segunda-feira, 6 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17109: Notas de leitura (934): “O Adeus Ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Veja, 2015 (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Procede-se a um balanço em torno dos 40 anos de descolonização portuguesa. Antes de se falar na Guiné-Bissau, Guiné e outras parcelas que foram do Império, diferentes investigadores pronunciam-se sobre questões colaterais: o antigo colonialismo tardio do antifascismo português; os partidos nacionalistas africanos no tempo da revolução; o balanço militar em 1974 nos três teatros de operações; visões das forças políticas portuguesas sobre o fim do Império.
Analisados os termos da descolonização, outros dois investigadores debruçam-se sobre retornos e começos: experiências construídas entre Moçambique e Portugal, bem assim como memórias em conflito ou o mal-estar da descolonização.
Para os organizadores é tempo de fazer não apenas um balanço crítico mas, sobretudo, de contribuir, para aumentar a compreensão do fenómeno complexo que foi a descolonização portuguesa.

Um abraço do
Mário


Quando a Guiné se separou do Império

Beja Santos

“O Adeus Ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Veja, 2015, é uma leitura irrecusável pelos diferentes registos que acolhe, pela exploração de temas que têm andado ao sabor de polémicas e paixões, o fim do colonialismo que motivou um penoso e duradouro luto imperial. Para os organizadores, os constrangimentos que haviam obstado à criação de uma comunidade pós-colonial para o espaço lusófono – os traumas coloniais, foram caindo graças a três acontecimentos simbólicos, entre 1998 e 2002: a realização da Expo 98, um evento concebido para celebrar uma identidade pós-colonial que não enjeitava a memória dos Descobrimentos; a transferência pacífica e ordenada da administração portuguesa em Macau para a República Popular da China; e o advento da independência Timor-Leste, no termo de um longo processo que mobilizou segmentos significativos da sociedade portuguesa.

Dentre o conjunto de ensaios em que se aborda a descolonização, destaco o trabalho de António Duarte Silva intitulado: “Guiné-Bissau: libertação total e reconhecimento portugueses”. O investigador começa por referir que o MFA local controlava quase todo o aparelho militar e que confirmado o triunfo do 25 de Abril, o núcleo duro demitiu e enviou para Lisboa o Governador e Comandante-Chefe e tornou irreversível o golpe do dia anterior. São factos que muitas vezes descuramos pelo seu significado, e que permitem ver claramente como a Guiné estava madura para a viragem da descolonização. Enquanto o PAIGC se pronunciava a sugerir a abertura imediata de negociações, diferentes comandos de unidades no interior da Guiné apelavam ao pronto cessar-fogo, pediam mesmo autorização para abandonar as posições. A 7 de Maio, Carlos Fabião foi nomeado pela Junta de Salvação Nacional para os cargos de Encarregado de Governo e Comandante-Chefe da Guiné. Mas não se deu esta substituição de governadores, Fabião passará a ser o “delegado da JSN, a quem Spínola lhe deu claras indicações sobre a forma de diretivas: negociar com o PAIGC, mas continuar o esforço defensivo de guerra até a assinatura do acordo de cessar-fogo; dar continuidade ao processo político de autodeterminação e preparar a sua visita à Província. Mal chegado a Bissau, Fabião constatou que tudo mudara: o MFA era poder, constituíra-se como gabinete de Governo. Em Lisboa, preparavam-se as conversações com o PAIGC que começaram ainda à carga, compareceram a delegação portuguesa com Mário Soares à frente e o PAIGC representado por Aristides Pereira e Joaquim Pedro da Silva. Do encontro não resultou qualquer compromisso formal. Seguiram-se conversações em Londres, a argumentação do PAIGC subia de tom: “de potência colonial, Portugal passou a estar na situação de agressor contra o nosso Estado soberano, reconhecido por mais de 80 países no mundo”.

