terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17028: Efemérides (244): Zeca Afonso (Aveiro, 1929 - Lisboa, 1987)... 30 anos depois... Lembro-me do ex-fur mil Aurélio Duarte, que era de Coimbra, ouvir músicas dele, proibidas, num gravador a pilhas, em cima da caserna dos soldados, em Paunca... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


Guiné-Bissau > Região de Gabu >  Dezembro de 2015 >  Paunca> Antigo quartel... Agora funciona aqui uma... discoteca.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


Guiné > Região de Bafatá  > Contuboel > Centro de Instrução Militar >  1969 > Da direita para a esquerda: "Eu, o Macias, o Pais, o Abílio Pinto, o Aurélio Duarte... Saudades desta rapaziada"...

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Nelas > Canas de Senhorim > 31 de maio de 2014 > 24º convívio da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/71) >  ​"Da esquerda para a direita, o Valdemar Queiroz, eu, e o Aurélio Duarte,  de Coimbra. Grande seita!".

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz, com data de 4 do corrente:

Assunto - Efemérides: Zeca Afonso (1929-1987), 30 anos depois

[ Foto à esquerda, Valdemar Queiroz , ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, 

[Vai fazer 30 anos que morreu, em 18 de fevereiro de 1987, o  Zeca Afonso.] Lembro-me de, em Paunca, uns dias antes de virmos para Bissau, eu e outros,  para regressar à metrópole, o ex-fur mil Aurélio Duarte, da nossa CArt 11, estar em cima da caserna dos soldados, a ouvir num gravador a pilhas músicas do Zeca Afonso, ainda com um braço ao peito, por o ter partido em Canquelifá, quando eu e ele, teimosamente e com um grande 'bioxene' nos queixos, resolvemos o problema de 'ver quem ganha' aos matrecos, mas de joelhos e sem ver o jogadores e chegar ao 'eu ganhei' com discussão, sozinhos, já de noite, em plena via principal, com um 'combate' de judo que eu ganhei por ele ser mais pesado e quando cai  partiu um braço.

O  Aurélio Duarte, de Coimbra, era o que tinha os discos do Zeca, Fanhais e Adriano. Ainda me lembro de ouvirmos, com frequência: 'e os mortos apontam em frente, mais flores, mais flores', ou ' nunca mais acenderás no meu o teu cigarro'.

O Aurélio Duarte fez parte da Secção de Quarteis, parece que era assim que esse chamava, ele mais um oficial partiram de cá muito antes de nós chegarmos a Bissau, mas também regressaram depois
de nós.

Parece que o Aurélio Duarte, que tem um grande álbum fotográfico, está a arranjar um texto para enviar à Tabanca Grande. Estamos todos à espera.

Abraços
Valdemar Queiroz
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 31 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17008: Efemérides (243): Acontecimentos no mês de Janeiro, entre 1963 e 1974, na Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

5 comentários:

Carlos Vinhal disse...

Acho que não haveria assim tanta repressão quanto à musica que se ouvia, desde que não se fizesse disso grande alarido. O nosso Alferes Rodrigues (Por onde andará? É da zona de Torres Vedras) ia para a nossa Messe com a sua viola tocar músicas do Zeca Afonso, estou a lembra-me por exemplo da Menina dos Olhos Tristes, que nós acompanhávamos. Eu até tinha entre outras, numa das minhas cassetes, o Tecto na Montanha, também interpretado pelo Zeca Afonso. A Pedra Filosofal, saída no início dos anos 70, graças ao meu camarada Nunes, também fazia parte do meu espólio.
Também se ouvia livremente a Rádio do PAIGC, para sabermos exactamente quantos mortos tinha havido naqueles dias em Mansabá e na frente dos trabalhos da construção da estrada para Farim.
Ressalvo que éramos uma Companhia independente, longe dos olhares dos Ten Coronéis e Coronéis, estes sim mais conservadores e vigilantes. A minha Companhia, excepção de um, teve sempre excelentes Comandantes que não nos chateavam a moleirinha.
Carlos Vinhal
Fur Mil da CART 2732

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Na maior parte das companhias era possível ouvir os cantores de protesto do tempo cantados por camaradas que os disfarçavam de "fados de Coimbra". A PIDE não podia "ir a todas" visto que o seu dispositivo era bastante difuso. Além disso, não creio que houvesse um interesse especial da polícia sobre os militares. Recordo que comprei, em Bissau, no Taufik Saad, 6 livros do Zé Cardoso Pires, em edição cartonada. Em Lisboa eram traficados e em Bissau estavam na montra.
Creio que mesmo nos batalhões do Bambadinca ou de Mansoa havia dessas sessões de fado, embora de carácter mais "particular".
Comprei num leilão entre a malta um vinil de Adriano Correia de Oliveira que não sei como ali tinha chegado. As edições de poesia do António Gedeão, Miguel Torga, Zeca e outros circulavam com maior facilidade do que na metrópole, em edições policopiadas ou tipográficas que passavam dos velhos aos periquitos especialmente dos que vinham de férias e as levavam.

Já em 1968, o médico da minha companhia e o Cmdt do Pel. Daimler 1136 cantavam Zeca e Adriano e o capitão não estava minimente preocupado.
Claro que o Cor. Durão apanhou um soldado da minha companhia (1973) a cantar que "se eu fosse carpinteiro casava com uma ceifeira..." e mandou-o cantar fado, se quisesse, mas não aquela "merda". Os tempos estavm a mudar e depressa.

