre das nossas Vidas. Grande Abraço Solidário! Alfero Cabral

Antº Rosinha disse...

Um abraço para o Cherno e os meus sentimentos

Anónimo disse...

Sem palavras, Caro Cherno. Abraço do V. Briote

Cherno Balde disse...

Caros amigos,

Estou muito emocionado pela corrente de solidariedade vinda de varios quadrantes, desde amigos, colegas e camaradas aos quais quero aqui agradecer, em meu nome pessoal e em nome da nossa familia extensa composta de irmaos, filhos, sobrinhos, netos e bisnetos.

Caro amigo Luis Graca, a tua observacao eh correcta, nao me lembro da data exacta mas, so pode ser no periodo entre 1995 a 1997 que corresponde ao periodo do meu primeiro regresso de Portugal que ocorreu em 1995, apos a frequencia do curso de mestrado no ISCTE (1993/95). De facto, as idades apresentadas merecem uma pequena correcao; Devido a ausencia de um registo certo e infalivel, a idade da minha mae pode variar entre 90 e 93, pois a unica certeza que temos eh baseada no marco historico do regresso do pai apos a sua participacao na ultima Guerra de Canhabaque onde ela afirma que, nessa altura, era uma menina com idade que poderia variar entre os 9/10 e/ou 12/13 anos.

O Braima Nhamadjo eh meu sobrinho, filho da minha Irma que esta numa das fotos com a nossa mae na bolanha de Fajonquito, actualmente docente na Universidade Lusofona de Bissau.

Um abraco amigo,

Cherno AB

José Botelho Colaço disse...

Para o amigo Cherno Balde um abraço, sentidos pêsames bem assim a toda a família enlutada.

Anónimo disse...

Caro amigo Cherno,

Para ti, e restante família, as minhas mais sentidas condolências.

Com um forte abraço,

Jorge Araújo.

Anónimo disse...

Um abraço amigo nesta hora difícil.
BS

Anónimo disse...

Cherno

Aceita os meus sentidos pêsames e um abraço de solidariedade
Carlos Silva

Bispo1419 disse...

Meu caro Cherno

Só agora tomei conhecimento da morte de tua extremosa Mãe. Mas ela não "morreu", continuará viva enquanto figurar e continuar acarinhada na memória dos seus descendentes. A minha anda comigo todos os dias, embora tenha "partido" há cerca de 14 anos.
Solidário nessa tua dor pela separação física da tua querida Mãe,

um fraterno abraço do
Manuel Joaquim

Anónimo disse...

Caro Cherno

O retrato que traças da tua mãe é aquele que quase todos faríamos das nossas mães. Mas é comovente a forma como integras o papel da tua mãe na tua família. Ela foi absolutamente determinante no teu grande sucesso como ser humano, pela sua grande inteligência e visão do mundo - uma verdadeira mulher grande. Que tenha recompensa, como bem merece.

Os meus sentimentos.

Um grande abraço.

Manuel Luís Lomba disse...

Caro amigo Cherno: Um abraço e as minhas condolências; somos quase todos septuagenários, a maioria já perdeu a mãe, já passou por esse desgosto e a sua natureza. Imaginamos a tua mãe como o estereótipo da grandeza da mulher guineense, sujeito da nossa admiração, não obstante as circunstâncias trágicas em que não raro nos encontramos - nós como soldados, elas como guardiãs da vida. Que descanse em paz.
Manuel Luís Lomba

Valdemar Silva disse...

Sentidos pêsames.
Valdemar Queiroz Embaló