sábado, 30 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15687: Álbum fotográfico de Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAÇ 3846 (Susana, 1971/73): Parte V: Kassumai: guerreiros e lutas felupes


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4





Foto nº 5



Foto nº 6


Guiné > Região do Cacheu > Susana > CCAV 3366 (Susana, 1971/73) > Guerreiros e lutas felupes.

Fotos: © Armando Costa (2016). Todos os direitos reservados.

1. Quinta parte da publicação de fotos do álbum do Armando Costa
ex-fur mil mec auto, CCAV3366 / BCAV 3846, Susana, 1971/73) (*) [, foto atual à direita]:

 Chegado a Bissau em 9 de março de 1971, a CCAV 3366 fez no Cumeré a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) no Cumeré  e, em maio,  seguiu para o seu destino, Susana, na região do Cacheu, no noroeste da Guiné, no coração do chão felupe.

A companhia regressou à metrópole em 8/3/1973. As fotos acima deverão ter sido tiradas, portanto, entre maio de 1971 e fevereiro de 1973.

No nosso blogue, temos o marcador "felupes" com mais de 40 referências,  mas também "chão felupe" (16)... Mas também topónimos como Bolor, Djufunco, Varela, Susana, São Domingos... 

Há, pelo menos, mais dois camaradas da CCAV 3366 / BCAV 3846 (Susana, 1971/73), formalmente registados na nossa Tabanca Grande:

 e (ii) o Delfim Rodrigues, ex-1.º cabo aux enf, que mora em Coimbra, e é um dos nossos habituais participantes do Encontro Nacional da Tabanca Grande;

(i) o Luís Fonseca, ex-fur mil trms, que vive em Vila Nova de Gaia. 

O Luís Fonseca tem um conjunto, notável, de postes sobre a sociedade e a cultura felupes (vd. série Cusa di nos terra, sob o subtítulo Suzana, chão felupe).(**)

Sobre os nossos camaradas felupes, vd. aqui artigo do Carlos Fortunato.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 27 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15675: Álbum fotográfico de Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAÇ 3846 (Susana, 1971/73): Parte IV: Kassumai: vistas do quartel de Susana (maio de 1971 / fevereiro de 1973)

(**) Alguns dos postes do Luís Fonseca sobre a sociedade felupe:

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luís Fonseca)

31 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luís Fonseca)

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luís Fonseca)

16 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luís Fonseca)

6 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2156: Cusa di nos terra (10): Susana, Chão Felupe - Parte V: Casamento (Luís Fonseca)

25 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2215: Cusa di nos terra (11): Suzana, Chão Felupe - Parte VI: Princípio e fim de vida (Luís Fonseca)

1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2397: Cusa di nos terra (12): Susana, chão felupe - Parte VII: O guerreiro João Uloma (Luís Fonseca)

6 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2410: Cusa di nos terra (13): Susana, Chão Felupe - Parte VIII: Onde se fala dum Tintin em apuros... (Luís Fonseca)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (14): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luís Fonseca)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15686: Os nossos seres, saberes e lazeres (138): O chamamento da terra (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 27 de Janeiro de 2016:


O CHAMAMENTO DA TERRA

Hoje estou um pouco excitado com a perspectiva da grande viagem que programei para amanhã, ao meu chão, às minhas origens, o que nesta fase da minha vida representa sempre uma fuga saudável à floresta de cimento em que diariamente vou envelhecendo, para me internar no meio da natureza, onde nasci e fui criado.

É um regresso a esse berço materno, onde fui embalado pelas brisas mais suaves ou mais agitadas que perpassavam pelos ramos, dos freixos, dos olmos e dos sobreiros, sopradas pelo vento cieiro ou pelo vento galego. A minha memória afectiva faz a ponte entre esses primeiros anos e os actuais e eu esqueço os anos que já passaram para sentir somente a essência da vida que está antes, durante e depois das nossas existências.

O paraíso é a eternidade em que o tempo deixa de existir quando as condições naturais ou sobrenaturais o permitem. Como eu, tenho conhecido outros que com a idade a avançar procuram a felicidade nessa viagem aos princípios da vida, na procura dessa eternidade. Há alguns anos conheci uma senhora, natural de uma freguesia, que distaria cerca de 15 quilómetros da minha que me disse que o pai dela, já com 90 anos, ainda ia, frequentes vezes, sozinho de automóvel, visitar a sua terra.

Actualmente tenho um amigo, com 84 anos, que faz quase o mesmo percurso, muitas vezes só e muitas vezes à revelia da família que teme pela saúde dele. É o chamamento da terra. Essa terra que nos continua a acariciar com aquela brisa fria e seca tão diferente do ar atlântico e húmido das grandes cidades do litoral. É a cor cinzenta, a desolação e tristeza dos montes e vales quase despidos de vegetação no Inverno, que imploram a nossa companhia e que desabrocham na Primavera em flores de esteva, de amendoeiras, de giestas, em papoilas, campainhas, flores de raposa, folhas verdes de muitas tonalidades numa sinfonia de cores e tonalidades que os pássaros cantam, para nos receber em tom festivo.

Paisagem Transmontana
 Com a devida vénia ao autor da foto

Nesse regresso periódico procuramos a liberdade e expansão do ser que nos dá a contemplação dessa terra vasta formada por montes, alguns maiores outros menores, nessa imensidão que a nossa vista alcança. Sentimos a respiração forte dessa terra brava e sadia e passamos a respirar na mesma cadência esse ar puro e original que nos enche o peito e nos transporta a alma por esse mar imenso de montes e vales. Nesse ambiente despoluído os nossos sentidos ficam mais despertos, a visão ganha profundidade, o olfato embriaga-se com os aromas e fragrâncias que povoam os campos e as florestas.

O gosto procura os sabores de todos esses produtos naturais que os lavradores criam nos campos, nas hortas e nos lameiros e outros que as mulheres na sua sabedoria fabricam nos lares. Além dos vegetais de boa qualidade, produzidos pelo homem sazonalmente nas hortas, procuramos os míscaros, as azedas, os agriões, as merugens, os espargos e outras delícias que a natureza produz espontaneamente.

Vamos à procura de uma boa posta de vitela que sabemos que encontraremos num talho ou restaurante mais próximo ou distante. Com saudades dos enchidos do fumeiro que as nossas mães fabricavam à lareira nos meses frios do Inverno, iremos procurar as mulheres mais sábias no fabrico da alheira, do salpicão, da linguiça, do bulho e doutros enchidos. Felizmente que as transmontanas e os transmontanos cada vez se preocupam mais com a qualidade dos seus produtos tradicionais e dessas viagens o nosso paladar vem sempre mais reconfortado.

Um abraço a todos.
Até breve.
Francisco Baptista
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 Nota do editor

Último poste da série de 27 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15676: Os nossos seres, saberes e lazeres (137): O ventre de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15685: Notas de leitura (801): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (2) (Mário Beja Santos)

1. Conclusão da recensão do livro "Catarse", da autoria do Major Capelão Abel Gonçalves, enviada ao Blogue em 22 de Janeiro passado pelo nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).


Catarse, pelo Major Capelão Abel Gonçalves (2)

Beja Santos

O Alferes Capelão Abel Gonçalves já tem quem o ajude no setor de Bambadinca, dedica-se a tempo inteiro aos 18 destacamentos sob o comando do BCAV 1905, que ele enumera: Camamudo, Catacunda, Fajonquito, Cambajú, Jabicunda, Contuboel, Sara-Bacar, Sara-Banda, Banjara, Sinchã-Jobel, Sara-Ganá, Geba, Sinchã-Dembel, Sinchã-Sulu, Fulacunda, Udicunda, Bansci. Insisto que esta é a enumeração que o autor faz, tenho dúvidas que tivéssemos um destacamento em Sinchã-Jobel, sempre me disseram que era uma base do PAIGC em território de intervenção exclusiva do Comando-Chefe. Desloca-se de jipe, e muitas vezes em coluna, guarda memórias de jipes que griparam ou a que rebentaram pneus. Em Contuboel relacionou-se com um chefe muçulmano de nome Caramon-Mamadu. Dispunha de um altar portátil, convidava muitas vezes as gentes das tabancas, e encontrava recetividade:
“Na recitação do Pai Nosso uniram-se aos nossos gestos espontaneamente erguendo as mãos para o céu, implorando do Deus único, com nomes diferentes a paz eterna para os finados”.