Entre 25 e 31 de Maio, realizaram-se 10 sessões, a meio, Soares e Almeida Bruno deslocaram-se a Lisboa para apresentar um primeiro “protocolo” ou tentativa de acordo. Spínola recusou a proposta de Soares que contemplava o imediato reconhecimento da Guiné-Bissau como república. É durante estas conversações que se verifica que o PAIGC parecia não ter pressa na partida dos portugueses, admitindo um “período de transição” até 6 anos, desde que satisfeitas algumas exigências, a começar pelo reconhecimento da independência. Em Junho reiniciaram-se as conversações com o PAIGC, em Argel, a primeira reunião saldou-se por um fracasso. A atmosfera internacional também era desfavorável às obstinações de Spínola. Em Bissau, o MFA local não desarmava, e numa assembleia, perante cerca de 800 militares, foi aprovada uma moção onde se propunha: o repúdio de qualquer solução local e unilateral; o reconhecimento inequívoco da República da Guiné-Bissau; e o imediato recomeço das negociações com o PAIGC. Ninguém queria já falar em guerra e, o MFA local apresentava o seu plano de descolonização. Reúnem-se o governo de Bissau e o PAIGC na mata do Cantanhês, entre 15 e 18 de Julho. O tema central foi a retração do dispositivo das tropas portuguesas, mas debateram-se outros temas prementes como o problema dos Comandos Africanos e a troca dos prisioneiros de guerra. Nesse mesmo mês de Julho, é aprovada a lei n.º 7/74, a chamada Lei da Descolonização, através da qual Portugal reconhecia o direito dos povos à autodeterminação. E no início de Agosto recomeçaram as conversações entre o governo português e o PAIGC, assim se chegou a um protocolo de acordo bem como foi aprovado um anexo destinado a regular a continuação da retração do dispositivo militar português, a saída progressiva das Forças Armadas e algumas obrigações portuguesas. Os acordos de Argel foram assinados em 26 de Agosto de 1974 e traduziam-se no reconhecimento da nova República, no cessar-fogo, na saída das Forças Armadas até 31 de Outubro. E definiam-se matérias concretas quanto ao anexo: as Forças Armadas portuguesas obrigavam-se a desarmar as forças africanas sob o seu controlo; o governo português pagaria as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tinham direito quaisquer cidadãos por serviços prestados às Forças Armadas portuguesas; e o governo português participaria também num plano de reintegração na vida civil de tais cidadãos militares.

Em 19 de Outubro, os titulares dos órgãos dirigentes da República da Guiné-Bissau e do PAIGC entraram festivamente em Bissau. Oiçamos os cometários do investigador:
“À data, o PAIGC era uma organização sólida, embora com escassos ‘quadros’, dotada de um aparelho ‘para-estadual’ e de umas forças armadas poderosas. Encontrava-se perante uma conjuntura particularmente favorável, pois beneficiava de amplo apoio e entusiasmo popular e dispunha de ajuda e cooperação multilateral, quer dos partidos comunistas quer dos países ocidentais. Mas a Guiné-Bissau era um dos países mais pobres do mundo e com poucas condições para construir um Estado-Nação. Rapidamente surgiram várias manifestações de fragilidade e de perversão do poder, sobretudo múltiplas medidas repressivas e evidentes sinais de corrupção, a par de provas de incompetência técnica do PAIGC para governar o país. A mobilização dos camponeses e o desenvolvimento rural esvaziaram-se e os recursos concentraram-se em Bissau – que tudo devorou. Em 1980, um golpe semimilitar pôs termo ao projeto histórico da unidade Guiné-Cabo Verde”.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17094: Notas de leitura (933): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (4) (Mário Beja Santos)

4 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Então, Mário Beja Santos, a 25 de Abril de 1974 havia uma derrota militar das Forças Armadas portuguesas, na Guiné? Derrota militar? Nem na Guiné, nem em parte nenhuma.
O fim da guerra, pós 25 de Abril, tem tudo a ver com a política, nacional e internacional.
E também aí o historiador honesto não fala em derrotas.Foi o inevitável fim do sonho do Império.

Abraço,

António Graça de Abreu

António J. P. Costa disse...

Tens razão ao Graça!...
Mais um bocadinho e a malta ganhava aquela m...
Um ab.
António J. P. Costa

antonio graça de abreu disse...

Meu caro Tozé Costa

Disse: "Foi o inevitável fim do sonho do Império."
Registo a tua chuva sempre a cair no mesmo molhado, o teu raciocínio elementar, por a+b=c, se não fomos derrotados, então "mais um bocadinho e a malta ganhava aquela m..."
Oh, meu caro Tozé, em termos políticos, a guerra estava perdida deste o primeiro dia.
Agradeço a tua inteligência.

Abraço,

António Graça de Abreu

Antº Rosinha disse...

Quem perdeu e quem ganhou?

Em toda a África sub-sariana (e não só) toda a gente saiu a perder.

Só por cinismo é que se poderá dizer que "nós" perdemos ou ganhámos(portugueses, ingleses ou franceses e belgas).

Houve uns que estrategicamente desistiram antes de nós, Ingleses no
Quénia, Franceses na Argélia, por exemplo.

Mas o nosso caso português, deve ser historicamente bem lembrado, porque ao lado dos boers de Mandela, eramos os únicos a quem assistia um mínimo de razão em não desistir.

Houve muito cinismo a nível mesmo da ONU, fazer o que se fez aos africanos nestes 40/50 anos de independência, que faz esquecer a barbaridade da escravatura para as américas.

Fizemos o que podemos sem ter que nos envergonhar com o que se passa hoje em África, ao contrário de outros que hoje estão a fazer muros.