sábado, 18 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17154: O Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos que eu conheci (3): Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art, MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72, nosso coeditor


Guine > Região do Óio> Mansabá > CART 2732 (1970/72> 28 de novembro de 1971 > Interior do quartel: O Carlos Vinhal (à direita) com o o Dias, Fur Mil Mec Auto.

Foto (e legenda): © Carlos Vinhal  (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Guiné > Região do Oio > Mapa de Farim (1954) >  Escala 1/50 mil > Detalhe: Posição relativa de Mansabá e Manhau... A norte fica Farim.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


1. Texto, recebido a  3 de novembro de 2006, há mais de 10 anos, da autoria de Carlos Vinhal,  ex-fur mil art, Minas e Armadilhas,  CART 2732, Mansabá (1970/72), nosso coeditor, e publicado sob o poste P1325 (*)

(...) Sobre nosso Coronel de Cavalaria António Valadares Correia de Campos (**), vou contar um episódio onde eu e ele fomos intervenientes.

Em 10 de Agosto de 1971 chegou a Mansabá a CART 3417, companhia independente como a nossa, para fazer o seu IAO connosco. Faziam alguma instrução no quartel e acções de patrulhamento e emboscadas no mato. A princípio integrados em pelotões da CART2732, em fase mais adiantada, sozinhos.


O Major Cav Correia de Campos, 
Comandante do COP 6

O Comandante desta Companhia [CART 3417] era um capitão muito jovem, daqueles que a determinada altura começaram a proliferar pela Guiné em virtude do desgaste dos capitães mais velhos e com algumas comissões de serviço em teatro de guerra.

No dia 28 de Agosto de 1971, pela manhã, saíram para o mato acompanhados por alguns elementos do Pelotão de Milícias 253, para uma zona não muito distante, mais propriamente para a zona da Bolanha de Manhau, a leste de Mansabá.

Por volta das 13 horas dirigia-me eu à messe para almoçar, quando o então Comandante1 do COP 6, Major Correia de Campos, encontrando-me na parada, me ordenou para eu avisar o oficial de piquete de que era preciso organizar imediatamente uma coluna auto para ir a Manhau e que o furriel de Minas e Armadilhas deveria ir também.


O Comandante da CART 3417, vítima de uma mina A/P 

na bolanha de Manhau, em 28 de Agosto de 1971

O Major Correia de Campos acrescentou que o comandante da CART 3417 tinha pisado uma mina antipessoal, precisando de evacuação urgente e que havia mais minas detectadas, pelo que era preciso neutralizá-las. Informei-o que era o meu pelotão que estava de piquete e que eu mesmo era o furriel de Minas e Armadilhas. Disse-lhe também que iria providenciar no sentido de que as suas ordens fossem cumpridas imediatamente.

Organizada a coluna, prontamente ele subiu para a viatura da frente. De pé, ao lado do condutor, com uniforme não camuflado e com os galões nos ombros, viajou até ao local para recolhermos o ferido e para eu me inteirar da quantidade de minas a neutralizar. O dia estava cinzento, caía uma chuva miudinha incessante e o percurso foi feito em picada por zonas de alto risco de contacto com o IN e de alta probabilidade de aparecimento de minas anticarro. Nem mesmo assim ele se protegeu da intempérie e das possíveis vistas do IN.

Chegados, deparámos com o capitão já assistido pelos enfermeiros da sua companhia. Tinha já a perna garrotada e estava a soro. Vociferava contra a sua falta de sorte e estava visivelmente nervoso. O caso não era para menos. Era muito novo e tinha sido ferido logo na sua primeira comissão de serviço no Ultramar.

Como se pode depreender, o moral das tropas estava muito em baixo. Foram sujeitos à mais dura provação. O seu comandante tinha sido, cedo de mais, vítima da guerra. Não estavam em condições de continuar a instrução daquele dia pelo que iriam regressar connosco.

Organizou-se a coluna de regresso ao quartel. O nosso Major e o sinistrado vieram na minha viatura. O percurso foi feito devagar para evitar solavancos exagerados.

O capitão recolheu à enfermaria para ser devidamente tratado e esperar por um heli para o evacuar para o HM 241. Eu fui aprontar o meu equipamento para voltar a Manhau, a  fim de rebentar as minas detectadas e trazer de volta os militares da CART 3417. A chuva continuava e a fome apertava, mas o dever obrigava.

Em Manhau rebentei três minas antipessoais e regressámos trazendo connosco o pessoal da 3417. Cerca das 15h00 pude comer qualquer coisa, requentada, só para não ficar em branco.


