domingo, 15 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16956: Blogpoesia (489): "Piano mendigo..."; "Só o sonho é livre..." e "Afónica a catatónica...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Piano mendigo…

Piano tristonho, desiludido da vida,
Sentou-se cansado na borda da estrada,
Pedindo esmola.

Passou uma harpa, de crista empinada.
Tocando vaidosa.
O mendigo pediu.
Ela avançou.
Nem olhou para o lado.

Veio um violoncelo,
Cismando na pauta,
Corcunda.
De olhos no chão.

O mendigo pediu.

Ele rugiu.
Seguiu preocupado.
Com uma corda partida.

Depois um oboé,
Vaidoso,
Todo encantado,
Reluzindo ao sol.

Mendigo pediu.
Ele nem ouviu
E seguiu indiferente.

Depois, veio um jumento.
Trazia uma bateria impante,
Escarranchada nas costas.

Mendigo pediu.
O burro zurrou.
A batuta assustou-se e caiu.
Calada, sem ela, partiu.

Por fim, um violino aflito,
Entoando vibrante,
Um concerto sozinho.
Perdera a orquestra.

Mendigo pediu.

O violino parou.
Sentou-se a seu lado.
Convidou o piano.
Formaram um dueto,
Para sempre amigos…

Ouvindo um piano e orquestra
Berlim, 14 de Janeiro de 2017 
10h2m
JLMG

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Só o sonho é livre...

Aquela candura branca e alvinitente
desapareceu.
Cobria o chão e era um regalo divinal.
Agora, tudo é lama negra e sórdida.

Bastou subir uns degraus do calor a escala.
E a fealdade tomou conta.

Tudo é efémero na natureza.
Só o sonho é livre.
Não há calor
nem temperatura baixa
que o apague...

Bar dos Motocas, arredores de Berlim,
12 de Janeiro de 2017
10h51m
JLMG

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Afónica e catatónica...

Ao cabo de milénios de desenvolvimento,
desde os tempos da pedra lascada
até à arrogante viagem ao espaço,
com sputnics e foguetões,
após revoluções e convulsões,
com genocídios e gazocâmaras;

Dos colossos piramidais, lá no oriente
e nas ameríndias
que ninguém sabe bem ao certo;
das barragens arrasadoras
para fabrico da energia eléctrica,
e das maquiavélicas centrais nucleares
que ameaçam matar o mundo;

Das tenebrosas lucubrações filosóficas
que nos arrasam de confusões estéreis;

E das macabras religiões mortíferas
que tudo arrasam
em nome do amor aos deuses;

Quando a ciência,
faminta de tanto saber,
quase implodiu
e não conseguiu eliminar a morte;

E as artes se baralharam,
com tantos estilos,
sacrificando a beleza à fealdade;

Eis que uma onda,
afónica e catatónica,
num terrível tsunami,

secou-lhe a esperança
e afogou inteira a humanidade...

Berlim, 12 de Janeiro de 2017
8h4m
JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16931: Blogpoesia (488): "A existência..."; "Pelas portas milenares das catedrais..." e "Vaidade...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

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