Um Ab.
António J. P. Costa

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Este artigo do Valdemar refere um aspecto interessante e importante da 'resistência' que a juventude 'armada à força' ia fazendo ao esforço de guerra do Governo.
Claro que houve sempre alguns, não importa aqui saber se eram muitos ou poucos, que estavam envolvidos no esforço de guerra de modo genuíno, quer por serem oriundos dos beneficiários da existência de territórios fisicamente afastados da 'Metrópole', quer por acreditarem que aquelas terras nos (a nós, colectivamente, como Povo, embora os beneficiários de tais posses não fossem eles) foram 'dadas' por graça ou inspiração divinas, por desígnios de Deus (para expansão da Fé Cristã), e nem cuidavam de saber como se tinham chegado, em termos de 'aceitação', de pacificação, etc, por parte daqueles povos assim submetidos à Corte de Lisboa, ao ponto actual.
Era a Pátria que chamava a cumprir um 'dever sagrado' e lá vamos, provavelmente "cantando e rindo", como convinha, e acriticamente.
Alguns outros, e também não importa aqui saber se eram muitos ou poucos, lá estavam "cumprindo o dever" mas em oposição, pelo menos mental, ao tal esforço de guerra.
"Cobardia"! "Traição"! não deixarão de rosnar os "patrioteiros".
Mas a vida tem destas coisas. Não há unanimismos.

O que também não deixa de ser verdade é que por cá, pela "Metrópole", à medida que o tempo passava, que a política de "policiamento fronteiras" ia mostrando a sua ineficácia, pois o 'problema' em vez de ser resolvido 'em meia dúzia de meses' como se dizia e pensava em 1961, arrastava-se, aumentavam as 'frentes de fronteira', aumentavam as famílias e terras onde o luto e/ou o conhecimento de incapacidades iam chegando, as gerações iam-se sucedendo e a sangria não parecia ter fim à vista.
A contestação ia crescendo de forma mais aberta (sim, havia repressão a quem manifestasse a sua discordância da política seguida, não se lembram?), a coragem dos opositores ia aumentando e isso manifestava-se de vários modos, sendo a veiculada pelas músicas e canções 'de protesto', uma forma delas.
Os comentários do Carlos Vinhal e do ToZé são também sintomáticos de alguma realidade vivida pelo pessoal 'no mato', mas não só.
Ouvir a Rádio do PAIGC (ou sejam, a emissões dessa rádio através dos emissores disponibilizados pelos países seus apoiantes) não seria assim tão difícil, desde que se quisesse. Já relatei por aqui que havia um esforço de "empastelamento" a essas emissões (participei muitas vezes nisso, todas as vezes que o meu turno de serviço na Escuta coincidia com os seus horários de emissão). A questão era que as emissões eram em 'onda média' e em 'onda curta' e se tínhamos alguma capacidade para obstar à 'onda curta' (através dos emissores da Marinha e da PIDE) já nem tanto em relação à 'onda média' onde o nosso emissor de Antula tinha, salvo erro, 30 kW e eles emitiam, também salvo erro (que isto da memória já vai tendo algumas lacunas ou imprecisões) dum emissor do Senegal com 300 kW. Em resultado disso, pouco se podia fazer, até mesmo em Bissau as interferência que produzíamos eram fracas.
Não se pode, portanto, e em boa justiça, dizer que não havia um esforço para impedir, dificultar ou 'anular' essas emissões, o que não havia era um capacidade técnica condizente.
O facto dos Comandos das Unidades não serem vocacionados para a repressão política também não é de estranhar, pois as questões operacionais eram prementes e mais importantes.

Quantos aos "tempos estarem a mudar"... pois, isso também era um refrão duma canção do Bob Dylan... "the times they are a changin" e que também era completada com a outra que dizia que "the answer my friend is blowin in the wind".... coisas!

Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

Caro Hélder
Nunca tivemos, na nossa CArt 11, quer da parte do Capitão, quer de quem fosse qualquer censura ou comentário de nós, principalmente, os Furriéis Mil., ouvir-mos
as músicas contestatárias aqueles tempos. Talvez o 1º. Sargento se incomodasse com
toda a nossa juventude, incluindo estas músicas e outras reguilisses.
Mas, verdade se diga, caro Hélder, nunca ou não me lembro de ver afixado, por cá, um poster com a figura do Che Guevara. Foi de grande reguilisse da tua parte.
Abraços
Valdemar Queiroz

Hélder Valério disse...

Olá Valdemar

Olha, uma pequena confidência.... aquele poster do "Che" Guevara não estava no meu quarto, era de outros Furriéis, eu é que aproveitei a circunstância e coloquei-me a jeito para tirarem a foto e com isso mostrar que mesmo "lá" (na Guiné) era possível haver um ambiente de contestação.

No meu quarto, depois de se ter pintado as paredes em castanho, com tinta de óleo, colocou-se um poster do Frank Zappa em que ele está sentado numa sanita (ou 'cagadeira', se preferires) numa alusão ao que entendíamos ser 'aquilo'.

Quando o T.Coronel Ramos passou revista às instalações, depois dos 'melhoramentos', ao entrar no quarto que, apesar de ser de dia, estava numa quase penumbra por força do espesso reposteiro amarelo dourado (para condizer com o castanho forte das paredes...) e com uma mortiça e fraca luz no tecto, vindo da claridade, teve que afirmar a vista para entender o que se passava e só dizia, "está uma borrada, está uma borrada!"
Tempos de irreverente juventude.

Hélder Sousa