Conserva recordações das pessoas que encontrou ao longo das deambulações pelo setor de Bafatá, caso do alemão luterano de Geba:
“Conheci o único branco da população de Geba, um alemão chamado Lindorf. Não sei como foi ali parar. Vivia bem, casado com uma nativa, cristão, afirmando com um certo orgulho que tinha tido uma só mulher. Um homem crente, que me dizia com muita simplicidade: 
- Eu sou luterano, tal como o senhor é católico. Nasci numa aldeia onde todos eram luteranos.
Mandava limpar e enfeitar a igreja e dava esmolas para a missão católica. Como não tinha filhos, sustentava os inúmeros sobrinhos da mulher”.

Considerava que a companhia sediada em Geba estava destroçada, o seu comandante tinha morrido a levantar uma mina. Dos quatro alferes primitivos só restava um. Em Outubro de 1968 é louvado e colocado no Hospital Militar de Bissau, vai conviver diariamente com o sofrimento. Em Maio de 1969 regressa a Lisboa, em conversa com o Bispo Castrense, este incita-o a continuar com o seu trabalho nas Forças Armadas. Entretanto é colocado na base aérea de S. Jacinto, dá aulas na Escola de Formação de Pilotos. Dão-lhe missões de ir comunicar à família a morte de militares, é um ponto alto das suas descrições.

Temo-lo agora na base de Bissalanca, é o Capelão da Base Aérea 12. É encarregado da assistência a muitas unidades do Exército: Unidade Militar de Bá (Adidos, Comandos, Engenharia e o COMBIS), a Força Aérea não via com bons olhos que o seu capelão andasse pelos destacamentos do Exército. Não esqueceu a Capela de Bissalanca, onde tinha quarto e um salão onde dava aulas, era o responsável pela biblioteca e dava aulas a negros e brancos, de preparação para a quarta classe. A morte ronda por toda a parte. Em plena pista de Bissalanca, a enfermeira Celeste foi sugada pela hélice do avião, que lhe cortou, como se fosse uma lâmina, a nuca, morte instantânea. Mas havia também os acidentes alheios à guerra e encomendavam ao capelão que fosse dar a funesta notícia às famílias. É enternecedor o retrato que faz do padre Marcos, um bondoso capuchinho italiano que vivia com um grupo de rapazes negros junto à Capela de Brá. Vivia pobremente, chegava a comer as sobras que lhe davam dos quartéis. A Engenharia Militar fez-lhe uma pequena casa. E dá-nos a impressão encantadora de um encontro entre os dois:
“Os rapazes da pequena comunidade dele gostavam mais de ir à minha missa por causa dos cânticos mais alegres.
Um domingo, lá o vejo ao fundo da capela a assistir à missa, com o seu ar muito castanho, com as costumadas nódoas de pó, a sua barbinha ruça, os cabelos desgrenhados. No fim da missa foi à sacristia e disse-me: 
- Sabe, senhor capelão, eu antes de ir para frade, fui mundano e estes cânticos lembram-me esses tempos do pecado.
- Ora, ora, senhor Padre Marcos, a mim não me lembra nada disso, porque nunca andei nessas vidas! Disse-lhe eu, a rir muito”.

Recorda aqueles meses de pesadelo do primeiro semestre de 1973, o assassinato de Cabral, a chegada dos mísseis Strella, o agravamento da situação militar. Veio o 25 de Abril e toda a situação se alterou, regressou a S. Jacinto em Agosto de 1974, apanhou o PREC e o 25 de Novembro. Foi visitar os presos:
“Também fui à prisão de Custóias. Visitei um paraquedista que me não disse uma única palavra. Admirei, no entanto, os frescos pintados a cores nas paredes da cela. Recordo ver desenhado um paraquedista, deitado com as mãos no chão, com a legenda o paraquedista, mesmo depois de morto ainda fez 100 flexões”.

Apresenta a lista dos capelães militares que prestaram serviço no CTIG entre 1961 e 1974. Rende a sua homenagem a todos os capelães que prestaram serviço na Guiné, manifesta o seu grande apreço pelo trabalho dos missionários. A título do posfácio, dá-nos a saber que também andou pelo Hospital Militar da Força Aérea, no Lumiar, e pede-nos para não esquecermos todos os nossos camaradas:
“Quase todos os que estiveram mergulhados nas emoções de uma guerra… sempre à espera do inesperado, vendo nos outros aquilo que só por sorte não os atingia a eles, imaginando-se na situação desses, face à família e aos amigos. Se o corpo está íntegro, a mente está ferida, a emoção retalhada, o subconsciente entulhado de horrores, desgostos, tragédias, vigílias, incertezas, medos… mais o que não somos capazes de definir com palavras".
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Nota do editor

Poste anterior de 25 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15665: Notas de leitura (800): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15684: Parabéns a você (1027): Luís Graça, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71), Editor Principal e Administrador deste Blogue

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15673: Parabéns a você (1026): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário da BA 12 (Guiné, 1967/68)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15683: (De)Caras (28): Rescaldo da Sessão evocativa do 20 de Janeiro de 1973: Colóquio “Quem mandou matar Amílcar Cabral?”, organização da Embaixada da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de hoje, 28 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos
Envio a notícia sobre a sessão evocativa do assassinato de Amílcar Cabral, por iniciativa da Embaixada da República da Guiné-Bissau

Um abraço do
Mário


Sessão evocativa do 20 de Janeiro de 1973: 
Colóquio “Quem mandou matar Amílcar Cabral?” 

Beja Santos


A Embaixada da República da Guiné-Bissau organizou no sábado 23 de Janeiro um colóquio subordinado ao título “Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?”, exatamente o título do livro escrito na década de 1990 pelo jornalista José Pedro Castanheira. Para além deste jornalista e escritor foram convidados Julião Soares Sousa e José Luís Hopffer Almada como comentadores e eu fui convidado como moderador. A sessão decorreu num dos auditórios da Universidade Lusófona(1).

José Pedro Castanheira caraterizou a sua investigação, no âmbito dos 20 anos do assassinato de Amílcar Cabral, enunciou as diligências e os contactos efetuados. Foi o primeiro investigador a ter acesso aos arquivos da PIDE. Observou que ainda não é absolutamente seguro saber quem mandou matar o líder do PAIGC, comentou que procurou entrevistar Joaquim Chissano, presente no tribunal internacional reunido em Conacri, o antigo dirigente da FRELIMO informou-o que este assunto será matéria de um dos seus volumes de memórias. Igualmente recebera a anuência de entrevista do professor Silva Cunha, não se concretizou, resta saber se é possível consultar a sua documentação pessoal que está depositada na Universidade Portucalense. Referiu-se às quatro hipóteses postas pelo complô: a exclusivamente interna; a da responsabilidade das autoridades da Guiné-Conacri, obviamente com a anuência de Sékou Turé, a hipótese de ingerência dos serviços secretos franceses e a operação montada pela PIDE, com recurso a descontentes do PAIGC. Concluiu que qualquer uma destas hipóteses continua em cima da mesa até se revelarem fontes conclusivas, ocorre dizer que todos estavam interessados neste desfecho.

