quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16890: Os nossos seres, saberes e lazeres (192): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
Não era sem tempo que se conhecesse uma instituição de gabarito, o Jardim Botânico de Meise, a umas dezenas de quilómetros de Bruxelas. A sorte não favorece só os audazes, põe-se do lado dos turistas num cálido dia de Verão, por ali se cirandou bisbilhotando escultura, herbários, um palácio de plantas, um castelo onde viveu uma imperatriz do México, estufas e fósseis. A primeira imagem calou fundo o viajante, é uma escultura que data de 1898 e se intitula "O tempo guia a juventude", de Pierre van der Stappen. Aqui se vai falar de mais coisas até partir para Zaventem, não é agradável partir e muito menos num aeroporto em atmosfera parente da guerra. Tudo fruto daquele terrível atentado que vitimou inocentes que partiam ou chegavam.

Um abraço do
Mário


De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (5)

Beja Santos

De há muito que se impunha visitar o Jardim Botânico, situado em Meise, qualquer coisa como a 40 km do centro de Bruxelas. É uma atração cultural e científica de alto nível: 18 mil espécies de plantas, dispersas por 92 hectares, um local cheio de história, espécies arbóreas fabulosas, estufas, um empolgante palácio das plantas, uma portentosa estufa em metal e vidro em Arte Nova e lá dentro o castelo de Bouchout, começado e construir no século XIV, renovado no século XIX em estilo neogótico, aqui viveu a imperatriz Carlota do México, mulher de Maximiliano da Áustria, fuzilado pelos republicanos mexicanos em 1867, a viúva viveu neste palácio até 1927. O viandante começou por namoriscar a arte pública, toda ela muito bela.



Com tanto hectare e tanto palácio, tanta árvore monumental, a estufa Arte Nova restaurada, a possibilidade de haver fósseis vivos e plantas pré-históricas, nenúfares e lótus, impunham a prudência. Os nenúfares gigantes atraem a pequenada, são muito resistentes e podem suportar pesos até 40 kg. O nenúfar é uma planta que deve a sua celebridade à floração, têm flores de 40 cm que só abrem à noite, é um branco cintilante e um odor doce. O jardim botânico é de facto uma instituição única na Bélgica e figura entre as dez instituições mais importantes do mundo na sua categoria e pelo preenchimento das suas três missões: investigação científica, conservação das espécies e partilha de conhecimentos.



Já se deambulou pelo palácio das plantas, viram-se catos, flores tropicais e plantas carnívoras, e até mesmo plantas medicinais. O ar livre reserva surpresas magníficas, os jardins estão muito bem tratados, há rosas selvagens e há rododendros de cortar o fôlego. E quem quiser comprovar a investigação científica que se faz no Jardim Botânico de Meise é ver a imensidade de publicações sobre plantas e jardins. O viandante gosta de ver árvores deslumbrantes, como a que fica na imagem.


Findo o passeio a Meise, resta ao viandante umas escassas horas antes de partir para Zavantem, os embarques são agora mais demorados, há muita tropa e muita vigilância, circula-se por tendas gigantescas e no percurso muitos jovens com crachá ao peito vão indicando o itinerário dos passageiros até chegarem ao controlo. Antes disto se passar em Zavantem, o viandante especa-se em frente de edifícios e locais de património, regista as suas recordações, o que está a fotografar conhece há muito, mas, passe o paradoxo, é quase como uma sensação pura, um primeiro confronto com o prazer estético. E antes de partir para um museu, entra na catedral de S. Miguel e procura, sem êxito, captar o esplendor barroco de um púlpito, mas como gosta muito, mesmo do que não cabe na imagem, partilha com os outros.




Um amigo alertou-o para uma exposição bizarra no Museu de Ixelles, que ele tanto aprecia. Trata-se de uma exposição da cineasta Agnès Varda, laureada com a palma de honra do festival de Cannes de 2015, por toda a sua obra cinematográfica. A exposição de Agnès Varda não é pacífica, houve mesmo críticos que a depreciaram. Fala de batatas, revela imagens da terra, do vento e das praias, é um reencontro com paragens e caminhos rurais que ficaram na imaginação da artista. Exposição composta de instalações, fotografias e vídeos, por ali cirandou o viandante confirmando que a velha Agnès Varda continua generosa misturando humoristicamente a infância e produções recentes, como se quisesse comprometer o visitante entre o imaginário e a realidade. Se era esse o seu objetivo, foi atingido. Por ali reina a sobriedade mas que em todas as circunstâncias supera o temível território do banal e do já visto.



Bela exposição, deixa saudades. Mas como a viagem nunca acaba há que ter fé noutras agradáveis surpresas, confiando que um dia destes, imprevistamente, se regressa a Bruxelas, impossível esquecê-la, tantas foram e continuam a ser as suas dádivas e oferendas.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16861: Os nossos seres, saberes e lazeres (191): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (4) (Mário Beja Santos)

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