sábado, 5 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16686: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (18): Mais um caso "atípico", o de David [Ferreira de Jesus] Costa, ex-sold at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68 (Virgínio Briote)


Capa do livro Desertor ou patriota : a extraordinária aventura de um soldado raso / David Costa. - 1ª ed. - Vila Nova de Gaia : Ausência, 2004. - 157, [2] p. : il. ; 21 cm. - (Passado recente ; 3). - ISBN 989-553-078-1 [Preço, 12 €]


1. É uma história do "arco da velha", rocambolesca, trágico-cómica, absurda, kafkiana, impiedosa... de um homem, um camarada nosso, que bebeu o cálice da amargura, na sequência de uma leviandade que lhe custou a liberdade, a honra e anos de vida.... Que lhe poderia ter custado, inclusive, a vida!


Desertor, sim, técnica e juridicamente falando... Mais um desertor "atípico", usado e abusado pelo PAIGC [e aqui, o português e médico, Mário Pádua, também não fica bem, na fotografia... ou será que na guerra revolucionária vale tudo ?!... O PAIGC tem obviamente todo o interesse em instrumentalizar, politizar, aproveitar, para efeitos de propaganda, a "infeliz" deserção do David Gomes...

Em boa verdade,  o pobre do David Costa desertou e não desertou... Foi apanhado pelo PAIGC fora do seu aquartelamento, por estar desorientado, emcionalnamente perturbado, à beira do "burnout", da exaustão física e emocional...  Não se entregou ao PAIGC, fez o "número" que lhe convinha quando foi feito prisioneiro... E manteve esse "número" por uns tempos. Passou a ser considerado, lisongeado, ganhou inclusive a liberdade... E aqui brincou com o fogo, mais uma vez...

A "carta à mulher"  que é dura de roer... Será possível que um homem, com a craveira intelectual, humana e profissional, do dr. Mário Pádua, lhe tenha feito "essa maldade" ? Um guineense ou um caboverdiano do PAIGC podia fazê-lo... Mas um português sabia que o David tão cedo não poderia juntar-se livremente à mulher e aos filhos... O David, meu caro dr. Mário Pádua,  não era um intelectual, um antifascista, um homem politizado, informado, consciente!... Era, tão apenas, na época, um pobre diabo de um soldado raso... [, Enfim, não sei se esta história está mal contada,  ou mesmo se a  versão dos acontecimentos não pode estar  enviesada pela distância temporal: o livro é publiavdo em 2004, quase 40 anos depois dos factos ocorridos]...

É uma história ao mesmo tempo exemplar... que merece ser revista, revisitada, relida, meditada... O David Costa, David Ferreira de Jesus Costa, de seu nome completo, ex-sold at art, CART 1660 (Mansoa, 1967/68), redime-se, do seu passado de "déserteur malgré-lui" [, desertor, por mero acaso, ou à força],  escrevendo um livro de memórias, que já foi aqui objeto de recensão crítica, primeiro pelo  por Virgínio Briote (*) e, mais tarde,  por Mário Beja Santos (**).

Por ser a primeira,  e a mais antiga, vamos reproduzir aqui a "nota de leitura" que o o nosso querido editor, hoje jubilado , V. Briote, escreveu em 2008, acrescido de alguns comentários de um camarada do David Costa, o ex-1º cabo Jorge Lobo, feitos na altura ou em 2010, no poste do Beja Santos (**).



Desertor ou Patriota, de David Costa: da brincadeira ao pesadelo... 

por Virgínio  Briote



A extraordinária aventura de um soldado raso


David Costa nasceu na freguesia de Fânzeres, concelho de Gondomar, a 12 de dezembro de 1945. Incorporado em julho de 1966, casado à pressa para ver se se livrava da mobilização, nem com um filho recém-nascido e outro a caminho escapou. Como ele diz a certa altura, só os cegos e os paralíticos podiam ter alguma esperança.

Tudo começou em Fevereiro de 1967. No cais da Rocha Conde de Óbidos ouviu a prelecção habitual:
– Soldados de Portugal! É grande a vossa honra, pois a Pátria chama-vos a defender aquelas terras tão orgulhosamente portuguesas.

Embarcou no Uíge num daqueles dias frios para cinco dias depois respirar o ar quente de Bissau. Nem deu tempo para dar uma volta pela cidade. Encaixotados nas viaturas, lá rumaram, ele e os camaradas, a caminho de Mansoa.

Um tipo cheio de sorte. Ainda em Lisboa deram-lhe a notícia:
– O teu serviço vai ser trabalhar na secretaria, incorporado na CART 1660.

Em Mansoa encontrou-se com os velhinhos do BCAÇ 1912, que não deixaram passar a oportunidade de praxar a periquitada:
– A vossa chegada não tarda vai ser condignamente festejada...Não vai faltar molho! – E, de facto, assim aconteceu.

Numa daquelas noites, a gozar o cinema ao ar livre, aí vai aço, tugas de um raio! “Corríamos inseguros à procura de qualquer coisa que nos abrigasse”, remata o infeliz amanuense condutor que, afinal, estava a ver que também sobrava alguma coisa para ele.


Uma brincadeira de mau gosto, que lhe saiu cara


Mas nessa noite como em outras que se seguiram estava longe de adivinhar o que, dezenas de anos depois, chamou “a extraordinária aventura que eu vivi”. Foi no fatídico dia 17 de maio de 1967 que começou a odisseia do David. Brincalhão, cheio de arte e manha, era o encarregado do transporte do correio, o que o levava a Bissau sempre que havia avião.

“Tudo não passou de uma simples brincadeira com uma carta mal fechada, da qual caíra uma foto de uma linda rapariga. Com essa fotografia, destinada ao Floriano, resolvi fazer umas graças, exibindo-a como troféu de grande conquistador que eu era. Brincadeira de mau gosto, certamente, imperdoável também, com certeza, mas que me saiu tão cara!...”

Condenado pelos camaradas que lhe viraram as costas, resolveu ir dar uma volta pela povoação. Foi andando, diz ele, a matutar, acabrunhado, andando até dar por ela que era noite e já estava fora de Mansoa e sem sequer vislumbrar qualquer referência. Em pânico, desorientado, meteu-se pelo mato, andou para trás e para a frente e para os lados possivelmente, até que pela madrugada viu um holofote a girar. Era um destacamento das NT que ele não fazia ideia qual fosse.

Entra, não entra, arrisca a entrar por baixo do arame farpado, a desaparecer pelo chão, quando lhe vem à cabeça a ideia de poder ser visto à distância por alguma sentinela que, certamente, não o identificaria e, o mais certo, pensou para ele, "fura-me todo".