Julião Soares Sousa referiu-se ao assassinato como um crime geneticamente interno. Há imensa neblina nos dias que precedem o assassinato, está presentemente a estudar a correspondência desse período de Amílcar Cabral, há por exemplo uma carta dele para Sékou Turé sobre recolha de fundos do PAIGC, algo enigmática, ao tempo o PAIGC recebia apoios que não justificavam uma campanha de recolha de fundos. Há outros documentos perturbadores que falam de tentativas de negociação sobre as quais ainda há provas pouco consistentes, para interpretar possíveis contactos entre Spínola e o PAIGC. Alpoim Calvão também procurou contactar altos dirigentes do PAIGC. Não são conhecidos quaisquer números sobre interrogados e participantes, considera que terão sido ouvidos em interrogatórios mais de 300 pessoas e condenados cerca de 30 participantes. Há outros elementos intrigantes para os quais é necessário obter resposta, por exemplo tinha sido constituída uma frente para a libertação da Guiné em Conacri, quer Sékou Turé quer Amílcar Cabral tinham informações concretas desta iniciativa. O que lhe ocorre dizer, para além do que está escrito no seu livro "Amílcar Cabral, Vida e Morte de um Revolucionário", continua a investigar os acontecimentos da época, informou que Agostinho Neto também fizera parte do tribunal internacional e analisa agora a documentação produzida pela delegação jugoslava. Na sua opinião, o assassinato é uma agregação de vontades, algumas delas dispersas, provocou uma resposta coesa do PAIGC que modificou os termos da guerra de guerrilhas, a partir dos acontecimentos de Maio, o PAIGC ficou dono e senhor das iniciativas militares introduzindo esquemas da guerra convencional para os quais as forças armadas na Guiné não tinham resposta e aceleravam a resposta das próprias forças armadas portuguesas, desencadeando o 25 de Abril e a resposta singular do MFA na Guiné.

José Hopffer Almada entendeu que é um outro ângulo da questão que continua a pedir um esclarecimento cabal: a unidade Guiné-Bissau-Cabo Verde e o próprio Movimento Reajustador, encabeçado por Nino Vieira, que se traduziu pela quebra sem apelo nem agravo dessa unidade, fulcro do sucesso da luta de libertação na Guiné.

Tal como estava previamente acordado, os elementos da mesa conversaram. Referi que há mais bibliografia significativa que fala do assassinato ou da sua interpretação, caso das obras de Leopoldo Amado, Tomás Medeiros, António Tomás e Daniel Santos. Não há um só documento nos arquivos da PIDE que permita aproximar uma diligência da polícia política no assassinato, os documentos que existem são informações de djilas que funcionavam quase como agentes duplos, e vêm referidos no livro de José Pedro Castanheira. No dia 21 de Janeiro de 1973, António Fragoso Allas enviou uma apreciação do assassinato, atribuiu a conhecidas discórdias entre cabo-verdianos e guineenses, o responsável da PIDE em Bissau só podia ter enviado esta apreciação por não estar envolvido. Mário Soares, na Cova da Moura, perguntou a Spínola, quando este o convidou para ser ministro dos Negócios Estrangeiros, qual o envolvimento direto ou indireto do general no assassinato de Amílcar Cabral, ao que o general respondeu que ninguém na Guiné, sob o seu mando, tinha interferido nas desinteligências internas do PAIGC, não existira qualquer plano para assassinar Cabral, aliás este seria o único interlocutor possível para negociações com o PAIGC. Castanheira lembrou que fora o único jornalista a entrevistar Ansumane Mané, no decurso da guerra civil, e que à pergunta sacramental de quem mandara matara Cabral, Ansumane reportara uma conversa havida com Nino, este estava profundamente comovido mas não descartara claramente a hipótese do seu envolvimento no complô. E, como se sabe, na última entrevista concedida Aristides Pereira ao jornalista José Vicente Lopes, o antigo presidente do PAIGC atribuía responsabilidade direta a Osvaldo Vieira mas insinuou que Nino Vieira não estava alheio ao complô.

Seguiu-se um debate vivacíssimo e após três horas de convívio o moderador referiu que se tinha começado a sessão entre a neblina e o nevoeiro e se concluía entre o nevoeiro e a neblina…
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Notas do editor

(1) Vd. poste de 20 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15642: Agenda cultural (458): Conferência, sábado, 23, às 16h, na Universidade Lusófona, Campo Grande, em Lisboa, sob o tema "Quem mandou matar Amílcar Cabral?: Da investigação à atualidade dos factos". Oradores: José Pedro Castanheira, jornalista; Julião de Sousa, historiador; José Luís Hoppfer de Almada, analista político; moderação: Mário Beja Santos; organização: Embaixada da República da Guiné-Bissau; apoio: RDP África

Último poste da série de 31 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15561: (De)Caras (27): As últimas perdas de 2015: a minha mãe, uma amiga do Fundão e o camarada António Vaz (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74)

Guiné 63/74 - P15682: Manuscrito(s) (Luís Graça) (75): sabedoria alentejana: viver até aos cem anos... p'ra quê ?

Ao Mário Fitas e à sabedoria alentejana... LG


Viver até ao cem anos... p'ra quê ?

por Luís Graça


Pergunta um velhote alentejano ao seu jovem médico de família, no primeiro exame de saúde que este lhe fez:

Ó sô doutouri, acha que eu inda terei a sorte de vivêri até aos cem anitos comó mê pai ?

– Bom, depende das asneiras que o mê amigo fez na vida ou tem feito... Ora, diga-me lá: vocessemê fuma ?

Ná, nunca me puxou prá aí.

– E beber, bebe o seu copo ?!...

–  Ná, na gosto d' álcool.

– Mas olha que o tinto até faz bem ao coração... E o comer ?

Só o que a terra dá, pão, azêti, migas, alho, coentros, cebola, batatas... 

– Quer dizer: carne e peixe, pouco, que a pensão do governo não dá p'ra tanto!... Então, e que mais? O senhor é casado ? Tem filhos e netos ? 

– Ná, nunca tive filhos que Deus me desse.

– Atão ?!... e não tem mais nenhum vício ? Quero eu dizer: jogo, mulheres... ?

 Ná, sô doutouri. Nada disso! Fui pastouri, ‘tou reformado, sou viúvo, vivo sozinho no monte mailo o canito...

O médico ficou uns largos segundos pensativo, e depois perguntou, em tom de brincadeira a roçar o humor negro:

– Diga-me cá uma coisa, ó senhor Joaquim, que eu não 'tou a compreender: o senhor quer viver até aos cem anos... mas para quê?!

O alentejano, muito sério, lívido, quase ofendido, deu uma resposta que fez corar o jovem clínico geral, acabado de chegar, vindo de Lisboa ainda há pouco meses,  ao centro de saúde de Odemira: 

–  Atão... porque a vida de um home é a única coisa que pertence a um home e que um home pode tirar a ele próprio...

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15681: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (2): Arte guineense

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 19 de Janeiro de 2016, com algumas fotos sobre a arte da Guiné para o seu Álbum fotográfico:

Olá Camaradas
Aqui vão alguns elementos da minha colecção.
Uma cafala - pequena faca ou punhal usada pelos fulas. Bainha de couro e desenhos feitos com palha (capim seco?) É parecida com ráfia e é bordada a 90º.
O cinto fula é de coro, mas está cozido a fio de nylon. Abotoa com dois botões feitos em cabedal entrançado.
Duas garrafas forradas a couro com as mesmas características. Tenho ideia de que os desenhos eram feitos com um ferro aquecido, mas não muito. Não vi fazer.
E uma tábua, escrita em árabe onde se conta a razão pelo qual os muçulmanos não comem porco.
Brevemente envio mais.

Um Ab.
António J. P. Costa


 Uma cafala - pequena faca ou punhal usada pelos fulas

 Cinto fula

 Duas garrafas forradas a couro

Tábua, escrita em árabe onde se conta a razão pelo qual os muçulmanos não comem porco
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15655: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (1): BAA 3434, dispositivos para iluminação do campo de batalha e Cumeré

Guiné 63/74 - P15680: Consultório militar do José Martins (16): Arquivos, Bibliotecas e Centros de Documentação - Arquivo Geral do Exército

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 16 de Janeiro de 2016:

Caros editores
Há dias o Luís pediu que se enviasse uma "prova de vida".
Aqui vai a minha prova "de vida" e "devida".

