domingo, 12 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17129: Blogpoesia (498): "Nomes e verbos..."; "Cabeleira farta de prata..." e "Nem a carvão... nem a gasolina...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:



Nomes e verbos...

Entrei pelo dicionário dentro.
Como se entra num museu.
Tantas galerias.
Tantas estantes bem ordenadas.
Repletas.

Peguei num verbo.
O verbo amar.

Pus-me a conjugá-lo.
Em todos os tempos e suas formas.
Foi no infinito que eu fiquei.
Como um apaixonado.
Agarrado ao chão.

Segui adiante.
Aos substantivos.

Que grande jardim.
Tantas flores.
Parei nos cravos.
Ó que cheirinho!
E as rosas, de tantas cores.
Que perfume!

E fui ao sótão.
Dos adjectivos.
Todos em cestos.
Como as sementes.
Tão variados.
De tantas espécies.
Que maravilha!
Davam para tudo.

Pelo corredor fora fui dar à cozinha.
Era a sala das interjeições!
Ferviam panelas.
Soltavam odores.
Ó que regalo!
Tanta panela.
Sem cozinheira.

E depois um salão.
Dos advérbios.
Todos janotas.

Lá estavam os de tempo.
Todos sem uso.
Intemporais.

Depois os de modo.
Todos pedantes.
Muito formais...

E mesmo no fim,
Uns caixotões.
Abri-lhes a tampa.
Quase morria.
Eram os assentos,
Pontos e vírgulas...
Tanta ferrugem!...
Fora de uso.

Bar "Caracol" 12 de Março de 2016
10h21m
sábado de sol
JLMG

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Cabeleira farta de prata...

Escorre da cabeça pianista
uma cabeleira farta, de prata.
Seu rosto enrugado, sereno,...
se fixa no piano calado.

Seus dedos avançam-lhe ávidos de sons.
Poisam nas teclas. Saltitam frementes.
Sobem acordes de pautas,
volutas de tons,
em cascatas acesas, raiadas de luz.

A sala se enche com ondas
duma maré, prenhe, do mar.

Esvai-se o tempo fluente de cor
Enquanto o piano entoa e encanta
uma sala de gente faminta de paz e harmonia...

Ouvindo Beethoven, concerto nº 1, por Martha Argerich
Mafra, 6 de Março de 2017
21h28m
Jlmg

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Nem a carvão... nem a gasolina...

tenho um coração de carne.
igual ao de toda a gente.
sessenta badaladas por minuto.

se cansa e arfa.
sofre e ama.

me serve fiel,
desde o começo.
sem nada exigir.

sempre pronto.
nunca se negou a trabalhar.

por isso o guardo bem dentro,
lugar seguro.
seu alimento vem-lhe da alma.
e do Sol aceso
que me alumia...

Berlin, 11 de Março de 2015
16h24m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17117: Blogpoesia (497): Neste dia da Mulher, um poema de Juvenal Amado, dedicado à sua companheira de sempre

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