Escapa-se do aquartelamento (ao longo de toda a história vê-se que conjuga o verbo escapar de trás para a frente) e decidiu internar-se no mato ao encontro, não sabia ainda, de uma pequena coluna da guerrilha. Estava ele a dizer “Tem calma David!”, quando uns vultos estacam à frente dele. Curvados, observam-lhe a cara, murmuram entre eles, até que um se chega à frente de um David a tremer por todos os lados.
–  Que andas aqui a fazer fora do quartel?
– Fugi, ontem à noite –  saiu-lhe pela boca, sem pensar, diz ele.

Apanhado pelo PAIGC, levado para o Morés e, depois, para o Senegal. Começa assim a odisseia do soldado raso David Costa. Levado pelo comandante Alexandre Dias Correia e mais seis elementos bem armados e equipados com fato camuflado, dirige-se à mata de Morés. Sempre bem tratado pela guerrilha e pela população, conhece José Landim, que se apresenta como chefe militar da base de Morés.

Depois foi a viagem por trilhos, bolanhas e ribeiros, em direcção ao Senegal. No trajecto ainda conheceu em Iracunda, bem perto do Olossato, o Aristides Pereira, futuro Presidente da República de Cabo Verde que, contente pela deserção do soldado, o abraçou e tratou com muita simpatia. Foi aí que assistiu a uma sessão política, que o deixou boquiaberto. Acarinhado por todos, rumou novamente em direcção à linha de fronteira, conduzido pelo comandante Alexandre Correia e pelos seus homens. Dois ou três dias depois chegaram.

Antes de embarcar numa camioneta que o aguardava, chorou abraçado ao comandante, que à despedida lhe disse:
– Vai em paz e que Deus te acompanhe. Obrigado por seres dos nossos…

Em Ziguinchor teve honras de ser recebido por Luís Cabral e pelo Mário Pádua, um médico português que desertara do Exército Português em Angola e tratava agora dos feridos e doentes do PAIGC. Levaram-no a um alfaiate, tirou medidas para um fato, comprou camisas e sapatos, fumou Craven-A e Rothelmans, parecia-lhe tudo surreal, diz ele.

Numa noite, após jantar com Luís Cabral, duas senhoras e o Mário Pádua, este entrou-lhe no quarto e perguntou-lhe a quem queria dar notícias. Que pergunta! O David não parava de pensar na sua jovem mulher. Então, o Pádua passou-lhe para as mãos uma carta escrita e uma folha de papel de avião em branco com o respectivo envelope.

“Quando me deixou só, comecei a ler aquela folha e fiquei muito desanimado. À medida que a ia lendo, ia perdendo a vontade de continuar. Não entendia nada de política, mas qualquer um perceberia que aquela carta era uma condenação. Eu ia dizer à minha mulher para não se preocupar comigo. Que estava muitíssimo bem e não me faltava nada. Que tivesse confiança, pois mais tarde ou mais cedo iria ter comigo, onde quer que eu estivesse. E pelo meio destas mensagens cheias de esperança dizia-se que quem tinha a culpa de tudo era Salazar…Que Salazar e Tomás eram doidos e o Cardeal Cerejeira também. Mesmo ignorante, logo percebi que jamais voltaria a Portugal sem problemas gravíssimos…”, escreve o David no seu livro.

Fez o que lhe sugeriram, copiou com a sua letra a folha que o Pádua lhe entregara. Depois o David continua a contar as atribulações que diz ter passado. Deram-lhe uma espécie de dinheiro de bolso e deixavam-no passear sozinho. Dias depois, diz ter escrito uma carta para a mulher,  contando a sua própria versão e pedindo que fizesse a entrega da carta no QG, no Porto.

A aventura no Senegal continua em Dakar para onde foi levado e conhece na sede do PAIGC um tal José Augusto, natural de Braga, ex-apontador de morteiro de uma unidade militar portuguesa, que desertara em tempos e que vivia no Senegal com a mulher e a avó.


Da Gâmbia até Bissau: o início de outro pesadelo, 
incluo a célebre chapada de Spínola


A odisseia do David no Senegal acaba num convento em Dakar, levado por um padre que o encontrara desanimado numa igreja. Não falta nesta história uma freira, jovem e bonita… Foi, aliás, através das freiras que obteve um passaporte e foi levado para Bathurst, Gâmbia, de onde depois de ter enviado um telegrama ao Comando Chefe das FA em Bissau, regressou numa avioneta civil à Guiné.

Bom, depois começou outra história. Prisão, interrogatórios, julgamento, condenação por deserção, chapada de Spínola... 

Ironia ou não, o David regressou em 20 de junho de 1971 no mesmo navio que, em fevereiro de 1967, o transportara para a Guiné...Passou à disponibilidade em 29 de agosto de 1971.



2. Seleção de comentários


Jorge Lobo  [ex-1º cabo at art, CART 1660 (Mansoa, 1967/68), nosso grã-tabanqueiro desde  10/1/2011]

[24 de novembro de 2010 às 14:56 
Jorge Lobo


Fui colega do David Costa,   na CART 1660,  em Mansoa,  e assisti ao vivo e a cores ao incidente que levou o rapaz a desertar do quartel e bem assim, acompanhei o caso até ao meu embarque para a metrópole, tendo mesmo o escoltado e assistido ao vivo ao seu julgamento no tribunal militar de Bissau.

Tudo se começou na caserna. O 1º cabo enfermeiro Chantre vinha-se queixando não ter recebido duas cartas de datas diferentes ambas com foto da namorada. Quem por norma trazia o correio era o David Costa mas, naquele dia  (trágico para o David) não tinha sido ele a ir a Bissau trazer o correio onde mais uma vez, a namorada enviava ao Chantre uma 3ª foto sua dentro da carta.

Desta vez então, o Chantre recebeu a carta e feliz com a foto,  mostrava-a aos colegas de caserna.
Porém, uns dias antes, o David...tinha mostrado a um dos colegas uma foto igualzinha à que o Chantre acabava de receber e mostrava a esse mesmo colega que já tinha visto a outra foto nas mãos do David.

Daí até se descobrir que tinha sido o David quem violou as cartas com as fotos anteriores, foi um pequeno passo. Ao ver-se descoberto, o David desapareceu do quartel e,  a partir daí, só ele mesmo sabe o que se passou.

Depois dele ter regressado, três meses depois do início da sua odisseia, contou-nos lá em Mansoa a versão da sua aventura de forma diferente a uns e a outros dos colegas.(Isto já em prisão, claro.)

Sinceramente,  eu passei a desacreditá-lo e mais desacredito hoje em dia, depois de ler em diversos blogs da internet, versões diferentes, segundo parece deixadas por si ou com o seu conhecimento.

Há coisas que não coincidem. Nuns lados ele diz que passou por uns locais e noutros porém fala em outros bem diferentes... Num lado diz que dormitava quando foi capturado pelo IN, e noutras ele diz ter-se esbarrado de frente com os guerrilheiros do PAIGC.