Abraço e bom fim de semana.
Zé Martins




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 Em Tempo:

Mensagem do nosso camarada José Martins, com data de 5 de Fevereiro de 2015:

ADENDA

Quando em 15 de Janeiro passado escrevemos sobre o Arquivo Geral do Exército, cujo texto foi publicado no post P15680 “Consultório militar do José Martins (16): Arquivos, Bibliotecas e Centros de Documentação - Arquivo Geral do Exército” com data de 28 de Janeiro de 2016, permiti-me sugerir que para Patrono do mesmo arquivo Fernão Lopes, cronista e primeiro Guarda-Mor da Torre do Tombo. Porém, e disso me penitencio, a Direcção de História e Cultura Militar tem essa figura das nossa história como seu Patrono, aliás, nas minhas notas existe esta mesma informação.
Como entretanto me tornei visita, mais ou menos assídua, do AGE, em conversa com alguns elementos do mesmo, nomeadamente o seu Subchefe, “veio à baila”, o nome de S. Félix e/ou Santo Adrião. Na realidade a Igreja do Convento de Chelas é de invocação destes dois santos.
Foi a esta igreja que, cerca do ano de 665, durante o reinado do Visigodo Recesvinto, foram confiadas as relíquias de S. Félix. De igual modo, foram entregues à mesma Igreja as relíquias de Santo Adrião e de sua mulher Santa Natália, no século IX, por Afonso III (O Magno), Rei de Leão e das Astúrias, quando tomou Lisboa aos mouros, notas que constam na Página do Exército, que me serviu de guia, com o endereço “http://www.exercito.pt/sites/ArqGEx/Infra-Estruturas/Paginas/2.aspx”.
No que respeita a S. Félix, constatei que existem vários santos com este nome, em várias épocas, mas a literatura consultada é muito sucinta sobre cada um dos santos visados.
Quanto a Santo Adrião, recolhi informação de que foi militar romano, que se converteu ao cristianismo, tendo sido martirizado e executado por decapitação.
Como figura militar, elevada posteriormente pelo exemplo, conversão e martírio à dignidade de santo, é apontado como o patrono dos “velhos militares”.
Ora, sendo o Arquivo Geral do Exército a Unidade em que são colocados os militares quando atingem a idade e completam a obrigação de serviço militar, talvez seja de ter estes factos em consideração.
Espero em breve escrever mais um texto para a série “Patronos e Padroeiros das Forças Armadas e de Segurança”, revelando o Patrono do Arquivo Geral do Exército que, após proposta a apresentar por quem de direito, o Chefe do Estado-Maior do Exercito não deixará de aprovar e mandar publicar em Ordem do Exército.

José Marcelino Martins
5 de Fevereiro de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de30 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15306: Consultório militar do José Martins (15): Tabela de vencimentos auferidos (em 1963 e em 1965) pelos militares que cumpriam a sua comissão de serviço mas províncias ultramarinas

Guiné 63/74 - P15679: Convívios (726): 50.º Encontro do pessoal da Tabanca do Centro, comemoração do 6.º ano de existência, como Tabanca, e apresentação do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti um Homem" do nosso camarada Juvenal Amado, amanhã dia 29 de Janeiro, na Pensão Montanha, Monte Real





Amanhã, dia 29 de Janeiro, a Tabanca do Centro vai levar a efeito o seu 50.º Convívio, festejando simultaneamente o 6.º ano de existência como Tabanca.

A Tabanca Grande sente-se orgulhosa por estar na génese de todas as congéneres espalhadas pelo País, especialmente pela Tabanca de Matosinhos, Tabanca do Centro e, mais recentemente, pela criação da (Magnífica) Tabanca da Linha. 

Estas, e outras Tabancas mais pequenas, são um caso de estudo, surgidas quase espontaneamente, com o fim de manter o convívio entre velhos camaradas da Guerra do Ultramar, que agora têm mais tempo disponível e perderam todo o tipo de complexos, por ventura imputados ao seu passado como combatentes em territórios africanos de então.

Desejamos à Tabanca do Centro uma vida longa e activa, salientando o fundamental papel que tem o seu mentor, Joaquim Mexia Alves, competentemente coadjuvado pelo nosso camarada Miguel Pessoa.

Lembramos ainda que o evento vai ser abrilhantado com a apresentação do livro do nosso amigo e camarada Juvenal Amado, "A Tropa Vai Fazer de Ti Um Homem".
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15663: Convívios (725): Almoço, no restaurante "O Teimoso", Casal do Forno, Marteleira, na estrada nacional nº 8-2 [Torres Vedras-Lourinhã], sábado, dia 30, comemorativo dos 50 anos do regresso do pessoal do BCAÇ 619: CCAÇ 616 (Empada), CCAÇ 617 (Catió e Cachil) e CCAÇ 618 (São Domingos), 1964/66

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15678: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (21): Amores e Desamores

1. Em mensagem do dia 15 de Janeiro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), mandou-nos uma excelente história para a sua série "Outras Memórias da Minha Guerra".


Outras memórias da minha guerra

20 - Amores e Desamores

Quando entrei no Destacamento do Quartel de Santarém (Escola Prática de Cavalaria), faltavam menos de 15 minutos para o limite máximo de entrada. Num dos bancos de jardim, instalados ali na frente, já havia escrito a alguns amigos, manifestando o meu estado de espírito, carregadinho de incertezas.
Ainda hoje me custa aceitar que eu tenha merecido 7 punições durante as primeiras 5 semanas de recruta. Aliás, só à 5.ª semana consegui licença para ir a casa. Lembrei-me então de pedir ao CMDT de Esquadrão para me deixar participar nos Fiéis Defuntos, alegando o facto de ser órfão e, como irmão mais velho, querer acompanhar a família nessa dolorosa função.

Foi durante esse período de fins-de-semana cortados que tive a oportunidade de conhecer e conviver mais de perto com o Diogo Carvalho que, por opção, também não ia a casa. Inicialmente pareceu-me evidente o seu temperamento emotivo e revoltado quase com tudo o que o rodeava. Depois, após vários dias de convívio restrito, constatei que se tratava de um indivíduo maduro, já bastante espremido pela vida e pelos seus azares.

- Então, também voltaste a não ir de fim-de-semana? – perguntei.
- Não, nem tenho interesse em ir. Já há uns meses que decidi afastar-me da terra.
Perguntei:
- Estás chateado ou magoado com algo muito importante?
- Não gosto de falar disso, mas tens razão.

Após uns momentos de silêncio, abeirou-se um pouco mais, olhou-me frontalmente, de forma a falar só para mim.
- Ofereci-me como voluntário para a tropa para fugir de lá. Ainda pensei em emigrar, mas ponderei as consequências e optei por antecipar o serviço militar. Depois, se há-de ver o que virá.

Contou coisas que muito o marcaram, tais como a morte da mãe, que ainda era jovem, a do avô pouco tempo depois e, ainda, mais tarde, o comportamento do pai, que engravidou uma jovem casada, que trabalhava lá em casa.
Enfim, o Diogo, apesar da sua juventude, já acumulara um sem número de acontecimentos pessoais que o tornaram, precocemente, num homem maduro. Porém, o que mais mexeu com ele foi o desfecho de uma paixoneta por uma vizinha rica.

Viviam da lavoura. Tanto o pai, Laurindo Carvalho, como o avô paterno, Augusto Carvalho, destacavam-se na criação do gado arouquês, o que lhes trazia fonte de rendimento suficiente para pagar as rendas aos senhorios Morgados e ainda desfrutarem de algumas possibilidades na boa criação do Diogo, o único descendente.

