quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16487: Os nossos seres, saberes e lazeres (173): From London to Surrey (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Em rigor não foi uma viagem meteórica, daquelas de ir num dia e vir no outro, foi um gosto passear-me por Londres e depois enclausurar-me num hotel sito no Surrey, um daqueles casos em que a natureza é pródiga e o seu envolvimento é um convite à distensão. O que mais me empolgava era perceber a série de transformações da casa, aproveitei os intervalos e os fins de tarde para por ali andar a cirandar.
Selsdon é uma vilinha talvez sem história mas tem aspetos que me tocaram muito. À porta de uma cervejaria, no seu interior, uma memória de Sir Julian Huxley, irmão do conhecido escritor, por ter sempre apoiado a causa ambiental da região. E percorrendo aquelas ruas empestadas de cheiro de fish and chips, encontrei duas lojas de filantropia, para ali as pessoas doam o que têm em excesso para fazer bem aos outros. Nunca compreendi essa nossa incapacidade para tão inspirador voluntariado.

Um abraço do
Mário


From London to Surrey (3)

Beja Santos

Tomei comboio em London Victoria até East Croydon, cidade de subúrbio, incaraterística, procurei o autocarro 64 que me deixaria em Selsdon, aí começaram as peripécias, o condutor disse que já não se circulava com dinheiro, era tudo com cartões, devia-me ter abastecido, uma gentil senhora percebeu que eu estava atarantado e com o seu cartão permitiu que eu tivesse acesso à viagem, insistia em pagar, depois de muito insistir entreguei-lhe duas libras. Alertou-me para o número de estações, que depois de sair virasse à direita, passasse o supermercado Sainsbury’s, atravessasse a rua e entrasse em Selsdon Park, um quilómetro à frente encontraria a mansão transformada em hotel. Tudo correu bem, nem havia a ameaça de um pingo de chuva. Arrumei a trouxa e comecei as minhas pesquisas. Aqui viveu o bispo de Rochester, no início do século a casa adaptou-se a hotel, o presente proprietário introduziu-lhe benfeitorias, sem danificar os sinais do passado.





Comecei por dar espetáculo, gostei da pintura do teto, mas de tão profusamente iluminado o caminho que me restava era deitar-me na alcatifa e procurar um ângulo convincente. Esqueci-me que andavam por ali doentes de toda a espécie, uma rapariga mais velha do que eu deu um gritinho quando me viu no chão, esclareci e a colega sorriu, de onde virá este marmanjo para fotografar tetos, tirar fotografias a lareiras, anglas da casa, vitrais? Tudo isto é século XIX, o império britânico tinha réditos para esta classe viver na abastança, uma abastança com sinais de gosto, entenda-se. Quando vejo isto tudo, que é mais europeu do que europeu, pergunto-me o que lhes acontecerá se houver uma maioria que dite a saída da União Europeia. Percorro a Grã-Bretanha, o cristianismo, a arte medieval, o apogeu da industrialização, a literatura, a ciência, as explorações geográficas, e aqui me detenho, são sopro genuinamente europeu. Gostava de saber onde é que estes tipos inventaram que vivem numa ilha fora da Europa… É preciso ter descaramento!


E para que saibam que esta deambulação não é uma refeição grátis, foram dois dias e meio a falar de inovação nos sistemas de saúde, a debater os processos das associações de doentes participarem em ensaios clínicos, a criarem redes de interação e a saber fazer boa advocacia junto dos poderes políticos. Como em tudo na vida, ouvi apreciações brilhantes e outras não tanto, momentos houve que saí para apanhar ar, e numa dessas alturas provi-me da câmara para registar a bela natureza que nos circundava.


Passeei por aqui demoradamente, são as amplas traseiras de Selsdon Hotel, dá para ver os acrescentos a partir da residência episcopal. Tem majestade, os britânicos quando se viram cheios de dinheiro contagiaram-se com belas mansões com sinais do passado, é por isso que nas boas casas de campo do século XIX vemos reminiscências do chamado estilo Rainha Ana ou Jacobita. O resultado é que quando nos passeamos no interior encontramos cantos e recantos, alguns deles esconsos, não há os longos corredores que encontramos nos hotéis feitos de origem. Em suma, dá gosto conviver com este cheiro do passado.




Depois do longo sono de Inverno, a natureza começa a vibrar em Fevereiro, o primeiro sinal do novo tempo são os campos com longos tapetes de snowdrops, acreditem que é uma beleza. Vêm depois as bluebells e os narcisos, as árvores cobrem-se de flores e quando há raios de sol a natureza é vibrante. É por isso que eu me despeço deste passeio partilhando convosco esta exuberância de verde e arvoredo que parece caminhar para o infinito.
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Nota o editor

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