Tambem me parece estranho como é que ele foi parar a Morés, quando ele tinha dito que,  ao sair de Mansoa.  tinha entrado na estrada de Bissorã,  a qual o levaria a um destino bem diferente de Morés.
Estas e outras contradições tornaram o seu livro pouco credível.


Jorge  Lobo [.23 de novembro de 2010 às 21:36 ]

Caro David Costa, sou o 1º cabo  Lobo,  da CArt 1660,  e presenciei toda a cena da carta com a fotografia da namorada do Chantre, isto na caserna da CArt 1660,  em Mansoa.

Sabia vagamente o que te aconteceu mas não com todos esses pormenores. Em Bissau quando de cabo de dia antes da partida para a Metrópole, cheguei a levar-te as refeições ao presidio.

Desejo do coração que tenhas já esquecido a pior parte dessa tua odisseia e que sejas muito feliz na companhia dos teus.

David Costa [6 de dezembro de 2014 às 14:21]

Sou o David Costa e lembro-me perfeitamente de ti,  cabo Lobo, recebi com agrado tuas palavras e envio te um grande abraco com muitas saudades e o desejo de um dia te encontrar. Abraço David

Jorge  Lobo [ 30 de setembro de 2016 às 15:10 ]

Só hoje li a tua mensagem,  amigo David! Também espero um dia destes encontrarmo-nos algures para bater um papo e matar saudades daqueles tempos longínquos da guerra na Guiné. 

Admiro o teu sacrifício ao teres passado mais do dobro do tempo que o pessoal da CArt 1660 passou na Guiné. Ainda hoje recordo com mágoa as palavras daquele coronel,  juiz do tribunal militar, quando ele dizia que foste condenado a 2 anos, um mês e ...um dia de prisão. quando uma semana depois a nossa companhia regressava à metrópole. 

Muita coisa aconteceu na minha e na tua vida nesse entretanto,  entre 11 de novembro de 1968 até à altura em que tu regressaste depois dessa tua odisseia digna de um qualquer Alexandre o Grande....

 Um grande abraço e,  se me quiseres contatar,  podes faze-lo através do meu facebook  Jorge Pereira,  https://www.facebook.com/jorge.lobo.77715 

E depois combinaremos algo. Até breve, amigo. Jorge Lobo, 1º cabo, 1º pelotão da CART  1660. (****)

_________________

Notas do editor:

(*) Vd, poste de 28 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3371: Bibliografia de uma guerra (35): Desertor ou Patriota, de David Costa: da brincadeira ao pesadelo... (V. Briote)


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16685: In Memoriam (270): Vasco Pires (1948-2016): missa do 7º dia, amanhã, 5, sábado, às 19h00, na igreja matriz de Arcos de Anadia, Anadia



Brasil , Bahía, Porto Seguro > Novembro de 2013 > O Vasco Pires com o seu amigo e camarada, Arménio Cardoso, da CART 6252/72, Os Indiferentes (Gadamael, 1972-74)

Foto (e legenda): © Vasco Pires (2013). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(...) "Na semana passada recebi a honrosa visita do meu amigo e nosso camarada Arménio Cardoso - CART 6252/72, que também bebeu das 'águas escuras e amargas' do Rio Sapo. Lembrando quantos dos nossos por lá ficaram e outros tantos voltaram mutilados no corpo e/ou na a<lma, tivemos pois que concluir que somos todos privilegiados sobreviventes.

Há tempos ouvi o depoimento de um membro da E Company, 506 Infantry Regiment (United States), do tão mediatizado Band of Brothers, dizia ele que muitas décadas depois, nas frias noites do rigoroso inverno aqmericano, quando ia para a cama, falava para a esposa:
- Ainda bem que não estou em Bastogne!

Eu também, sem fazer comparações, claro, no fim desses dias em que a vida parece "Madrasta", penso:
- Ainda bem que não estou em Gadamael." (...)






Vasco Pires (1948-2016): notícia necrológica








BI de cidadão nacional do Vasco Pires

1. Celebra-se amanhã, na Anadia, dia 5,  sábado, pelas 19h00, missa  do 7º dia em honra da memória do nosso querido camarada Vasco Pires (Vilarinho do Bairro, Anadia, 15/6/1948 - Porto Seguro, Baía, 31/10/2016). (*)

O Vasco, que vivia no Brasil desde 1972, deixa 3 filhos, Mónica, Vasco e Catarina Pires. Tinha ainda a irmã, Isabel, a residir em São Paulo.

O elemento de contacto é o seu afilhado, Pedro Araújo, natural de Anadia, que nos deu a triste notícia e que já nos agradeceu também as "elogiosas palavras a respeito do Vasco" (**)... E acrescenta: "Foi ele que me enviou sempre os links para os postes que enviava para o blog da Tabanca Grande".

Páginas do Facebook dos familiares mais próximos:

Mónica Pires,  filha (deixou de ser atualizada desde 25/11/2015);

Isabel Pires, irmã.

Pelo que sabemos o Vasco terá morrido, de morte súbita,  em casa, em Porto Seguro, Bahía, de complicações respiratórias, e na sequência de uma gripe. O corpo foi cremado em Porto Seguro e as cinzas enviadas para São Paulo. 

À família enlutada, aos amigos e aos camaradas mais próximos, vai o nosso abraço solidário. 

O editor LG


2. Convidam-se os nossos leitores a visitar a sua série "Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires)", de que se publicaram, 16  postes, o último dos quais há 2 anos (****). 

Era  membro da nossa Tabanca Grande desde  27/9/2012 (*****). Era um querido camarada da diáspora lusitana, como ele próprio se nos apresentou:

(...) "Prezado Luís Graça: fico muito grato pela cordial acolhida, bem como pelo convite. Sou um desses milhões da multicentenária diáspora Lusitana. Em 1972 saí de Portugal, e por aí ando até esta data. Há talvez um ano, tive o primeiro contacto com o blog; quero te parabenizar como a toda a equipe pelo extraordinário trabalho, bem como pelo alto nível da edição do blog, em assuntos tão polémicos e carregados de emoção, com décadas de distância." (...)

Era seu editor, sempre dedicado e delicado, o Carlos Vinhal a quem o Vasco tratava por "padrinho".

______________





Postes anteriores:

18 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13623: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (15): Autorretrato de um soldado

11 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13600: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (14): Sou só o Comandante

15 de Setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12047: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (13): A minha singela homenagem aos pais de todos nós

11 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11929: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (12): Fotos do Cap Op Esp Fernando Assunção Silva em confraternização com oficiais e sargentos sob o seu comando

21 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11858: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (11): Terra firme e o pântano - Dois grandes líderes, Cap Op Esp Fernando Assunção Silva e ex-Cap Art.ª António Carlos Morais Silva

25 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11627: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (10): Perguntas sem resposta

23 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11302: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (9): INGORÉ... ou os inusitados caminhos da memória

16 de março de 2013 &amp;gt; Guiné 63/74 - P11262: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (8): Terei estado no "bem-bom de São Domingos"?