Desde menino que o Diogo se destacava entre os seus amigos. Tinha bom aspecto, era inteligente, muito educado e irradiava alegria permanente. Por isso, entre o grupo da JOC (Juventude Operária Católica), ele era o mais admirado.

As miúdas também lhe dedicavam muita simpatia. Porém, em criança, já ele parecia mais focado na Guidinha dos Morgados, a bisneta do Comendador Afonso e sobrinha do Padre Benjamim Morgado. Embora desfasassem quase um ano de idade (ele era mais velho), frequentavam a mesma classe, vinham da escola primária quase sempre juntos, acompanhados pela criada Manuela, porque os Morgados a mandavam ir buscar a miúda.

Este relacionamento era normal, uma vez que viviam na mesma zona da aldeia: ela no Casal dos Morgados e ele, logo mais abaixo, perto da Casa do Feitor, na casa do Senhor Augusto. Além disso, há muitos anos que a família do Diogo estava ligada aos Morgados não só por questões de boa vizinhança mas também por boas relações pessoais e interesses laborais. O Diogo era querido pelos Morgados, especialmente pelos pais da Guidinha.

Durante o tempo da escola primária, havia um relacionamento quase fraternal. Quando a criada Manuela os ia buscar, procurava passar perto do seu namorado, Alcino, que trabalhava na Casa do Brandão.
Por vezes, ela ficava com ele e deixava o Diogo e a Guidinha irem para a beira do Rio Arda. Num dia de calor, a Manuela ficou aflita ao vê-los nus, a aprender a nadar. Todavia, como não os podia acusar dessa ousadia, teve que os tolerar mais vezes. Noutras vezes, já eles andavam na 4.ª Classe, a Manuela encontrou-os a brincar aos beliscões e apalpadelas.

A Guidinha não queria estudar. Gostava muito da família, da natureza e daquele ambiente rural. Por outro lado, temia muito afastar-se dali. Os pais não se preocupavam muito com isso, até porque, ali, não era tradição a continuação dos estudos por parte das mulheres. Além disso, como herdeira de um elevado património, não sentia necessidade de se sacrificar por qualquer outra valorização profissional.

Ele, o Diogo, enquanto pôde, estudou no Colégio dos Carvalhos. Nesse período, os contactos com a Guidinha resumiam-se às actividades de fim-de-semana, ligadas à igreja. O relacionamento de amizade manteve-se bastante próximo.

Logo que faleceu o avô Augusto, o Diogo teve que ir para casa. O pai que já havia entrado em depressão com a falta da jovem mulher, inesperadamente falecida por doença cancerosa, sentia, agora, grandes dificuldades em aguentar o habitual trabalho agrário. Com menos de 17 anos, o Diogo era, então, um jovem sobrecarregado de trabalho nas lides da terra e do gado, obrigado a ajudar o sustento da família, bem como os seus compromissos.
Nesta fase, o jovem Diogo era merecedor dos maiores elogios e de simpatia generalizada. Em pouco tempo, o Diogo fez-se homem. Além disso, ele era solicitado, frequentemente, para colaborar nas responsabilidades das actividades da JOC.

Foi nessa altura que, após as cerimónias do Corpo de Deus, os dois, quando regressavam a casa, se viram junto ao Rio Arda, nos mesmos locais onde desfrutaram de grandes momentos de alegria e de pura convivência. Recordaram aqueles tempos, riram-se de situações inesperadas e brincaram com alusões ao aspecto físico de cada um. Sentados na berma do rio, descalçaram-se para usufruírem da frescura das águas límpidas, naquele dia de grande calor. De repente, estavam no rio a lançar água um ao outro, como faziam nos tempos de crianças. Passaram para a outra margem, acessível só pelo lado do rio, e foram secar as roupas molhadas.
Ao tirar a folgada blusa branca, a Guidinha expôs um bom par de mamas, devidamente sustentadas por um apertado soutien, de cor carnal. Por sinal, era também a cor da calcinha sedosa que cobria o encontro de duas coxas, bem torneadas e bastante atractivas.

Quando o Diogo, de costas, “ameaçou” tirar as calças, já ela se estendia sobre as ervas tenras do pequeno verdeiro. Olhou-a e estremeceu. Foi um momento ímpar. De repente sentiu que toda a pureza daquele relacionamento se esfumara e que outro o amedrontava. Agora via ali disponível a mulher que desejava, aquela formosa rapariga de olhos negros e cabelos lisos e retintos. Deitados ao sol, quase nus, aproximaram-se e encostaram-se.
Beijaram-se sem experiência, agarraram-se com volúpia e murmuraram algumas palavras de amor. A Guidinha, entusiasmada, expôs-se abertamente, entregou-se e desejou tudo do Diogo. Ele procurou satisfazê-la pudicamente com beijos e algumas massagens, sem que tivesse que a desflorar. Assaltaram-lhe os pensamentos que já há muito tempo o vinham condicionando: a diferença social abismal que os separava. Aliás, sabia que se a desflorasse seria considerado e condenado como um oportunista sem perdão. Ele estava convencido de que ela o amaria mais com estas reservas inibidoras, imbuídas do maior respeito. Assim lho deu a entender:
- Guidinha, és a única rapariga que quero. Vamos ter calma. Somos menores, temos que esperar mais algum tempo e pensar melhor no nosso futuro.
Porém, ela parecia insaciável e esperava uma satisfação maior. E respondeu:
- Se me queres, temos a oportunidade de nos amarmos totalmente. Não vou aguentar ficar à espera. Nada receies. Ninguém nos vai chatear. Eu é que sei da minha vida.

Ela agarrou-o e prendeu-o em cima de si. De pernas abertas, já sem cuequinha, soltou-lhe o pénis e puxou-o para junto da vagina, entre um basto e negro púbis. Quase instintivamente, ele moveu-se cautelosamente, de forma a não a penetrar, mas roçar, continuamente, o clítoris e os lábios vaginais. Rapidamente, ela, ofegante, exultava de satisfação e soltava gritinhos de prazer.

Apesar do seu relacionamento, desde crianças, o Diogo e a Guidinha nunca foram apontados como presumíveis namorados.
Eram vistos como vizinhos, muito amigos e de famílias bem distintas. Ninguém, ou quase, pensaria ser possível que eles viessem a assumir um namoro oficial.
Porém, ele ficou bastante preocupado com o encontro recente e, agora, não sabia o que fazer. Não tinha dúvidas quanto ao amor da Guidinha, mas sentia-se apreensivo quanto ao desfecho desta relação que lhe veio avolumar um mar de pressões.

Uns dias depois, a Guidinha, a pretexto de visitar o Feitor, entrou em casa do Senhor Augusto e procurou o Diogo. Entrou à vontade, como era seu hábito desde criança. Logo que pôde agarrou-se a ele e beijaram-se.
Sentiram aproximação de alguém e esconderam-se no quarto. Enquanto ele, atento, escutava o ruído dos movimentos que se afastavam, ela abriu a blusa e deixou cair a saia. Ele voltou-se e, meio surpreendido, não sabia que dizer nem o que fazer. Sentada na cama,puxou-o pela cintura, desapertou-lhe as calças e as cuecas e puxou-as para baixo num movimento brusco. Com o pénis na frente dos olhos, contemplou-o enquanto dizia:
- Sempre que te imaginava nu, via-te tal como eras; sem pelos e com a aquela pillinha.
Acariciouo e agarrou-o, ao mesmo tempo que murmurava:
- Jesus, como cresceu! Tens que o meter no meu pipi. Ele anda zangado, porque ainda não o fizeste.

