quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15352: Os nossos seres, saberes e lazeres (127): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
Não espero que a minha paixão por Bruxelas vos contagie, embora confie que estas imagens contribuam para deitar a baixo aquelas observações preconceituosas de que Bruxelas é uma cidade escura e com pouco para ver. Aqueles sujeitos que vão às reuniões nos muitos edifícios da Comissão Europeia saem do aeroporto, metem-se num comboio, chegam à gare central e caminham para o hotel. A essa hora praticamente está tudo escuro, jantam, dão um passeio curto e voltam para o hotel; no dia seguinte vão para a reunião, depois compram chocolates na cidade, apanham o comboio e metem-se no avião, sempre a mesma rotina.
Encontrei uma vez um funcionário do ministério da Agricultura com um largo currículo de dezenas e dezenas de reuniões que nunca tinha passado um fim-de-semana para conhecer a cidade. É assim que as coisas se passam e se montam os mitos.
Hoje passei o dia em Bruxelas e depois viajei para outro local encantador. Sim, viajar é como ler, torna-nos menos intrusos na hospitalidade dos outros.

Um abraço do
Mário


Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (6)

Beja Santos

Bruxelas até à saturação das horas

Tenho o dia por minha conta, só ao entardecer é que se marcha para a Lorena belga. Pelas oito da manhã, com uma temperatura amena, sem qualquer ameaça de chuva, entre triunfal na Feira da Ladra de Bruxelas, na Place du Jeu de Balle, aqui me maravilho nesta Caverna de Ali Babá. O Ali Babá vem a propósito, este mercado de quinquilharia é controlado por árabes, aqui se encontram muitos espólios, isto é, os herdeiros encontram um comprador que esvazia a casa, levam tudo: arrastadeiras, piaçabas, toneladas de livros, a loiça de cozinha que os herdeiros recusam, roupa, chapéus de coco, tudo a que a fantasia pode aspirar. É aqui que me movo, em vez do Euromilhões acredito, cheio de fé, que vou encontrar traquitana a meu gosto.



Foi dia de boa safra: levo porcelanas para a minha neta, um defumador japonês, apanhei no lixo uma estampa congolesa, vários livros a preços incríveis. Pareço levitar no meio da bugiganga, há para ali umas senhoras que vendem lenços para o pescoço, rendas e outras coisas que já me conhecem. Hoje não encontrei lá nada a meu gosto, mas saio da feira sempre conformado, há mais marés que marinheiros.



Na véspera, tinha lido num matutino a notícia de uma exposição que me deixou a salivar: a caricatura na ótica dos desenhadores comunistas belgas. O prestígio do Partido Comunista da Bélgica, força política que se foi diluindo até se extinguir no fim da década de 1970, era de tal ordem, graças sobretudo ao esforço heróico na resistência contra os nazis, era de tal ordem que quando caminhava para o acaso, centenas de personalidades de todos os quadrantes fizeram um apelo para que o seu espólio não se extraviasse. E não se extraviou. Esta exposição revela o uso da ironia e da denúncia nos contornos ácidos de desenhos publicados em jornais, em cartazes, sobretudo. Caricatura que faz rir e tomar partido, ali se mostra acidez contra patrões, a NATO, os Estados Unidos, os socialistas, há para ali aspetos líricos e trágicos espantosos. Quem se interessar por caricatura de altíssima qualidade e queira conhecer o acervo desta exposição, recomenda-se o site http://www.carcob.eu/Expositions



Combinei com amigos ir almoçar num bairro que aprecio muito, Saint Gilles, um bairro que felizmente tem conhecido um processo de preservação do seu rico património. À saída, pedi licença para registar umas imagens das belas fachadas de Arte Nova, aqui são às largas dezenas. A mim não me confunde, estamos no tempo em que a Bélgica era uma potência mundial de primeiro plano, acompanhava Paris muito de perto, havia dinheiro a rodos e essa burguesia próspera queria viver como os parisienses. Digo isto assim porque há aqui um cheiro parisiense, e como em Paris passeiam-se pelas ruas gente que vem de 120 países, pelo menos. Ainda quis entrar na Livraria Aurora, onde há uma excelente secção relacionada com África, estava fechada. Eu não podia esperar queria ir ver a exposição Paisagens Belgas, no Museu d’Ixelles.


Venho ver um conjunto de pinturas, fotografias, vídeo e instalações. O que me atraiu sobre este tema da paisagem, de 1830 à atualidade, era a proposta dos módulos: paisagens do país; paisagens com motivo na indústria; noturnos; nuvens; paisagens imaginárias; abstração e natureza. O curador ganhou a aposta pelo enquadramento temático e pela belíssima escolha da prata da casa e de artistas que cederam as suas obras, do tempo mais recente. Olho para o relógio, com esta sofreguidão esqueço-me que tenho horas para me apresentar, são quase três horas até às Ardenas. Ainda corro pelo museu e um tanto à sorrelfa, já que a minha câmara tem flash, o que está banido dos museus, tirei uma imagem a esta Virgem Louca de Rik Wouters. Não me digam que não é uma escultura impressionante.


Tinha idealizado passar pelo Museu Magritte, sou seu admirador incondicional. De monco caído, à falta do melhor, vou folheando um livrinho sobre Magritte, o que não vi com os meus olhos, nas salas do museu, mostro-vos só para não se esquecerem que René Magritte é um dos grandes pontífices do surrealismo.



Chega de Bruxelas, já vamos a caminho, passamos por Namur, de que tanto gosto. Janta-se em Durbuy, uma localidade formosa e famosa. Entre o arrumar o carro e desentorpecer as pernas, vi uma galeria e entrei, estavam expostas obras de um senhor de nome Roland Devolder. Já ia de barriga cheia, já vira demasiado, desde traquitana e álbuns de família, boa arquitetura, boa caricatura e belas obras sobre paisagens belgas. Por ali andei arrefecido, até que parei em frente a um Ícaro, que me assombrou. Pedi licença, aqui fica a imagem. Hoje não me peçam mais nada, nem eu próprio sei as surpresas que me reservam a Lorena e as Ardenas. Eu depois conto.


(Continua)
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Nota do editor

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