9 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11223: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (7): Fotos de um líder, do Cap Op Esp Fernando Assunção Silva

3 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11185: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (6): ...onde também tem lealdade, dedicação e competência

24 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11148: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (5): "Alfero di canhão"

31 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P11033: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (4): Quem vem lá?

14 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10941: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (3): A morte, em 24/1/1971, do cap inf op esp Fernando Assunção Silva, 1º comandante da CCAÇ 2796, e meu amigo~

16 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10535: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (2): Como fui parar a Gadamael, por acção do meu pai e reacção do 'Paizinho' ...

13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10525: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (1): Uma história do artilheiro de Gadamael, à beira da peluda, no 'bem-bom' de São Domingos...

(*****) Vd. poste de 27 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10443: Tabanca Grande (362): Vasco Pires, ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael, 1970/72)

Guiné 63/74 - P16684: Inquérito 'on line' (81): a avaliar pelo total de respostas (n=91), só uma minoria (15%) refere a existência de casos de deserção (n=15) na sua unidade (companhia ou equivalente)... Menos de metade do que terá ocorrido na metróple (=34)... Impossível saber se há casos repetidos... A nossa estimativa, grosseira, é de 500 casos de deserção em toda a guerra: 2/3 na metrópole, 1/3 no TO da Guiné


Universidade de Coimbra > Centro de Documentação 25 de Abril > "Guerra, Deserção e Exílio | Exposição virtual" > Jormais e revistas > Capa do boletim "Guerra à Guerra", nº 1,  maio de 1972,  do CDP - Comité de Desertores Portugiueses, Suécia. Tinha 16 páginas, impresso a offset, era escrito todo em inglês (com exceção de dois parágrafos, em português...) e custava 2 coroas suecas ou 2 francos franceses... Não se escondia as dificuldades que esperavam os jovens desertores e refratários portugueses, em países como a França, a Holanda ou a Suécia: a língua, a burocracia, o controlo policial, as dificuldades de alojamento, a demora na regularização da situção legal (às veses quase um ano), a busca de trabalho, etc. O país "mais acolhedor" ainda era a Suécia que, no entanto, não dava "asilo político" aos desertores e refratários.. As oportunidades de permanência eram melhores. Havia 3 seções do CDP, em Malmo-Lund, Estocolmo e Uppsala... Esta primeira edição do boletim era da responsabilidada seção de Malmo-Lund. Não aparece nenhum nome português associado a este coletivo. Pelo conteúdo e pelo grafismo, o boletim parece seguir uam orientação maoista. A posição do CDP face é deserção era clássica:(i) a deserção afeta moral e materialmente as forças armadas, principal esteio de apoio da burguesia que explora a classe trabalhadora em Portugal e nas colónias; (ii) os jovens portugueses não devem recusar fazer o  serviço militar, o seu treino é muito importante para o combate revolucionário a travar em Portugal (e não no exílio); (iii)  os jovens devem aguentar-se o mais tempo possível em Portugal; (iii) uma vez mobilizados para a guerra colonial, devem então desertar levando com eles as suas armas...  Nada mais simples, para...um sueco!


 (Reproduzido com a devida vénia...)

(...) "Por ocasião do Colóquio O (AS)SALTO DA MEMÓRIA : Histórias, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio, realizado em Lisboa, na FCSH-UNL, no dia 27 de Outubro de 2016, o Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra, oferece uma exposição virtual de documentos, selecionados a partir de vários dos seus fundos e coleções." (...) Há livros e outros documentos, hoje já raros (como este que se reproduz acima), que inclusive podem ser descarregados pelo visitante em pdf.


A. INQUÉRITO 'ON LINE':

"NA MINHA UNIDADE (COMPANHIA OU EQUIVALENTE) NÃO HÁ CASOS DE DESERÇÃO"




1. Nenhum caso, na metrópole > 46 (50%)


2. Nenhum caso , no TO da Guiné > 58 (63%)


3. Um caso, na metrópole  > 17 (18%)


4. Dois casos, na metrópole  > 4 (4%)


5. Três ou mais casos , na metrópole  > 3 (3%)


6. Um caso, no TO da Guiné  > 13 (14%)


7. Dois casos, no TO da Guiné  > 1 (1%)


8. Três ou mais, no TO da Guiné 0 (%)


Total de votos apurados >  91



A sondagem fechou na 5ª feira, dias 3, às 15h34.


B. Comentário do editor


Não sei se um dia ainda chegaremos a saber qual foi o número exato de refratários e desertores da guerra colonial (ou do ultramar, como se queira).

Era bom que os nossos jovens historiadores, que felizmente não fizeram a guerra, nem viveram as paixões dessa época, pudessem dar um contributo decisivo para o esclarecimento deste assunto, durante muto tempo tabu na sociedade portuguesa.

Há dias fomos confrontados com um número (8 mil desertores), avançado por dois jovens historiadores ligados ao Centro de Documentação 25 de Abril /(CD25A), o Miguel Cardina e a Susana Martins (*).


Mas voltando aos desertores da guerra colonial...

Há quem tenha a veleidade de encerrar a história por capítulos. É uma conceção errónea da investigação científica. A história é um domínio fortemente marcado pela conflitualidade teórico-ideológica. Continuaremos a assistir à utilização dos números sobre a guerra como “arma de arremesso” por diferentes sectores da sociedade portuguesa, e nomeadamente na leitura e interpretação da guerra colonial, da decolonização e do 25 de abril.

.Há ainda muitos contos por contar e  muitas contas por ajustar… Por outro lado,  "não há almoços grátis": sem financiamento não há investigação, mas quem financia  nem sempre o faz por puro amor da ciência (e neste caso da verdade  histórica). Resta-nos a confiança na ética e na autonomia dos investigadores e no controlo da qualidade feita pelos seus pares.

De alguim modo indiferentes a isso, o nosso blogue vai carreando, também,  alguns materiais que podem ajudar à compreensão (mais do que à quantificação) de fenómenos como a "adesão" e a “resistência” à guerra… E nesse sentido que abrimos, de há muito, as nossas páginas ao debate (sereno) sobre os combatentes, os refractários e os desertores. Somos um blogue de combatentes, de veteranos da guerra da Guiné. E a Guiné um bom local de observação.

O inquérito “on line” que decorreu durante uma semana, e que encerrou ontem, dá-nos mais algumas pistas para reflexão. Como sempre o temos dito, este não é um instrumento científico, é apenas uma forma de potenciar a participação dos nossos leitores no debate de temas que nos dizem respeito e que nos interessam. 