Ele sentou-se ao seu lado e enquanto lhe acariciava os cabelos, dizia:
- Calma Guidinha, por favor, tem calma. Não podemos cair nessa tentação. Bem gostaria mas, por agora, não posso, nem quero, ser responsável por isso.
Ela agarrou-o com força e puxou-o para trás, por forma a ficarem deitados sobre a cama e murmurou-lhe:
- És um tolo. Será que tens outra e me estás a evitar?
Ele abraçou-a, acariciou-a e beijou-a. De seguida, perguntou-lhe:
- Já imaginaste o que diriam os teus pais quando soubessem deste tipo de relacionamento?
- Os meus pais gostam de ti e vais ver que não haverá problemas. O que eles querem é que eu seja feliz.

Em silêncio, aproveitaram o momento e continuaram a usufruir dos impulsos desta paixão. Valeu o autocontrolo do Diogo que conseguiu de novo evitar o desfloramento.

Aquele Verão sequeiro obrigou a um trabalho extraordinário. Todos andavam mais ocupados nas regas e nas pastagens contínuas. Apesar disso, o Diogo achou um pouco estranho deixar de ver a Guidinha. Ainda passou por perto do Casal dos Morgados, mas não se apercebeu de nada. Ainda pensou que estivesse a gozar férias mas já lá iam cerca de 2 meses sem que a tivesse visto.

Chegaram as festas da S.ª da Mó, que se realizam a 7 e 8 de Setembro. Ali se juntam as famílias e muitos emigrantes. No parque das merendas existem muitas mesas de pedra que são usadas para as abundantes comezainas. O Diogo passou o tempo a olhar para a mesa onde, normalmente, se via a família dos Morgados. Logo após a procissão, viu a criada Manuela dirigir-se para lá. Porém, as pessoas que a seguiram eram seus familiares e amigos. Quando se apercebeu de que os Morgados não viriam, foi-se aproximando. A Manuela quando o viu, convidou-o para comer alguma coisa. Ele reagiu dizendo:
- Vim à missa e à procissão e tenho que ir já para baixo, porque estamos com muito trabalho.
Ela logo respondeu:
- Eu não. Os patrões nem vieram à Sra. da Mó. Devem andar pelo estrangeiro ou estão no Porto, na casa do Padre Benjamim. Nem sei o que vai acontecer agora.
- Mas, porquê? Perguntou o Diogo.
- Não digas nada a ninguém mas, houve lá discussão, por causa da menina Guidinha. Querem que ela vá estudar para junto do Pe. Benjamim e ela não quer ir.
E continuou:
- Tenho pena dela. Andava tão contente. Lá em casa, parecia que estava tudo bem e de repente, tudo mudou. Saíram de cá ainda antes do mês de Julho começar.

Passou o Verão, passou o S. Miguel e chegou o Fiéis Defuntos sem que a Guidinha aparecesse. No Cemitério, ao passar junto do Jazigo dos Morgados, o Diogo achou estranho que os pais da Guidinha o tivessem evitado e se concentrassem tanto na foto do Comendador.
De regresso a casa, o Diogo, que já andava a matutar há tanto tempo, pareceu ter encontrado a justificação. Então imaginou que ela, na ânsia de evoluir a sua relação amorosa, inocentemente e na mais pura das intenções, terá sondado a opinião da sua mãe, sobre uma hipotética atracção por si. Sim, de certeza que foi isso. E continuou a imaginar: os pais discutiram o assunto e optaram por a afastar de imediato dali, levando-a para perto do Padre Benjamim.

Agora que tudo lhe parecia claro, uma dúvida lhe assaltava: Se ela continuasse a apostar nele, já teria deixado algum recado ou teria enviado alguma carta. Todavia, acalentava a esperança de que isso ainda iria acontecer.

Passaram as festas de Natal, sem que se tivesse visto mais a Guidinha. Sem ela, silencioso e pouco iluminado, o Casal dos Morgados parecia abandonado. Foi na noite de Reis, quando recebeu um grupo que cantava as Janeiras, que ouviu um dos elementos do grupo dizer:
- Estivemos no Casal dos Morgados, mas eles não estavam. Disseram-nos que agora estão mais tempo lá pelo Porto. Parece que a miúda foi para o convento do tio.

Entre as pessoas que costumavam trabalhar lá em casa, havia a Carolina, a mulher do Francisco Queirós, que tinha emigrado para a França. Mal casaram, ele seguiu com a ambição de obter melhores condições de trabalho e a promessa de a chamar para junto de si. Menos de um ano depois, em Agosto, o Francisco veio de férias. Queria levar a mulher mas ela disse-lhe que era melhor aguentar mais algum tempo.

A Carolina engravidou. Tudo levava a crer que tinha sido durante a vinda do marido, nas férias de Agosto. Foi trabalhando lá em casa dos Carvalhos mas, em Março, teve um robusto menino, alegadamente com cerca de sete meses de gestação. Tudo normal, tudo na paz do Senhor. Poucos tempos depois do parto, a Carolina trazia a criança lá para casa, enquanto trabalhava. A avó do Diogo, que já acusava sintomas de Alzheimer, gostava de cuidar da criança. Numa das vezes que o Diogo pegou no miúdo, mexeu-lhe no cabelo e verificou que, por coincidência, ele tinha uma pequena mancha rosada igualzinha à sua e à do seu pai. Só depois disso é que se apercebeu de alguma intimidade na relação de seu pai com a Carolina. Sempre pensou que isso não passava de um certo carinho paternal.
O Diogo enfrentou o pai, que não assumiu o caso, e confessou que não podia lá continuar. Ainda bem que em breve iria para a tropa.

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Em 1967 embarquei como a minha Companhia para a Guiné.

Em princípios de Janeiro de 1968, quando regressei às aulas de condução, interrompidas pelo chumbo de Abril anterior, encontrei lá, na Escola de Condução, em Bissau, o Diogo, que fora buscar a carta. Tinha terminado a comissão e regressaria uns dias depois. Falou-me que tivera muita sorte durante a missão da PSICO em apoio aos nativos e que conseguira tempo e disponibilidade para estudar. Tencionava dedicar-se exclusivamente aos estudos, aproveitando as facilidades que tinham sido criadas para os ex-combatentes, proporcionando-lhes exames, sempre que os requeressem.

Durante a nossa conversa, acabamos por falar de novo na sua paixoneta. Perguntei:
- Então, já esqueceste a tua vizinha rica?
- Quase. Olha, endureci de tal maneira que agora receio não conseguir voltar a apaixonar-me. Fiquei marcado por esta não me ter comunicado qualquer justificação.
E continuou:
- Soube que ela está num convento. Imagina, aquela gaja tão quente e tão rica, feita freira!
- E o teu velhote?
- Recebi uma carta dele há pouco tempo. Diz que quer que eu vá para lá, que precisa de mim, que está muito só e, até, que a Carolina foi para França, etc., etc.
- E não vais? Perguntei.
- Devo ir, mas estou decidido a fugir de lá. Quero ver a minha avó, que já não conhece as pessoas, mas o objectivo é ir para Coimbra.

Durante vários anos, passei por Arouca, em direcção a Covelo de Paivó, onde fiz muitas pescarias à truta. A paisagem é maravilhosa e as poucas pessoas que lá vivem são adoráveis. Muitas das vezes, não chegava a pescar. Sempre que encontrava alguém disposto a conversar, perdia-me fascinado a ouvir aquela gente. Falava-se mais do antigamente, da abundância, da fuga das pessoas após o encerramento das Minas de Regoufe e da actual ausência de jovens. Havia gente que não conhecia o mar.
Mas o que mais adorava ver, além daquelas águas límpidas do Rio Paivó, afluente do Rio Paiva, serpenteando entre pedras arredondadas pela sua erosão, era a chegada dos cabritos, ao fim da tarde. Vinham da montanha em rebanho e entravam pelo lado norte, enchendo a rua principal da povoação, “alcatroada” de excrementos secos. Ao cruzarem as pequenas ruelas com os cancelos abertos, iam entrando nas casas de seus donos. Nenhum se enganava e os últimos cabritos chegavam à última casa lá ao fundo, no altinho, por um caminho empedrado há séculos, que nos leva a Regoufe.

