sexta-feira, 21 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17266: Notas de leitura (948): A Revista Panorama, editada pelo SNI – Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, dedicou o número 5/6, II Série, de 1952, à Africa Portuguesa (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
A revista Panorama, como é de todos sabido, era uma publicação pró-regime e muitas vezes nela apareciam artigos referentes ao Império.
Este número é dedicado à África Portuguesa e prendia-se com um acontecimento turístico, o IV Congresso Internacional de Turismo Africano, que se realizou em Lourenço Marques. O artigo referente à Guiné mostra-nos uma paisagem de Canhabaque (Bijagós), vemos habitação de Manjacos, embarcação dos Bijagós, cavaleiros Fulas do Boé e o jazigo dos régulos dos Mancanhas, em Bula.
Texto apologético para quem gostasse de safaris ou se sentisse atraído por certos prodígios da natureza, que aqui se deixam registados.

Um abraço do
Mário


A Guiné na Revista Panorama, 1952

Beja Santos

A revista Panorama era editada pelo SNI – Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo. O seu número 5/6, II Série, de 1952, foi dedicado à África Portuguesa. A Guiné foi credora de quatro páginas. Importa esclarecer que este número sobre África Portuguesa privilegiava o turismo, tudo quanto se vai ler é para o potencial turista da época.

Primeiro, o acesso. Para o articulista, é fácil e cómodo: as grandes linhas aéreas da Europa e da América do Norte para a África do Sul, e da Europa para o Brasil e Argentina, têm ponto obrigatório de aterragem em Dakar – e uma carreira semanal de aviões liga Dakar a Bissau e outra, via Ziguinchor permite a comunicação aérea com Dakar e o resto do mundo. No meu livro “Mulher Grande”, foi o itinerário que organizei para Benedita Estevão, viajou de Lisboa até Dakar, Albano Toscano foi esperá-la a Ziguinchor, dali seguiram para Susana, onde casarão.

Mas o turista também podia optar pela via marítima, havia uma carreira quinzenal direta a Bissau, regressando pela Praia e por S. Vicente, podia também passar pela Madeira.

Segundo, o leitor prepare-se para ler o incrível. “As estradas de bom piso sulcam o território em todos os sentidos, assegurando o trânsito em qualquer época, com chuvas ou bom tempo”. Nunca há empecilhos: pontes a substituir as jangadas, garantindo segurança e rapidez.


Terceiro, chegámos à exuberância da fauna e da flora: “Certas zonas são ricas de caça, aves de plumagem desvairada e berrante, antílopes, por vezes o leopardo (onça) e o búfalo, por toda a parte as formações geométricas dos patos bravos evolucionando ou descansado nos pântanos e charcos, as pintadas e pesadonas galinhas-do-mato, enormes perdizes, lebres e caçapos”. O autor, Vieira Ferreira, entusiasma-se na sua escrita mexida e remexida, é assim que ele gosta de imprimir a vivacidade às coisas: “E a teoria infindável dos monos, nas árvores, em multidão nas estradas, brincalhotando ou renhindo, baloiçando-se, pinchando acrobacias, arremedando macaquices”. Segue-se outra forma de exuberância: “Depois, a presença dos rios, canais, bolanhas e lalas, esmalta a paisagem de superfícies espelhentas, suas largas faixas lisas lentamente deslizando, em curvas longas, marginadas de compactas muralhas verdes de arvoredo altíssimo e camalhões inextrincáveis de arbustos emaranhados; e regulares bacias, onde a pauta dos regos do cultivo do arroz ondula os fundos, em pequenas dunas paralelas e longíssimas, regulares e submersas; tufos de mangal e nódoas floridas de lotos, mal escondendo esverdinhadas estagnações de águas paradas – é sempre um inesperado acompanhamento líquido, quebrando a continuidade da floresta, irrompendo por todos os lados”.


Viu-se que o articulista consultou ou seus contemporâneos, repescou uma síntese de M. Marques Mano que é de grande beleza, a propósito da influência absorvente das marés na zona litoral: “… o mar, duas vezes por dia, arremessa contra a terra, em toda a largura da costa, massas de água de 6,5 metros de altura. O volume colossal desta maré enche as bacias hidrográficas até transbordar; mas logo se escoa até as deixar esgotadas; e outra vez é arremessado com uma energia portentosa”.
“Os estuários da colónia, poderia dizer-se, são alimentados só pelo mar: não o são pelos afluentes, muito poucos e escassos. Os estuários, por sua vez, alimentam as bacias hidrográficas. Acima do nível da baixa-mar não há rios: há leitos lodosos, abertos e enxutos, que circulam entre bandas verdes de mangal no eixo das lezírias. A enchente jorra pela boca daqueles labirintos de fossos de lodo e, seis horas depois, fluem rios majestosos, amplos, abertos ao sol, em altos corredores de verdura tão sagrada que através ela se não veem as margens, em percursos tão longos que as velas levam dias a subi-los. Seis horas depois, como por encanto, os rios desaparecem e, no lugar deles, deixam uma vastíssima rede de valas lobregas. Seis horas mais tarde, os rios renascem em toda a majestade; de novo se esgotam e de novo renascem” (Visita à Guiné, no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume 2, 1947, n.º 6).

E temos igualmente o fenómeno do macaréu, mais um prodígio para aguçar o apetite do turista: “A corrente que desce, comprime a onda imensa da maré que quer subir, provocando a acumulação das águas na embocadura; depois, o mar acaba por vencer o rio, e a vaga salgada, ruidosa, indomável, altíssima, em rolo espumante, galga a superfície do rio, rugindo, alagando, invencível e brutal, de maior, descomunal volume nas marés vivas”.

Jazigo dos régulos dos Mancanhas, Bula

Muitas orientações são sugeridas ao turista, a quem se recorda que existe o tornado, pitorescas casas circulares, cada uma das etnias tem formas próprias de agrinaldar os exteriores e interiores. Há os costumes guerreiros ou pacíficos, há batuques e cerimónias, o turista que esteja atento ao vestuário e atitudes de cada um, pois são dissimilantes os de Felupe com o Balanta, O Bijagó com o Fula, há muçulmanos solenes, Bijagós com saiotes de ráfia, os Papéis mais europeizados, há alfanges e punhais. Enfim, a paisagem humana completa a paisagem natural e faz de uma visita à Guiné um raro prazer turístico. E temos a moderna Bissau com os seus pequenos hotéis, o Bissau velho ao lado da Amura. Que o leitor não abstraia de que estávamos no início da década de 1950, propõe-se ao turista que estivesse atento ao que tinha para ver: estádio, museu-biblioteca, palácio do governo, bairros residenciais, burgo comercial, avenidas de arvoredo florido e, a poucos quilómetros, o magnífico aeroporto em acabamento. E dirige-nos uma nota para aquele rincão que muito tocou: “É em Bolama – a melancólica cidade morrente – que reside o supremo encanto das povoações que os brancos ergueram nestas partes. Antiga capital, ainda hoje mostra os restos das sua senhorial grandeza, em edifícios públicos, praça do conjunto, carateres de negros e mestiços; e uma nostalgia tão doce, um tal conformismo amargo e suave com a decadência e a morte, uma atmosfera de saudade e triste resignação que nos penetra e emociona”.

Qual seria o leitor que iria resistir a tantas atrações, a tanto feitiço africano?
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17250: Notas de leitura (947): "Em Tempos de Inocência", por António Pinto da França, Prefácio, 2006 (Mário Beja Santos)

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