Os resultados que obtemos podem estar “enviesados”, por terem respondido ao inquérito leitores que não foram combatentes na Guiné, etc. Por outro lado, estamos sempre a fazer apelo à memória… E presumimos a boa fé dos nossos respondentes...De qualquer modo, , o conceito de "desertor" não é pacífico.. Enfim, demasiadas fontes de potencial enviesamento dos dados que não podemos controlar neste tipo de inquirição que, por razões técnicas, só admite uma pergunta...

Feitas estas ressaltavas, o inquérito sobre os “desertores”, não chegou a ter as desejáveis 100 respostas. Ficou perto, mas aquém. No total, tivemos 91 respondentes. O que é, em estatística, um "número grande", mas está longe de ser uma "boa amostra"...

É aquilo a que se chama uma mera amostra de conveniência. A metodologia não nos permite tirar conclusões generalizáveis… Estamos a falar de um milhão de homens em armas, durante um período, longo, que vai de 1961 a 1975, em toda a guerra colonial (cerca de 800 mil metropolitanos  + 200 mil africanos).

Há a perceção, por parte da historiografia militar e dos ex-combatentes, de  que o caso o número de desertores será sempre muito baixo (menos de 1% ou até .menos de 0,5 %), comparativamente com o dos refratários (que seriam da ordem dos 20%, ou sejam, 200 mil).(**)

Por cada  5 homens em armas,  haveria 1 refratário (, o que é um proproção brutal, mas deve ser tido em conta o contexto dos anos, marcados pela emigração em massa, que ultrapassou toda ca capacidade de controlo do regime então em vigor, o Estado Novo)...

Quanto aos desertortes é mais difícíl estimar uma  proporção.. A aceitar (memso com reservas) os 8 mil desertores, seria menos de 1 desertor (0,8)  por cada 100 homens em armas... Na prática, podemos arredondar:  1 homem por companhia (150/160  homens)... Na Guiné, ou melhor nas unidades que passaram pela Guiné, e usando esta proporção,. poderíamos ter entre 750 e 1500 desertores... Há quem continue a pensar que é muito, face ao conhecimento empírico que teve da situação, cá e lá...

Vejamos agora os nossos resultados... Admitindo que as respostas ao nosso inquérito, no nosso blogue, são dadas de boa fé, temos um fenómeno curioso: os nossos camaradas referem o dobro de casos de deserção na metrópole relativamente ao que se terá passado no TO da Guiné. Todos reconhecemos que era “mais fácil” desertar, apesar de tudo,  antes do embarque para a Guiné do que depois, no terreno (veja-se o caso da CCAÇ 2402). E nalguns casos, aproveitava-se as férias na metrópole para desertar (os 2 casos da CCAÇ 3498)…

24 respondentes referem casos de deserção na metrópole, passados na sua unidade (companhia ou equivalente)... Tudo somado daria no mínimo  34 casos; 17 assinalaram  um caso; 4 assinalaram dois casos; e 3 assinalaram 3 ou mais casos.

Quanto à deserções no TO da Guiné, durante a comissão, há apenas 14 respondentes que assinalam 15 casos.

No total (considerando a metrópole e o teatro de operações) temos, assim,   meia centena de casos.

Admitindo que cada respondente representa uma companhia (150/160 homens, em números redondos; nalguns casos, um pelotão, de morteiros, de caçadores nativos, de artilharia, etc.), teríamos cerca de 10% do de total dos homens que passaram pelo TO Guiné (que terão sido pelo menos uns 150 mil,  contando com os militares do recrutamento local mas excluindo as  milícias).

Se em 10% dos efetivos (15 mil) temos cerca de 50 casos de deserção (na metrópole e no TO da Guiné), extrapolando para a população (150 mil), teríamos 500 casos...

Esta estimativa é mais conservadora do que a dos historiadores do CD25A, mas não deve andar longe da verdade... Cerca de dois terços dos nossos respondentes  diz que não houve nenhum caso de deserção no TO da Guiné, na sua companhia. Cerca de metade diz que não houve nenhum, caso de deserção na metrópole.

É um estimativa grosseira,,, mas convém arriscar, até  para incentivar a pesquisa (metodologicamente mais controlada e rigorosa) deste problema...

Atreveríamo-nos a fazer a pôr a seguinte hipótese de investigação: poderá ter havido 150 deserções no T0 da Guiné, entre 1961 e 1974,  e as restanttes (350) poderão ter ocorrido na metrópole...

Pode haver. naturalmente, casos repetidos. E na metrópole os números poderão ser menos fiáveis... De qualquer modo, estes resultados parecem verosímeis. Quem passou pela Guiné, entre 1961 e 1974, sabe que os casos de deserção  foram esporádicos e até atípicos. O típico desertor estava longe de ser um indiíduo "politizado", "objetor de consciência", etc. (vd. casos de 1970: base naval de Ganturé, e CCS/BCAÇ 2893)...

E não houve deserções em massa, com raras exceções (por exemplo, o do ten comando graduado João Januário Lopes, da 1ª Companhia de Comandos Africanos, em Conacri, em 22 de novembro de 1970, na sequência da Op Mar Verde, ao todo cerca 26 homens, mesmo que haja dúvidas sobre as circunstâncias em que esta história ocorreu).

É sabido que organizações clandestinas que lutavam contra a guerra colonial, como o Partido Comunista, não incentivavam a deserção dos seus militantes (que de resto não seriam muitos, na época), embora pudessem e devessem  apoiar casos individuais ou coletivos (***)

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Guiné 63/74 - P16683: Agenda cultural (511): Convite para assistir ao debate a partir do livro Alcora - O Acordo Secreto do Colonialismo que contará com a presença dos autores Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, dia 10 de Novembro de 2016, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95 - Lisboa



C O N V I T E


Mensagem do nosso camarada Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (ex-2.º CMDT Batalhão de Comandos da Guiné, 1972/74), escritor e historiógrafo da guerra colonial, com data de 2 de Novembro de 2016:

Minhas e meus amigos,
Estamos, o Aniceto Afonso e o Carlos de Matos Gomes a convidar-vos para participarem na apresentação da reedição de um livro sobre a Aliança Alcora e num debate sobre este tema. Gostávamos muito de contar com a vossa presença e a vossa participação.

Alcora foi o nome de código dado a uma Aliança política e militar entre Portugal, a África do Sul e a Rodésia que ainda hoje é muito pouco conhecida. Coloca questões decisivas sobre a forma como os governos de Salazar e de Marcelo Caetano abordaram a questão colonial, o estado unitário, multicultural e multiétnico, do Minho a Timor, a guerra e como em segredo procuraram outras saídas.