Todos os dias, a tarefa se repete. Dois pastores acompanham o rebanho, de forma alternada e democrática. No regresso, perdíamo-nos a petiscar nas adegas abertas, na baixa de Arouca. A carne arouquesa é excelente e o presunto também. Todavia, nunca perdia o salpicão de vinhad’alho nem o bucho, acompanhados do tinto da região.

Nunca encontrei o Diogo. Mas, recentemente tive essa agradável surpresa. Um cliente meu, da Beira Alta, sportinguista ferrenho, contactou-me para lhe fazer um favor: arranjar dois bilhetes para poder assistir ao Arouca-Sporting, que se realizava no Domingo seguinte e que não conseguira através da net.

Andavam numa azáfama, lá na sede do FC Arouca, quando entrei e disse o que desejava. Senti então um toque no ombro, vindo trás:
- Por aqui, Silva?
Voltei-me, olhei: era o Diogo. Reagi logo:
- É verdade. Tanta vez passei por aqui e sempre a procurar encontrar-te e hoje, sem o contar, apareceste. Como me conheceste?
- É fácil porque tens uma voz inconfundível. Mas, pelo aspecto, estás já um bocado gasto, desculpa lá. Vamos tomar qualquer coisa.
- Por acaso era para voltar para trás. Mas, já que te encontrei, podemos ir à baixa petiscar. Conheço ali umas tasquinhas que são uma maravilha.

Armado em cicerone, encaminhei-o para a “tasca da viúva”. Mal entrámos, ouvimos:
- O Senhor Doutor Juiz está cá hoje?
O Diogo respondeu:
- Só vim tirar bilhete para ver o jogo. Não se fala noutra coisa: o nosso Arouca a jogar com o Sporting! Olhe, arranje aí qualquer coisa para petiscarmos.
- Então, Silva, que fizeste nestes anos todos?

Falei-lhe resumidamente destes 40 anos de vida, desde a presença civil em Angola, de 70 a 74, casamento, filhos, canoagem, até aos nossos dias. Seguidamente:
- Agora fala tu, até porque sinto muita curiosidade.

O Diogo explanou também a sua vida, começando pela sua licenciatura, obtida em Coimbra e a carreira na magistratura. Casou em Vila Real e vive no Porto. Tem duas filhas, ambas casadas, uma delas a viver em Matosinhos e a outra em Aveiro. Passa muito do seu tempo junto delas e dos 5 netos que já tem.
A determinada altura, sem que o tivesse perguntado, diz-me:
- Lembraste daquela história da minha paixão? A miúda sempre seguiu para freira. Chegou a directora de Colégio. Recentemente, quando faleceu o tio Padre Benjamim, houve um funeral especial, que teve muito impacto aqui na região. Por curiosidade, quis ver a Guidinha durante o velório.

Contou o que sentiu enquanto não a viu. Imaginava-a ainda uma morenaça boazona, encoberta pelas vestes sagradas. De repente, pôs-se a pensar: e se encetar conversa com ela? Que tipo de conversa teremos? E se ela confessar que não teve culpa do seu afastamento? Gostaria de lhe perguntar se ainda está virgem. Se nunca mais se agarrou a outro homem e como conseguiu resistir a isso tudo. Enfim, chegou a pensar que lhe daria imenso prazer fodê-la, mesmo com aquelas vestes.

Abeirou-se do velório, olhou o morto de longe e esperou ver a Guidinha no meio daquelas velhas feiosas, a rezarem a seu lado. Ficou decepcionado por não a ver.
Não se apercebeu que a Guidinha era uma delas.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de agosto de 2015 Guiné 63/74 - P15023: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (20): História de paz com (muita) guerra atrás

Guiné 63/74 - P15677: O nosso livro de visitas (186): Mota Tavares, ex-militar do BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) fala-nos da Capela de Buruntuma, de sua autoria

O NOSSO LIVRO DE VISITAS

Localização de Buruntuma, no extremo leste da estrada de Nova Lamego


1. Mensagem do nosso camarada Mota Tavares (ex-militar do BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/67) com data de 2 de Agosto de 2015:

Amigo e companheiro das lides da Guiné
O meu batalhão - 1856 - chegou à Guiné em Julho(?) de 1965 e foi para Brá, onde estivemos, em intervenção, algum, pouco, tempo. Depois fomos mandados para Nova Lamego (Gabú) onde ficámos até final da comissão (Setembro de 1967(?): Madina do Boé, Canquelifá, Copá, Piche, Buruntuma... estive em todas... 12 vezes debaixo de fogo, mas... estou aqui, graças a Deus!

Nós fazemos um almoço todos os anos. Recebi, mandada por um meu capitão, a foto que lhe mando em anexo. Tive uma alegria imensa: é que fui eu o arqutecto, engenheiro, mestre de obras, pintor da imagem de Cristo que está ao fundo, com o apoio material e moral do Capitão que agora me mandou a foto, que lhe envio em anexo.

Gostava de contactar com o militar que se encontra na foto e com outros que tenham estado em Buruntuma. É possível?

Vou-lhe mandar outro email com várias fotos da dita capelinha.

Um grande abraço amigo.
Mota Tavares
motatavares35@gmail.com


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Gostava de contactar com o militar que se encontra nesta foto e com outros que tenham estado em Buruntuma. Será possível?



Vistas do exterior da Capela de Buruntuma

Interior da Capela de Buruntuma

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2. Comentário do editor:

Caro camarada Mota Tavares,
Desde já peço desculpa por só hoje estar a dar resposta a uma tua mensagem de Agosto de 2015.

Gostamos muito de receber as fotos da Capelinha de Buruntuma e ainda por cima enviadas pelo seu Arquitecto e Mestre de Obras.

Vais de certeza receber alguns contactos de pessoal que andou pelos "Trás-dos-Montes da Guiné".

Gostaríamos que fizesses parte da nossa tertúlia e que contribuísses com outras fotos que tenhas, assim como com as tuas memórias em texto.

Se aceitares o nosso convite, envia-nos uma foto tua do teu tempo de Guiné e outra actual. Diz-nos a qual das Companhias do Batalhão pertenceste, qual o teu posto e especialidade, assim como outros elementos que aches úteis para te conhecermos melhor.
Conta-nos também uma pequena história, por exemplo como chegaste a Projectista e executante desta linda Capela.

Recebe desde já um abraço em nome da tertúlia e dos editores deste Blogue.
Esperamos notícias tuas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de setembro de 2015 Guiné 63/74 - P15140: O nosso livro de visitas (185): O nosso leitor Lourenço Silveira Moreno Lemos Gomes sobrevoou Moçambique para honrar a memória de seu tio, Piloto-Aviador de Alloette 3, abatido em 24 de Setembro de 1972 perto de Mueda

Guiné 63/74 - P15676: Os nossos seres, saberes e lazeres (137): O ventre de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de uma cidade que era a sede da Ordem dos Templários, sucedeu-lhe a Ordem de Cristo, por aqui andaram o Infante D. Henrique, D. Manuel I, D. João III e Felipe II, o Infante a fazer os seus negócios, D. Manuel a embelezar a Charola, o filho a fazer exatamente o oposto, a esconder a Charola, o seu puritanismo opunha-se às ideias ousadas do Venturoso, e Felipe II não se esqueceu que foi em Tomar aclamado rei de Portugal, e deu manifestos sinais de gratidão.
Depois a cidade aproveitou o surto industrial, teve fiação e moagens, uma classe argentária, uma classe operária, uma pequena burguesia de funcionários e negociantes, e ali bem perto os proprietários agrícolas, todo aquele chão que vai em direção ao Entroncamento é terra de eleição.
A cidade, com o seu património religioso e civil, está marcada por esses tempos áureos. E todo este comércio que se anda a vistoriar é um reflexo do caráter tomarense, há para aqui objetos e indumentárias para todas as bolsas. E, insiste-se, vive-se aqui numa amenidade e afabilidade singulares, a sociabilidade é patente na cultura e no desporto; e há a tal dimensão templária assumida como um culto, um orgulho das gentes que afanosamente preparam um evento extraordinário de quatro em quatro anos, a Festa dos Tabuleiros, acontecimento irrepetível em qualquer ponto do país.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (2)

