domingo, 14 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15745: Atlanticando-me (Tony Borié) (6): Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

Sexto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

Olá companheiros.
Novo ano, oxalá continuemos juntos, pelo menos até às novas Festas de fim de Ano e, já agora com saúde e alegria, no meio de todas estas “modernices”. Se tiveram pachorra, leram a história do Nico, que era Eurico, talvez seja igual a dezenas de “Manéis, Antónios, Josés e Joões, que deixaram o seu país, na esperança de uma vida mais confortável, ou talvez só para ver novos continentes, novos costumes ou novas pessoas.

Não queremos falar no novo título, que dá pelo nome de “Atlanticando-me”, que até nós temos dificuldade em pronunciá-lo, como quase todos já sabem o nosso preferido era “A Pedra da...”, mas esse potencial título já tem dono... o Hélder não o larga, e faz muito bem, pois é muito original e dá “pano para mangas”!.

Voltamos à guerra, às armas de fogo, à Guiné, a Mansoa, onde havia uma comunidade de militares, civis e talvez alguns guerrilheiros onde, para os mais velhos, não era necessário ter divisas, davam ordens aos mais novos, era a regra, era a origem das coisas, cumpria-se e, só depois de cumprir, se “refilava”. O nosso sargento da messe, que na altura devia andar pelos trinta e tais, para nós parecia um “velho”, hoje lembramo-nos que podia ser nosso neto, mas adiante, frequentemente ordenava-me mais ou menos isto:
- Olha, vê se me limpas e oleias a pistola e a G3, porque qualquer dia isto já não dispara.

Nós não estávamos muito familiarizados com armas de fogo, contudo pedíamos ao furriel do pelotão de morteiros, aquele que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão, que pertencia ao nosso grupo de “fumadores e bebedores”, que ajudou a construir um cabanal, onde havia uma mesa feita de barris de vinho vazios, onde limpavam e davam manutenção ao equipamento de combate, que depois de limpo andava por ali a dar tiros, aos pássaros da bolanha ou a qualquer outra coisa que mexesse e, ainda hoje não sabemos se esses tiros eram dados para passar a mensagem de que se estava vivo e se andava por ali, ou se eram tiros de raiva contra o sistema que nos mandou para África.

Tudo isto bem a propósito de que o nosso Presidente Obama, limpar algumas lágrimas em frente a um canal de televisão, lamentando tantos tiros que por aqui são dados, onde morrem adultos e crianças inocentes, as suas lágrimas também são nossas, juntamo-nos a ele nesta luta para acabar com a venda de armas de fogo a qualquer um que as queira comprar, sem haver uma identificação rigorosa, seguida de um treino em estabelecimento apropriado, que devia durar o tempo suficiente para que no final o instruendo pudesse ser avaliado por um júri qualificado.


Falámos com o nosso vizinho a respeito de armas de fogo, ele, que por aqui vive há mais de dez anos, veio de Nova Iorque com a esposa, andam pela nossa idade, emocionado disse-nos mais ou menos estas palavras:
- Após meses de exame de consciência, decidimos comprar um revólver, não foi uma decisão de ânimo leve, pelo menos os nossos filhos tentaram dissuadir-nos, mas depois do que vemos e ouvimos na televisão todos os dias, com actos de violência em todo o lado, ficámos com a sensação de que deveríamos fazer algo diferente, não estamos dispostos a esperar que alguém nos proteja, temos a sensação de que devemos ser nós a assumir a nossa segurança. Também sabemos que não somos os únicos a lutar com esta decisão, pois as lojas de armas em todo o país estão a revelar um aumento nas suas vendas, entendemos que é um facto triste que as vendas de armas vão para cima depois de um qualquer tiro ou ataque terrorista, mas uma coisa é certa, não temos ilusões, pelo menos nós, que somos seres humanos, portanto criaturas emocionais, vamos continuar a ser boas pessoas e bons vizinhos, apesar de possuirmos uma arma de fogo, contudo não vamos continuar a ser um alvo fácil, vamos fazer como alguém já disse, “quando tentarem roubar-te a vida, fala macio e mostra um cajado dos grandes", pelo menos nós, não nos queremos sentir num alvo fácil.

Por aqui, em alguns estados, a venda de armas é quase um ritual normal, quase como ir a um “supermercado”, comprar, batatas, cebolas, arroz e pão, para consumo normal de uma vida normal, abastecer-se, embrulhar e trazer para casa, só com a diferença que devem preencher um simples formulário, que posteriormente será entregue ao departamento de segurança da sua área, entretanto, já saem armados do estabelecimento, dizem-nos até que armas de fogo, munições e outras partes de equipamento de combate, são um investimento, compra-se uns milhares de munições calibre tal, passado um tempo já valem mais, mesmo na “feira das pulgas”, que é uma feira de fim de semana, que se realiza na área onde vivemos, já abriu uma loja de armas de fogo, está sempre ocupada com potenciais clientes honestos, ou futuros homicidas, dizem-nos que compram armas para protecção pessoal, colecção, divertimento de tiro ao alvo, ou para a caça aos ursos, fazendo de nós pessoas inocentes, “uns grandes ursos”.

De um modo ou de outro, todos nós sabemos uma coisa que cada vez se torna mais verdadeira, anda por aí muito idiota, que não consegue controlar-se e decide largar toda a sua raiva em pessoas inocentes, usando uma arma de fogo. Se entrevistarem 10 pessoas que possuem armas de fogo, pelo menos 6 vão responder que entre outras coisas é por receio ao terrorismo, palavra muito frequente entre o nosso vocabulário, enquanto combatentes, lá nas bolanhas e savanas da então nossa Guiné.

Antes de terminar, só mais um pequeno pormenor, há por aqui estados, como por exemplo o Texas, onde possuir uma arma de fogo é normal, como qualquer cidadão usar um par de sapatos para protecção dos pés, portanto é uma sociedade quase armada, mas educada por gerações, onde se respeitam, pois quando se cruzam duas pessoas na rua, não vão entrar em conflito, pois sabem que tanto um como o outro podem estar armados, portanto é uma sociedade altamente resistente a qualquer ataque

Tony Borie, Fevereiro de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15716: Atlanticando-me (Tony Borié) (5): Nunca é tarde (5)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Tony, desenvolves aqui uma ponto de vista interessante, esse das armas de defesa individuais na América.

Mas essas armas em países americanos como aí, Brasil, México, Colômbia, Venezuela, etc. etc. são um risco pior do que aquelas minas anti-pessoal e anti-carro que havia na Guiné e em Angola e Moçambique.

Falam os técnicos de desminagem de campos minados que daqui a 100 anos, ainda vão rebentar minas nos campos de Angola nesta guerra angolana onde entraram americanos, cubanos, sul africanos e russos para substituir a gente.

Tony, esses países armados americanos são mais difíceis de desminar do que os países africanos como Angola.

No Rio conheçi eu ao vivo o que são armas à solta e mais que uma apontadas a mim, e tal como em Angola nos meus treze anos de guerra, onde só por sorte ouvi tiros na carreira de tiro, aprendi que a melhor arma de defesa é estar desarmado.

No meu ponto de vista, (tenho pontos de vista para quase tudo, há 40 anos para cá, antes era novo, não pensava), Tony, o Obama, pelo que leio, tem a mesma opinião que eu, isto é, sem armas.

Ao menos os cow-boys antigos andavam na rua com os revólveres à mostra, o que era pouco grave .

Penso que o Obama tem razão, mas nem sempre quem tem razão, leva a melhor, tal como aconteceu connosco na Guiné e os nossos comandos africanos.

Cumprimentos e manda sempre.