Algumas questões que a Aliança Alcora colocou:
- O que pretendia cada um dos Estados que faziam parte dessa Aliança, Portugal, a África do Sul e a Rodésia?
- O que representou a aliança com a África do Sul e com a Rodésia para Salazar e para Marcelo Caetano?
- Como evoluíram ao longo dos anos as relações de Portugal com a África do Sul e com a Rodésia?
- Como compatibilizar os princípios de um estado que se afirmava multicultural e multiétnico com o apartheid?
- A Aliança Alcora era uma simples manobra dilatória para Marcelo Caetano, ou representava uma via para resolver o impasse da guerra colonial?
- Se a Aliança Alcora tivesse sido completamente estabelecida e implantada quais as consequências para Portugal, para Angola e para Moçambique?
- Como se articula a Aliança Alcora com as tentativas de Marcelo Caetano estabelecer ligações com os Movimentos de Libertação?

Em resumo, a Aliança Alcora colocava, ou não, em causa os princípios da política colonial que tinham sido estabelecidos por Salazar e que Marcelo Caetano se comprometera a prosseguir, de manter um Portugal do Minho a Timor, uno e indivisível, os princípios que levaram à opção pela guerra e a recusa da descolonização?

Carlos Matos Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16652: Agenda cultural (504): Apresentação do livro “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, da autoria de Luís Barbosa Vicente, a levar a efeito no próximo sábado, dia 29 de Outubro, no Clube Fenianos Portuenses, no Porto

Guiné 63/74 - P16682: Convívios (773): XXVIII Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, a realizar no próximo dia 17 de Nov embro de 2016, em Cascais (Manuel Resende)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Resende (ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71), com data de 3 de Novembro de 2016, dando notícia do próximo Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha:


Vai realizar-se no próximo dia 17 de Novembro o 28.º Convívio da
 
Magnífica Tabanca da Linha 

Restaurante "O NOSSO CANTINHO" - Rua das Tojas N.º 192-A em Alcabideche, mais propriamente em Alvide - Cascais. 

Apelamos a todos os que queiram estar presentes, que se inscrevam pelos meios habituais: 
- No facebook clicando em "vou". 
- Por e-mail ou telefone para: 
Jorge Rosales - jorge.v.rosales@gmail.comjorge.v.rosales@gmail.com - 914 421 882 
Manuel Resende - manuel.resende8@gmail.commanuel.resende8@gmail.com - 919 458 210 

Inscrições até ao dia 14 de Novembro, segunda-feira. 

Como chegar até lá? 
Este restaurante fica em Alvide, junto à A5, na rua das antigas instalações da Mercedes. 
No sentido Lisboa-Cascais da A5, sair para Alvide. Ao entrar na terceira circular de Cascais, logo a seguir (100 metros), existem uns semáforos, sair para a esquerda, e outra vez à esquerda. 
Essa é a Rua (Estrada) das Tojas. É no N.º 192-A, frente à porta principal das antigas instalações da Mercedes. 

Coordenadas GPS: 38º 43' 30,87" ; 9º 25' 25,46" 

Um abraço a todos 
Manuel Resende 

**************** 

EMENTA 

Entradas: Pão, Azeitonas, Paio, Queijo fresco, Salgados 
Sopa: Sopa de legumes 
Prato: Arroz de Pato 
Sobremesas: Doces Vários, Frutas Cafés 
Bebidas: Vinhos (branco e tinto), Cerveja, Águas 
Preço: 18 € 
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16618: Convívios (772): 56º Convívio da Tabanca do Centro, Monte Real, Leiria, dia 28 de outubro, 6ª feira

Guiné 63/74 - P16681: Notas de leitura (898): “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
A questão agrária é a espinha dorsal dos acontecimentos guineenses pós-coloniais. Durante o período da luta armada, Cabral motivara os quadros políticos para um desenvolvimento agrícola descentralizado e na base do respeito popular. No período a seguir à independência investiu-se pouco na agricultura e apostou-se num modelo faraónico agroindustrial, também assente na substituição de interpretações. Descurou-se a formação agrícola, desapareceram os subsídios, as sociedades rurais ficaram entregues a si próprias. É essa notável resiliência que o investigador Philip Havik analisa neste livro, que é seguramente o documento histórico-político mais importante de 2016, no que concerne à Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: de Micro-Estado a Narco-Estado (2)

Beja Santos

“Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016, é constituído por um acervo de estudos dedicados à memória de Patrick Chabal, falecido em Janeiro de 2014, e que idealizou até ao fim dos seus dias a organização desta obra com Toby Green. Obra constituída por três partes (fragilidades históricas; manifestações da crise e consequências políticas da crise) convocou nomes importantes da historiografia da Guiné-Bissau no plano internacional como Toby Green, Joshua B. Forrest, Philip J. Havik, entre outros.

Compete a Philip Havik, investigador sénior no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, uma apreciação em profundidade da economia rural e da sociedade guineense. No meu livro “História(s) da Guiné-Bissau”, Edições Húmus, 2016, procurei apurar como o PAIGC abordou a questão agrária, antes e depois da independência, e que tratamento político foi dada à chamada “linha de Cabral”, e invoco os trabalhos de Philip Havik nesta área. O PAIGC do tempo de Cabral punha em lugar de topo o desenvolvimento agrícola a par da mobilização rural, da descentralização política e numa perspetiva da melhoria dos níveis de vida das famílias camponesas. O PAIGC não ignorava que a sua base militante se situava nos campos, mas ascende ao poder com um pano de fundo de crise económica mundial, as agências internacionais não puderam acompanhar o impulso de modernização. Só no III Congresso é que o PAIGC apresentou uma estratégia para um desenvolvimento equilibrado que incluía programas de formação destinados aos agricultores guineenses. O grande objetivo era obter-se um excedente alimentar, sobretudo em arroz. Isto aconteceu no mesmo ano em que ocorreu uma grave seca. Os centros de extensão agrícola são criados enquanto os Armazéns do Povo e a SOCOMIN eram supostas oferecer crédito à custa da diferença de preços no produtor e no retalho/exportação.

Contrariando vozes autorizadas, o governo lançou-se na construção de um gigantesco complexo agroindustrial destinado ao descasque de arroz. Os investimentos injetados na agricultura, no entanto, eram mínimos. A “linha de Cabral” fora desviada. Com o golpe de Estado de Novembro de 1980 anunciou-se um regresso a essa linha de Cabral. Mas também não se passou das intenções. Philip Havik escreveu, a tal propósito:  
“A falta de quadros e de infraestruturas prejudicou seriamente a capacidade do Estado em planear e executar as suas intervenções na agricultura. O conflito então em curso entre as fações populista e tecnocrata, ou seja, entre os militantes rurais formados no mato e os educados na Europa e noutros locais, surge como fator determinante na incapacidade de um aparelho de aparelho de Estado supercentralizado mobilizar os camponeses, que não eram encarados como uma classe”.
Em resultado, deu-se um afastamento dos camponeses face aos decisores políticos instalados em Bissau. Philip Havik observa que ao abandonar a sua função mobilizadora, o PAIGC travestiu-se numa classe média burocratizada e mercantil. Os agricultores ficaram progressivamente mais pobres e entregues a si próprios.