Uma coluna auto até ao HM241, em Bissau e, regresso a Mansabá: um pesadelo de 200 quilómetros

Cerca das 17h00 veio a ordem do nosso Major Correia de Campos para evacuar o comandante da CART 3417, em coluna auto, uma vez que a chuva não abrandava e os helicópteros não tinham condições para levantar.

O melhor que puderam, os enfermeiros acondicionaram o capitão numa das viaturas, para que a viagem de quase cem quilómetros até Bissau (!), debaixo de chuva intensa, se tornasse para o ferido o menos penosa possível. Só pedíamos a Deus que não tivéssemos nenhum contacto com o IN até Mansoa, porque então seria o bom e o bonito. Já bastava a chuva para complicar. O estado geral do sinistrado não era o melhor, porque já tinha passado bastante tempo desde a triste ocorrência. As horas de sofrimento físico e psicológico somavam-se.

Lá nos pusemos a caminho em marcha moderada, convencidos de que só iríamos até Mansoa. O normal seria as tropas dali continuarem até Bissau, mas não. Constatámos que não estava prevista nenhuma coluna, pelo que com muita resignação, espírito de sacrifício e altruísmo, continuámos nós a viagem até ao HM 241 onde chegámos cerca das 18h30. A viagem não se pôde fazer em velocidade elevada para não fazer sofrer ainda mais o ferido.

Voltámos tão rápido quanto possível, porque a noite já ia alta. A chuva que nos tinha acompanhado até Bissau, continuou até Mansabá.

Voltando ao senhor Coronel Correia de Campos, quem sou eu para enaltecer a sua figura? Sei apenas que era chamado para as situações mais complicadas no CTIG. A determinada altura deixou o comando do COP 6 [, em Mansabá,]  para assumir o comando noutra zona complicada da Guiné onde a sua presença era mais necessária.

Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas
CART 2732
Mansabá, 1970/72
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1325: Memórias de Mansabá (7): O Comandante do COP6, Correia de Campos, e as Minas na Bolanha de Manhau (Carlos Vinhal)

3 comentários:

Anónimo disse...

Camarada e amigo Carlos, já não conheci este Cmdt do COP Ten Cor Correia de Campos, pois encontrava-me já nas "Terras dos Manjacos".
Também não conheci a Bolanha de Manhaus, que apesar "da pouca distância de Mansabá", era um dos "corredores de passagem IN" para as terras do sul, a caminho do SARA e também por onde derivavam para o MORÉS, pelo "corredor" a norte de CUTIA.
Por isso não era zona de piqueniques.

Abraços
Jpicado

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

O capitão de Artilharia da CArt 3417 é meu amigo e chama-se António Ângelo de Almeida Faria Monteiro e tinha feito a comissão anterior em Moçambique. A evacuação foi muito lenta e dolorosa como se vê pela descrição do Vinhal.
A CArt chegou à Guiné com apenas um alferes por deserção dos outros três, perto da data de embarque. Era natural que o moral fosse fraco e que a primeira perda tivesse sido logo o comandante.
Quanto ao TCor Correia de Campos poderei dizer que foi mais um dos que estiveram à frente dos chamados COP (comando operacional). Por Mansabá passaram também, em idênticas funções os majores Gaspar e Malaquias. O COP eram essencialmente unidades inferiores a batalhão, comandadas por um major, constituídas por 2 companhias e mais alguns meios, destinadas a enfrentar um situação pontualmente sensível. Relembro o caso do Maj. Coutinho e Lima que comandava 2 companhias agrupadas num COP. Conheci o TCor Correia de Campos incluído no CAOP 2, (comando de agrupamento operacional n.º 2) na altura sediado em Mansoa. Passou por Mansabá que dependia do CAOP através do BCaç de Mansoa, creio que em missão de inspecção. Falámos cordialmente e fiquei com a ideia de que voltava a um sítio donde tinha recordações.
Pareceu-me alguém que enfrentava a guerra com frieza e não me pareceu crente numa vitória.

Um Ab.
António J. P. Costa

Carlos Vinhal disse...

Caro Jorge
O senhor Major Correia de Campos chegou a Mansabá, segundo a HU da CART 2732, a 7 de Maio de 1971, dias depois de ires para Teixeira Pinto.
Caro Pereira da Costa, antes do senhor Major Malaquias, que julgo já não ser do meu tempo, ainda passou pelo comando do COP 6 o senhor Capitão Carlos Alberto Marques de Abreu, que tive o prazer de rever em 2009 já reformado com o posto de Coronel.
Voltando ao Coronel Correia de Campos, acho que depois de Mansabá foi para a Península de Gampará onde estava em quadrícula a CART 3417.
Carlos Vinhal