Beja Santos

Importa esclarecer o que anda o viajante a bisbilhotar. Umas vezes, fascina-se pela polpa dos edifícios, sente-se atraído por um pormenor, fica para ali a olhar e a comparar, relaciona aquele espécimen arquitetónico com outras eras, e diz de si para consigo: como era Tomar naquele tempo? Não passa adiante com leviandade, cuida do estilo, da sua inserção no casco histórico, no poder de compra de quem ali habitou, e como pagou os seus gostos e caprichos para pôr ali pedra, azulejos, varandas e janelas. Mas outras vezes há uma forte atração pelos interiores, pelos misteres, quer mesmo conhecer a personalidade do vendedor, seja qual for o seu ramo de comércio. Então entra, mete conversa, o busílis é que a sua fotografia já veio no jornal, é rapidamente desmascarado. Mas até hoje nunca foi posto na rua nem viu invocados direitos de personalidade, e isso entusiasma-o, faz parte do tal envolvimento de amenidade e afabilidade que ele vê nos tomarenses. Postos estes considerandos, vamos ao trabalho do dia.



O viajante, desde criança, aprecia ter no seu ambiente doméstico sinais de outras culturas, impressões da modernidade, tudo dentro de um diálogo que corresponde à sua pessoa. Entrou num estabelecimento onde primam antiguidades e velharias escolhidas, contemplou óleos, desenhos e aguarelas, seguiram-se as loiças antigas, pratos rústicos com certa raridade, serviços de chá e de café. Muito se conversou com a proprietária e até se ficou cliente e amigo. Não é incomum, quando está em Lisboa, trazer da Feira da Ladra toalhas, lençóis, vidraria de vária espécie, peças de roupa e papéis, muitos papéis, às vezes a cheirar a mofo. Por isso se deliciou com esta ordem aparente entre o antigo e o moderno. Não é um problema de snobismo, não há cultura sem memória, não há cultura sem multiculturalismo, não há cultura sem escutar e pôr em confronto os diferentes antigos e os diferentes modernos. Saiu dali e foi contemplar uma peça de museu.


A prova comprovada de que o viajante já está afeiçoado ao lugar é a de que quando entra no Núcleo de Arte Contemporânea vai conversar só com uma peça. O professor José-Augusto França doou a Tomar um espólio riquíssimo, está aqui uma coleção pública de inegável singularidade. A conversa hoje foi como a escultura de António Pedro, datada de 1952. António Pedro foi um dos mais eminentes teatrólogos que tivemos no século XX, mas foi artista consumado, um surrealista inovador e inspirador. Embeiço-me cada vez que contemplo esta peça raríssima na obra de António Pedro, tem todo o torce e retorce imaginativo que foi seu timbre, este corpo multiplicado parece extraído dos fabulários e dos contos mágicos. E se à primeira leitura ficamos embaraçados com as ligações corporais, o olhar depois serena, o que parece animalesco é um acento lírico, pois é a vibração humana que irá prevalecer. E tão contente estava que saltei para outra casa de cultura.


Na galeria de exposições temporárias, no belo edifício onde está alojado o turismo, vim visitar uma exposição de gravura de Maria Gabriel. Mal tive uns tostões, fiz-me sócio da Gravura, pagava uma pequena cotização e recebia regularmente obras de artistas que se impuseram nas artes plásticas como Alice Jorge, Júlio Pomar ou Bartolomeu Cid dos Santos. Aqui se fizeram grandes gravadores. O que me atrai nesta artista são os quase objetos, atravancados de cor, é um jogo cromático por vezes chocante, um livre curso entre as linhas geométricas onde se enovelam manchas coloridas com ecos surrealistas. E daqui parti para comércios a retalho, para vários gostos.


Quando vivi na Guiné, fascinavam-me os estabelecimentos que vendiam quase tudo, desde a fita de nastro e os colchetes até cristais e porcelanas. Neste estabelecimento encontrei móveis antigos, livros, roupa nova e usada, coisas para todas as idades. É uma mistura bem doseada entre este revivalismo de certos produtos tradicionais de perfumaria e cosmética, bijutaria artesanal, livros de infantis. Vim atraído pela superfície, descobri que o estabelecimento tivera outros usos no passado, deixaram belas superfícies em madeira, vale a pena subir ao primeiro andar e depois descer à cata de uma curiosidade, nem que seja para oferecer a familiares e amigos.


Aqui vende-se ouro, prata e relógios de parede. Mas o que verdadeiramente acicatou o viajante foram os tetos estucados, obra do passado, têm muito requinte. Quem o recebeu prontamente lhe deu carta-branca para escolher os ângulos que mais o interessavam. Fotografou deitado, de cócoras, experimentou os ângulos mais insólitos. Pois foi esta fotografia que mais interesse lhe despertou, há aqui qualquer coisa de palácio imperial, uma sala iluminada para receber ilustres convidados. Valeu a pena toda a ginástica para se atingir este esplendor de luz.


Quem diria que num espaço aparentemente tão exíguo existisse uma caverna de Ali Babá, aqui há de tudo como na botica, mas são as mãos da proprietária que merecem foguetes. Trata-se de uma senhora que deve ter as mãos em fogo, borda que se farta, são toalhas, são lenços, são panos, na altura até andava a ajeitar Menino Jesus com panejamentos artesanais. Aqui o que domina é o bricabraque, desde envidraçados a móveis de sala e de quarto, a proprietária é uma vendedora exímia. O viajante que o diga, não saiu dali com as mãos a abanar. Trata-se de uma rua muito bela, cá fora, deu para enamorar certos edifícios e certos pormenores. Mas isso é outra conversa, são questões que podem merecer crédito quando se falar da pele de Tomar.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15644: Os nossos seres, saberes e lazeres (136): O ventre de Tomar (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15675: Álbum fotográfico de Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAÇ 3846 (Susana, 1971/73): Parte IV: Kassumai: vistas do quartel de Susana (maio de 1971 / fevereiro de 1973)



Foto nº 1 > O Armando Costa, à civil


Foto nº 2 > Monumento às subunidades que passaram por Susana:  CCAÇ 1684 (de 1967 a abril de 1969); CCAÇ 1791 (de abril a agosto de 1969); CCAV 2538 (de agosto de 1969 a maio de 1971); e CCAV 3366 (de maio de 1971 a fevereiro de 1973)


Foto nº 3 > Aspeto parcial do quartel (1)


Foto nº 4 > Aspeto parcial do quartel (2)


Foto nº 5 > Aspeto parcial do quartel (3
)


Foto nº 6 > Aspeto parcial do quartel (4): monumento com a inscrição "Kassumai" (em saudação em felupe: "a paz seja contigo, sejas bem vindo, tudo de bom para ti!")


Guiné > Região do Cacheu > Susana >   CCAV 3366 (Susana, 1971/73) > Vistas do quartel >

Fotos: © Armando Costa (2016). Todos os direitos reservados.


1. Quarte parte da publicação de fotos do álbum do Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAV 3846, Susana, 1971/73) (*) [, foto atual à direita]:

A CCAV 3366, depois de ter chegado a Bissau em 9 de março de 1971, fez no Cumeré a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), e em maio seguiu para o seu destino, Susana, no coração do chão felupe.

A companhia regressou à metrópole em 8/3/1973. As fotos acima deverão ter sido tiradas  entre  maio de 1971 e fevereiro de 1973.

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Nota do editor:

Vd. postes anteriores da série