No seu ensaio no livro de homenagem a Patrick Chabal, Havik retoma as suas teses de que a produção industrial e a substituição de importações se fez em detrimento do pensamento de Cabral e que a seguir ao golpe de Estado de 1980 as medidas associadas às políticas de ajustamento estrutural deixaram a agricultura periférica. Nunca se encontrou autossuficiência no arroz, a produção de amendoim veio a ser gradualmente substituída pela produção de caju. Enquanto o Estado enfraquecia, as sociedades agrícolas procuravam encontrar soluções graças aos djilas e aos compradores diretos de amendoim e caju. Philip Havik recorda que em meados do século XIX o amendoim se apresentava como excelente produto de exportação, criaram-se pontas ou propriedades agrícolas que privilegiavam o amendoim e o coconote.

Quando Nino Vieira ascendeu ao poder e deu luz verde ao plano de ajustamento estrutural veio muito dinheiro para crédito agrícola e que acabou desviado para formar uma classe rica a explorar as novas pontas. Philip Havik observa as grandes questões étnicas do século XIX, incluindo a luta de libertação, à luz da resposta das sociedades agrícolas. Mais adiante recorda a organização económica colonial pós o período da pacificação, em que preponderavam as exportações da CUF e as transações da Sociedade Comercial Ultramarina, Barbosa & Comandita, Nunes e Irmãos, Mário Lima, bem como uma série de negócios dirigidos por cabo-verdianos, sírios e libaneses. O PAIGC trazia um plano de nacionalizações e previa a integração de uma agricultura coletiva a par de uma distribuição estatal onde preponderavam os Armazéns do Povo e a SOCOMIN (integraram a Casa Gouveia, que mesmo durante o período da luta armada conseguiu manter uma gestão apreciável no import/export).

O dado importante deste ensaio de Philip Havik é a forma como ele integra a sua análise a partir do período colonial, destacando a etapa de desenvolvimento em torno de meados do século XX, como conflituaram a linha colonial e pós-colonial, como depois da independência foram permitidas depredações no campo florestal na miragem de bons negócios na venda de madeiras exóticas (é atualmente um dos grandes interesses dos chineses na Guiné-Bissau), e como se manteve a fragilidade da economia rural neste enorme puzzle de conflitos, migração, alterações climáticas e ambientais, falta de apoio à modernização agrícola e em que a reposta óbvia foi os agricultores encontrarem os seus meios de subsistência tanto na encomia de troca como na monocultura. A Guiné-Bissau é correntemente apresentada como um Estado frágil e passadeira de droga, mas à margem dessa cupidez e constituição de uma classe suportada por uma clique militar e políticos, a economia rural demonstra uma notável capacidade para resistir indiferente à fragilidade das instituições políticas, resiste pela economia informal, com as precárias infraestruturas de educação e saúde e com um per capita dos mais pobres do mundo. Como observa Philip Havik, a despeito de todos estes constrangimentos, a riqueza e a diversidade dos recursos económicos, sociais e culturais permanece o pilar fundamental da resiliência da sociedade rural e da possível dinâmica guineense.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16660: Notas de leitura (897): “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16680: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (17): que país terá acolhido o sold básico a aux cozinheiro Manuel Augusto Gomes Miranda ? Talvez a Holanda, em maio de 1970, com o apoio do Comité Angola de Amsterdão (Tino Neves, ex- 1º cabo escriturário, CCS / BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)


Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > CSS/BCAÇ 2893 (1969/71) > O 1º cabo escriturário Constantino (Tino) Neves e o sold básico aux cozinheiro Miranda, em missão de PU - Polícia de Unidade. "A foto foi tirada no salão do cinema de Nova Lamego, numa festa de variedades, em que actuava uma cantora vinda da Metrópole, do Seixal, e eu estava de cabo de dia. Como o furriel destinado à Polícia da Unidade (PU) se tinha baldado, o oficial de dia, o capitão, comandante da CCS, mandou-me substituir o furriel, e assim aproveitei para ir assistir às variedades". (*)

Foto (e legenda): © Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Telegrama enviado por Amílcar Cabral, em 15 de maio de 1970, para o Comité Angola, sedeado em Amsterdão, Holanda. (Cortesia dlo portal Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral).

Fonte: Casa Comum
Fundação Mário Soares
Pasta: 07070.117.043
Assunto: Jovens desertores
Remetente: Cabral, PAIGC
Destinatário: Angola Comité
Data: Sexta, 15 de Maio de 1970
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Telegramas.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência

Citação:
(1970), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34754 (2016-11-3)


1. Comentário  do Tino Neves [ex- 1º cabo escriturário da CCS / BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71] ao poste P16672 (*)

Olá,  Luis. Respondendo ao teu pedido sobre a identidade do Miranda, fiz a minha pesquisa sobre os dados que tenho sobre todos os militares da CCS/BCAÇ 2893, que consegui na altura em que comecei a organizar os convívios da Companhia.

Na História da Unidade tenho a referência ao único Miranda  da CCS que foi punido em fevereiro e março de 1970, com 10 (dez) dias de prisão disciplinar agravada em ambos os meses, ou seja 10 + 10 dias de prisão. 

Trata-se do Manuel Augusto Gomes Miranda, soldado auxiliar de cozinheiro nº mec. 084929/66. [,Como se vê, um velhinho de 1966!]

Nunca consegui saber o contacto dele nem onde residia. Como referi no poste em causa, alguém num dos convívios que organizei, me disse que ele após o 25 de Abril  regressou à terra dele e foi recebido como um herói. 

A quando do ataque de 15/11/1970 [a Nova Lamego] ele com toda a certeza já lá não estaria, pois a punição dele foi em fevereiro e março de 1970. 

Um abraço, Tino Neves


 2. Resposta do editor [Tabanca Grande]

Obrigado, Tino...  Tendo a punição sido dada em fevereiro de 1970 e agravada em março [, pelo Cmd Agrup 2957, de Bafatá], a  deserção do Miranda deve ter sido logo a seguir, talvez por volta de março/abril, uma decisão que só poderia ter sido tomada "a quente"... O Miranda era um animal acossado pelo medo, depois do que fez (ou do que foi acusado) e do "bullying" de que passou a ser vítima...

Mas quem nos garante que o Miranda  não tenha morrido "pelo caminho" ? O PAIGC não costumava "acampar" nos arredores de Nova Lamego... Não sabemos se ele foi levado para a região do Boé ou se foi logo encaminhado para Conacri... Amílcar Cabral adorava receber os desertores e os prisioneiros tugas...

