quarta-feira, 26 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17286: Os nossos seres, saberes e lazeres (209): Em demanda da mais bela magnólia do mundo (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 21 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Faz-se uma viagem por causa de um pôr-do-sol, para ir ver uma exposição, uma procissão, pretextos não faltam para nos pormos ao caminho. Nunca esqueci esta magnólia de Castanheira, bastas vezes vim à reverência, durante as férias que passei nas serra da Lousã e quando tive um casebre a escassos quilómetros, numa freguesia de Pedrógão Grande.
Tudo começara em Março, vai para três décadas, aquela majestade em flor jamais foi esquecida. Aproveitei para me passear num dos sonhos realizados pelo professor Bissaya Barreto, castanheirense, reverencio esta obra filantrópica, única no seu tempo. Há muitos passeios que se podem dar na região, tem belezas naturais ímpares, como subir os Coentrais, hoje já não tenho coluna vertebral para tanto. E há o remanescente industrial de Castanheira, as fábricas mortas que nos lembram que aqui se faziam têxteis que deram muito agasalho, no país e lá fora.
Foram outros tempos.

Um abraço do
Mário


Em demanda da mais bela magnólia do mundo

Beja Santos

Tudo se passou algures, entre 1987 e anos seguintes. Tinha publicado um ensaio sobre a descentralização da defesa do consumidor e os desafios postos às autarquias. A ressonância foi praticamente nula. Mas um dia tocou o telefone e apresentou-se um senhor de voz possante com o nome Júlio da Piedade Nunes Henriques, Presidente da Câmara Municipal de Castanheira de Pera, propôs-me uma sessão-debate com os munícipes sobre tal assunto, achava estimulante. Acertada a data, escolheu-se Março, a viagem de Lisboa a Castanheira foi agradável, éramos dois tagarelas com muitas histórias para contar, fora da defesa do consumidor. Chegámos ainda com luz, e ao encostar o carro para irmos à Câmara Municipal fiquei especado com uma magnólia gigantesca dentro de um desses belos projetos que Bissaya Barreto concedeu como casas de crianças, a partir de Castanheira, sua terra-natal. O autarca andou a tratar da sua vida, seguramente os preparativos da sessão, a hora compatível com os hábitos da terra e com a necessidade de me voltar a pôr em Lisboa, eu a cirandar à volta da magnólia, nunca vira beleza assim. Os anos passaram, diluiu-se na memória a sessão de Castanheira, a magnólia não, vindo da Lousã ou depois, quando tive um casebre em Casal dos Matos, no interior de uma floresta, no concelho de Pedrógão Grande, vinha aqui em jeito de homenagem a esta beldade. Mas sabia bem que este espetáculo tem o seu auge à volta de Março, gravei a data e ajustei a oportunidade. Aqui estou.

Bissaya Barreto deixou o seu nome ligado a uma fundação e a estas casas para crianças que ainda hoje impressionam, o ilustre professor de medicina e filantropo era um homem de cultura esmerada, os espaços onde ele queria que as crianças fossem felizes foram concebidos com belas envolventes, jardins formosos e bem tratados, com estatuária e bom arvoredo. E as crianças aprenderam a serem felizes rodeadas de boa azulejaria e num ambiente aprazível de jardinagem ímpar, como se pode ver.





Não fotografei ao acaso o banco e as camélias que jazem por terra. Este banco lembrou-me uma impressionante versão da ópera Werther, de Massenet, o encenador arquitetou exatamente um banco alegórico ao drama em que desfechará o sofrimento o jovem Werther, apaixonado por Carlota, casada com outro. Em plena cena, havia todas estas pétalas induzindo as gotas de sangue do seu suicídio. Enfim, associações que cada pode fazer, desta feita uma cena de uma ópera dramática como poucas a ver as camélias murchas a juncar um jardim e a cair sobre um banco.


Em frente à casa da criança está este estabelecimento de ensino e interroguei-me quem era esta viscondessa de Nova Granada, pareceu-me com ressonâncias mexicanas ou sul-americanas. Tudo começou quando um jovem castanheirense foi para o Brasil onde fez avultada fortuna e casou com D.ª Ana Miquelina. Nunca esqueceu a sua terra-natal, deu dinheiro para o hospital e para a Misericórdia. Em 1895, o rei D. Carlos fez dele Visconde de Nova Granada. A viscondessa seguramente que também quis fazer benemerência, será talvez esta a razão de ver o seu nome associado a esta escola primária.


Assomou um sol faiscante e a construção desta entrada tem como que um toldo de cimento, era inteiramente impossível com o sombreado em cheio sobre o belo azulejo encontrar um ângulo que assegurasse toda a imagem. Aqui fica uma pálida lembrança desta cativante beleza azulejar, felizmente intacta.


Findo o passeio de reverência à magnólia mais bela que há em Portugal, e sempre encantado com estas construções legadas por Bissaya Barreto, prosseguiu-se a viagem até um arrabalde, Poço Corga, praia fluvial com um fabuloso parque de castanheiros centenários ali à berma. Encontrei este restaurante e esta lápide, perguntei se o Dr. Júlio da Piedade Nunes Henriques por aqui vivia, alguém comentou que anda muito doente e com padecimentos graves. Pois fica a saber que aqui o saúdo por me ter trazido a Castanheira, por me ter oferecido um barrete de forcado, de que nunca me desfiz, desejo-lhe as melhoras e uma longa vida para poder, como eu, saborear esta magnólia em flor, propósito primeiro e último desta vinda a Castanheira.

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17260: Os nossos seres, saberes e lazeres (208): Tavira fenícia, árabe, portuguesa; a cidade e a água (2) (Mário Beja Santos)

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