domingo, 21 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16408: Memórias de Gabú (José Saúde) (64): “Mansões” na densidade de um mato que acolhia combatentes exaustos. A palhota.


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

As minhas memórias de Gabu

“Mansões” na densidade de um mato que acolhia combatentes exaustos.

A palhota

As palhotas, vulgarmente conhecidas por cabana de negros, eram simplesmente silhuetas reais que o combatente visualizava em pleno mato. Serviam, por vezes, para um precioso descanso a militares exaustos pelas agruras de um matagal que não dava tréguas e de uma imprevisibilidade constante.

O calor intenso, o cansaço da jornada, a falta de um abençoado sossego e um momento de pausa para retemperar as forças inevitavelmente já esgotadas, a palhota era um pressuposto paraíso de uma guerrilha que teimava em manter ativa a sua persistência num terreno que nos era adverso.

Conheci, aliás conhecemos, essa indesmentível realidade em território da Guiné. Em chão fula, Gabu, deparei-me com essa inequívoca veracidade. Tratava-se de um “trono” onde se retemperavam malazengas físicas que entretanto se apoderavam de um corpo que aparentava alguma debilidade.

A palhota era normalmente construída de forma simples e pelo pessoal anfitrião que bem conhecia as técnicas artesanais utilizadas na sua feitura. Um pequeno círculo, uns paus em madeira que sustentavam o material utilizado em cima, normalmente capim, julgo, ou outro semelhante, e eis uma “mansão” que acolhia combatentes fatigados.

Não entro em pormenores sobre a sua razão de ser. As causas dos usos e costumes das palhotas terão obviamente explicações plausíveis. Sei que muitas foram as vezes que por lá passei e descansei.

Na época das chuvas as palhotas eram símbolos maiores para fugir à tempestade. Resguardávamo-nos, quanto possível, da intempérie. Sendo o espaço exíguo, a malta acomodava-se e lá deixava o tempo diluir-se num tempo sem tempo. Ah, chovesse ou não a cântaros nem uma pinga de água passava por aquele arcaico “manto”.

Creio que o tema sobre as palhotas é motivo para os camaradas dissecarem conteúdos reais sobre as nossas comissões na Guiné. Na minha perspetiva raro será certamente aquele camarada que não se obsequiou pela sombra, ou resguardo, de uma palhota no mato.

A palhota nas minhas costas (foto) situava-se numa zona onde a malta fazia uma proteção avançada que visava proteger os aviões que aterravam e levantavam voo da pista de Nova Lamego.

O tempo era de guerra, razão pela qual o meu grupo se encarregava dessa missão. Lembro que foram horas imensas que passámos nessa incumbência. Não há registos de escaramuças ao largo da minha comissão. Mas, o tempo que passei naquele chão fula faz parte absoluta das minhas memórias de Gabu e as palhotas tema de interesse. 


Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BRT 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

8 DE JUNHO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16177: Memórias de Gabú (José Saúde) (63): O “ventre” de um espólio raramente conhecido. Passagem de bens alimentícios em armazém.

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