Na Net não há rasto do seu nome... O que parece vir confirmar o provérbio popular, "de gente pobre até o rasto é triste"...

Mais próximo destas datas, encontrei no Arquivo Amílcar Cabral um telegrama, assinado por Amílcar Cabral, e com data de 15 de maio de 1970, dirigido ao Comité Angola, em Amsterdão, Holanda. Eis o teor do telegrama, em inglês:

"Please inform possibility receive two young desertors arriving by plane without visa. Cabral PAIGC"

[Tradução: "Por favor digam-nos da possibilidade de receber dois jovens desertores que irão chegar de avião sem visto de permanência".]

É possível que o nosso Manuel Augusto Gomes Miranda seja um destes 2 jovens desertores que o Amílcar Cabral, sem grandes condições logísticas para os receber, recambiou para a Holanda. Deve viver hoje na Holanda, e talvez até tenha a nacionalidade holandesa, a menos que tenha regressado a Portugal e viva ainda algures, numa terreola perdida atrás do sol posto...  È apenas uma pista... 

Talvez os arquivos do "Comité Angola", de Amsterdão, um das organizações holandesas que apoiavam os movimentos nacionalistas africanos que lutavam contra o colonialismo português (e contra o "apartheid" na África do Sul), possam confirmar ou informar esta nossa hipótese de investigação... 

Mas será que existem esses arquivos ? Existem... em holandês. Aqui: Archief Komitee Zuidelijk Afrika   [Angola Comitee/Holland Committee on Southern Africa 1961-1997]

Contrariamente aos portugueses, os holandeses guardam tudo o que tem interesse documental e serve os seus interesses...

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Nota do editor:

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16679: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte III: Um quartel do mato, projetado pelo BENG 447, e construido com a mão de obra dos valentes "Viriatos"

























Fotos (e legendas): © Carlos Marques dos Santos (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Terceira parte do trabalho sobre a "construção de Mansambo em imagens", realizado pelo Carlos Marques dos Santos, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), subunidade adida ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70).


O projeto foi do BENG 447 e a mão de obra foi... da CART 2339, "Os Viriatos".  Do reconhecimenmto do terreno, em fevereiro de 1968, ainda antes da chegada do novo Com-Chefe, o brig António Spínola, à inauguração oficial, em 21/1/1969, decorreu praticamennte um ano. (A cronologia da obra será apresentada no próximo poste.).

Eis como o nosso editor, Luis Graça, descreveu Mansambo, da primeira vez que lá passou, ainda periquito, com dois meses de permanência no setor L1 (Bambadinca), era então fur mil arm pes inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)... 

E essa impressão foi fortíssima, confessou ele, passando a ter desde logo um enorme respeito por aqueles valemtes "Viriatos", com quem depois ainda fará vários operações, até ao fim da comissão deles:

"Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-caserna à prova de canhão sem recuo, eis Mansambo.

"Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação. Aqui vive-se praticamente em estado de sítio. Para ir descarregar o lixo fora do arame farpado, apanhar lenha ou encher os bidões de água a 100 metros sai-se com um grupo de combate armado até aos dentes. A rotina, porém, leva ao afrouxamento da disciplina.

"Há alguns meses atrás, o grupo de combate que montava segurança à viatura da água foi surpreendido pelos guerrilheiros, emboscados junto à fonte, no momento em que alguns soldados tomavam banho,  alegre e despreocupadamente. Resultado: 2 mortos e 10 feridos.

"O aquartelamento tem sofrido flagelações, sem consequências. O pior são as minas e emboscadas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole. Todavia, o problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca. Não há pista de aviação  [, só heliporto]. Não há população civil, exceto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentracionário em que se transformou a Guiné" (...) 


 [Fonte: Excertos do "Diário de um Tuga. Mansambo, 17 de Setembro de 1969"]...
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Nota do editor:

Postes anteriores da série >


15 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16603: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte I: era uma vez uma obscura tabanca do regulado do Corubal que mal se via no mapa...

Guiné 63/74 - P16678: Manuscrito(s) (Luís Graça) (100): O desertor

A bordo do T/T Niassa,
viagem Lisboa-Bissau,
24-29 de maio de 1969



O desertor


por Luís Graça

Alguém se lembra de abrir uma garrafa de champagne

(um espumantezeco nacional, de cabaré), 
como se a malta tivesse acabado de atravessar a linha do Equador,
em alegre cruzeiro de meninos de colégio fino,

fardados a rigor, 
pelo Atlântico Sul.

Com um sorriso verde-amarelo, 

também participas
nesse ritual de iniciação, 

ao passares o triste Trópico de Câncer,
a caminho da Guiné,
erguendo bem alto a tua taça:
 Afinal, estamos todos no mesmo barco! –
comentas tu,  para o teu parceiro do lado.
– Sim, estamos todos no mesmo barco, camarada!

A bordo come-se e bebe-se o dia todo, 
para matar o tédio,
para suportar a angústia da viagem,
para fazer o lastro
e sobretudo para não se dar parte de fraco.

– Não há gajas!  – queixa-se  alguém.

Mas há os viciados da lerpa e do king. 
E os oficiais superiores  divertem-se 
com o tiro ao alvo na popa do navio,
enquanto a malta da turística escreve cartas, 
aos pais, namoradas, noivas e mulheres,
cartas já molhadas de lágrimas salgadas
e doridas de saudades.

A
s praças vomitam nos porões,
um riacho de água verde-escura escorre pelo convés,
todo o navio fede, 
tresanda a merda,
e, no meio do cheiro nauseabundo,
há um desgraçado de um desertor que vai a ferros,
qual gado levado para a feira grande da tua terra, em setembro.
Fora apanhado na fronteira de Vilar Formoso,
e recambiado para Santa Margarida,
ainda a tempo de apanhar o comboio-fantasma
até ao Cais da Rocha Conde de Óbidos 
onde o esperava o Niassa. 
– De mal o menos, ó básico,
vais p'rá Guiné,
como auxiliar de cozinheiro,
tens o posto mais ínfimo da tropa,
mas sempre é melhor do que ser atirador
ou ficar a apodrecer 
no presídio militar de Elvas ou Penamacor.

Pobre dele,  o desertor,
alvo da chacota da maralha,
chamam-lhe maricas,
um gajo sem tomates para ir p'rá guerra…
É um velho truque da instituição militar
que das tripas sabe fazer coração,
que da merda sabe tecer nervos de aço...
 
– Lembrem-se, seus cabrões, 
vocês são a fina flor da nação! – 
massacrava-te o tenente Esteves,
na parada em Tavira, 
no Curso de Sargentos Milicianos…

Versão revista, 1/11/2016
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